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CAPÍTULO I FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

I.3. O Processo de Bolonha e a formação inicial de professores em Portugal:

legais

As políticas sobre formação inicial de professores constituem pano de fundo da investigação, uma vez que são determinantes nos processos organizacionais da formação de professores e, naturalmente, nas orientações relativas à supervisão pedagógica dos futuros professores. Nesta pesquisa orienta-nos a intenção de compreender o sentido de mudança ocorrida nas diretrizes para a formação dos professores preconizadas pelo PB.

Em Portugal, no âmbito do PB, as orientações sobre a formação inicial de professores são as instituídas pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março2. Uma análise deste diploma permite-nos sistematizar algumas ideias

relativamente ao modelo de formação preconizado. Neste normativo são enunciados, entre outros, os seguintes objetivos: garantir a qualificação dos portugueses no espaço europeu; melhorar a qualidade e a relevância das

2 Este diploma legal que regulamenta as alterações introduzidas pela Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86) relativas ao modelo de organização do ensino superior.

formações oferecidas; fomentar a mobilidade dos estudantes e diplomados e a internacionalização das formações; estruturar o modelo de organização do ensino superior no que respeita a ciclos de estudos.

O modelo de formação inicial de professores proposto baseia-se no modelo europeu e confere um alargamento dos domínios de habilitação, nomeadamente no grau de mestre (2.º ciclo de estudos). De acordo com o estipulado no ponto 1, Art.º18, o 2º ciclo de estudos tem desde “90 a 120 créditos e uma duração normal compreendida entre três e quatro semestres curriculares de trabalho dos alunos”. O trabalho do estudante deve desenvolver-se em cada unidade curricular, incluindo “sessões de ensino de natureza colectiva, sessões de orientação pessoal de tipo tutorial, estágios, projectos, trabalhos no terreno, estudo e a avaliação” (ibidem). Para além das questões da avaliação a obtenção do grau de mestre é assente no desenvolvimento de competências das quais se destacam as que permitam “uma aprendizagem ao longo da vida, de um modo fundamentalmente auto- orientado ou autónomo” (ibidem, Art.º 15).

No que concerne à formação profissional, o normativo prevê que o “ensino politécnico […] deve assegurar, predominantemente, a aquisição pelo estudante de uma especialização de natureza profissional” (ponto 4, Art.º18). Neste sentido profissionalizante, o ciclo de estudos mencionado é composto por “um estágio de natureza profissional objecto de relatório final […] a que corresponde um mínimo de 35% do total dos créditos do ciclo de estudos” (ponto 1, Art.º20).

Relativamente às questões referentes à orientação, o documento define que “A elaboração da dissertação ou do trabalho de projecto e a realização do estágio são orientadas por um doutor ou por especialista de mérito reconhecido como tal pelo órgão científico estatutariamente competente do estabelecimento de ensino superior, nacional ou estrangeiro” (ibidem, Art.º 21).

Na sequência das ideias destacadas, relativas ao Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, o Decreto-Lei nº 43/2007, de 22 de fevereiro, reforça a delimitação dos domínios de habilitação para a docência, privilegiando uma

maior abrangência de níveis e ciclos com a habilitação do docente generalista que passa a incluir perfis de habilitação que podem abranger mais do que um nível de formação e ensino, como, por exemplo, habilitação para a EPE e para o 1.ºCEB.

Pode estabelecer-se uma relação entre este alargamento dos ciclos de habilitação e o perfil de desempenho profissional expresso no Decreto-Lei n.º 241/2001. Este documento, ao apontar que o perfil específico de desempenho profissional “deve promover a integração de todas as vertentes do currículo e a articulação das aprendizagens do 1.º Ciclo com as da Educação Pré-escolar e as do 2.º Ciclo” (ibidem, Art.º 2) já refletia uma posição relativamente às competências inerentes ao perfil de formação do Professor do 1.º CEB. Nesta conjugação entre as competências e o perfil de formação, para se tornar num bom profissional de educação, o futuro professor terá de ter em conta o Perfil Específico do Educador de Infância e o do professor do 1.º CEB. Este decreto elenca também a forma como o profissional de educação deve organizar e avaliar o espaço educativo, bem como as atividades e projetos curriculares que são desenvolvidos no contexto educativo. A par disto remete para as competências que o profissional de educação deve patentear, enquanto membro da comunidade educativa de acordo com o Currículo nacional do ensino básico: competências essenciais (M.E, 2001).

A confluência de competências entre a EPE e o 1.º CEB coaduna-se com domínios de habilitação para a docência introduzidos pelo Decreto-Lei nº 43/2007, conforme se mencionou. Há uma valorização não só dos aspetos de articulação entre ciclos mas também de supervisão das práticas pedagógicas. Regista-se portanto uma evolução em relação ao anterior Decreto-Lei n.º 74/2006 que não mencionava qualquer aspeto de orientação ou supervisão. Com efeito, o Decreto-Lei nº 43/2007 destaca:

“a área de iniciação à prática profissional consagrando-a, em grande parte, à prática de ensino supervisionada, dado constituir o momento privilegiado, e insubstituível, de aprendizagem da mobilização dos conhecimentos, capacidades, competências e atitudes, adquiridas nas outras áreas, na produção, em contexto real, de práticas profissionais adequadas a situações

concretas na sala de aula, na escola e na articulação desta com a comunidade.”(ibidem, preâmbulo:1321).

Ainda no que concerne aos aspetos da supervisão ou orientação, o mesmo documento enuncia que nos protocolos com as escolas cooperantes devem constar, entre outros aspetos:

“Identificação dos orientadores cooperantes disponíveis para cada domínio de habilitação para a docência e eventuais contrapartidas disponibilizadas aos mesmos pela escola cooperante; (…) Condições para a realização da prática de ensino supervisionada nas turmas do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada, sempre na presença do orientador cooperante; (…) Condições para a participação dos estudantes noutras actividades de desenvolvimento curricular e organizacional realizadas fora da sala de aula, desde que apoiados pelos orientadores cooperantes” (ibidem, Art.º 18).

Destaca também as componentes de formação compostas por atividades integradas na componente de iniciação à prática profissional e que “incluem a observação e colaboração em situações de educação e ensino e a prática de ensino supervisionada na sala de aula e na escola, correspondendo esta última ao estágio de natureza profissional objecto de relatório final” (ibidem, Art.º 14). Especificamente, sobre a supervisão e orientação de estágios profissionalizantes, o Decreto-Lei nº 43/2007, de 22 de fevereiro, determina o seguinte: “Na escolha do orientador cooperante é dada preferência aos docentes que sejam portadores de formação especializada em supervisão pedagógica e formação de formadores e ou experiência profissional de supervisão” (ibidem: ponto 3, Art.º19). No mesmo documento é salientado que:

“Na delimitação dos domínios de habilitação para a docência privilegia-se, neste novo sistema, maior abrangência de níveis e ciclos de ensino a fim de tornar possível a mobilidade dos docentes entre os mesmos. Esta mobilidade permite o acompanhamento dos alunos pelos mesmos professores por um período de tempo mais alargado, a flexibilização da gestão de recursos

humanos afectos ao sistema educativo e da respectiva trajectória profissional” (ibidem, preâmbulo:1320).

O modelo de formação preconizado aponta para a existência de articulação entre as diferentes valências constantes do percurso dos discentes, implementada de uma forma consistente, tal como se constata da análise da Circular nº 17/DSDC/DEPEB/2007. Enuncia-se que

“A articulação entre as várias etapas do percurso educativo implica uma sequencialidade progressiva, conferindo a cada etapa a função de completar, aprofundar e alargar a etapa anterior, numa perspectiva de continuidade e unidade global de educação/ensino. Aos educadores de infância e professores do 1.º ciclo compete ter uma atitude proactiva na procura desta continuidade/sequencialidade, não deixando de afirmar a especificidade de cada etapa, porém criando condições para uma articulação co-construída escutando os pais, os profissionais, as crianças e as suas perspectivas.” (ibidem:6).

Em síntese, o modelo de formação inicial de professores proposto pelo Decreto-Lei nº 43/2007, de 22 de fevereiro, assenta numa:

“maior abrangência de níveis e ciclos de ensino a fim de tornar possível a mobilidade dos docentes entre os mesmos. Esta mobilidade permite o acompanhamento dos alunos pelos mesmos professores por um período de tempo mais alargado, a flexibilização da gestão de recursos humanos afectos ao sistema educativo e da respectiva trajectória profissional” (ibidem, preâmbulo:1320).

A docência generalista que consta dos cursos de profissionalização de docentes homologados pelas IES, a par dos desafios que se colocam a este profissional, abrem novos sentidos quanto à continuidade de docência ao investimento na autonomia, e ao alargamento da relação professor-aluno. Neste intuito, prevê-se “a melhoria da qualidade do ensino (…) o acompanhamento dos alunos pelos mesmos professores por um período de

tempo mais alargado, a flexibilização da gestão de recursos humanos afetos ao sistema educativo e da respetiva trajetória profissional” (ibidem).

Nesta trajetória de análise dos diplomas legais sobre a formação inicial de professores em contexto pós Bolonha, importa referir as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 79/2014 de 14 de maio – que aprova o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário – na sua relação com o diploma que o antecede. Neste documento, a formação surge dividida em três principais componentes: a formação na área educacional geral; a formação em didáticas específicas e a iniciação à prática profissional. A formação na área educacional geral:

“abrange os conhecimentos, as capacidades e as atitudes comuns a todos os docentes relevantes para o seu desempenho na sala de atividades ou na sala de aula, nas instituições destinadas à educação de infância ou na escola, e na relação com a família e a comunidade (…) integra, em particular, as áreas da psicologia do desenvolvimento, dos processos cognitivos, designadamente os envolvidos na aprendizagem da leitura e da matemática elementar, do currículo e da avaliação, da escola como organização educativa, das necessidades educativas especiais, e da organização e gestão da sala de aula” (ibidem, Art.º 9).

A formação em didáticas específicas “abrange os conhecimentos, as capacidades e as atitudes relativos às áreas de conteúdo e ao ensino das disciplinas do respetivo grupo de docência” (ibidem, Art.10).

Finalmente, o documento contempla a iniciação à prática profissional. Esta:

“a) Inclui a observação e colaboração em situações de educação e ensino e a prática supervisionada na sala de atividades ou na sala de aula, nas instituições de educação de infância ou nas escolas;

b) Proporciona aos formandos experiências de planificação, ensino e avaliação, de acordo com as funções cometidas ao docente, dentro e fora da sala de aula;

c) Realiza-se em grupos ou turmas dos diferentes níveis e ciclos de educação e ensino abrangidos pelo grupo de recrutamento para o qual o ciclo de estudos prepara, devendo, se necessário, realizar -se em mais de um estabelecimento de educação e ensino, pertencente, ou não, ao mesmo agrupamento de escolas ou à mesma entidade titular, no caso do ensino particular ou cooperativo;

d) É concebida numa perspetiva de formação para a articulação entre o conhecimento e a forma de o transmitir visando a aprendizagem;

e) É concebida numa perspetiva de desenvolvimento profissional dos formandos e promove nestes uma atitude orientada para a permanente melhoria da aprendizagem dos seus alunos.” (ibidem, Art.º 11).

Quanto à organização curricular dos mestrados profissionalizantes, nomeadamente nestes aspetos da iniciação à prática profissional, é de referir as diferenças entre as estruturas dos ciclos de estudos, nomeadamente nos conducentes ao grau de mestre nos domínios do 1.º CEB e da EPE e no domínio do 1.º CEB. No primeiro domínio o número de créditos é de 90, enquanto na especialidade de EPE e 1.º CEB é de 120. A distribuição difere também nas componentes de formação das Didáticas Específicas com o mínimo de 21 créditos e o máximo de 36 para a especialidade atrás mencionada.

A Prática de Ensino supervisionada apresenta também diferenças, com mínimo de 32 e um máximo de 48 créditos no ciclo de estudos conducentes ao grau de mestre em EPE e 1.º CEB. O presente documento define também princípios orientadores da avaliação da prática de ensino supervisionada. Define-se que

“a avaliação do desempenho dos estudantes na prática de ensino supervisionada é realizada pelo docente do estabelecimento de ensino superior responsável pela unidade curricular que a concretiza. (…) A decisão de aprovação na unidade curricular que concretiza a prática de ensino supervisionada depende da avaliação do nível da preparação dos estudantes para satisfazer, de modo integrado, o conjunto das exigências do desempenho docente” (ibidem, Art.º 24).

Mas, as mudanças colocam-se não apenas ao nível da formação mas também no acesso à profissão com as alterações ao estatuto da carreira. No caso dos professores dos ensinos básico, com o Decreto-Lei n.º 15/2007, a carreira docente passou a estar estruturada em duas categorias, professor e professor titular, ficando reservada à categoria superior o exercícios de funções de supervisão, entre outras. A este propósito, é destacado que

“para acesso (à) categoria (superior de professor titular) estabelece-se a exigência de uma prova pública que, incidindo sobre a atividade profissional desenvolvida, permita demonstrar a aptidão dos docentes para o exercício das funções específicas que lhe são associadas” (ibidem, preâmbulo:502).

A Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC)3 para

o acesso à carreira foi acrescida à formação inicial, que segundo o mesmo documento, visava dotar os candidatos à profissão das competências e conhecimentos científicos, técnicos e pedagógicos de base para o desempenho profissional da prática docente. Assim, para além da habilitação, passou a exigir-se como requisito geral a concurso, a “aprovação em prova de avaliação de conhecimentos e competências, tratando-se de concurso para lugar de ingresso” (ibidem,Art.º 22).

O mesmo diploma definiu um Período Probatório destinado a “verificar a capacidade de adequação do docente ao perfil de desempenho profissional exigível, (…) corresponde ao primeiro ano escolar no exercício efectivo de funções da categoria de professor” (ibidem, Art.º 31). Neste Período “o professor é acompanhado e apoiado, no plano didáctico, pedagógico e científico, por um professor titular, detentor, preferencialmente, de formação

3 A realização da PACC é suspensa pelo Despacho n.º 13660-M-2015, que, de acordo com o Tribunal Constitucional, julga como inconstitucional o Estatuto da Carreira Docente na parte em que exige como condição necessária da qualificação como pessoal docente a aprovação na PACC. Assim, determina-se a suspensão desta prova até que se “afaste qualquer dúvida sobre

especializada na área de organização educacional e desenvolvimento curricular, supervisão pedagógica e formação de formadores” (ibidem).

A supervisão é também referenciada entre as funções docentes, nomeadamente com o objetivo de “orientar a prática pedagógica supervisionada a nível da escola” (ibidem, Art.º 35) e no exercício de funções pedagógicas de “acompanhamento e a supervisão das actividades de enriquecimento e complemento curricular” (ibidem,Art.º 80).

Em síntese, como evidenciou a análise dos diplomas legais, o PB introduziu alterações na formação inicial de professores, nomeadamente quanto às condições para obtenção de habilitação profissional para a docência têm originado exigências ao nível das competências de professores, de estudantes/futuros professores e de instituições formadoras.