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1.2 Revisão de Literatura

2.2.3 Locus da Aprendizagem Organizacional

2.2.3.1 Modelos de Aprendizagem Organizacional

Nonaka e Takeuchi (1997) desenvolveram uma teoria de conversão do conhecimento individual em conhecimento organizacional. Segundo eles, o conhecimento organizacional é desenvolvido a partir da inter-relação entre conhecimento explícito e conhecimento tácito, sob quatro maneiras: socialização, externalização, internalização e combinação. O conhecimento tácito é subjetivo e resulta da experiência e da prática, enquanto que o conhecimento explícito é objetivo e resulta da teoria.

A socialização do conhecimento é a conversão do conhecimento tácito para tácito, um processo de compartilhamento de experiências e de modelos mentais; a externalização é conversão do conhecimento tácito para o explícito, o conhecimento explicitado por meio de metáforas, analogias, reflexões coletivas e modelos. A externalização é a chave para a criação do conhecimento, pois cria conceitos novos e explícitos a partir do conhecimento tácito; a combinação do conhecimento explícito para o conhecimento explícito é um processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento. A criação do conhecimento realizada por meio de treinamentos formais, a comunicação por meio de redes de computadores, documentos, reuniões etc. são tipos de combinação. A internalização, conversão do conhecimento explícito para o conhecimento tácito, é a incorporação do conhecimento explícito no tácito. O conhecimento disponível é reprocessado pelo indivíduo e internalizado como um novo conhecimento. Está diretamente ligada ao “aprender fazendo” (NONAKA e TAKEUCHI, 1997).

Outros estudiosos também investigaram o processo de criação do conhecimento nas organizações. Crossan, Lane e White (1999) propuseram o “modelo dos quatro is” para descrever os processos de aprendizagem inter- relacionados por quatro fases: intuição, interpretação, integração e institucionalização. Segundo eles, esses processos ocorrem em três níveis: individual, grupal e organizacional. A intuição (insights pessoais a partir das experiências) e a interpretação (diálogo compartilhado por meio da linguagem e de metáforas) ocorrem no nível individual, enquanto que a integração (construção compartilhada entre os indivíduos e coordenação de ações a partir de ajustamentos mútuos) e institucionalização (ações rotinizadas), no nível grupal e organizacional.

Em uma perspectiva analógica entre a aprendizagem individual e a organizacional, Zabalza (2004) identifica a partir do modelo de aprendizagem piagetiano três etapas do processo de aprendizagem organizativa: exploração, assimilação e acomodação. A exploração é o momento de busca das possibilidades de mudança desejada. Nesta fase se desenvolvem, também, aproximações por meio de mudanças pontuais. Em seguida, com o início da consolidação da mudança experimental, passa-se para a assimilação da mudança. Esta torna-se familiar e é percebida pelos membros da organização como inevitável. Com a acomodação à nova situação, criam-se novos elementos, estando pronta a enfrentar novas metas, pois já aprendeu e enriqueceu suas estruturas com a nova aprendizagem.

Os processos de aprendizagem organizacional, a partir do conceito de aprendizagem colaborativa de Vygotsky, tomam como ponto inicial uma etapa prévia em que ocorrem trocas e produções coletivas. A partir dessa etapa são construídas representações e idéias tanto pelo indivíduo como pelo seu interlocutor. À medida que são construídas, essas idéias vão se ajustando de acordo com as percepções de cada sujeito (ZABALZA, 2004). Assim, para que ocorra a aprendizagem no nível organizacional, deve haver a mudança nas idéias e práticas dos indivíduos, assim como um contexto favorável de aprendizagem colaborativa. Daí a importância da fase de comunicação e de troca entre os sujeitos, pois, do contrário, aconteceria uma “mudança por decreto”, o que seria improdutivo, segundo o autor.

O processo de aprendizagem organizacional estudado por Argyris (2001) concentra-se no que ele denomina de rotinas defensivas organizacionais, entendidas como certos padrões de conduta de membros da organização. Essas atitudes e intervenções defensivas são, na verdade, estratégias que as pessoas ou grupos adotam para preservar o bom ambiente da organização, para evitar a exposição ao fracasso, assim como para evitar qualquer tipo de conflito. O autor acrescenta que esses comportamentos, na maioria das vezes, não são movimentos perversos que pretendam manter a todo custo o status quo. Pelo contrário, são frutos da “boa intenção de proteger” a si e/ou aos demais de situações incômodas ou ameaçadoras.

As rotinas defensivas organizacionais “protegem em excesso e impedem a aprendizagem” (ARGYRIS, 2001, p.83). Os comportamentos defensivos são explicados por Argyris (2001) por duas causas fundamentais encontradas nas teorias da ação: uma que as pessoas acolhem - modelo I; e outra que efetivamente utilizam - modelo II.

O modelo I representa um programa-mestre mental que a pessoa adota e que não varia. Segundo o autor, esse modelo é encontrado em todos os indivíduos independente de cultura, raça, sexo e idade. É regido pelos seguintes valores: a) alcançar os propósitos pretendidos;

b) maximizar os ganhos e minimizar as perdas; c) reprimir sentimentos negativos; e

d) ter um comportamento conforme o que considera racional.

Todavia, durante a realização das suas pesquisas, Argyris percebeu que o comportamento utilizado para implementar o modelo I sofria variação. De acordo

com o autor, as pessoas adotam atitudes defensivas para evitar embaraços ou situações ameaçadoras e essa regra se aplicaria para todas as culturas, o que variava era a forma de implementação. A adoção desse tipo de comportamento promove o que denomina de aprendizado de uma volta, que é caracterizado pelo fato de detectar o erro, mas não alterar o modelo adotado.

O modelo II representa a teoria da ação que o indivíduo realmente manifesta, e pode ser observado por meio de seu comportamento e suas ações. Os valores reguladores desse modelo são a informação válida, escolhas sustentadas e supervisão cuidadosa da execução da escolha com a finalidade de detectar e corrigir os erros. Porém, a correção desses erros se dá depois da revisão dos valores inerentes ao modelo. A esse processo Argyris cunhou o termo aprendizagem de duas voltas. A diferença que há entre os dois modelos é quanto ao uso das estratégias da ação. No primeiro modelo as estratégias de defesa e avaliação são voltadas para encobrir os erros e os fracassos. Já o modelo II adota as estratégias de defesa e avaliação abertamente. Ou seja, demonstrando explicitamente para os atores a forma e o raciocínio empregado para gerar as inferências e as avaliações para questionamento e comprovação. No Quadro 5 pode-se observar as principais diferenças entre os dois modelos.

Quadro 5 – Modelos I e II da Teoria da Ação de Argyris

MODELO I MODELO II

Valores predominantes Valores predominantes - Ter controle unilateral das situações

- Esforçar-se para ganhar e para não perder - Suprimir os sentimentos negativos próprios e alheios

- Ser o mais racional possível

- Utilizar informações válidas

- Dar às pessoas o direito de optar livremente e com informação

- Assumir responsabilidade pessoal no monitoramento da eficácia

Estratégias de ação Estratégias de ação - Defender sua posição

- Avaliar os pensamentos e as ações dos outros (e seus pensamentos e ações)

- Atribuir causas ao que quer que esteja tentando entender

- Criar situação ou ambientes em que os participantes possam ser originais e sintam um alto nível de gratificação pessoal (sucesso psicológico, afirmação, sensação de ser essencial)

- Proteger-se passa a ser um empreendimento conjunto e orientado para o crescimento (falam-se em categorias prontamente observáveis, tenta-se reduzir a cegueira em relação à própria inconsistência e incongruência)

- Proteger os outros é algo feito em paralelo Resultado do aprendizado Resultado do aprendizado

- Os resultados são limitados ou inibidos

- Há conseqüências que encorajam os mal- entendidos

- Surgem processos de erro auto-alimentáveis

- O aprendizado é facilitado

- Há uma redução gradual e constante dos mecanismos de defesa organizacionais

À medida que os membros da organização propagam e perpetuam as rotinas defensivas, as inconsistências, os artifícios e a cegueira com o próprio exercício das rotinas, todas essas anomalias, passarão a fazer parte da trama da cultura organizacional. Com o tempo, as pessoas desenvolvem alguns artifícios para evitar a experiência do fracasso. Dentre os artifícios apontados por Argyris (2001) cabe destaque o falar mais que os outros. A prática das defesas organizacionais faz com que as pessoas desenvolvam a incompetência habilidosa, que é a capacidade que o indivíduo tem de conseguir produzir os resultados pretendidos por meio da “autopreservação e de previsões determinantes, o que vai contra o real aprendizado” (Argyris, 1999, p.14). E acrescenta,

quando a pessoa está inconsciente da raiz das suas habilidades, tem dificuldade em adquirir habilidades. Por isso, é preciso haver um questionamento sincero acerca dos aprendizados e, principalmente quando há mudanças à vista – ou seja, o modelo II, de duas voltas (ARGYRIS, 1999, p. 14).

Outra problemática levantada por Argyris (2001) é a inconsciência habilidosa. Esta questão está relacionada ao fato de as pessoas não terem consciência de que não estão fornecendo as informações certas e sinceras sobre o outro. Não porque as estejam ocultando, mas porque simplesmente lhes falta a consciência. Isso, muitas vezes, dificulta a revisão dos modelos verdadeiramente adotados.

Para contribuir com a descoberta da teoria em uso, Argyris desenvolveu um exercício chamado “exercício da coluna esquerda” como forma de levantar as informações necessárias para identificar os problemas. Esse exercício consiste numa técnica que, segundo o autor, é econômica, facilita a descoberta dos pensamentos e sentimentos que estão censurados e é eficaz na elaboração do prognóstico dos mecanismos de defesas das pessoas. Na prática o exercício acontece assim: é solicitado para a pessoa identificar ou imaginar uma conversa insatisfatória, em seguida pede-se que o indivíduo escreva um ou dois parágrafos sobre a natureza da situação e que após trace uma linha vertical no meio da folha de papel. Na coluna da direita a pessoa irá transcrever o diálogo que desenvolveu (com toda a fidelidade). Quando finalizada a transcrição do diálogo, passa-se para a coluna da esquerda. Nesta fase a pessoa irá escrever os pensamentos e sentimentos que não expressou enquanto falava e escutava. Este exercício possibilita à pessoa identificar os resultados da conversação e seus pensamentos

sobre eles. Dessa análise o indivíduo pode ter maior conhecimento sobre seu modelo mental, seu processo conversacional e do problema em questão (ARGYRIS, 2001; KOFMAN, 2002).

Argyris (1999) adverte para a necessidade de muita prática para mudar do modelo I para o modelo II e indica algumas regras para a efetividade dessa prática: a) é necessário que as pessoas tomem consciência do modelo I;

b) é necessário que as pessoas sejam ajudadas a perceber a inconsciência habilidosa e a incompetência habilidosa;

c) é necessário mesclar às anteriores a conscientização sobre as conseqüências para a organização;

d) é necessário deixar que as pessoas relacionem esse tipo de conhecimento às decisões tomadas no dia-a-dia da organização;

e) é necessário praticar bastante o exercício e, nessa prática, focar os problemas que as pessoas consideram importantes; e

f) é necessário que o alto escalão da organização comece, comprovadamente, a comportar-se conforme o modelo II, para então passar para o próximo nível hierárquico.

É preciso substituir o comportamento conservador ou de controle unilateral por outro modelo que atue com os mesmos valores, mas com significado novo. O apoio mútuo transforma-se em compromisso mútuo de desenvolver capacidades próprias e alheias visando a enfrentar coletivamente as situações e problemas reais, sejam eles agradáveis ou não. A aprendizagem ocorre por meio de duas condicionantes. A primeira é quando a organização alcança o resultado que esperava, ajustando o seu desenho para a ação e realidade do fim que busca. A segunda é quando se identifica e corrige os desajustes entre as intenções e os resultados (ARGYRIS, 2001).

Segundo Kofman (2002), as rotinas defensivas impedem o aprendizado mútuo e reafirmam a segurança pessoal, enquanto colocam a organização em uma espiral de autodestruição.

Para Zabalza (2004), esse comportamento deriva da aprendizagem que desde cedo o indivíduo assimila: a necessidade de evitar situações embaraçosas e ameaçadoras, ou seja, preservar a estabilidade e o bem-estar. Dessa aprendizagem derivam os comportamentos defensivos: omitir a verdade, se ela incomodar; tangenciar assuntos complexos e conflituosos; fazer prevalecer as relações cordiais

sobre qualquer outro propósito; ser sempre educado; manter atitude cooperativa com o menor desgaste possível. Esses tipos de rotinas causam sérios prejuízos para a aprendizagem, para a economia da organização, para as relações entre as pessoas e até mesmo para a saúde mental delas. De Vries e Miller (1984) escrevem que esse tipo de comportamento estimula o rancor, esconde os conflitos e propicia uma atmosfera de falso consenso, criando o que denominam de organizações neuróticas.

Para Senge (1997), a aprendizagem organizacional ocorre por meio do desenvolvimento do que ele chama de cinco disciplinas. O sentido de disciplina para o autor significa um corpo de teoria e técnica que deve ser estudado e colocado em prática, como caminho de desenvolvimento para a aquisição de determinadas habilidades ou competências. Essas cinco disciplinas fundamentais são:

- Pensamento sistêmico: é um quadro referencial de conceitos, um conjunto de conhecimentos e ferramentas desenvolvidos para esclarecer padrões como um todo e para ajudar a perceber como modificar esses padrões de modo a torná-los efetivos.

- Domínio pessoal: é a aprendizagem voltada para o autodesenvolvimento e aperfeiçoamento constantes. A importância dessa disciplina é atribuída ao fato de que uma organização só pode evoluir à medida que seus membros esclarecem seus objetivos de vida e os desenvolvem em consonância com os objetivos organizacionais. Num movimento de esclarecer constantemente o que é importante para si próprio (o que deseja) e de aprender continuamente a enxergar com clareza a realidade do momento (onde está em relação ao desejo) surge uma tensão positiva que impulsiona o indivíduo a centrar seus esforços no sentido que deseja. - Modelos Mentais: são pressupostos e imagens internas profundamente

arraigados na subjetividade pessoal sobre o funcionamento do mundo e que dá sentido à forma de pensar e agir. Muitas vezes o indivíduo não tem consciência do seu modelo mental e de seus efeitos sobre o seu comportamento. O desenvolvimento dessa disciplina promove a contínua reflexão do que compõe o seu modelo mental, visando à melhoria dos seus quadros mentais ou mesmo a apropriação de outros.

- Visão compartilhada: é a busca do desenvolvimento de habilidades de descobrir imagens de futuro compartilhadas que estimulem o compromisso genuíno e o envolvimento mútuos.

- Aprendizagem em equipe: o desenvolvimento dessa disciplina inicia pelo diálogo, pela capacidade de os membros da equipe deixar de lado suas idéias preconcebidas e participar de um verdadeiro pensar coletivo.

Segundo Senge (1997), é vital que as cinco disciplinas sejam desenvolvidas em conjunto. Esse é o desafio proposto no seu modelo, pois é muito mais difícil integrar novas ferramentas do que simplesmente aplicá-las em separado. Por isso, ele considera o pensamento sistêmico como a quinta disciplina. A que irá integrar as outras num corpo coerente entre a teoria e a prática, pois “sem uma orientação sistêmica, não há motivação para analisar as inter-relações entre as disciplinas. Ampliando cada uma das outras disciplinas, o pensamento sistêmico lembra que a soma das partes pode exceder o todo” (SENGE, 1997, p. 45).

Nesse sentido, compreender como se desenvolve a teia de interações humanas dentro das organizações é crucial para o processo de aprendizagem efetivo, uma vez que ambos mostram-se indissociáveis. Os tipos de interações entre líderes e liderados poderá facilitar ou bloquear a aprendizagem por toda a organização. Assim, a comunicação, como uma das formas mais genuínas de interação humana nas organizações, tem sido, em outros campos, um dos temas centrais nos estudos sobre a aprendizagem organizacional (ARGYRIS, 2000; CAMILLO, 2003; ECHEVERRIA, 1999; FLEURY, 2000; FRITZ, 1997; SENGE, 1997).

O conceito de significados compartilhados tem ocupado posição destacada na literatura recente como importância no alinhamento estratégico e sobrevivência organizacional. Merece, portanto, ser analisado em seus vínculos com os processos de aprendizagem organizacional – que, por sua vez, influem na tomada de decisões, no desenvolvimento de estratégias e no desempenho organizacional – para que se clarifique em que medida as interações humanas contribuem para configurar a ação efetiva (ZANELLI, 2000, p.1).

Para Kofman (2002), a comunicação não se restringe ao intercâmbio de palavras. É, para o autor, a maneira pela qual as pessoas coordenam ações para fazer com que sua efetividade conjunta supere a soma das habilidades individuais. Assim, a essência da organização é o espaço conversacional em que os integrantes

podem desenvolver vínculos produtivos e sinérgicos. Cabe aos líderes da organização estabelecer e manter uma cultura que estimule esses vínculos.

Outro problema fundamental da comunicação está relacionado às interpretações, pois cada indivíduo tem a sua compreensão e acredita, em geral, ser ela uma verdade absoluta. Assim, quando cada interlocutor tem a sua “verdade absoluta”, a conversação se transforma em uma luta pela razão, acreditando-se existir apenas uma verdade. Com isso, o objetivo principal que é maximizar a eficiência do conjunto é deixado de lado, e o objetivo passa a ser a definição de quem está certo ou errado (KOFMAN, 2002).

Assim, pode-se perceber que grande parte da efetividade do processo de aprendizagem dentro da organização está estreitamente relacionado à efetividade do seu processo de comunicação. Essa efetividade se dá principalmente pela existência de habilidade do líder (ou líderes) em desenvolver no ambiente da organização uma cultura produtiva de compreensão mútua das relações humanas.