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BRAZILIAN JOURNAL OF ACADEMIC STUDIES

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Academic year: 2021

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DISSERTAR

BRAZILIAN JOURNAL OF ACADEMIC STUDIES

ISSN 1676-0867

DOSSIÊ TEMÁTICO: DIREITO

ADESA

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Revista Dissertar

Revista da Associação de Docentes da Estácio de Sá Ano ... 14 Número ... 31 Dezembro ... 2018 Editada em novembro de 2018 ADESA – Associação de Docentes da Estácio de Sá Rua do Bispo, 83 Rio Comprido – 20251-060 Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: 55-21-2503-7110 dissertar@adesa.com.br www.adesa.com.br

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DISSERTAR, ANO 14, N 31 2018, Rio de Janeiro

ADESA, Semestral

1. Educação Superior - Periódicos. I Associação de Docentes

da Universidade Estácio de Sá.

Nota: Os artigos assinados são de responsabilidade dos

autores.

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Sumário

Artigos

A AXIOMÁTICA DO CAPITAL – CONCEITO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

Dorival Fagundes ...13

OS LIMITES DA TERCEIRIZAÇÃO NO ATUAL CONTEXTO SOCIAL

Wagner Ribeiro D Assumpção, Ana Carolina Reis Paes Leme, Evandro Araujo dos Santos ...39

O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA NA TUTELA DOS SUPERENDIVIDADOS

Lara Pereira Rizzo ...53

CORRELAÇÃO DA INIMPUTABILIADE NA DOENÇA MENTAL, UMA VISÃO JURÍDICA PSIQUIÁTRICA

Bruno da Silveira Pataro Moreira ...81

A PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Rosely da Silva Efraim, Jaqueline Almeida Costa ...99

A SERENDIPIDADE NAS INTERCEPÇÕES TELEFÔNICAS

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EDIÇÃ

O

TEMÁ

DE

TICA

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EDIÇÃ

O

TEMÁ

DE

TICA

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EXPEDIENTE

Revista semestral de divulgação científico-cultural publicada sob a responsabilidade da ADESA -Associação de Docentes da Estácio de Sá

Diretoria Executiva da Adesa

Presidente – Marcia Glycério Do Espirito Santo - UNESA

Vice Presidente – Thomaz William Loureiro Monachesi - UNESA Dir. Cultural – Adriano Moura da Fonseca Pinto - UNESA

Dir. Social – Ubiratan Dos Santos - UNESA

Dir. Assistencial – Francisco Carlos Malta - UNESA Dir. Jurídico – Carlos Eugenio Pereira - UNESA

Dir. De Relações Externas – Luiz Cláudio Brites Lobato - UNESA

Equipe Editorial da Revisa Dissertar

Editor Científico Adriano Moura da Fonseca Pinto - UNESA Editor Carlos Henrique Vale de Paiva - UNESA

Conselho Editorial Efetivo

Rafael Mario Iorio Filho - UNESA Vicente Eudes Veras da Silva - UNESA Roney Rodrigues Guimaraes - UNESA Andre Luis Soares Smarra - UNESA Francisco Carlos Malta - UNESA

Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva - UNESA Carlos Alberto Lima de Almeida - UNESA Ana Paula Teixeira Delgado - UNESA

Comissão Editorial

Angie Pique Alboreda de Magalhaes - UNESA Marcio de Souza - UNESA

Maria Inmaculada Chao Cabanas - UNESA Rodrigo dos Santos Rainha - UNESA

Vivian Cristina da Silva Zampa - UNIVERSO Carlos Alberto Santos Ribeiro Cosenza - UNESA Monique Soriano Vital - UNESA

Tennyson Oliveira Travassos Alves - UNESA Augusto Moutella Nepomuceno - UNESA

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Nuria Belloso Martín - Universidad de Burgos / Espanha Tomás Prieto Alvarez - Universidad de Burgos / Espanha

Francisco Javier Gorjón Gómez - Universidad Autónoma de Nuevo León/ México

David T. Ritchie – Mercer University/EUA

Assinam os trabalhos publicados nesta edição

Dorival Fagundes, Wagner Ribeiro D Assumpção, Ana Carolina Reis Paes Leme, Evandro Araujo dos Santos, Lara Pereira Rizzo, Bruno da Silveira Pataro Moreira, Rosely da Silva Efraim, Jaqueline Almeida Costa e Maria Clara Peres Viana

Assistente de edição: João Carlos Diniz de Campos Sobrinho

Design e diagramação: Carlos Henrique Vale de Paiva e João Carlos Diniz de Campos Sobrinho

Distribuição: Sala dos professores da Universidade Estácio de Sá

ADESA - Associação de Docentes da Estácio de Sá.

Rua do Bispo, 83 - 20261-060 - Rio Comprido / Rio de Janeiro / RJ / Brasil- Tel.: 0055-21-2503-7110

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Carta dos Editores

A presente edição da Revista Dissertar exibe mudanças profundas que saltam aos olhos em seu novo formato e design, mas também estão vinculadas ao projeto de reformulação do periódico, bem como sua linha editorial. Sendo resultado dos esforços em prol do aumento do impacto acadêmico do periódico. Verificável pelo aumento de submissões, expansão do número de artigos por edição, a qualificação e a diversidade de regiões e instituições de ensino superior dos pesquisadores.

A linha editorial foi restruturada e norteada pela qualidade que caracteriza a Revista Dissertar desde sua fundação. Novos professores e pesquisadores de grande renome no meio acadêmico passaram a integrar o Conselho Editorial Efetivo e a Comissão Editorial. Além da criação da Comissão Internacional, composta por colaboradores da Espanha, México e Estados Unidos.

Foi adotado um formato físico mais prático e leve, visando o crescimento da demanda de artigos por edição. O novo design da capa é inspirado nas cores e formatos anteriores, o layout do texto foi todo adaptado para dar conforto a leitura e destaque ao conteúdo.

Agradecemos imensamente aos pesquisadores que consideraram a Revista Dissertar como meio de comunicar seus trabalhos e a toda equipe que colaborou para o sucesso e a realização deste projeto.

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A AXIOMÁTICA DO CAPITAL – CONCEITO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

THE AXIOMATIC OF CAPITAL – CONCEPT, STRUCTURE AND FUNCTIONING

Revista Dissertar Nº31 V.1 ANO XIV DOI:10.24119/16760867ed114258 Data de submissão: 24/09/2018 Data de aceite: 30/10/2018

por Dorival Fagundes Cotrim Júnior1

Resumo

O escopo do artigo é analisar brevemente a Axiomática, enquanto conceito, estrutura e modo de funcionamento, com base nas duas obras que compõem o Projeto Capitalismo e Esquizofrenia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, aplicada, sobretudo, na análise do sistema capitalista. Para tanto realiza-se o seguinte percurso: primeiro a conceituação filosófica, seguida da origem do termo, bem como da sua aplicação no campo das ciências duras; depois uma breve apresentação do Projeto, com a consequente exposição acerca do Direito e do conceito de sociedade (socius) para a dupla. Por fim, fala-se do Capitalismo, como sendo a “axiomática geral dos fluxos descodificados” e dos seus modelos de realização.

Abstract

The scope of the article is to briefly analyze Axiomatic as a concept, structure and mode of operation, based on the two works that make up the Capitalism and Schizophrenia Project by Gilles Deleuze and Félix Guattari, applied above all to the analysis of the capitalist system. For this purpose the following course is carried out: first the philosophical conceptualization, followed by the origin of the term, as well as its application in the field of hard sciences; then a brief presentation of the Project, with the consequent exposition about the Law and the concept of society (socius) for the duo. Finally, we speak of Capitalism as being the "general axiomatics of decoded flows" and its models of realization.

1 Dorival Fagundes Cotrim Júnior: Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Filosofia do Direito e Filosofia Política. Atualmente Mestrando em Direito Constitucional e Teoria do Estado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC Rio. Integra os seguintes Grupos de Pesquisa: A Democracia Que Vem. Graduação em Direito na Faculdade Nacional de Direito (FND-UFRJ), na qual atuou como monitor de Direito Administrativo e Teoria do Direito, além de ter sido integrante em grupos de pesquisa em Serviços Públicos e Danos à Pessoa Humana Nas Redes Sociais. E-mail: dorivalfcotrim@gmail.com

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|AXIOMÁTICA DO CAPITAL – CONCEITO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

1. A AXIOMÁTICA

Causa um certo espanto, talvez até mesmo um desconforto quando a dupla Deleuze e Guattari tratam o capitalismo como uma axiomática, tendo em vista que o conceito de axiomática é originalmente próprio das ciências duras, como a matemática e a física, que se utilizam do método axiomático para a realização dos seus trabalhos, experimentos, descobertas, problematizações e soluções.

O primeiro pensamento daqueles que se deparam com esta questão pode ser a de encará-la como uma simples metáfora, uma poetização da linguagem, de forma a tornar o texto mais lírico, quem sabe até jovial, aproximando-o, enfim, da arte em geral, afinal, ambos trabalhavam também nesta área, sobretudo o cinema. Acontece que não se trata de uma “simples metáfora” 2, justamente porque há fluxos

e processos de operacionalização comuns entre este modelo axiomático e o do capitalismo, sendo, portanto, fundamental compreender esses elementos fluidos em comum, oferecendo materialidade à análise do tema, que é a mais concreta possível, como será visto ao longo do artigo.

Segundo a dupla, estes fluxos em comum estão radicalmente ligados aos processos de descodificação dos fluxos; seu agenciamento por meio de sistemas operacionais lógicoabstratos, cujas relações são “puramente funcionais”, de “natureza não especificada”, isto é, com encadeamentos e estruturações em si mesmos; e ocorrem (ou se realizam, se formam) através de ações e elementos múltiplos-simultâneos em campos diversos, espaçotemporalmente considerados, ou seja, fora de campos e ambientes específicos, limitados, circunscritos pelas normatizações (mesmo jurídicas) de um ou vários códigos, o que aprisionaria todos os fluxos, forças, movimentos, debates.

Nesse sentido afirmam:

“a axiomática considera diretamente os elementos e as relações puramente funcionais cuja natureza não é especificada, e que se realizam imediatamente e ao mesmo tempo em campos muito diversos, enquanto os códigos são relativos a esses campos, enunciam relações específicas entre elementos qualificados, que não podem ser reconduzidos a uma unidade formal superior (sobrecodificação) a não ser por transcendência e indiretamente. Ora, a axiomática imanente, nesse sentido, encontra nos campos que atravessa modelos ditos de realização” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 164).

Esses sistemas possuem ainda em comum as suas formas de concretização, no plano da vida, que dar-se-ão a partir de modelos de realizações empiricamente observáveis; e nesse sentido são imanentes,

2 “Se é verdade que não empregamos a palavra "axiomática" à maneira de uma simples metáfora, é preciso lembrar o que distingue uma axiomática de todo o gênero de códigos, sobrecodificações e recodificações” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 164).

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portanto, pertencentes à sua própria interioridade.

Não obstante todas essas caracterizações, na tentativa de melhor explicitá-los, didaticamente esclarecê-los, isto ainda não é o suficiente para o exsurgimento, bem como o estabelecimento de uma axiomática, uma vez que, ao longo da história humana e não humana que se pode acessar, já que há registros, escrituras, todos as variáveis documentais, os tecidos sociais presenciam, singular e coletivamente, atos e acontecimentos que escapam dos seus fluxos codificantes, sejam eles jurídico-normativos, sociais e costumeiros, familiarescomunitários, entre outros, como se fossem linhas complexas, céleres, altamente deslizantes, de fugas; bem como os múltiplos saberes, as diversas epistemologias, usualmente conhecedoras e influenciadas por elementos puramente funcionais, por relações sob este mesmo recorte, através tanto das suas teorias quanto das suas práticas.

É imprescindível algo mais, um elemento, ou melhor, um próprio processo de ligação, que estruture um agenciamento entre esses outros fluxos, a fim de que se encontrem e, possivelmente, ocorram as articulações necessárias e mútuas, mas de uma tal forma consistente, que seja capaz de comporem e fabricarem um ou vários sistemas, práticos, teóricos, sociais, estatais. Por conseguinte, esses sistemas então compostos, permaneceriam desta forma, qual seja, em nível de abstração, metafórico, fantasioso, não funcional, até que se lhe inflija ou sobreponha modelos de realização concretos, tal como posto na citação supracitada, cujos alinhamentos formadores materializados estejam expressos nos agenciamentos lógicos propostos por esta axiomática. Por exemplo, as relações sociais reais, efetivas, capazes de apreensão através dos sentidos, assim como as teorias científicas de cunho empírico, estudadas por Marx, e nas quais o capital atua impositivamente, forçando as suas necessidades abstratas, sempre crescentes (TAVARES DOS SANTOS, 2010, p. 277).

Tendo em vista que a axiomática, mesmo somente uma, comporta uma multiplicidade de “modelos de realizações” (diversos)3,

esta será inevitavelmente ampla, generalizante, mas longe de ser genérica, com alta capacidade de se estender e propagar, tal como acontece no Capitalismo, soberanamente esquizofrênico. Mas que isso remete? Uma explicação se mostra válida e momentaneamente precisa aqui, com relação aos pensamentos usuais acerca das crises pelas quais passam, repetida e ciclicamente o sistema capitalista de produção e reprodução de materiais e de singularidades.

Para o pensamento hegemônico, se se pode utilizar este vocábulo, o Capitalismo teria por característica uma certa “flexibilidade”4,

notada, por exemplo, na suposta capacidade do sistema de sucumbir,

3 “Finalmente, é pela forma-Estado e não pela forma-cidade que o capitalismo triunfará: quando os Estados ocidentais tiverem se tornado modelos de realização para uma axiomática de fluxos decodificados, e tiverem, por essa razão, reassujeitado as cidades” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 134). 4 Sobre as diversas faces dessa “flexibilidade”, analisando a influência no

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renunciar, arrefecer diante de algumas demandas, sejam elas quais forem, mas que provocaria um abrandamento do sistema, tornando-se mais frouxo, mais largo, enfim, perderia resistência mesmo5.

Todavia, para Deleuze e Guattari, a ideia de axiomática faz com que a análise acerca das crises do capitalismo seja feita igualmente com base nesta flexibilidade, só que não vista como arrefecimento, mas antes o diametralmente oposto, como a capacidade de o sistema englobar as múltiplas demandas, conglomerando-as, a fim de jamais cessar o seu desenvolvimento, perpetuando o seu crescimento, tanto em dimensão, quanto em volume e mesmo em intensidade, em uma claríssima tentativa de não haver um fora do sistema, um elemento não submetido à racionalidade ecumênica e totalizadora do capital, do dólar ou de quaisquer outras moedas; significando, indubitavelmente, que as demandas inovadoras não representam momentos de dissolução, de esgotamento, mas sim a momentos de transformações em suas formas de operacionalização, de enraizamentos e entroncamentos – o sistema tenta, a todo instante, capturar todas as linhas de fugas possíveis, fazendo frente, com toda a resistência permitida pelo capital, a moeda de troca do jogo, a quaisquer práticas que tentem atravessá-lo, seja para fissurá-atravessá-lo, seja para extingui-lo. Isso porque o sistema capitalista, de matriz axiomática, ou melhor, operando por axiomas, é tão arqueável e potente, que basta não enfrentá-lo, submetendo-o a contradições, para que ele coloque ou retire axiomas, consoante as circunstâncias contextuais do globo e das localidades territorialmente geolocalizadas, e sempre sob a direção de um axioma nuclear, central, o próprio capital a ser acumulado.

2. MÉTODO AXIOMÁTICO NAS CIÊNCIAS DURAS

Como rapidamente mencionado, o conceito de axiomática advém do método axiomático aplicado às ciências duras ou exatas,

sujeito e no trabalho, respectivamente, ver: CARMO & ALVES, 2014, p. 1-19; e SIQUEIRA, 2002

5 Lazzarato apresenta, por sua vez, outra ideia de crise, afirmando que desde 2008 o capitalismo global enfrenta não somente uma crise econômica, mas principalmente de subjetividade. Eduardo Pires esclarece: “Na introdução, Lazzarato nos lembra que já em um seminário de 1984, Félix Guattari havia apontado a subjetividade como ponto central das crises que afligem o capitalismo desde o início dos anos 1970. Crises da “ordem da governamentalidade neoliberal”(p. 15), que levam a um estado de depressão generalizada, um novo “mal do século” (p. 14), no qual o homem empreendedor de si mesmo, nos termos de Foucault (2005), se vê obrigado a assumir a responsabilidade pelos fracassos econômico, social e político do Estado assim como o seu próprio fracasso no mundo dos negócios. A partir dessa perspectiva, torna-se possível compreender o retorno que se observa hoje tanto a ideários pré-capitalistas ou de negação destes, como, principalmente, àqueles fantasmas modernos que acreditávamos já em vias de extinção, tais como o nacionalismo, o racismo e o fascismo.” (PIRES, 2015, p. 192). Ver mais também em: LAZZARATO, 2014.

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como a matemática, a física. Na matemática, um sistema axiomático é entendido como qualquer conjunto de axiomas (proposições que não são demonstradas, considerada óbvia ou tida por consenso para a formulação de uma teoria) que podem ser conectados mediante conjunção, para então derivar teoremas, do ponto de vista lógico. Uma teoria matemática, por exemplo, consiste em um sistema axiomático geral e todos os teoremas que dele são derivados (WIKIPEDIA, Sistema Axiomático).

Deleuze e Guattari vão buscar na obra de Robert Blanché o aparato téorico-conceitual filosófico para a estruturação do que eles entendem por axiomática. Para Blanché, a axiomática pode ser considerada como o processo mediante o qual qualquer sistema, como uma ciência, pode ser formado através do uso de regras específicas e da dedução lógica, levando em consideração inicial ou tendo por base certas proposições basilares que são os axiomas e os postulados, a fim de que o sistema seja consistente, através das certezas categóricas das suas definições, postulados e teoremas. A ideia essencial, portanto, é descobrir um modelo para os postulados do sistema axiomático, de modo que cada um deles constitua uma afirmação verdadeira. Peano e Hilbert, vistos como os pais da axiomática formal, debruçaram-se sobre esta tarefa, e que posteriormente sofreu um processo de re-estruturação a partir do surgimento da teoria dos conjuntos de Cantor, cuja absorção deu forma à teoria da axiomática moderna. Em resumo, isto é descrito com elegância por Blanché em seu livro, além, é claro, das considerações filosóficas (MEJÍA, 2017).

Pelo exposto já se pode apreender que a axiomática apresenta uma estreita relação com os códigos, uma vez que estes delimitam e ordenam seus processos de criação, modificação e transmissão. Ao passo que, por outra via, as ciências duras também se utilizam de descodificações exigidas para a aplicação do método axiomático (TAVARES DOS SANTOS, 2010, p. 279 e 280). Todavia, como aponta a dupla, é imperioso diferenciar o que distingue uma axiomática de todos os tipos de códigos, de sobrecodificações e mesmo de recodificações:

“a axiomática considera diretamente os elementos e as relações puramente funcionais cuja natureza não é especificada, e que se realizam imediatamente e ao mesmo tempo em campos muito diversos, enquanto os códigos são relativos a esses campos, enunciam relações específicas entre elementos qualificados, que não podem ser reconduzidos a uma unidade formal superior (sobrecodificação) a não ser por transcendência e indiretamente” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 164).

Diante desta passagem surge o questionamento acerca das relações e componentes puramente funcionais, desqualificados mesmos, de natureza não especificada e rigorosamente imanentes, logo, incapazes de serem reportados e acometidos em campos específicos,

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que, para os fins deste trabalho, constituem os fluxos descodificados, não submetidos à ordem e disciplina.

Todavia, que não permanecerem eternamente na condição de descodificados, fluindo ao sabor das circunstâncias, sem serem incompreendidos, em estado absolutamente selvagem, isto é, linhas de fugas puras, genuínas, não-alcançáveis, porque o método axiomático, como assinalado, atua com base em um propósito, qual seja, fazer exsurgir o “aspecto puramente funcional” das relações, dos fluxos, dos elementos e por conseguinte, empregar esforços na formação da estrutura lógica que eles perfomam, isto é, cuidar de forma que só reste esta atividade principal a ser coadunada, mantendo a consistência e a completude do sistema axiomático6. É um plano de estrutura autônomo,

no sentido de que prescinde da referência a um campo específico, mas que pode aparecer,re-aparecer e transparecer nos mais diversos campos (seja, por exemplo, contextos territorialmente definidos), manifestando-se através de relações, fluxos e componentes diversos, como é o caso do direito “diferente”, considerados em diversos países, mas que se fundam sob uma mesma e só axiomática.

Blanché, tal como apontado na última citação direta, nota 10, concordando com a dupla (melhor seria eles concordando com Robert) advoga que a axiomática, apesar de ser imanente, não possui tanta preocupação com realidades concretas específicas (campos, elementos, componentes, fluxos qualificados, delimitados, circunscritos), mas, sobretudo foca na concatenação, no agenciamento lógico dos termos e proposições, que dão vida à axiomática, analisados somente do ângulo das relações puramente funcionais, mediante ou sob a ótica das propriedades basilares abstratas, estas, por sua, frutos de outros axiomas prévios, mais ou menos arbitrários em suas formulações, ali postos como simples hipóteses não demonstráveis. Portanto, a validade de um sistema deste modelo estrutura-se ou fundamenta-se mais em sua coerência estrutural, a consistência dos matemáticos, do que nas verdades empiricamente demonstráveis, o que não significa dizer que são elas transcendentes ou não existentes, pelo contrário, estão materialmente postas e dispostas.

Em contrapartida o corpo sistêmico axiomático justifica a sua abstratalidade em decorrência da sua capacidade de afetar, de tomar parte, de determinar o plano empírico, da existência e justamente em razão disso os seus axiomas fundamentais (as suas proposiçõesmor) não serão arbitrários por completo, porque lastreados na observação prática, como acabou-se de pontuar acerca da validade desta leitura perante capitalismo, não sendo mesmo uma construção conceitual de um pensamento transcendente e despido de materialidade, não encorpado e empiricamente perquirido.

6 Na matemática consistência e completude significam, respectivamente, que não há contradição a ser derivada do sistema; e que para cada proposição P da teoria pode ser deduzida tanto P quanto a sua negação.

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Nesse sentido, não se trata de uma invenção com base nas preferências do cientista, em seus humores, suas éticas ou morais, com o intuito de tentar provar algo que ele considera certo. Antes é fazer um movimento inverso, de extrair de um concreto, de um sistema empiricamente posto e capaz de ser observado e questionado, fazer o movimento, paulatino, de extração de um corpo mínimo de princípios e caracterizações abstratas, a partir dos quais se possa deduzi-lo, do real. Segundo Blanché, “é apenas nos livros que uma axiomática começa com os axiomas” (BLANCHÉ, 1990, p, 87).

Usualmente o que acontece é, restando criada a teoria dos axiomas para um campo X de análise, esta devém autônoma, independente em relação ao sistema empiricamente observado, encorpado que lhe deu causa. Em face disso pode-se verificar que uma mesma axiomática serve para diversas situações concretas, codificadas. Nas páginas 41 e 42 Blanché traz um exemplo desta situação, que aconteceu com a teoria axiomatizada dos números naturais de Giuseppe Peano, pois ele havia criado para os números naturais, mas percebeu-se que ela ultrapassava o campo concreto dos números naturais, sendo apropriada para expressar qualquer progressão, tanto de números naturais quanto de números reais ou ainda de pontos ou instantes, fugindo, portanto, do campo da aritmética (BLANCHÉ, 1990, p. 41-42). E aos vários sistemas concretos, cuja estrutura lógica-funcional é demonstrada pela mesma teoria axiomática, ele deu o designativo de “modelos de realização concretos” desta teoria, tal como os estados (políticos, “soberanos”) do Planeta serão os modelos de realização concretos da axiomática do capital, já que todos estruturados sob este mesmo plano operativo, esta mesma axiomática do Capitalismo, bem como as proposições que lhe constituem e estão presentes em todos os sistemas jurídicos-sociais-desejantes-culturais-estatais, entre outros, inseridos nos territórios dos países.

3. CAPITALISMO E ESQUIZOFRENIA

Tanto em Mil Platôs, quanto em O Anti-Édipo, a diretriz básica e que organiza todos os trabalhos é a crítica ao sistema capitalista, já que integrantes do mesmo projeto

“Capitalismo e Esquizofrenia”, iniciado com a publicação da segunda obra referida e sem perder de vista outra ideia basilar no pensamento da dupla francesa, de que é preciso resistir ao presente7,

ao agora, ao que se passe no momento, a partir da criação de conceitos

7 “Se a filosofia se reterritorializa sobre o conceito, ela não encontra sua condição na forma presente do Estado democrático, ou num cogito de comunicação mais duvidoso ainda que o cogito da reflexão. Não nos falta comunicação, ao contrário, nós temos comunicação demais, falta-nos criação. Falta-nos resistência ao presente. A criação de conceitos faz apelo por si mesma a uma forma futura, invoca uma nova terra e um povo que não existe ainda. A europeização não constitui um devir, constitui somente a história

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filosóficos, que, por sua vez, é o papel mor da filosofia, o que transparece as claras bases espinosanas de ambos, especificamente no que concerne ao elemento do direito de resistência, visto em Spinoza como o “o esforço concretizado de contínua instituição do poder político, ainda que essa contínua instituição signifique a própria reorganização institucional” (DE GUIMARAENS & ROCHA, 2014, p. 184), isto é, um processo (ou processos) de fluxos contínuos para a mudança dos fenômenos e obras institucionalizadas, por exemplo, o próprio capitalismo8.

Em que pese o discurso já ser muito bonito, a dupla não se contenta em escrever, falar e bradar palavras e conceitos contra a sociedade capitalista, examinando-a conforme o “senso comum” da crítica, o que faria o péssimo trabalho de parecer que todos os juízes críticos, analíticos já tivessem sido feitos pelos antecessores e que, portanto, logo bastaria a todas as demais pessoas a tomada de consciência, o despertamento das singularidades, individual e coletivamente consideradas, perante esta compreensão perfeita, porque envolveria todos os aspectos, esquecendo-se que o processo é contínuo e duradouro, já secular e que opera pelo método axiomático, enfrentando o sistema nestes termos e convocando a todos a fazerem mesmo, contribuindo na obra de esclarecimento dos demais, o que demonstraria uma compreensão para além de vaidosa e presunçosa (TAVARES DOS SANTOS, 2010, p. 278). A dupla realiza um exame minucioso e eloquente, a partir de uma bibliografia de fôlego, além de interdisciplinar, para a fabricação de uma crítica contundente, positiva, de resistência, com vontade de vencer, na prática ativa e não somente passiva, questionando os lugares comuns, não para rechaçá-los ou invalidá-rechaçá-los, mas antes para torná-rechaçá-los mais robustos e sólidos, rigorosamente aprofundados, levados para além do que conseguiram obter, que já era muito, diga-se.

4. O DIREITO

Para tal desiderato, eles vão buscar em Karl Marx subsídios teórico-conceituais, mesmo que muitas vezes sem a manutenção (conservação) do mesmo léxico gráfico, superando outros (como a distinção entre estrutura e super-estrutura9) mediante uma leitura

muito própria deste autor, diversa da maioria dos marxianos, o que

do capitalismo que impede o devir dos povos sujeitados” (DELEUZE & GUATTARI, 1997b, p. 139).

8 Em uma perspectiva ontológica, ainda com Spinoza, resistir é da própria “essência de cada coisa singular como expressão do próprio conatus, como esforço em perseverar na existência11. Assim, desde os conceitos mais básicos da ontologia spinozana, a resistência é entendida como potência produtiva, como potência atual e criativa que produz a própria existência. A resistência em Spinoza não depende de qualquer ameaça externa para materializar-se, não é um virtual abstrato que pode efetivar-se frente a perigos iminentes” (STERN, 2008, p. 126 e 127)

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levará a elaboração do conceito de capitalismo enquanto axiomática, ou melhor, precisando este sistema como “uma axiomática geral de fluxos descodificados”10.

Logo em seguida a esta passagem, na continuação da explicação, a dupla vai se valer de uma citação de Arghiri Emmanuel (nota 44, p. 162), que vale a pena ser postada aqui, já que de forma muito clara apresenta um dos aspectos fundamentais, que o faz ser uma figura histórica única, a partir do direito, o qual também se transforma abruptamente: “’O capital é um direito ou, para ser mais preciso, uma relação de produção que se manifesta como um direito e, como tal, é independente da forma concreta que ele reveste a cada momento de sua função produtiva’”.

Ora, a propriedade privada aqui não mais se apresenta como representante simbólico e prático-material da dependência pessoal, como no regime feudal, mas a “independência de um sujeito que constitui agora o único laço”, estruturando-se na axiomática sobre os direitos, assegurada pelo campo jurídico, em vez de, com o direito, ela estar-se apoiada sobre “a terra, as coisas ou as pessoas”, sendo, rigorosamente por isto, um “novo limiar de desterritorialização”.

Pelo fato de o capital ser agora um direito ativo é que a forma-direito vai tomar uma forma bem diferente da que possui até então, não mais servindo para a “sobrecodificação de costumes, como no império arcaico”; nem mesmo um mero “conjunto de tópicos, como

em Actuel Marx, afirma que “Cada um à sua maneira sofreu a atração de um materialismo político, mais do que histórico. Deleuze também, com certeza. Ele pode dar a impressão de ser, como ele diz, um “metafísico puro”, mas seus conceitos são encorpados de maneira muito intensa: se relacionam com uma experiência que eles configuram, como uma lâmpada que se ilumina. Esta capacidade extraordinária caracteriza sua invenção conceitual. Seja ele “metafísico puro” ou o filósofo mais inocente de sua geração, ele não acredita que a filosofia se esgota no comentário de sua própria história, mas que se trata sempre de criar o conceito. Deleuze toma de Marx essa dimensão concreta, ativa do pensamento. Mas, diferente de Guattari, ele não a coloca à prova nem na ação política, nem na reivindicação social: não há dimensão de ativismo militante nele. Deleuze se aferra ao plano do conceito. Ao contrário de Guattari, não encontramos problemática social nem exigência de transformação política em Deleuze até o encontro entre os dois. É então que o problema do capitalismo toma forma como um problema decisivo para a filosofia. Do meu ponto de vista é impossível se perguntar pelas relações entre Deleuze e Marx sem fazer valer o encontro com Guattari. Portanto, Deleuze defende um pensamento materialista que repercute, antes de tudo, no plano da sua prática filosófica, na linhagem de filósofos que escolheu, uma linhagem empirista que o leva a escolher Hume antes que Hegel” (GARO & SAUVAGNARGUES, 2012, p. 11-27).

10 “O capitalismo se forma quando o fluxo de riqueza não qualificado encontra o fluxo de trabalho não qualificado e se conjuga com ele. É isso que as conjunções precedentes, ainda qualitativas ou tópicas, haviam sempre inibido (os dois principais inibidores eram a organização feudal do campo e a organização corporativa das cidades). É o mesmo que dizer que o capitalismo se forma com uma axiomática geral dos fluxos descodificados” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 162)

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nos Estados evoluídos, nas cidades e nas feudalidades”, adquirindo, continuamente, a forma direta e as características da axiomática, quais sejam, que opera através de sistemas lógico-abstratos, cujas relações são puramente funcionais, de natureza não especificada, ou seja, autoencadeando-se11, como pode ser visto nos códigos civis, não

somente o francês, ao qual eles se referiram, mas de todo ou quase todo o Ocidente, cuja forma-direito é bastante semelhante, o que já representa o aspecto da axiomática do capital (mudam-se os vocábulos, por vezes a forma mais imediata, mas em realidade não muda no que ela tem de mais funcional, de mais radicalizado e entranhado, que é a transformação do capital como um direito ativo).

A nota 45, a partir de Paul Veyne, eles vão explicitar os aspectos fundamentais que realizam a aproximação do Código Civil ao modelo da axiomática, mais do que ao padrão de um código, quais sejam:

“1") a predominância da forma enunciativa sobre o imperativo e sobre as fórmulas afetivas (danação, exortação, admoestação, etc); 2") a pretensão do Código de formar um sistema racional completo e saturado; 3") mas, ao mesmo tempo, a relativa independência das proposições, que permite acrescentar axiomas. Sobre esses aspectos12.

Desnecessário, talvez, é mencionar o fato de, indubitavelmente, ser este direito vigente, hegemônico e ocidental um direito burguês e todo ele capitalista, mesmo que não transpareça em alguns dispositivos, cuja diretriz seria de contrariar o capital, mas se faz necessário lembrar de outra das suas características, enquanto axiomática geral dos fluxos descodificados, qual seja, a sua flexibilidade frente a novas demandas, como visto parágrafos acima, mas que não alcançam o núcleo fundamental.

5. O QUE É A SOCIEDADE

Antes de prosseguir na análise, e talvez este ponto deveria ter aparecido antes, se faz imperioso esboçar, brevemente, o que eles entendem por sociedade, isto é, qual o conceito disto que é utilizado em suas análises do capitalismo e da forma-Estado. Primacialmente têmse o conceito de máquina social, ou “socius”, cujo objeto são os puros fluxos, os unicamente fluxos, que ainda não constituem relações sociais, mas se movem aquém, para antes delas e representam os componentes desta.

Uma relação social propriamente dita é já a sedimentação cristalizante de alguma forma-organizacional ou ainda de um processamento associativo, agenciante, de uma série de fluxos então

11 Todas as expressões entre aspas representam os termos utilizados pela dupla na página 162 da 2ª edição.

12 DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 162, nota 45. Não será explicado cada um dos três elementos aproximativos, pelo fato de não ser este o escopo do trabalho.

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conjugados em uma máquina social. Nesse sentido, quando se entende que a sociedade não significa apenas o resultado, a consequência das experiências humanas, mas também uma condição destas experiências, seja singular ou coletivamente considerada, a noção de fluxo vai apropriar-se, apreendendo territorialmente todos os aspectos das vidas – portanto, há relações sociais inerentes a quaisquer experiências humanas, que são igualmente relações e daí a aproximação realizada. Nessa toada os fluxos são movimentos contínuos os mais múltiplos possíveis, tanto de âmbito singular quanto coletivo, envolvendo singularidades, alimentos, o capital e capitais (transações financeiras, por exemplo), sentimentos, afecções, pensamentos, religiões.

Entretanto, ainda não foi considerada a função da máquina social, que é a de organizar, coordenar, estruturar as multiplicidades de fluxos que o atravessam, mediante certas diretrizes ou lógicas operacionais, longe de serem estáticas, mas igualmente relacionais e flutuantes, em permanente processo de interação, de agenciamentos, de territorializações e desterritorializações, bem como aponta Heráclito de Éfeso13, afastando possíveis pretensões de imutabilidade e eternização

de rotas de fluxos.

Possuindo a capacidade, por vezes, de circunscrever e limitar esses fluxos, ela só o faz a partir do momento que lhes impinge, aplica e marca um código que os qualifique, assim como legitime, permitindo os seus movimentos dentro de uma esfera limitada, espacial, temporal e intensionalmente falando. Portanto, para a dupla,

“a sociedade não é, primeiramente, um meio de troca onde o essencial seria circular e fazer circular, mas um socius de inscrição onde o essencial é marcar e ser marcado. Só há circulação quando a inscrição a exige ou permite. Neste sentido, o procedimento da máquina territorial primitiva é o investimento coletivo dos órgãos; porque a codificação dos fluxos só se faz na medida em que os órgãos capazes, respectivamente, de produzi-los e cortá-los encontram-se cercados, instituídos como objetos parciais, distribuídos e fixados no socius. Uma máscara, portanto, é uma tal instituição de órgãos. Sociedades de iniciação compõem os pedaços de um corpo: ao mesmo tempo, órgãos dos sentidos, peças anatômicas e junturas. Proibições (não ver, não falar) [167] aplicam-se aos que, em tal estado ou em tal ocasião, não desfrutam de um órgão investido coletivamente” (DELEUZE & GUATTARI, 2010, p. 189).

Então antes mesmo de ser um lugar de troca, de comércio, de relações financeiras, a sociedade realiza inscrições, via códigos,

13 Em sua mais conhecida frase, “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”, o autor deixa claro a mutabilidade e a transformação constante da vida como um todo, considerando os seus micro processos formadores, como o ato de conversar com uma pessoa, passando por transformações a nível subjetivo ou social, macro formadores, como a mudança de uma legislação, não necessariamente para uma nova que seja melhor, mas necessariamente será diferente ou não exatamente, como se dá na axiomática conglobante do capital.

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permitindo assim, que as demais relações aconteçam dentro das suas formas operativas, lembrando sempre que haverá os escapamentos, tendo em vista que é improvável que o socius venha a tudo apreender, mas é a tentativa constante, é um dos desejos que a estruturam14.

Nesse sentido é que unidades componentes deste todo, inclusive compartilhando propriedades e características, muitas vezes dos mesmos conjuntos de fluxos, são capazes de incorporação e adaptação em outras correntes fluídicas, diversas espaço-temporalmente, já que, como visto no modelo da axiomática, o que vale, também do ângulo do socius, é a funcionalidade do código que o alimenta e estrutura, garantindo a sua continuidade, o seu existir no universo, representando, mais uma vez, a característica mor das práticas codificadoras que é de restringir ao máximo todo pensamento, ideia, teoria e prática que fuga dos seus limites, do que ela pode controlar naquele momento, permanentemente atualizado e complexificado, isto é, é tanto mais eficiente quanto mais não deixa existir e, principalmente multiplicar, os fluxos descodificados que fogem, que teimam em sair da linha, desejantes, possivelmente, de outros socius.

Portanto, a descodificação dos fluxos não se relaciona com o ato de traduzir, decifrar, revelar, compreender, decodificar um certo código, mas antes expressa “o estado de um fluxo cujo código seria compreendido (decifrado, traduzível, assimilável) mas, ao contrário, num sentido mais radical, o estado de um fluxo que não é mais compreendido dentro de seu próprio código, que escapa a seu próprio código” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 155), que lhe foge, que começa a correr fora do alcance dos códigos, traçando verdadeiras linhas de fuga.

Acontece que, como já apontado, os tecidos sociais jamais param de se defrontarem inesperada e subitamente, muitas vezes de forma assustadora e assombrosa, com eventos e ocorrências insólitas, surgindo fluxos não usuais, de locais não esperados e tempos idem; outros que costumeiramente seguiam os caminhos A, passam a outros caminhos B, rasgando e atravessando simbólica e concretamente o aparelho

14 Uma outra boa explicação do que seja o socius também pode ser visto em GUERON, 2017. Na página 259, ele vai chamar de socius as relações sociais de produção, conceito marxista, invés de sociedade e a partir disso vai compreender o capitalismo como uma espécie de gestão, a partir da teoria dos axiomas da dupla francesa. Segue: “Mas para poder explicar esta teoria nos limites de página de um artigo, é preciso antes resumir como Deleuze e Guattari veem o surgimento do que eles costumam, com mais frequência, chamar de socius ou de relações sociais de produção, utilizando-se neste último caso de um conceito abertamente marxista —, evitando o uso do termo sociedade. Diríamos, a princípio, que eles chegam a uma resposta nietzschiana para uma pergunta marxista, constituindo uma forma singular de materialismo, denominado por alguns de “materialismo maquínico”. Este movimento, no entanto, não para aí, ou seja, depois de passar por Nietzsche, Deleuze e Guattari vão voltar a Marx: vão implicar Nietzsche em Marx” (GUERON, 2017, p. 259)

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maquínico social, misturando, confundindo e desnaturalizando os códigos, os algoritmos, que funcionam na estruturação do micro15 e

macro.

Ela é constantemente atravessada por catástrofes, invasões, revoltas, motins, novas descobertas científicas ou mesmo anti-códigos, às quais é preciso um tratamento rápido de codificação ou de re-inseri-lo no sistema já existente, situado dentro da estrutura articulada consoante a programação existente, nos mais variados campos da vida, do jurídico-políticosocial ao comercial-produtivo-agricultor-industrial, passando pelo intelectivo-cognitivosujetivo-espiritual-familiar16. O

que isso aponta? Que o problema ou preocupação mor do socius é uma bem clara: sob qualquer preço e circunstâncias codificar os fluxos, sendo esta a sua atividade principal, que lhe dá vida, que garante a sua existência, que perpetua a sua existência, de modo a registrar todos os fluxos sob as coordenadas normativas dos códigos, variados, por vezes, que operam de forma lógico-abstrata, podendo visivelmente variar, se mutabilizar, mas ao fundo ou sob um sustentáculo, corre a axiomática, conjugando todos esses fluxos17.

Uma linha de fuga qualquer, inseridos em contextos idem, ao operar sob a descodificação de um ou mais fluxos, destacando-se da ordem posta e mediante as interações que farão, as relações que serão fabricadas, os encontros que acontecerão, não se sabe quando e onde e nem porquê18, podem trazer uma série de benefícios ou malefícios, do

ponto de vista singular e coletivo, a depender dos entendimentos, mas

15 Exemplo é quando o algoritmo do Netflix “enlouquece”, sai de forma, e faz sugestões de filmes e séries bem diferentes do padrão do usuário. Apesar de que, nesses casos, o problema é na própria codificação e não em linhas de fuga do lá de cá, a fuga é interna, do próprio sistema codificador

16 Na sociedade ocidental, o direito é um fluxo institucionalizado do estado que incorpora e articula os novos fluxos aos códigos, bem como retira uma série de outros. Exemplo atual: o debate sobre regularizar ou não o Uber; regularizar ou não o lobby, mesmo que este exista. Independente da sua codificação, podendo mesmo, neste caso, ser um exemplo de fuga aos códigos, já que, ao que tudo indica, não há interesse das grandes corporações em regularizar esta prática corriqueira e que traz, muitas vezes, uma série de danos ao corpo social, como no caso do lobby das indústrias farmacêuticas e dos planos de saúde em face da belíssima edificação do Sistema Único de Saúde, o SUS.

17 “O problema do socius tem sido sempre este: codificar os fluxos do desejo, inscrevê-los, registrá-los, fazer com que nenhum fluxo corra sem ser tamponado, canalizado, regulado. Quando a máquina territorial primitiva deixou de ser suficiente, a máquina despótica instaurou uma [41] espécie de sobrecodificação. Mas a máquina capitalista, NT à medida que se estabelece sobre as ruínas mais ou menos longínquas de um Estado despótico, encontra-se numa situação totalmente nova: a descodificação e desterritorialização dos fluxos” (DELEUZE & GUATTARI, 2010, p. 51).

18 A estratégia do “jogo” é disciplinar e codificar tudo, qualquer aspecto da vida é sujeito a esse procedimento, concordem ou não os que constituem o socius, em que pese não significar a não existência de resistência e de fugas, mas a possibilidade e as tentativas estão sempre aí e não se sabe quando

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que necessariamente fugirão à ordem estruturante organizacional do socius, sobretudo nos casos de sociedades inseridos em contextos pré-capitalistas, como os feudais, por exemplo.

6. O CAPITALISMO

Com o capitalismo a situação é algo diferente, em razão da axiomática, isso porque para as demais máquinas sociais, os fluxos descodificados significam perigos iminentes, balbúrdias e descontroles, ao passo que para o capitalismo e as sociedades erigidas sob esta forma econômica, esses fluxos são uma condição, bastando, para tanto, e por exemplo, lembrar da característica da flexibilidade (“a capacidade de o sistema englobar as múltiplas demandas, conglomerando-as, a fim de jamais cessar o seu desenvolvimento, perpetuando o seu crescimento, tanto em dimensão, quanto em volume e mesmo em intensidade, em uma claríssima tentativa de não haver um fora do sistema, um elemento não submetido à racionalidade ecumênica e totalizadora do capital”), que não é tão nova assim, já que é ínsito ao processo de formação deste sistema.

Então esses “novos” tipos sociais, as novas “socius”, a partir do capitalismo, vão experimentar, e continuam neste processo, não o exsurgimento de um fluxo descodificado responsável por abater o sistema de códigos feudais, mas uma multiplicidade agenciada de fluxos descodificados, que, a medida que se inter-relacionam, em toda a tessitura do plano imanente social formulam, imperceptivelmente e reproduzem a axiomatização generalizada, radicalmente múltipla, da vida social, criando os axiomas ou as proposições, que, reunidas em conjunto, dão a forma da axiomática do capital.

Karl Marx foi o teórico que primeiro percebeu essa ligação coordenada entre os vários subconjuntos (ou proposições), afirmando que, no socius, em geral, deslocam-se grandes cadeias de fluxos descodificados de pessoas, cuja expressão materializada se faz na porção considerável de singularidades desocupados, inativos, desterrados e depauperados, tanto financeira quanto energeticamente falando, usufruindo somente do próprio corpo, que na linguagem capitalista, se traduz como a força de trabalho, genuína, modesta, franca, estando inclinada à relação de troca, para a consequente obtenção dos meios mínimos de subsistência (não de existência). Este é o fluxo de criaturas no qual o sistema se baseia (mas não somente ele) para fazer emergir, portanto é-lhe a causa, um outro fluxo, agora de trabalho abstrato, que é rigorosamente observado e teorizado em âmbito pura e secamente funcional, absolutamente descodificado em relação às múltiplas formas concretas, empiricamente observáveis, que pode assumir, o que normalmente não acontece (TAVARES DOS SANTOS, 2010, p. 281).

Por outro lado, sob o mesmo plano axiomático, mas na forma

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de outro movimento contínuo, cuja causa reside na acumulação primitiva, deslocam-se, re-deslocam-se e translocam-se, as vezes velozmente (outras mais lentas) vários fluxos de capitais (dinheiro mesmo), igualmente geral (não específico, genérico) e abstrato, e, portanto, também descodificado, concentrado sob a tutela de poucos (REUBEN, 2016, BBC), que, a seu turno, são capazes de se apropriarem de quase qualquer coisa, materialmente considerada19. Estes capitais,

já se encontram em deslocamentos e movimentações contínuas, em mercados embrionários, com fluxos idem, entretanto, que já trazem em seus bojos, os potenciais de crescimento e dilatação dos caminhos utilizados pelas forças, isto é, na qual acontecem as trocas e traslados de mercadorias presenciando agora um novo conjunto de descodificação, ou melhor, que foi descodificado, qual seja, a perda do código da utilidade dos produtos, bens e serviços em razão dos valores de troca que agora possuem, após o processo de descodificação, sob a forma da propriedade privada20.

Há também um outro fluxo, este mais atual, concernente à revolução tecnológicacientífica, cujo início se deu com a primeira Revolução Industrial e suas máquinas a vapor, que representa mais uma descodificação, a da técnica, tendo em vista que estes inventos não foram dedicados a solução de problemas localizados, específicos, consoante necessidades igualmente próprias, mas investidos para o incremento das taxas de produtividade em geral21, para o aumento

dos rendimentos, processo este que só cresceu ao longo do tempo, alcançando as áreas rurais, em fenômenos que ficaram conhecidos ao redor do globo, nos mais diferentes estados, como a modernização dos campos ou da agricultura, mesmo que estes fenômenos não tenham se restringido a essa parte da economia produtiva capitalista do campo.

Em O Anti-Édipo, ambos apresentam esta mesma questão, quando percebem a desterritorialização promovida pelo Estado e pelo capital, com o advento do capitalismo, deixando a terra de ser

19 São incapazes de apropriação dos sentimentos, da fé, de intencionalidades, entre outros recursos não materiais. Não que seja impossível negociar estas questões, mas a transferência definitiva é impossível.

20 Em Marx, a propriedade privada capitalista se revela não como a realização da liberdade, o que pode ser depreendido de Hegel, sob uma certa leitura, mas somente uma forma historicamente determinada da produção, sob a égide do sistema capitalista, datada de limites, bem como de contradições. Consoante ALVES (2008, p. 59), têm-se que, em Marx, a partir da obra Manuscritos Econômico-Filosóficos, redigidos em 1844, não é a propriedade privada o fundamento da relação de dominação, mas antes o contrário, ou seja, o trabalho em sua forma alienada que se apresenta como fundamento originário da propriedade privada. Ou seja, é esta oriunda de uma certa relação social, é esta atividade do trabalhada, transmutada em objeto de cessão para outrem que se apresenta como a chave fundante da propriedade privada.

21 Essa é a necessidade específica, a do próprio capital. Produzir, produzir e continuar produzindo, estimulando os desejos para que as singularidades comprem, não importando as consequências desses processos, desde que vendam e que mais seja produzido.

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a terra-divindade, quase um fim em si mesma, transformando-se, gradativamente, em uma mediadora das relações sociais, com o Estado operando o primeiro grande movimento de desterritorialização na medida em que segmenta a terra pela organização administrativa, fundiária e residencial (HAESBAERT & BRUCE, 2002, p. 11), mas como não é o foco do artigo, remete-se o autor para a literatura específica sobre, tratando-se aqui apenas de contextualizar a citação:

“No coração d’O capital, Marx mostra o encontro de dois elementos “principais”: de um lado, o trabalhador desterritorializado, devindo trabalhador livre e nu, tendo para vender a sua força de trabalho; do outro, o dinheiro descodificado, devindo capital e capaz de comprá-la. Que estes dois elementos provenham da segmentarização do Estado despótico em feudalidade, e da decomposição do próprio sistema feudal e de seu Estado, não nos dá ainda a conjunção extrínseca destes dois fluxos, fluxo de produto res e fluxo de dinheiro. O encontro poderia não ter ocorrido; os trabalhadores livres e o capital-dinheiro continuariam existindo “virtualmente” cada qual do seu lado. É que um desses elementos depende de uma transformação das estruturas agrárias constitutivas do antigo corpo social, enquanto o outro depende de uma série totalmente distinta, a que passa pelo mercador e pelo usurá-rio, tal como eles existem marginalmente nos poros desse antigo corpo. [267] E mais: cada um destes elementos põe em jogo vá- rios processos de descodificação e de desterritorialização com origens muito diferentes. No caso do trabalhador livre, temos a desterritorialização do solo por privatização; a descodificação dos instrumentos de produção por apropriação; a privação dos meios de consumo por dissolução da família e da corporação; por fim, a descodificação do trabalhador em proveito do próprio trabalho ou da máquina. No caso do capital, temos a desterritorialização da riqueza por abstração monetária; a descodificação dos fluxos de produção pelo capital mercantil; a descodificação dos Estados pelo capital financeiro e pelas dívidas públicas; a descodificação dos meios de produção pela formação do capital industrial etc.” (DELEUZE & GUATTARI, 2010, pp. 299 e 300).

A reunião, via agenciamento, dos quatro fluxos apresentados, quais sejam: “trabalhadores desterritorializados”; “dinheiro que escorre”; “propriedades que se vendem” e “meios de produção que se preparam na sombra”22, já se pode perceber, sem muito esforço

intelectivo, uma breve noção d axiomática do capital, em que pese

22DELEUZE & GUATTARI (2010, p. 298): “As dissoluções definem-se por uma simples descodificação de fluxos, definem-sempre compensadas por sobrevivências ou transformações do Estado. Sente-se a morte assomar de dentro, sente-se o próprio desejo ser instinto de morte, latência, mas também passar para o lado destes fluxos que são, virtualmente, portadores de uma vida nova. Fluxos descodificados — quem dirá o nome deste novo desejo? Fluxo de propriedades que se vendem, fluxo de dinheiro que escorre, fluxo de produção e de meios de produção que se preparam na sombra, fluxo de trabalhadores que se desterritorializam: será preciso o encontro de todos estes fluxos descodificados, sua conjunção, a reação de uns sobre os outros, a contingência deste encontro, desta conjunção, desta reação que se produzem

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haver uma multiplicidade de outros fluxos, que por sua vez, devém axiomas basilares do sistema, uma vez que este não é escopo do artigo (TAVARES DOS SANTOS, 2010, p. 282).

Como reiterado diversas vezes, a aplicação do modelo axiomática não exige a comunicação antecipada das proposições que a comporão, mas sim a observância do padrão lógico-abstrato, cujas relações são puramente funcionais e de não natureza não específica, nesse caso o do mercado capitalista, a ser sobreposto aos fluxos materializados da existência social, isto é, a subsunção dos fluxos efetivamente reais (de produção, da natureza, dos afetos, etc.) ao padrão lógico-abstrato-funcional da axiomática do mercado capitalista, com as suas mais múltiplas formas-transações.

Nessa axiomática capitalista, haverá, dentre outras, uma série de proposições ou axiomas igualmente concretos, porque com respaldo na materialidade prática do mundo, que podem ser anunciadas da seguinte forma: (i) mercadoria se torna qualquer relação ou objeto que se troca, no ambiente do mercado, consoante um valor de troca, especificado ou expresso em dinheiro; (ii) o valor, por sua vez, exprime certa quantidade de dinheiro, ou de capital, aplicado na fabricação da mercadoria, que lhe dá forma concreta, tangível; (iii) o capitalista é aquele que emprega capital para a produção de mercadorias em geral; (iv) qualquer mercadoria exige, para ser formada, aplicação de alguma quantia de capital, tanto em força de trabalho quanto em meios de produção, na quantidade suficiente para tal; (v) qualquer investimento de capital aplicado na geração de mercadoria deve, obrigatoriamente, converterse em uma mais valia, em uma lógica de agregação; e (vi) mais-valia como sendo a diferença entre o somatório do valor do trabalho com os valores dos meios de produção empregados nessa estrutura, e estes juntos, subtraídos ao valor final da mercadoria que foi produzida, sendo que esta diferença, sempre positiva, será o pedestal fático do lucro do capitalista neste sistema (MARX, 1974, Volume I, Parte III, Capítulo VII, Processo de Trabalho e Processo de Produção de Mais Valia, Secção 2; TAVARES DOS SANTOS, 2010, p. 282).

Para prosseguimento, é preciso considerar um pouco sobre a mercadoria, com base na síntese de Leandro Konder. Em resumo, mercadoria é o que se fabrica especificamente voltado para o mercado capitalista, ou seja, cujo objetivo é a relação da troca, da venda e não exatamente o uso imediato do produtor, conforme foi visto em páginas acima. Razoável é pontuar que as mercadorias já existiam antes do sistema capitalista; todavia, foi a partir deste sistema que houve um fluxo continuo-expansionista de mercantilização das mais variadas áreas, produtos, serviços, desejos.

Tudo que entra na axiomática do capitalismo, e foi visto que

uma vez, para que o capitalismo nasça e que o antigo sistema encontre a morte que lhe vem de fora, ao mesmo tempo em que nasce a vida nova e em que o desejo recebe seu novo nome”.

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esta flexibilidade frente a novas demandas é a sua própria condição de existência, portanto, tudo “precisa” de entrar, é, pelos axiomas, transformado em mercadoria, isto é, tudo devém relação de troca, cargos públicos, os direitos sociais, a saúde mental, etc. E o processo fundamental e fundante do sistema foi a transformação da própria força humana capaz de trabalhar em mercadoria. E na medida em que o trabalhador produz para o mercado e não para si, para seu uso, o que é produzido adquire vida própria, uma espécie de autonomia (olha o axioma aí), o processo de produção torna-se cada vez mais desconhecido, passando a assenhorear-se do homemtrabalhador, ao invés do contrário (KONDER, 1999, p.121-122). As singularidades humanas devém apenas instrumentos da axiomática desses fluxos descodificados, na condição de somente um dos instrumentos, agora disputando lugar na produção com as máquinas, com a inteligência artificial23. Ou seja, esses fluxos assinalados, como dos bens e serviços

produzidos, dos trabalhadores, os indicados acima, são circunscritos à racionalidade operativa da axiomática do capital, portanto, rigorosamente descodificados, apreendidos fora das linhas dos códigos que até então lhe eram próprios, a fim de se tornarem axiomatizados, inseridos na estrutura dos axiomas.

Ainda como assinalado, esses processos de descodificação não são meras recodificações, já que nos códigos há uma aparente unidade entre eles, bem como a sua percepção, que é subjacente aos termos explícitos, como uma rocha granítica, é indireta, lembrando que nada impede que haja uma espécie de autonomia entre as áreas. Já na axiomática, diferentemente, nas palavras de Deleuze e Guattari, “A qualidade dos fluxos resulta apenas de sua conjunção como fluxos descodificados; eles permaneceriam puramente virtuais fora desta conjunção; esta conjunção é também a disjunção da quantidade abstrata, pela qual esta devém algo de concreto” (DELEUZE & GUATTARI, 2010, p. 330), não sendo possível a existência de autonomia entre esses descodificados, porque o fator unificante-mor de ligação atua cumprindo a sua função operativa “abstrata”, que é de agenciá-los.

23 Este processo é que originar a “mais valia maquínica” apontada pela dupla, que não será abordado pelo fato de não ser o objetivo. Segue o trecho: “Na composição orgânica do capital, o capital variável define um regime de sujeição do trabalhador (mais-valia humana) tendo por quadro principal a empresa ou a fábrica; mas, quando o capital constante cresce proporcionalmente cada vez mais, na automação, encontramos uma nova servidão, ao mesmo tempo que o regime de trabalho muda, que a mais-valia se torna maquínica e que o quadro se estende à sociedade inteira” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 169 e 170). E ainda em “Essa observação certamente não vai contra a teoria marxista da mais-valia, pois Marx mostra precisamente que essa mais-valia deixa de ser localizável em regime capitalista. É até mesmo seu aporte fundamental. Marx pode tanto melhor pressentir que a própria máquina torna-se geradora de mais-valia, e que a circulação do capital recoloca em xeque a distinção entre um capital variável e um capital constante. Nessas novas condições, continua sendo verdade que todo trabalho é sobretrabalho; mas o sobretrabalho já nem sequer passa pelo trabalho” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 215 e 216).

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Torna-se então de fácil percepção alcançar a mercadoria como sendo a expressão material, encarnada, encorpada, tangível do capital, porque nítida a sua ligação através das operações da axiomática, sendo ainda os meios de produção o capital constante e a força de trabalho o capital variável. Meios de produção são aqueles formados por meios de trabalho e objetos de trabalho, mediando a relação entre trabalho e natureza (SANDRONI, Sem Ano, p. 378), por exemplo, instalações fabris, silos (meios) e minério de ferro (objeto) e a força de trabalho é a da próprio homem, fazendo parte da categoria maior e englobante de força produtiva (SANDRONI, Sem Ano, p. 249), aquelas que o homem utiliza para a produção e reprodução da própria vida social, incluindo as forças da natureza24.

7. MODELOS DE REALIZAÇÃO

Sendo o capitalismo “uma axiomática geral de fluxos descodificados” não quer dizer que a estrutura do socius capitalista exclua definitivamente os códigos e seus processos, ainda presentes na tessitura, visualizados, por exemplo, nas organizações econômicas (firmas, empreendimentos, industriais ou não, do setor de serviços, qualquer uma), pois que há os códigos, na forma de normas públicas e privadas, que garantem a perpetuação das proposições axiomáticas do capital dentro destes locais, como as diretrizes de hierarquia, as normativas de greves, proibição de piquetes, controle de qualidade, participação nos lucros, entre outras. Outro modelo de realização, este soberanamente essencial para a existência do regime, que são os aparelhos de Estado, cujo papel é “impedir que fluxos semióticos descodificados, matemáticos e físicos fujam por todos os cantos da axiomática social”, adicionando à rede axiomas, outras vezes retirando, esses ou outros, concretizando a axiomática do capitalismo dentro da sua área jurídica, política, social, soberana, econômica de alcance – é como os Estados Unidos garantem as democracias ao redor do mundo, antes com baionetas, agora sem. Então a axiomática é um ponto em que se para, que assegura, a partir dos Estados, o perpétuo restabelecimento da ordem, impedindo as vazantes, construindo diques contra os volumes que querem escapar porque já não suportam mais aquela forma, Os “gestores” de Estado são os que colmatam, que aterram os novos, os inovadores, as linhas de fuga, impondo a racionalidade “certa”, verdadeira, “imutável”, fazendo uma política oficial, construindo os “modelos certos”, seja na matemática, na física, na política (com as democracias liberais capitalistas), no direito (afinal,

24 Sobre capital constante e capital variável, corroborando a análise, ver, por exemplo,: “Entretanto, as próprias condições da máquina de guerra de Estado ou de Mundo, isto é, o capital constante (recursos e material) e o capital variável humano, não param de recriar possibilidades de revides inesperados, de iniciativas imprevistas que determinam máquinas mutantes, minoritárias, populares, revolucionárias” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 116).

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a axiomática está enraizada neste sistema, que assegura a propriedade privada e antes o modelo axiomático de trabalho para extração da mais valia, etc.).

Vale o re-encontro com o texto da dupla:

“Ora, esta é uma razão a mais para reaproximar política e axiomática, pois uma axiomática em ciência não é de modo algum uma potência transcendente, autônoma e decisória que se oporia à experimentação e à intuição. Por um lado, ela tem tateamentos, experimentações, modos de intuição que lhe são próprios. Sendo os axiomas independentes uns dos outros, pode-se adicionar axiomas, e até que ponto se pode fazê-lo (sistema saturado)? Pode-se retirar axiomas, e até que ponto (sistema "enfraquecido")? Por outro lado, é próprio da axiomática chocar-se com proposições ditas indecidíveis, ou afrontar potências necessariamente superiores, que ela não pode dominar54 . Enfim, a axiomática não constitui uma ponta da ciência, mas muito mais um ponto de parada, um restabelecimento da ordem a impedir que os fluxos semióticos descodificados, matemáticos e físicos, fujam por todos os lados. Os grandes axiomatistas são homens de Estado da ciência, que colmatam as linhas de fuga tão freqüentes em matemática, que pretendem impor um novo nexum, mesmo que provisório, e fazem uma política oficial da ciência. São os herdeiros da concepção teoremática da geometria. […] São os caracteres reais da axiomática que levam a afirmar que o capitalismo e a política atual são literalmente uma axiomática. Mas é precisamente por essa razão que nada está determinado de antemão. [...]” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 173 e 174).

Já que nada está determinado de antemão, porque sempre há linhas de fuga, eventos estes imprevisíveis, na tentativa, normalmente com sucesso, de garantir a ordem e a lei, o Estado também vai criar e re-criar códigos, alinhado aos procedimentos acima apontados de postulação dos axiomas, inovando, retirando ou afirmando os já existentes, em conformidade com o sistema capitalista, cuja tendência é a descodificação generalizada, que representa a sua própria condição de existência, de perpetuação na superfície terrestre, porque há também a necessidade de manter a ordem, o sistema nos eixos, variáveis por certo, e daí as intensas operações de alternância dos fluxos, de modificações, de extermínios, diariamente observados, simbolizando a reação às novas demandas.

Nesse sentido o Estado é o regulador máximo, o patrono da causa capitalista, domesticando trabalhadores, seja via repressão (cacetes, bombas, apreensões e prisões), seja via bem-estar (saúde, educação, direitos sociais em geral, etc.); como também influi no desenvolvimento do mercado, o que se faz necessário, mesmo que hajam os gritos de menos Estado, menos impostos e similares, através dos subsídios, do sistema tributário e mesmo de organizações internacionais, lembrando que os Estados mais fortes vão, normalmente, ditar as regras destes axiomas, quando, por exemplo, protegem as suas indústrias e serviços com subsídios, mas nos tratados e acordos internacionais defendem a

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abertura completa de mercados e a não interferência estatal no sistema de trocas – fica-se somente olhando.

O ponto é a mutabilidade existe no regime dos axiomas, realizada pela via estatal, mercadológica, social, etc., o que é tolerável e até mesmo bem vindo, como repetido alhures. O que não pode acontecer é a extinção ou a mera tentativa de supressão dos axiomas fundamentais, os determinantes estratégicos do sistema, os primários e mais pesados, em torno dos quais os demais gravitam, ora mais rápido, ora mais devagar. Por isso é um sistema não saturado, não fechado, que admite, e antes, requer novos axiomas, não importa a origem destes, mas sim as suas funções, realizando todo tipo de ligação, química, criminosa, física, de corrupção, até de direitos humanos, desde que a máquina não pare.

Em decorrência deste aspecto da volubilidade ou “instabilidade relativa”, que é um axioma fundante, gestado e re-gestado ao longo dos anos, das empresas, dos estados, dos poderes, é que ele é capaz de superar os seus próprios limites, postos e re-postos pelas suas próprias organizações e sujeitos, que talvez seja uma das suas “grandes marcas”. Um feito inédito na história? Não saberia responder, mas ainda que não seja, não retira o caráter surpreendente deste aspecto. Ele quer ser um absoluto, mas construído sob premissas relativas, algumas, e claro, as inamovíveis. Sob este prima analítico, as fases do capitalismo, comercial, mercantilista, industrial-imperialista, financeiro e tecnológico (Neoliberalismo), independentes das formas estatais formuladas nos Estados, representam modos ou conjuntos agregados de axiomas, sempre com base nas circunstâncias históricas, geográficas, políticas, etc. que se fazem presentes.

Portanto e finalmente, não há essências eternas e imodificáveis, há sim operações axiomáticas lastreadas em estruturas lógicas, já que o sistema da axiomática considera os elementos e os fluxos puramente funcionais, de natureza não especificada, que se realizam em múltiplos-simultâneos em áreas diversas, encharcada e enxertada no imaginário social25, singular e coletivamente considerados, abrangendo as

instituições públicas e privadas, vistas, por exemplo, nos ideais dos sonhos alcançáveis (“trabalhando você conseguirá ser milionário”, os planos de carreiras, que o fazem acreditar que você pode “chegar lá” - não que seja ruim, tem a sua função26), de que é impossível viver

sem o capitalismo (mesmo “sabendo” que nem sempre foi assim, que

25 O conceito de ‘imaginário’ aqui utilizado é no sentido que lhe atribui Castoriadis. Ele deixa claro que imaginário não é o oposto ou reflexo do real, mas é “criação incessante e essencialmente indeterminada (socialhistórica e psíquica)” de imagens e formas, através das quais se torna possível falar de “alguma coisa”. E que vão se perpetuando, perpetuando, muitas vezes sem se saber como e quando acontece. Ver: CASTORIADIS, 1978.

26 É de se questionar se, mesmo conscientes de que muitas das conquistas sociais, dos trabalhadores, são também conquistas do capital, em razão da mudança dos axiomas, isso representa algo a ser explorado, porque não é razoável ignorar a melhoria material destas vidas, destes corpos sociais.

Referências

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