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PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

No documento BRAZILIAN JOURNAL OF ACADEMIC STUDIES (páginas 112-118)

emana”.

Médiuns polígrafos: aqueles cuja escrita muda com o Espírito que se comunica, ou aptos a reproduzir a escrita que o Espírito tinha em vida. O primeiro caso é muito vulgar; o segundo, o da identidade de escrita, é mais raro.

Médiuns poliglotas: os que têm a faculdade de falar, ou escrever, em línguas que lhe são desconhecidas. Muito raros.

Médiuns iletrados: os que escrevem, como médiuns, sem saberem ler, nem escrever, no estado ordinário. (KARDEC, 2003, p. 271-272).

Dessa forma, pode se afirmar que há diferentes tipos de médiuns e de psicografias, que variam de acordo com o seu modo de execução. No Ordenamento Jurídico Brasileiro, a psicografia não é admitida legalmente como um meio de prova, mas existem alguns casos em que essa já foi usada e admitida em julgamentos no âmbito criminal.

PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

No Processo Penal Brasileiro, é utilizada, ainda por poucos, a psicografia como meio de prova para inocentar um réu, pois ela não é um tipo de prova especificado na legislação, assim trazendo inúmeros questionamentos se ela pode ou não ser considerada um meio de prova lícito.

Tendo em vista que não há uma permissão ou proibição sobre a utilização das cartas psicografadas como um meio de prova, fica a critério de o magistrado aceitar ou não; mas antes de tomar qualquer decisão, o mesmo analisará todo o contexto.

Como esse é um tema bastante controverso, existem dois posicionamentos a respeito, um sobre a admissibilidade e o outro sobre a inadmissibilidade da carta psicografada como meio de prova no Processo Penal Brasileiro.

Admissibilidade

Muitos são a favor do uso da carta psicografada como prova em um processo. Aqueles que são a favor, dizem que a carta psicografada se trata de uma prova documental, também complementam que ela se trata de uma prova inominada, ou seja, é possível de ser usada, mas não está presente na lei.

Sobre as provas inominadas, vale destacar:

Partindo da compreensão que somente podemos pensar em provas inominadas que estejam em estrita observância com os limites constitucionais e processuais da prova, o processo penal –

excepcionalmente – poderá admitir outros meios de demonstração de fatos ou circunstâncias não enumerados no CPC. Isso, em geral, decorre da própria superação dos meios existentes na década de 40, quando entrou em vigor a legislação processual penal. (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 566).

Tendo em vista que as partes poderão usar de todos os meios legais para se provar algo, inclusive de documentos, a carta psicografada poderia ser incluída nesse tipo de prova, sendo considerada uma prova documental.

O Código de Processo Penal diz em seu artigo 232 o seguinte: “Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.” (BRASIL, 1941).

Complementando a ideia, é relevante destacar:

A noção de documento deve ser a mais flexível possível, porque dependente do conteúdo que ser quer com ele demonstrar. O que realmete importa, para fins de relevância probatória, é a sua originalidade. Daí dispor o art. 232 que se consideram documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares (...). Deve-se, então, entender como documento qualquer manifestação materializada, por meio de grafia, de símbolos, de desenhos, e, enfim, que seja uma forma ou expressão de linguagem ou de comunicação, em que seja possível a compreensão de seu conteúdo. (OLIVEIRA, 2017, p. 444).

Outro argumento que é utilizado para defender que a carta psicografada é lícita, consiste no fato de que a mesma não se origina da doutrina espírita, pois é um fenômeno natural do seu humano, não ferindo a ideia de que o Brasil é um estado laico.

O juiz Alexandre Azevedo (2008), citado por Galvão (2008), em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, disse o seguinte sobre o assunto: “Não enxergaria nenhuma diferença entre uma declaração feita por mim ou por você e uma declaração mediúnica, que foi psicografada por alguém”.

Com isso, se entende que a psicografia não é um meio ilícito, podendo se tratar de uma prova documental, pois a carta psicografada se trata de um documento particular, e mesmo sendo ditado por um espírito, essa foi escrita à mão, através de um médium.

Inadmissibilidade

Um dos posicionamentos mais adotados por pessoas que são contrárias à adoção da carta psicografada como meio de prova, é o fato de o Brasil ser um estado laico; afirmando que a psicografia trata-se de uma prática utilizada pelo espiritismo, sendo de cunho religioso.

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Quando se fala que o Brasil é um estado laico, quer dizer que o mesmo não possui uma religião oficial, o que fica evidente nas disposições do artigo 5º, IV e no artigo 19 da CR/88, que prevê a liberdade de crenças e cultos religiosos, assim não pode aceitar o que se deriva de uma doutrina religiosa.

O Projeto de Lei nº 1.705/2007 foi criado com o objetivo de derrubar o valor probatório da carta psicografada no processo penal, propondo a mudança do artigo 232 do Código de Processo Penal Brasileiro.

Tal projeto de lei foi apresentado pelo deputado federal Robson Lemos Rodovalho, que diz o seguinte:

Este projeto de lei tem como objetivo destituir de valor probatório o texto psicografado no âmbito do processo penal. {...} aceitar como prova um documento ditado ou sugerido por algum espírito desencarnado implica resolver uma questão de fé {...} Pergunta-se então: pode-se afirmar que os espíritos desencarnados têm os atributos divinos da onipresença, onisciência e onipotência? Não existindo tais atributos, pode-se acreditar nos relatos de um espírito? Há como se garantir que a pessoa que afirma receber um espírito está dizendo a verdade? {...} E se nem mesmo pode se negar ou afirmar algo em relação à vida após a morte tendo em vista a impossibilidade de uma resposta concreta, mostra-se, sem dúvida, absurdo admitir como prova no âmbito do processo penal documentos resultantes da psicografia. (RODOVALHO, 2007).

Nessa visão, encontram-se argumentos que justificam a inadmissibilidade da psicografia como prova devido à possibilidade de fraude, pois é um documento ditado por um espírito, e escrito pela mão de uma pessoa que poderá transcrever o que foi transmitido a ela, da maneira que se entender, existindo vários charlatões nesse meio.

Um outro ponto de contrariedade sobre a psicografia como prova, é a ofensa ao contraditório, visto que a parte contrária não terá meios e instrumentos para se contrapor à carta psicografada.

Fato é que sempre irá existir opiniões contrárias sobre o assunto, mas vale salientar que quando um documento psicografado é levado ao processo, esse passará por uma perícia grafotécnica, para que assim seja comprovada a sua veracidade.

Perícia Grafotécnica: Instrumento para comprovação da autenticidade das cartas psicografadas

Para que se comprove a real autenticidade de um documento, é necessário que esse passe por uma perícia, feita por pessoas especializadas no assunto, conhecidas como peritos.

conceituada como:

Um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação da autenticidade gráfica e da autoria gráfica. (PERANDRÉA, 1991, p. 31).

A perícia é um importante meio de prova, pois é a partir dela que o magistrado pode embasar sua decisão em relação a um fato, tendo total certeza que esse é verdadeiro.

Quando uma carta psicografada é apresentada num processo, é imprescindível que ela antes passe por uma perícia grafotécnica, pois deverá ser comprovado se a grafia da carta é a mesma do desencarnado que a ditou. Como cada indivíduo possui um grafismo próprio, se conclui que o exame grafotécnico é exato.

Entre os médiuns escreventes, há uma mudança de caligrafia que é descrita da seguinte forma:

Um fenômeno muito comum nos médiuns escreventes é a mudança de caligrafia, conforme os Espíritos que se comunicam. E o que há de mais notável é que uma certa caligrafia se reproduz constantemente com determinado Espírito, sendo ás vezes idêntica à que este tinha em vida. (KARDEC, 2003, p. 300).

O perito Perandréa (1991) fez um estudo científico e lançou o livro “A Psicografia à Luz da Grafoscopia”, onde faz uma análise sobre cartas psicografadas através da perícia grafotécnica, analisando a grafia da carta psicografada e a do desencarnado ainda em vida. Assim, ele pode concluir que as cartas ditadas por espíritos através dos médiuns, eram totalmente verdadeiras. Muitos outros peritos interessados no assunto fizeram uma análise dessas cartas, assim comprovando ainda mais a veracidade delas.

Sendo assim é importante destacar que nenhuma carta psicografada apresentada ao magistrado, é aceita sem antes passar por essa análise que comprove sua real autenticidade.

A Psicografia em casos concretos

Embora não seja algo muito comum, no Direito Processual Penal Brasileiro encontram-se casos em que a carta psicografada foi usada como meio de prova para inocentar réus em crimes de homicídio. Vale destacar que essas cartas não são utilizadas no processo de forma individual; e sim em conjunto com todas as provas que foram apresentadas.

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Caso: Gleide Maria Dutra Marcondes Fernandes de Deus (vítima) José Francisco Marcondes de Deus (réu)

O caso que aqui se apresenta aconteceu em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul em 01 de março de 1980. Na madrugada de um sábado, Gleide (ex-miss Campo Grande) e seu marido José Francisco estavam voltando para sua casa depois de um encontro com amigos. Ao entrarem, a vítima sentou-se na beirada da cama, enquanto o seu marido, ainda de pé, tirava sua arma da cintura para guardá-la, quando de repente ocorreu o disparo atingindo sua esposa no pescoço. A vítima foi socorrida pelo próprio marido, e ficou internada por 7 (sete) dias, e no dia 07 de março daquele ano, veio a falecer (POLÍZIO, 2009).

Após 4 (quatro) meses do ocorrido, José Francisco foi até Uberaba e obteve com o médium Chico Xavier uma mensagem psicografada, onde sua esposa Gleide relatava o acontecido.

Sentaram-me no leito, ia ficar de esperar por você por alguns instantes, quando notei que você retirava o cinto cuidadosamente para resguardá- lo. Não pude saber e compreendo que nem você saberia explicar de que modo o revólver foi acionado de encontro a qualquer obstáculo e o projétil me atingia na base da garganta. Somente Deus e nós dói soubemos que a realidade não foi outra, recordo a sua aflição e de seu desespero buscando socorrer-me, enquanto eu própria debatia querendo reconfortá-lo sem possibilidade para isso. Depois de um torpor muito grande me atingia, entretanto, nos restos de lucidez que ainda dispunha, roguei a Deus não me deixasse morrer sem esclarecer a verdade. (AHMAD, 2008, p. 179).

No ano de 1985, João foi absolvido da acusação por unanimidade, mas o julgamento foi anulado logo após o assistente de acusação recorrer pedindo o cancelamento da decisão do Júri. Em 1990, houve novo julgamento, onde João foi condenado a 1 (um) ano de detenção, por 6 (seis) votos a 1 (um), pelo crime de homicídio culposo.

Caso: Gilberto Cuencas Dias (vítima) Benedito Martiniano França (réu)

Na data de 28 de outubro de 1979, em Campos do Jordão no estado de São Paulo, Gilberto Cuencas veio a falecer quando foi esfaqueado por Benedito Martiniano, conhecido como “Bentinho”.

A vítima estava com sua esposa e filho na Colônia de Férias do Clube dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Quando o réu estava deixando o local, após tomar uma cerveja no bar, o seu veículo acabou encostando em José Militão Lemes Coura, cunhado da vítima. Por esse motivo, Benedito e José começaram uma discussão,

e José desferiu uma bofetada em Benedito, que logo em seguida foi até o seu carro buscando uma faca de churrasco que lá se encontrava. Benedito voltou-se contra o seu agressor, mas Gilberto estava do seu lado e acabou sendo esfaqueado no abdômen. Isso tudo aconteceu a poucos metros da sua esposa e filho, que acompanharam tudo. Gilberto foi às pressas para o hospital, passou por uma cirurgia e não resistiu, vindo a falecer.

O réu Benedito foi denunciado pelo crime de homicídio doloso, por motivo fútil. O processo tramitou por anos na comarca da cidade, quando uma testemunha chamada Ivan Gabriel Covelli, telefonou para o advogado do réu contando que havia recebido de presente o livro “Correio do Além”, escrito pelo médium Francisco Cândido Xavier, e dentre inúmeras mensagens psicografadas no livro, havia várias transmitidas pelo espírito de Gilberto Cuencas Dias.

Três meses após a morte de Gilberto, a sua esposa Salete recebeu a primeira mensagem psicografada pelo seu marido. Mas foi no dia 17 de junho de 1982, na terceira comunicação de Gilberto, que foi recebida uma carta que mudaria o rumo do processo, e em uma parte da carta dizia:

Querida Salete, peço a Deus nos abençoe. Estamos nós dois aqui com os mesmo pensamentos. Desejo referir-me à nossa preocupação pelas atitudes do nosso querido Gilberto, à frente do júri, talvez, se realize muito em breve, com o tema de minha desencarnação. Até hoje nos achamos surpresos diante da ocorrência (...) Renovada pelos nossos próprios sofrimentos, você sabe compreender e julgar os acontecimentos em profundidade. Sei que fitará o nosso companheiro infeliz tocada compaixão, rogando a Deus o restitua à liberdade de cidadão prestimoso e correto (...) Explique, Salete, ao nosso filho que a morte não se resgata com a morte e que a dor não se cura criando novas dores para os que integram a caravana familiar. (POLÍZIO, 2009, p. 105-106).

Em uma outra carta enviada para a família, e psicografada por Chico Xavier, Gilberto diz:

A vovó Maria Porter, o avô José Lemes, o nosso irmão Kamura e vovó Ana, com muitos companheiros me encorajaram. E me encorajaram para pedir a você e aos seus, e nossos queridos pais, não reforçarem acusações algumas contra o irmão doente que me tirou o corpo físico, em nosso passeio na Colônia de Férias em Campos do Jordão. Querida Salete; imagine fosse eu o culpado se me visse enfermo e repentinamente agredisse a alguém, se perdesse momentaneamente a razão e me catalogasse entre os infelizes que não sabem quanto dói a delinquência. Fosse eu o culpado, repito, e você estaria a defender-me perante as nossas autoridades. Você peregrinaria através de gabinetes

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e gabinetes, buscando compreensão e simpatia, para o seu velho. (XAVIER, 1983, p. 32-33).

No ano de 1987, Benedito foi a júri pelo crime de homicídio culposo. Mas com a presença de um fato novo, a carta psicografada, o sentimento e pensamento de cada jurado mudou, e em razão da psicografia que foi apresentada, o réu foi absolvido por unanimidade pelos jurados.

Caso: Ercy da Silva Cardoso (vítima) Leandro Rocha de Almeida (réu) Iara Marques Barcellos (ré)

Em Porto Alegre, na cidade de Viamão, em 01 de julho de 2003, o cartorário Ercy da Silva Cardoso foi morto com dois tiros na cabeça, em sua residência. Após investigações, a culpa por sua morte recaiu sobre o seu caseiro Leandro Rocha, que acusou a mulher de Ercy como mandante do crime, falando que a mesma ordenou que ele cometesse a execução por 20 (vinte) mil reais. Nesse contexto, vale destacar:

A acusação recaiu sobre Iara Barcellos porque o caseiro do tabelião, Leandro Rocha Almeida, 29, disse ter sido contratado por ela para dar um susto no patrão, que, segundo ele, mantinha um relacionamento afetivo com a ré. (POLÍZIO, 2009, p. 122).

Na época do acontecimento, foram usadas duas cartas psicografadas pela defesa de Iara Marques, cartas ditadas pelo espírito de Ercy da Silva, que contribuíram para que Iara Marques fosse inocentada por 5 (cinco) votos a 2 (dois). Em uma das cartas diz o seguinte: “O que mais me pesa no coração é ver a Iara acusada desse jeito, por mentes ardilosas como as dos meus algozes (...). Um abraço fraterno do Ercy”. ( POLÍZIO, 2009).

Em 2005, Leandro Rocha foi condenado pela morte do patrão Ercy da Silva, sendo condenado a 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão, voltando atrás em relação a seu depoimento, negando a execução do crime.

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