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MODERNIDADE E INCERTEZAS SOBRE O SUJEITO

4. HERÓI, MODERNIDADE E INDÚSTRIA CULTURAL

4.1. MODERNIDADE E INCERTEZAS SOBRE O SUJEITO

No contexto da modernidade, os avanços da técnica e da razão moderna sobre os mais diversos setores da vida provocaram um aumento grande e sem precedentes do bem-estar, da capacidade de intervenção humana na natureza ambiental e no próprio homem. Atualmente ele pode realizar uma mudança na natureza da qual não há retorno, podendo inclusive ameaçar a sua própria existência no planeta. A velocidade das transformações oriundas do avanço científico e tecnológico é tal que ameaça a estabilidade das instituições sociais e a capacidade de adaptação do homem. Os produtos tecnológicos e suas conseqüências possuem um alcance que não se consegue avaliar. Ao lado das benesses do progresso científico e tecnológico vieram conseqüências e riscos que não poderiam ser previstos e nem calculados.

Esta complexa conjunção de fatores possibilitou um grande progresso material, com muitas conquistas sociais e amplos benefícios, entretanto apresenta um lado “sombrio”, por exemplo: o trabalho degradante e repetitivo, o crescimento da burocracia, a possibilidade de um controle político, militar e ideológico concentrado de tal maneira que não era possível anteriormente (o totalitarismo) e as maiores guerras da história humana. Neste sentido Giddens (1991) coloca os termos segurança versus risco e confiança versus risco para pensar esta dupla face da modernidade.

Outra modificação da modernidade em relação aos outros modelos sociais é o papel da tradição como elemento de avaliação e de guia da ação. Uma prática ou ação social não é mais comprovada simplesmente pela tradição, mas ela deve ser justificada e sancionada por um conhecimento. Deste modo, o pensamento e a ação estão em constante contato e troca entre si realizando uma reflexão. Esta reflexividade “consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando constitutivamente seu caráter” (Giddens, 1991: 45). Ela sempre existiu, mas somente na modernidade ela está na base do sistema social, sendo aplicada em todos os aspectos da vida humana. Esta radicalidade da reflexão retira as certezas do conhecimento visto naturalmente como “certo e verdadeiro” implicando de forma profunda as ciências sociais e humanas.

O dinamismo da modernidade acarretou uma reflexão sobre a própria modernidade que constata “a dissolução do evolucionismo, o desaparecimento da teleologia histórica, o reconhecimento da reflexividade meticulosa, constitutiva, junto com a evaporação da posição privilegiada do Ocidente” (Giddens, 1991: 58) e o surgimento de um novo modo de experienciar. Isto tem levado a considerar que há a emergência de novas formas de organização social e de modos de vida e de pensamento que, em conjunto, são denominadas de pós-modernidade (Maffesoli, 1985). Entretanto, Giddens (1991: 58) argumenta que apenas há uma radicalização da modernidade.

Esta visão situa-se dentro da tradição do Iluminismo e da modernidade na qual o indivíduo torna-se cada vez mais liberto de definições e amarras externas, sendo mais capaz, por meio da crítica do particular pelo universal, de definir a si próprio, construir sua própria biografia e responsabilizar-se pelas suas ações. Assim, o desencaixe das relações sociais modernas deve ser completado com um processo de reapropriação e reformatação das mesmas vinculando-as a condições específicas e concretas, isto é um “reencaixe” (Giddens, 1991: 81). Uma das maneiras disto acontecer é através de encontros e rituais que permitem o contato pessoal entre o indivíduo em processo de “reencaixe” e os “sistemas especialistas”, isto é, conjuntos ou corpos de profissionais que podem fornecer respostas sancionadas pela autoridade social e pelo conhecimento científico, por exemplo, o estilista pessoal e o psicólogo (Giddens, 1991: 91).

Uma condição essencial desse modo de funcionamento das instituições sociais é a confiança em sistemas especialistas, tanto dentro destes sistemas como da sociedade em relação a eles. Neste sentido, a forte presença dos sistemas especialistas transforma a intimidade e o lado pessoal dos sujeitos, pois há necessidade de confiar em sistemas abstratos e princípios impessoais. As relações pessoais tornam-se parte integrante dos processos de reencaixe, elas não são mais apoiadas nos vínculos sociais, tais como de parentesco ou de trabalho, mas sim no afeto pessoal e na autenticidade, sendo essa entendida como exigência de abertura e boas intenções. Assim as relações pessoais cujo principal objetivo é a socialidade são incorporadas como parte das situações sociais da modernidade (Giddens, 1991: 121s).

A confiança pessoal entre os indivíduos não é mais dada a priori pelas interações e posições sociais. Ela é um objetivo a ser alcançado e deve ser construída ou ganha através da abertura e cordialidade em relação ao outro; é um trabalho que significa “um processo mútuo de auto-revelação”, assim “a descoberta de si torna-se um projeto

diretamente envolvido com a reflexividade da modernidade” (Giddens, 1991: 123- 124).

Deste modo, a construção da identidade e do eu pessoal incorpora-se como um elemento da reflexividade da modernidade, pois é através da reflexão sobre si próprio que é possibilitada por meio das diferentes estratégias e opções fornecidas pelos diversos sistemas especialistas24, que o indivíduo pode se apropriar de si. Há um impulso para a auto-realização, possibilitada por uma abertura de si em relação ao outro através de uma confiança básica. Isto orienta a formação de laços e relações pessoais nos quais há exigência desta abertura recíproca e uma preocupação com a auto-satisfação, esta sendo considerada como uma forma de apropriação positiva do processo de globalização e não apenas como uma defesa narcísica dela (Giddens, 1991:126).

Neste contexto, individualização significa “primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação dos modos de vida da sociedade industrial por modos novos, em que os indivíduos devem produzir, representar e acomodar as suas biografias” (Beck, 1999: 24). Este modelo considera o indivíduo como produtor e responsável pela sua própria vida e biografia, na qual ele deve encontrar e construir as suas próprias referências, projetos e certezas para si e para os outros, uma vez que os fundamentos da sociedade industrial perderam seu valor. Isto não é uma escolha para o sujeito, mas ele é jogado e empurrado neste processo e mesmo as tradições passam por um processo de escolha, aceitação ou rejeição através de uma análise e crítica de caráter individual. Assim, o indivíduo se planeja, projeta e age, sem possuir certezas transcendentais, sofrendo individualmente o risco e as conseqüências do seu fracasso.

O indivíduo em seu processo de individualização e de reflexividade, foi considerado essencialmente como cognitivo e racional (Lasch, 1999: 136). Entretanto, as condições sociais desta reflexividade também se alteraram, pois as estruturas sociais responsáveis anteriormente por isto estão sendo substituídas pelas estruturas de informação e comunicação, nas quais a liberdade individual implantada na modernidade é recolocada de forma diferente. Existe também uma tradição de crítica à modernidade que é feita ao universal pelo particular, uma dimensão estética da

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De modo geral, pode-se considerar que os sistemas especialistas são conjuntos sociais, por exemplo, os psicólogos, dotados de um conhecimento especializado, científico e dotados de autoridade social aos quais o indivíduo pode recorrer para elaborar a sua identidade em caso de necessidade e que fornecem uma resposta dotada de autorização pelo conhecimento científico e pela autoridade social do

reflexividade25, um retorno da coletividade, do sentido comunal e do “nós” frente a uma hipostasiação do “eu”.

Entretanto, existem condições estruturais que são não-sociais para a reflexividade. Elas são oriundas da localização e da possibilidades de acesso do indivíduo às redes locais e globais das estruturas de informação e de comunicação (EIC). Estas são constituídas por “canais estruturados em que a informação flui; e segundo espaços em que ocorre a aquisição das habilidades de processar a informação” (Lasch, 1999: 148).

Nas estruturas de informação e comunicação ocorre uma dupla reflexividade baseada por um lado em signos conceituais e, por outro, em signos miméticos, isto é, em sons, imagens e narrativas que operam por semelhança e analogia. Esta reflexividade baseada na mimese não é um momento cognitivo, mas estético e insere- se na tradição do modernismo nas artes. Ele é o fundamento de uma nova ética que é situada e contingente e do consumo individualizado do capitalismo contemporâneo (Lasch, 1999: 164s). O individualismo, neste caso, refere-se a um desejo heterogêneo e contingente, não de um ego soberano e controlador. Neste caso, a reflexividade possui um caráter de desconstrução e de crítica radical do conceito, mas não consegue fundamentar ou construir nada, pois termina por operar no vazio, sem vinculação entre o significado e o significante com este podendo representar, significar qualquer coisa ou trocar de significado como um jogo lingüístico, ou seja, realizar o jogo livre do significante (Lasch, 1999: 174s). Este processo não permite captar as condições da existência, isto é, não processa os significados mediados pelas estruturas de informação e comunicação, mas os significados compartilhados pelos indivíduos que vivem em conjunto – o “nós” ou a comunidade. Para ter acesso a eles é necessário interpretar e não desconstruir.

especialista. Assim, ele realiza a mediação entre um conhecimento “científico” que diz respeito ao próprio sujeito, as suas questões pessoais e ele mesmo (Giddens, 1991).

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O conceito de reflexividade apresenta diferenças quanto à sua conceituação. Enquanto para Giddens (1999), a reflexividade ocorre com a participação dos sistemas especialistas como a psicologia e a psicanálise, modificando-se a confiança do caráter de conhecimento pessoal para elementos distintivos destes sistemas tais como diplomas e certificados; para Beck (1999) ela resulta em uma maior liberdade e desconfiança em relação a estes sistemas especialistas, permitindo assim maior autonomia do sujeito (Lasch, 1999: 142). Frente a esta avaliação positiva da reflexividade como um aumento do conhecimento, da autodeterminação e da liberdade individual temos a constatação da realidade em que as condições de trabalho estão piores. Por que ‘há, de fato, ao longo dos mencionados ‘vencedores da reflexividade’, batalhões inteiros de “perdedores da reflexividade’ das sociedades atuais de classes cada vez mais polarizadas, embora com informação e consciência de classe cada vez menores (Lasch, 1999: 146s).

Assim, em estudos relacionados com as EIC, ou mais particularmente com as mídias e seus produtos, como o RPG, o importante para a compreensão da identidade do sujeito é a abordagem no consumo cultural e não na sua produção, sendo importante a compreensão da constituição e das necessidades da comunidade e do “nós”. Comunidades culturais seriam as “coletividades de práticas estabelecidas compartilhadas, significações compartilhadas, atividades de rotina compartilhadas na obtenção do significado” (Lasch, 1999: 177). Nestas, os indivíduos tornam-se sujeitos uns para os outros, dentro da distinção entre sujeito e objeto, e quando existe uma ruptura nestes significados compartilhados, os sistemas especialistas são uma das formas de sanar esta ruptura.

Esta reflexão realiza-se tradicionalmente dentro do domínio da razão e dos conceitos, considerando-se um sujeito livre e racional. Entretanto, esta é uma das modalidades para a reflexão que podemos denominar de cognitiva. Conforme colocado, o conceito e a racionalidade não reinam mais de forma soberana, há um retorno do reprimido, isto é, das imagens, do sensível e da sensibilidade trágica. Estes também realizam uma certa espécie de reflexão, não universal e objetiva, mas subjetiva, colada aos objetos, sensível e com participação afetiva. Uma segunda efetividade de ordem estética.

Esta forma de reflexividade é denominada de estética, sendo da ordem existencial, e conjuga-se com a participação e troca com os outros e com o mundo das sensações. Refere-se a uma sociabilidade de “estar junto”, de compartilhar uma sensibilidade coletiva e de usufruir prazeres em grupo, na qual se retoma o "nós grupal" arcaico. A crise nos fundamentos da sociedade também faz ressurgir as constantes antropológicas26 comuns ao ser humano que reaparecem na sua relação com os outros e nas imagens coletivas. Os mitos e ritos ressurgem procurando cimentar a coletividade e proporcionar uma base para o "nós grupal". As imagens, que são os elementos constituintes dos mitos e bases para a sua encenação que são os ritos, emergem e mostram a sua autonomia e vinculação a um psiquismo que ultrapassa o sujeito e que lhe proporciona um impulso vital.

As imagens são elementos constituintes de um complexo que se relaciona com a sensibilidade e os comportamentos. Elas permitem gerar um sentimento de

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Este termo aparece nas obras de M. Maffesolli (1985; 2003; 2004) e procura salientar características que são partilhadas pelas sociedades e por todos os seres humanos, aproximando-se em muito do

pertencimento e de presença dos indivíduos que partilham destas imagens em comum constituindo um grupo ou núcleo social. Isto ocorre como uma necessidade humana de pertencer a um grupo e partilhar de um imaginário social. Nas sociedades contemporâneas em crise, esta sociabilidade fundamental é recomposta em pequenos grupos que elegem e partilham uma imagem comum ou totem. Isto confere uma identidade ao indivíduo e ao grupo formando nas megalópoles as denominadas "tribos urbanas" (Maffesoli, 1997).

Deve-se destacar que a comunidade27 envolve práticas, significações, investimento afetivo e objetivos que são compartilhados, sendo apreendidas e tornadas “naturais” e inconscientes; ela não se refere a interesses ou propriedades compartilhados tais como partidos e classes.

Acompanhando este movimento da reflexividade crescente em suas diversas formas, e talvez mais próximo da reflexividade estética e hermenêutica, há um retorno nesta modernidade tardia (ou pós-modernidade) de valores arcaicos que questionam este modo moderno de ser.

“Os videoclipes, a publicidade, os jogos de informática, as diversas formas de ciberespaço, o mostram de sobra. Entramos novamente no tempo do mito. O reencantamento do mundo provém da conjunção do cavaleiro de nossos contos e lendas e do raio laser” (Maffesoli, 2003: 14).

Ele aparece na valorização do dia-a-dia, do comum, do que acontece na vida ordinária e nas práticas básicas, o sujeito não procura grandes objetivos ou princípios universais, mas contenta-se com o presente e aceita o devir. Este modo de ser e perceber o mundo encontra-se em oposição ao modelo da modernidade. Enquanto a modernidade coloca a vida em um processo, um desenrolar com início, crise,

conceito de arquétipo de C. G. Jung (1927/1985; 1950/1988; 1949/1991) e desenvolvido a partir da Antropologia do Imaginário de G. Durand (1982; 1995; 1997).

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As comunidades podem ser reflexivas em campos específicos, quando são produtores e consumidores dos bens culturais relativos ao campo. Estas comunidades são reflexivas porque os atores se colocam voluntariamente nas questões do campo, ela pode não estar localizada no tempo e no espaço, se questionam de sua criação e reinvenção e seus instrumentos e produtos tendem a ser não materiais, mas culturais e abstratos (Lasch, 1999: 192s). Elas oferecem formas intensificadas de reflexividade, envolvendo uma compreensão das categorias impensadas e das significações compartilhadas, implicando em um aumento substancial da contingência e isto ocorre inevitavelmente devido à crescente hegemonia das estruturas culturais. Deste modo, Lasch (1999) procura desenvolver uma noção de Self coerente com a relação do indivíduo com a comunidade e o “nós”, na qual a reflexividade opera também na comunidade e cujo acesso é através da interpretação ou hermenêutica. Ele considera que o Self contemporâneo opera em três momentos, muitas vezes contraditórios e inconciliáveis, mas que podem ser analiticamente separáveis, sendo eles o cognitivo, estético e hermenêutico-comunitário, constituindo- se cadaum deles uma maneira específica de reflexividade.

superação e um final (o objetivo) este novo modo aceita o que se coloca na sua frente como um destino e procura viver este mesmo presente. Esta oposição pode ser referida como duas leituras e sensibilidades diferentes, o drama e a tragédia, onde ocorre um retorno do sentimento trágico da vida.

Esta modernidade em crise assiste a um retorno do sentimento de precariedade, brevidade e fatalismo da ação humana, como mostram as análises sobre risco e insegurança de Giddens (1999) e Beck (1999). Não há mais um princípio transcendente que justifique este mundo e todo essencialismo é visto com desconfiança. Assim, resta viver a vida presente e com intensidade, não mais consumo, mas consumação; não são tolerados adiamentos de “gozo”, ou seja, os desejos devem ser satisfeitos plenamente e instantaneamente. Trata-se de uma avidez por estes momentos, na forma de “tudo ao mesmo tempo e agora” com a liberdade se colocando nas pequenas coisas do cotidiano e não mais em absolutos (Maffesoli, 2003: 23).

A ética vivida é do instante e da acentuação de situações presentes, já que não existem mais projetos. O acontecimento singular é vivido com intensidade no presente e este modo de ser se “dedica a fazer ressurgir o que já está aí, no seio do próprio ser individual e coletivo” (Maffesoli, 2003: 27). Na falta de futuro e de um projeto, entra a noção de destino como algo traçado e independente do sujeito. Isto acentua justamente o que é impessoal e coletivo, que ultrapassa o indivíduo o submerge na impessoalidade e na coletividade, em um grupo que sofre a mesma força do suprapessoal e impessoal (Maffesoli, 2003: 31). Deste modo, o livre arbítrio é negado ou relativizado e retoma- se a idéia do tempo cíclico ou do eterno retorno. O fundamento do mundo não estaria mais no indivíduo ou princípios universais e abstratos, mas em um fluxo ou energia vital e impessoal dentro da qual cada indivíduo e cada pessoa correspondem, interagem e participam dele.

A modernidade havia racionalizado estas instâncias impessoais e suprapessoais na noção de um Deus único, do Estado ou de um sistema político ou filosófico, inscrevendo-as em um processo linear, racional e controlável, podendo ser caracterizado como um “drama”. Com a crise da modernidade, as instâncias impessoais e primitivas retornam reinscrevendo o lado trágico28 da existência. Deste

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Além desses aspectos, existe a “tragédia” do conhecimento proporcionado do homem sobre si mesmo, pois as justificações e racionalizações são desmascaradas, explicitando as “resistências” do sujeito de perceber verdadeiramente os seus desejos e suas interdições. Nas dificuldades de tornar-se adulto e de amar, acrescenta-se a dificuldade de se conhecer e de se avaliar de modo verdadeiro. No mito que exprime a formação do sujeito na modernidade e seu herói, Édipo, o conhecimento aparece como o

modo, a realização do indivíduo ocorre dentro de um processo de “mais-ser”, levando- a a uma plenitude que ele não sente mais existindo dentro da funcionalidade e racionalidade da vida instrumental cotidiana.

“Grandes concentrações, multidões de toda a ordem, transes múltiplos, fusões esportivas, excitações musicais, efervescências religiosas ou culturais [...] Em cada um desses fenômenos há uma espécie de participação mágica no estranho, na estranheza, na globalidade que supera a particularidade individual. Globalidade que é da ordem do sagrado, com a qual cada um comunga. [...] restitui ao circuito social esta dimensão numinosa que a modernidade acreditava fora da vida social” (Maffesoli, 2003: 36).

Este tempo cíclico, do numinoso e do sagrado refere-se justamente à dinâmica do ritual e à redundância do mito. Pelo processo repetitivo do ritual, o indivíduo pode ultrapassar a sua individualidade e aprofundar-se nesta experiência, até encontrar-se com as fontes inconscientes, suprapessoais e coletivas da experiência humana – o arquétipo. Isto também é realizado através da identificação com figuras heróicas da cultura e da mídia e que, repetindo as mesmas histórias e a mesma jornada heróica com elas, passa por um processo de iniciação29 ou de superação do eu pessoal.