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ANEXO 1 – Estatutos do Partido Communista do Brazil, março de 1922

1. A IMPRENSA OPERÁRIA EM QUESTÃO

1.1 O despontar da imprensa operária e sindical no Brasil

1.1.2 Um período de profundas transformações: a partidarização em relevo

O Brasil entra na guerra em outubro de 1917 e o clima de animosidade aumenta; todavia, com uma diferença essencial: as lideranças do movimento operário passam a ter discernimento do seu potencial de mobilização, somado a isso é preciso considerar que “entre 1907 e 1920, o proletariado brasileiro quase duplicou, e o número de estabelecimentos fabris quase triplicou, se elevando de 3.258 para 9.47576”, o que indica uma alteração substancial no cenário urbano para

um país, até então, profundamente rural e, mais ainda, dependente dessa estrutura econômica.

74 ROIO, Marcos Del. O Impacto da Revolução Russa e da Internacional Comunista no Brasil. In: História do Marxismo no Brasil: O impacto das revoluções. Vol. I. MORAES, João Quartim de.;

REIS, Daniel Aarão. (orgs.). Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 2007. pp. 64-65. [grifos do autor.].

75 Para maiores informação acerca dos nomes dos deportados e das circunstâncias em que foram

julgados ver: DULLES, John Foster. Op. cit. p. 60.

76 KONDER, Leandro. A derrota da dialética: recepção das ideias de Marx no Brasil até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p. 124.

Na esfera internacional, outras iniciativas fornecem fôlego às agitações operárias brasileiras. No ano de “1919, é dada por fundada a Internacional Comunista com o objetivo estabelecido de defender a revolução na Rússia e contribuir para a difusão da revolução socialista77”; esse fato desencadearia uma

série de desdobramentos na política operária brasileira.

Cientes das conquistas obtidas 78 através das greves e agitações

desencadeadas em larga escala, os militantes desses organismos sindicais e operários também passam a compreender que suas estratégias de luta não dão conta de manter as conquistas alcançadas a tão duras penas79. Instala-se, então,

no movimento operário brasileiro, aquilo que Cláudio Batalha entende como uma “crise ideológica80”, pois de acordo com ele:

As principais correntes ideológicas até então presentes no movimento passam por mudanças ao longo dos anos 1920: o socialismo, ideologicamente vinculado à Segunda Internacional – mesmo que não existisse qualquer ligação mais sólida –, praticamente desaparece no movimento operário; o sindicalismo reformista associa-se, cada vez mais, a reivindicações setoriais específicas, ao passo que politicamente torna-se mais conservador; já o anarquismo tende a assumir um caráter mais ideológico, inclusive dentro dos sindicatos, à medida que o sindicalismo revolucionário vai declinando81.

Essa crise coloca em evidência a necessidade de reformulação das práticas políticas no interior do movimento operário brasileiro. Nesse contexto é que surge o primeiro “Partido Comunista do Brazil”, fundado em março de 1919, na cidade do Rio de Janeiro. O caráter libertário de seu programa pode ser percebido através das

77 Cf. ROIO, Marcos del. A gênese do Partido Comunista (1919-29). In: FERREIRA, Jorge; REIS,

Daniel Aarão. (orgs.). A formação das tradições (1889–1945). Op. cit. p. 228.

78 Entre essas conquistas está a jornada de oito horas de trabalho. Para maiores informações ver:

DULLES, John Foster. Op. cit. pp. 73-75.

79 O Ano de 1918 é emblemático nesse sentido, pois os anarquistas tencionavam provocar um

processo revolucionário no Brasil, impulsionados pelos eventos transcorridos na Rússia. Uma série de movimentos grevistas e agitações populares ocorrem nesse período, sobretudo, em São Paulo. Porém tais iniciativas são duramente reprimidas e muitas de suas lideranças são deportadas. Para maiores informações ver: KAREPOVS, Dainis. A Esquerda e o Parlamento no Brasil: O Bloco

Operário e Camponês (1924-1930). PPG História USP: São Paulo, 2002. (Tese de Doutorado). pp.

25-26

80 BATALHA, Cláudio. O movimento Operário na Primeira República. Op. cit. p. 58 81 Idem.

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reivindicações de algumas de suas lideranças que propunham a abstenção eleitoral e se colocavam contra o sufrágio universal82.

Na cidade de São Paulo, também no ano de 1919, foi fundado por um grupo de militantes anarquistas vinculados ao jornal A Plebe, outro Partido Comunista, também de caráter ácrata, apesar de tentar vincular-se à Revolução Russa. Durante esse período, uma série de outros pequenos partidos surgiram sob o forte entusiasmo provocado pela Revolução Russa afirmando-se comunistas; por esta razão, o Grupo Comunista do Rio de Janeiro convocou a Primeira Conferência Comunista em junho de 191983, nela os temas caros ao anarquismo continuavam

ocupando o espaço central na pauta de discussões.

É importante pensarmos esses organismos não somente em relação à política interna brasileira, como também em relação à política internacional. Ainda que restrito, o acesso no Brasil a periódicos operários: Espanhóis, Portugueses, Franceses, etc., possibilitou a própria circulação de informações a respeito de organizações como a Internacional Comunista. Além disso, os contatos estabelecidos por algumas lideranças com organismos como a Internacional Comunista (IC) fez com que a concepção que se tinha sobre a Revolução Russa se alterasse. As notícias acerca da revolução passam a ficar mais densas e se espalham com maior facilidade, conferindo clareza ao seu caráter político-ideológico. As disputas no Brasil entre anarquistas e aqueles que se afirmavam “bolchevistas”, mais alinhados à política de Moscou se tornavam cada vez mais acirradas. Segundo Marcos Del Roio:

Iniciada em tons cordiais, a polêmica foi assumindo tons sempre mais ríspidos, até que em novembro, nas horas finais do jornal Voz

do Povo, já conhecidos os documentos do II Congresso da IC, a

situação se precipitou, com a divisão aberta entre aqueles que continuavam apoiando a Revolução Russa e a IC, tendendo, portanto, a encaminhar-se para uma nova fundação do partido

82 KAREPOVS, Dainis. A Esquerda e o Parlamento no Brasil: O Bloco Operário e Camponês (1924-1930). Op. cit. pp. 28-29.

83 BARTZ, Frederico Duarte. Partido Comunista do Brazil (1919): lutas divergências e esquecimentos.

In: Aedos: Revista do Corpo Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Porto Alegre: v.2, n.4. pp. 318-330, nov. 2009. p. 322. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/aedos/article/view/10936 Acesso em: 17/04/2014.

comunista, e aqueles que optaram por refluir no ideário anarcossindicalista, passando a criticar a revolução russa84.

Dessa cisão que vai continuamente se agravando é que se dá a consequente fundação do Partido Communista do Brazil em março de 1922. O processo de fundação do PC do Brazil se deu a partir da aliança articulada entre o Grupo Comunista de Porto Alegre e o Grupo Comunista do Rio. Foi chamado um congresso nacional para deliberar acerca da fundação do partido, tencionando fundá-lo a tempo de ser representado no Quarto Congresso Mundial da Terceira Internacional85.

Cotando com um total de nove fundadores 86 e inaugurado como a

“vanguarda do proletariado brasileiro”, o Partido Communista do Brazil – Seção Brasileira da Internacional Comunista87, lança sua plataforma de lutas filiada ao

“bolchevismo” e que consistia na vinculação político-ideológica à tradição revolucionária russa. Conforme considera Eliezer Pacheco, a fundação do PCB foi permeada por uma estrutura muito simples:

O começo do PCB foi realmente, muito modesto, passando a ser constituído pelo conjunto dos grupos comunistas, agora transformados em organizações locais do Partido e submetidos a uma direção nacional e aos Estatutos. Eram ao todo 73 militantes, espalhados pelo país, sem grande ligação com as massas e com uma insuficiência teórica muito grande. Os estatutos, embora fossem uma adaptação bastante aproximada dos Estatutos do Partido Comunista Argentino, refletiam o alheamento dos comunistas brasileiros das grandes questões teóricas em debate no movimento comunista. Octávio Brandão, também um dos fundadores, chama a atenção para o fato de o mesmo estabelecer como únicas condições para o ingresso no PCB ter 18 anos, assinar a ficha de filiação e pertencer ao sindicato da categoria, quando este existisse. Como se vê, assumiam não a fórmula de Lênin, exigindo de cada militante do partido a sua participação em uma organização do partido, mas a

84 ROIO, Marcos Del. O Impacto da Revolução Russa e da Internacional Comunista no Brasil. In:

MORAES, João Quartim de.; REIS, Daniel Aarão. (orgs.). História do Marxismo no Brasil: O

impacto das revoluções. Op. cit. p. 74. 85 DULLES, John Foster. Op. cit. p.146.

86 São eles: o jornalista carioca Astrojildo Pereira, Manuel Cendon, Joaquim Barbosa, João da Costa

Pimenta, Luís Peres, José Elias da Silva, Hermogêneo Silva, o gaúcho Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro. Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da Ilusão: a revolução mundial e o Brasil

1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

87 Mesmo tendo a filiação à Internacional Comunista homologada somente em 1924, o partido já se

apresenta como vinculado à IC, no intuito de deixar clara sua posição de apoio à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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fórmula do menchevique Martov, questão que dividiu os social- democratas russos em 190388.

As considerações de Pacheco acerca da estrutura inicial do PCB são pertinentes também no sentido de pensarmos as origens políticas de suas lideranças. É muito importante salientarmos que boa parte desses militantes vinha de uma trajetória política ácrata, portanto, suas percepções acerca das estratégias de luta ainda estavam muito “contaminadas” por parte do substrato ideológico libertário. Astrojildo Pereira, inclusive, reconhece em uma de suas autocríticas, o que considerou falhas teóricas incorporadas à sua atuação inicial dentro do Partido Communista do Brazil; conforme pontua, a sua “aceitação entusiástica da ideologia anarquista desde 1910” somada à “ausência de tradição marxista no país, constituía um lastro ideológico difícil de alijar89”.

Em verdade, a vulgarização da obras teóricas de Marx e Engels era uma realidade; essas leituras só chegam ao Brasil em maior medida na década de 1920 pela inciativa dos próprios dirigentes do Partido em contato com as lideranças do Partido Comunista da Argentina, ou por influência da IC a partir de 1924 e, mesmo assim, com traduções simplificadoras. Além disso, a linguagem utilizada pelo filósofo alemão era rebuscada demais e continha muitas abstrações inacessíveis, muitas vezes, aos trabalhadores recém inseridos na política operária. A imprensa operária teve, nesse sentido, um papel fundamental, pois contribuiu para a incipiente compreensão dos temas mais caros ao movimento através da incorporação de imagens que, também, ilustravam os textos90. Segundo João Quartim de Moraes a

consciência política desses militantes estava condicionada a um olhar dogmático acerca da realidade brasileira:

Obviamente, durante esta fase iniciar de descoberta político- intelectual da teoria que havia encontrado na Revolução russa sua verificação histórica, o esforço para aplicá-la na compreensão do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira não comportava

88 PACHECO, Eliezer. O Partido Comunista Brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa-Ômega, 1984.

p. 88.

89 INTERVENÇÃO de. Astrojildo Pereira ao prefácio de Silvio Romero em Obras Completas de Tobias

Barreto. Arquivo Astrojildo Pereira. Centro de Documentação e Memória da UNESP. p. 23.

90 Ainda que postas enquanto ilustrações, essas imagens adquirem muitas outras funções no interior

dessas publicações, não restringindo-se apenas ao texto impresso no seu entorno. Sobre as múltiplas funcionalidades dessas imagens, falaremos mais detalhadamente adiante.

nenhuma dimensão crítica. A teoria, ou mais exatamente, a doutrina, era concebida como estoque de preceitos, conceitos e critérios analíticos entesourados nas obras consagradas do socialismo científico. O que não excluía originalidade de pensamento e agudeza de análise a respeito da sociedade brasileira. A característica mais notável, com efeito, da fase de pioneirismo intelectual do comunismo em nosso país, é o contraste entre a concepção espessamente dogmática da teoria e a pertinência de muitas de suas observações e até previsões, sobre a dinâmica objetiva do processo histórica nacional. É ironia fácil argumentar que Otávio Brandão, Astrojildo Pereira e outros pioneiros do comunismo brasileiro conseguiam observar lucidamente a sociedade e a cultura que os cercavam quando, e somente quando, se esqueciam do arsenal doutrinário marxista-leninista para falar do que viam. O argumento verdadeiro é mais complexo. A fecundidade teórica do materialismo histórico, mesmo quando utilizado em sua vulgata, é tanta, mormente levando em conta a indigência intelectual das classes dominantes – e portanto da cultura dominante –, que as ideias políticas dos primeiros intelectuais marxistas brasileiros desvendaram a dinâmica da evolução nacional na crítica conjuntura do final dos anos de 1920 com muito maior lucidez (notadamente no que concerne aos efeitos catastróficos da crise mundial – que Brandão e Astrojildo, apoiados em seu marxismo rudimentar, previram com muita antecedência – sobre a monocultura cafeeira da exportação) do que os intelectuais das classes dominantes91.

Os anos de 1920 em diante são para o Brasil um período conturbado, com agitações políticas que sacudiram o país, alguns desses eventos acabam por vir de encontro à história do Partido Communista do Brazil e à própria reformulação do movimento operário no país. É em meio a esse momento que eclode o tenentismo; o desacordo de interesses entre militares de médias e baixas patentes com a política oligárquica sedimentada no país fez com que estes passassem a questionar a representatividade das classes médias através do voto secreto e o contraste evidenciado pelo impulso modernizador do início do século, o movimento acaba alcançando tamanha amplitude que mesmo militares de patentes mais elevadas acabam aderindo. De acordo com Mário Cleber Martins Lanna Júnior:

O tenentismo, como movimento de conspiração, pegou em armas para lutar contra as oligarquias dominantes. Nesse período, surgiu como única alternativa aos anseios das classes médias populares. As mudanças tinham que ser feitas pelas armas, o que teria transformado os militares rebeldes em vanguarda política da luta contra o domínio oligárquico da burguesia cafeeira e seus aliados.

91 MORAES, João Quartim de. A Evolução da Consciência Política dos Marxistas Brasileiros. pp. 43-

102. In: MORAES, João Quartim de. (org.). História do Marxismo no Brasil: Os influxos teóricos. Vol II. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 2007. pp. 55-56.

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Entretanto, esse foi um liberalismo de fachada. Fundamentalmente, o tenentismo se manteve fiel a defesa da ordem e das instituições. Não tinha uma proposta militarista no sentido de um governo militar, mas era elitista; propunha a moralização política contra as oligarquias cafeeiras. Os jovens oficiais seriam os responsáveis por essa moralização, através da Revolução e da entrega do poder para políticos considerados por eles como “honestos”92.

Três foram os principais movimentos provocados pela onda de protestos tenentistas. O primeiro deles realizou-se a 05 de julho de 1922 na cidade do Rio de Janeiro, onde soldados e oficiais do exército bombardearam o Forte de Copacabana sob a liderança do tenente Antônio de Siqueira Campos. O bombardeio durou toda a madrugada do dia 05 de julho, no entanto, de acordo com Hermes da Fonseca, então comandante do Forte, Siqueira Campos autorizou o abandono àqueles que não desejassem permanecer no confronto com as tropas legalistas; a grande maioria dos militares desertou, restando apenas 18 combatentes. Estes saíram às ruas do Rio de Janeiro com armas em punho em direção ao Palácio do Catete. Durante o trajeto grande parte dos revoltosos morreu em virtude dos confrontos restando apenas dois deles, os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes93.

O clima de agitação e revolta não cessou por aí. Em 05 de julho de 1924, um levante muito parecido teve início em São Paulo, liderado pelo general Isidoro Dias Lopes, o capitão Joaquim Távora e o major Miguel Costa. Contando com o apoio da polícia militar o grupo de revoltosos conseguiu expulsar o governo estadual paulista, entretanto, em virtude do pesado confronto, foram obrigados a se retirar da cidade para que não fossem derrotados, dirigindo-se para o sul no anseio de expansão do movimento onde se encontrariam mais tarde com os revoltosos do Rio Grande do Sul.

A onda de rebeliões se alastra para o interior do Rio Grande do Sul, as lideranças do movimento eram o capitão Luís Carlos Prestes e o capitão Juarez Távora. O processo foi muito parecido com o paulista: sublevações de militares que culminaram na ocupação de diversas localidades. Em confronto com as forças

92 LANNA JÚNIOR, Mário Cléber Martins. Tenentismo e crises políticas na Primeira República. In:

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. Vol I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 316.

legalistas o grupo se desloca para São Luís, compondo a chamada Coluna Prestes, liderada pelo capitão gaúcho94. Acerca do vínculo entre essas agitações e a história

do Partido Communista do Brazil, Sodré assinala:

São processos paralelos, ao longo dos anos do terceiro decênio do século: o da evolução do Tenentismo de um lado, e o da evolução do PCB de outro. Nascidos no mesmo ano, o da sucessão presidencial, 1922, caminham separados. O PCB deve, de início, emergir da crise infantil proporcionada pela sua estria anarquista. Para isso, entretanto, defronta obstáculos consideráveis, decorrentes das medidas de repressão que visam o Tenentismo, particularmente o longo estado de sítio, que o coloca na clandestinidade. O retorno à vida legal, em março de 1927, abre perspectivas, logo encaradas. Já em 1923, entre os dois movimentos tenentistas, o de 1922 e o de 1924, o PCB atravessa a crise ligada à filiação à Internacional Comunista, só solucionada com a vinda ao Brasil do dirigente argentino Rodolfo Guioldi, que, em relatório de janeiro de 1924, recomenda à IC a aceitação da filiação do PCB95.

A Coluna Prestes, como ficou conhecido o movimento liderado por Luís Carlos Prestes, andou por todo o interior do Brasil reivindicando uma espécie de “justiça política”, mas não tinha como objetivo transformar a sociedade brasileira consideravelmente, pois segundo Anita Leocádia, Prestes é taxativo ao afirmar que “não existia noção de classe dentro do movimento96”, o que existia era um

pensamento relacionado ao ideário de “evolução política”, no sentido de desvincular o Estado do poder oligárquico tão forte politicamente no Brasil de então.

As concepções políticas dessas lideranças ainda estavam muito embasadas em práticas reformistas de caráter pequeno-burguês, tanto é assim que a Coluna Prestes primava por evitar confrontos sempre que possível. A estratégia do grupo era muito semelhante à guerrilha, pois com o apoio da população local por onde passava angariavam contribuições, inclusive, provendo alimentos ao grupo. A simpatia alcançada pela Coluna chega a tal ponto que Prestes ganha o codinome de “Cavaleiro da Esperança”. Criou-se uma aura mística em torno da figura do capitão

94 Idem. pp. 327-329.

95 SODRÉ, Nelson Werneck. A Coluna Prestes. São Paulo: Círculo do Livro, 1968. pp. 65-66.

96 PRESTES, Anita Leocádia. Uma Epopeia Brasileira: A Coluna Prestes. São Paulo: Moderna,

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invicto que atravessou o Brasil levando consigo os ideais de justiça e liberdade e lutando contra o poder ilimitado do patronato brasileiro97.

Em 1927, depois de longos anos de existência e contabilizando poucas perdas, a Coluna, sem êxito no fomento de revoltas locais contra os grupos dirigentes decide dirigir-se à Bolívia. É lá que Prestes irá reformular suas concepções político-ideológicas. Todavia, ocorre que durante o período em que a Coluna percorreu o país aumentou proporcionalmente a investida repressiva estatal contra os movimentos opositores do período; é justamente em meio a esse contexto que o Partido Communista é lançado na ilegalidade. Sobre isso, Astrojildo Pereira considera:

Convém recordar que a formação do Partido se processou durante meses de extrema tensão política, motivada sobretudo pela campanha de sucessão presidencial. Realizada a eleição de 1º de março de 1922, a luta política, em vez de amainar, cresceu de intensidade e virulência. A 5 de julho, o Forte de Copacabana tomou a palavra. Foi vencido, mas continuou fumegando. O governo decretou estado de sítio. Com isso, viu-se o Partido jogado na ilegalidade três meses e pouco depois do congresso de fundação. Tudo se complicou enormemente daí por diante. Mas o fato mais significativo que devemos aqui salientar é que o Partido não desapareceu nem cessou sua atividade, nas novas e difíceis condições criadas pelo estado de sítio98.

A fase de ilegalidade do Partido Communista do Brazil só será interrompida em 192599, no entanto, conforme assinala Pereira, as iniciativas do Partido não

silenciaram durante a ilegalidade, ao contrário, o afinco em transformar o partido brasileiro em uma célula da IC de Moscou fez com que a atividade política de seus dirigentes redobrasse. O pedido de admissão foi impetrado por Antonio Bernardo Canellas, um dos dirigentes do Partido Communista do Brazil nesse momento, porém não foi bem recebido em Moscou. O próprio Canellas, em relatório da delegacia operária da Rússia, divulgado em 1923 pelo próprio Partido, afirma de

97 Sobre o tema ver: SODRÉ, Nelson Werneck. A Coluna Prestes. Op. cit. 98 PEREIRA, Astrojildo. Op. cit. p. 80.