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CAPÍTULO I FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

I.1. Modelos de formação inicial e competências para o exercício de “ser

A formação de professores tem sido uma das prioridades de intervenção e mudança social, como considera Cunha (2008) a respeito das bases teóricas do ensino. Ao estabelecer um paralelismo entre a evolução dos modelos de formação e dos modelos de ensino, Altet (2000), argumenta a existência de quatro modelos de formação de professores com as seguintes caraterísticas:

“O modelo intelectualista da Antiguidade considerava o professor como um mestre (…). O segundo modelo surge com as escolas normais, onde se fazia formação no ofício por aprendizagem imitativa, que se apoiava na prática de um professor experiente (…). No terceiro modelo, o professor apoia-se nos

contributos científicos das ciências humanas (…) No quarto modelo, a dialética teoria-prática deve ser substituída por um vaivém entre prática- teoria-prática e que o professor se deve tornar num profissional reflexivo, capaz de analisar as suas práticas, de resolver problemas, de inventar estratégias” (ibidem:28).

Na articulação entre desafios que se colocam aos professores e desafios que se colocam à formação inicial de professores Estrela (2002) considera que, para que o professor possa responder a todas as mudanças, conseguindo depois transmiti-las com rigor e criatividade aos seus alunos, é necessário que tenha desenvolvido um conjunto de competências, isto é, que seja capaz de mobilizar os conhecimentos cognitivos necessários para enfrentar as realidades socio educacionais. A respeito destas competências transversais Gouveia et al (2014) desenvolveram um estudo com educadores e professores do 1.º CEB que mostrou a importância das “competências Ética/Valores e Responsabilidade e Trabalho em Equipa (e de) Criatividade/Inovação (ibidem:318) na formação profissional dos docentes de Educação Básica.

É nesta linha formativa que, segundo Estrela (2002), devem assentar os modelos da formação inicial de professores. Em sua perspetiva a formação inicial de professores representa “o início, institucionalmente enquadrado e formal, de um processo de preparação e desenvolvimento global da pessoa, em ordem ao desempenho e realização profissional” (ibidem:18). Deve centrar- se nos percursos, tenham eles uma base mais personalista ou mais desenvolvimentista e comportar “metáforas diferentes da profissão (professor- facilitador, professor-recurso, professor-consultor, artista, artesão, pesquisador, inovador, reflexivo)” (ibidem:24).

Estrela (2002) considera, contudo, que os modelos de formação de professores, tanto a nível da formação como da supervisão, se têm orientado para a transmissão de conhecimentos e de cultura, encarando os futuros professores como objetos da sua formação, com o objetivo de os preparar de forma competente. Assumindo um posicionamento crítico, e em proximidade com as pedagogias ativas, argumenta que “o acto pedagógico tem que ser uma

construção constante do professor, com os alunos, a partir da análise que ele faz do real“ (ibidem:26), potenciando a articulação entre a teoria e a prática.

Pode enquadrar-se também nesta perspetiva a visão de Perrenoud (2000) ao sustentar que para que um dispositivo de formação seja capaz de garantir a construção de competências deve apostar numa “forte articulação entre teorias e práticas [e colocar] o currículo real à altura das ambições do programa” (ibidem:160).

A articulação entre teoria e prática em contexto de formação inicial, associada às experiências de ensino dos próprios alunos, futuros professores e às suas reflexões, é também defendida por Korthagen (2009). Segundo o autor, o papel da reflexão na aprendizagem do professor deve assumir um carácter sistemático no sentido de potenciar a tomada de consciência dos alunos (futuros professores) relativamente a aspetos importantes das situações educativas, muitas vezes não consciencializados.

Em trabalhos posteriores o mesmo autor (Korthagen, 2010a, 2010b), aponta falhas na articulação entre a teoria e a pedagogia, destacando a fricção entre o desejo de os professores suportarem as práticas docentes na teoria e os seus comportamentos na prática. Neste mesma linha pode ser situada a perspetiva de Esteves (2001), quando chama a atenção para

“a existência de um fosso que se vai alargando entre, de um lado, um exercício profissional dos docentes que se torna cada vez mais complexo, e, de outro lado, uma formação tanto inicial como contínua, frequentemente mais inspirada na tradição, na rotina, em convicções e crenças implícitas” (ibidem:217).

Em sua perspetiva, na formação inicial de professores são detetados constrangimentos e limitações “constituídos por uma formação educacional espartilhada por disciplinas” (ibidem:232). A autora sustenta, então, a ideia de que a reconceptualização da formação de professores passará por atitudes de adesão a uma conceção aberta do profissionalismo docente suportada num “exame crítico aprofundado dos currículos e dos programas que são oferecidos pelas instituições formadoras” (ibidem). Sustenta ainda a importância da

existência de uma relação entre ensino e investigação, admitindo, contudo, que embora não sendo fácil essa relação ela é desejável pois configura um “modo de promover uma maior aproximação possível dos professores ao saber teórico é tomá-los como co-construtores desse saber” (ibidem:225).

Esta visão da formação pode ancorar-se no pensamento de Freire (2007:38) quando sustenta que

“é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é um presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o dentro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador”.

Corroborando também estas ideias, Marques e Oliveira (2007) argumentam que

“é através do confronto entre o que pensamos e o que colocamos em prática que ocorrem as reestruturações das práticas pedagógicas do profissional educativo. Com base nessas reflexões, o profissional, em conjunto com os seus colegas, encontra soluções para as questões, tornando-se assim um ser questionador mas simultaneamente um agente ativo e implementador de mudança” (ibidem:130).

Estas concetualizações remetem para a ideia de prático reflexivo, preconizada por Shön (2000), segundo o qual o professor reflete antes da ação, na ação e após a ação e ancora-se nas orientações sobre a formação de professores que têm vindo a ser sustentadas por Zeichner (1993, 2008) e que defendem que para que um profissional de educação enriqueça a sua prática pedagógica é impreterível que o mesmo usufrua da ação reflexiva, por ele considerada um “processo que ocorre antes e depois da acção e, em certa medida, durante a acção” (Zeichner, 1993:20). Tal como sublinha o autor, a ideia de prática reflexiva

“envolve, à primeira vista, o reconhecimento de que os professores devem exercer, juntamente com outras pessoas, um papel ativo na formulação dos propósitos e finalidades de seu trabalho e de que devem assumir funções de liderança nas reformas escolares (…) e o reconhecimento de que os professores também têm teorias que podem contribuir para o desenvolvimento para um conhecimento de base comum sobre boas práticas de ensino” (2008: 540).

Neste mesmo trabalho, o autor, numa leitura crítica sobre as potencialidades da formação reflexiva interroga até que ponto esta significou um desenvolvimento real dos professores e conclui que, apesar dos muitos esforços, “a formação docente reflexiva minou a intenção emancipadora frequentemente expressa pelos formadores de educadores”, nomeadamente pelos diferentes usos que o conceito “reflexão” foi adquirindo (ibidem: 541). Zeichner (2008) aponta vários aspetos que podem ter contribuído para o declínio da “teoria da reflexão”: a ideia de que esta teoria significou uma ajuda para os professores reproduzirem melhor o currículo no sentido de contribuírem para a melhoria dos resultados dos alunos em testes padronizados; a ideia de “persistência da racionalidade técnica sob o slogan do ensino reflexivo, permitindo-se apenas aos professores “que ajustassem os meios para se atingir objetivos definidos por outras pessoas”, o que tornou o ensino “meramente uma atividade técnica (ibidem: 542); a ênfase das reflexões dos professores sobre o seu próprio ensino e sobre os estudantes, desconsiderando-se as condições sociais da educação escolar que tanto influenciam o trabalho docente em sala de aula” (ibidem). Nesta linha de raciocínio, considera, assim, que é necessário sermos cuidadosos quanto ao

“envolvimento dos professores em questões que vão além dos limites de suas salas de aula, para que isso não signifique demandas excessivas de tempo, energia e expertise, desviando a atenção deles de sua missão central com os estudantes” (ibidem: 142-143).

Ainda um outro aspeto realçado por Zeichner (2008) diz respeito à reflexão individual dos professores e à não existência de uma prática reflexiva conjunta. Por palavras do próprio autor, “existe ainda muito pouca ênfase sobre a reflexão como uma prática social que acontece em comunidades de professores que se apoiam mutuamente e em que um sustenta o crescimento do outro (ibidem: 143). Uma consequência disto foi a de os professores “passarem a considerar seus problemas como exclusivamente seus, não os relacionando aos de outros professores ou à estrutura da educação escolar” (ibidem). Este cenário, que corresponde ao que desde há pelo menos uma década vivemos no sistema educativo português, levou a um

“uso disseminado de termos como “esgotamento docente”, o qual desviava a atenção dos professores de uma análise crítica das escolas e das estruturas do trabalho docente para uma preocupação com seus fracassos individuais” (ibidem).

Assiste-se, nos últimos dez anos, ao que tem sido designado por “mal estar docente” para o qual têm contribuído o caráter inconsequente das politicas educativas e das políticas de formação de professores em particular.

I.2. Cenários e perspetivas para o presente e para o