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MODELOS DE REALIZAÇÃO

No documento BRAZILIAN JOURNAL OF ACADEMIC STUDIES (páginas 31-34)

Sendo o capitalismo “uma axiomática geral de fluxos descodificados” não quer dizer que a estrutura do socius capitalista exclua definitivamente os códigos e seus processos, ainda presentes na tessitura, visualizados, por exemplo, nas organizações econômicas (firmas, empreendimentos, industriais ou não, do setor de serviços, qualquer uma), pois que há os códigos, na forma de normas públicas e privadas, que garantem a perpetuação das proposições axiomáticas do capital dentro destes locais, como as diretrizes de hierarquia, as normativas de greves, proibição de piquetes, controle de qualidade, participação nos lucros, entre outras. Outro modelo de realização, este soberanamente essencial para a existência do regime, que são os aparelhos de Estado, cujo papel é “impedir que fluxos semióticos descodificados, matemáticos e físicos fujam por todos os cantos da axiomática social”, adicionando à rede axiomas, outras vezes retirando, esses ou outros, concretizando a axiomática do capitalismo dentro da sua área jurídica, política, social, soberana, econômica de alcance – é como os Estados Unidos garantem as democracias ao redor do mundo, antes com baionetas, agora sem. Então a axiomática é um ponto em que se para, que assegura, a partir dos Estados, o perpétuo restabelecimento da ordem, impedindo as vazantes, construindo diques contra os volumes que querem escapar porque já não suportam mais aquela forma, Os “gestores” de Estado são os que colmatam, que aterram os novos, os inovadores, as linhas de fuga, impondo a racionalidade “certa”, verdadeira, “imutável”, fazendo uma política oficial, construindo os “modelos certos”, seja na matemática, na física, na política (com as democracias liberais capitalistas), no direito (afinal,

24 Sobre capital constante e capital variável, corroborando a análise, ver, por exemplo,: “Entretanto, as próprias condições da máquina de guerra de Estado ou de Mundo, isto é, o capital constante (recursos e material) e o capital variável humano, não param de recriar possibilidades de revides inesperados, de iniciativas imprevistas que determinam máquinas mutantes, minoritárias, populares, revolucionárias” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 116).

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a axiomática está enraizada neste sistema, que assegura a propriedade privada e antes o modelo axiomático de trabalho para extração da mais valia, etc.).

Vale o re-encontro com o texto da dupla:

“Ora, esta é uma razão a mais para reaproximar política e axiomática, pois uma axiomática em ciência não é de modo algum uma potência transcendente, autônoma e decisória que se oporia à experimentação e à intuição. Por um lado, ela tem tateamentos, experimentações, modos de intuição que lhe são próprios. Sendo os axiomas independentes uns dos outros, pode-se adicionar axiomas, e até que ponto se pode fazê-lo (sistema saturado)? Pode-se retirar axiomas, e até que ponto (sistema "enfraquecido")? Por outro lado, é próprio da axiomática chocar-se com proposições ditas indecidíveis, ou afrontar potências necessariamente superiores, que ela não pode dominar54 . Enfim, a axiomática não constitui uma ponta da ciência, mas muito mais um ponto de parada, um restabelecimento da ordem a impedir que os fluxos semióticos descodificados, matemáticos e físicos, fujam por todos os lados. Os grandes axiomatistas são homens de Estado da ciência, que colmatam as linhas de fuga tão freqüentes em matemática, que pretendem impor um novo nexum, mesmo que provisório, e fazem uma política oficial da ciência. São os herdeiros da concepção teoremática da geometria. […] São os caracteres reais da axiomática que levam a afirmar que o capitalismo e a política atual são literalmente uma axiomática. Mas é precisamente por essa razão que nada está determinado de antemão. [...]” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 173 e 174).

Já que nada está determinado de antemão, porque sempre há linhas de fuga, eventos estes imprevisíveis, na tentativa, normalmente com sucesso, de garantir a ordem e a lei, o Estado também vai criar e re-criar códigos, alinhado aos procedimentos acima apontados de postulação dos axiomas, inovando, retirando ou afirmando os já existentes, em conformidade com o sistema capitalista, cuja tendência é a descodificação generalizada, que representa a sua própria condição de existência, de perpetuação na superfície terrestre, porque há também a necessidade de manter a ordem, o sistema nos eixos, variáveis por certo, e daí as intensas operações de alternância dos fluxos, de modificações, de extermínios, diariamente observados, simbolizando a reação às novas demandas.

Nesse sentido o Estado é o regulador máximo, o patrono da causa capitalista, domesticando trabalhadores, seja via repressão (cacetes, bombas, apreensões e prisões), seja via bem-estar (saúde, educação, direitos sociais em geral, etc.); como também influi no desenvolvimento do mercado, o que se faz necessário, mesmo que hajam os gritos de menos Estado, menos impostos e similares, através dos subsídios, do sistema tributário e mesmo de organizações internacionais, lembrando que os Estados mais fortes vão, normalmente, ditar as regras destes axiomas, quando, por exemplo, protegem as suas indústrias e serviços com subsídios, mas nos tratados e acordos internacionais defendem a

abertura completa de mercados e a não interferência estatal no sistema de trocas – fica-se somente olhando.

O ponto é a mutabilidade existe no regime dos axiomas, realizada pela via estatal, mercadológica, social, etc., o que é tolerável e até mesmo bem vindo, como repetido alhures. O que não pode acontecer é a extinção ou a mera tentativa de supressão dos axiomas fundamentais, os determinantes estratégicos do sistema, os primários e mais pesados, em torno dos quais os demais gravitam, ora mais rápido, ora mais devagar. Por isso é um sistema não saturado, não fechado, que admite, e antes, requer novos axiomas, não importa a origem destes, mas sim as suas funções, realizando todo tipo de ligação, química, criminosa, física, de corrupção, até de direitos humanos, desde que a máquina não pare.

Em decorrência deste aspecto da volubilidade ou “instabilidade relativa”, que é um axioma fundante, gestado e re-gestado ao longo dos anos, das empresas, dos estados, dos poderes, é que ele é capaz de superar os seus próprios limites, postos e re-postos pelas suas próprias organizações e sujeitos, que talvez seja uma das suas “grandes marcas”. Um feito inédito na história? Não saberia responder, mas ainda que não seja, não retira o caráter surpreendente deste aspecto. Ele quer ser um absoluto, mas construído sob premissas relativas, algumas, e claro, as inamovíveis. Sob este prima analítico, as fases do capitalismo, comercial, mercantilista, industrial-imperialista, financeiro e tecnológico (Neoliberalismo), independentes das formas estatais formuladas nos Estados, representam modos ou conjuntos agregados de axiomas, sempre com base nas circunstâncias históricas, geográficas, políticas, etc. que se fazem presentes.

Portanto e finalmente, não há essências eternas e imodificáveis, há sim operações axiomáticas lastreadas em estruturas lógicas, já que o sistema da axiomática considera os elementos e os fluxos puramente funcionais, de natureza não especificada, que se realizam em múltiplos- simultâneos em áreas diversas, encharcada e enxertada no imaginário social25, singular e coletivamente considerados, abrangendo as

instituições públicas e privadas, vistas, por exemplo, nos ideais dos sonhos alcançáveis (“trabalhando você conseguirá ser milionário”, os planos de carreiras, que o fazem acreditar que você pode “chegar lá” - não que seja ruim, tem a sua função26), de que é impossível viver

sem o capitalismo (mesmo “sabendo” que nem sempre foi assim, que

25 O conceito de ‘imaginário’ aqui utilizado é no sentido que lhe atribui Castoriadis. Ele deixa claro que imaginário não é o oposto ou reflexo do real, mas é “criação incessante e essencialmente indeterminada (socialhistórica e psíquica)” de imagens e formas, através das quais se torna possível falar de “alguma coisa”. E que vão se perpetuando, perpetuando, muitas vezes sem se saber como e quando acontece. Ver: CASTORIADIS, 1978.

26 É de se questionar se, mesmo conscientes de que muitas das conquistas sociais, dos trabalhadores, são também conquistas do capital, em razão da mudança dos axiomas, isso representa algo a ser explorado, porque não é razoável ignorar a melhoria material destas vidas, destes corpos sociais.

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já existiu uma série de modelos outros de produção) – é quase uma estrutura mágica27.

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