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5. JOGOS DE REPRESENTAÇÃO OU RPG

5.9. QUESTIONAMENTOS AO RPG

Crimes e RPG

Apesar de sua repercussão, nos anos de 1980 o RPG não era totalmente conhecido do público, que tinha apenas uma noção do mesmo, mas chamava a sua atenção, pois nos EUA os grupos de jogadores faziam sessões de jogos na forma live

action (ação ao vivo), isto é, fantasiavam-se de personagens e encenavam o jogo em

locais isolados. Um lugar comum eram os “túneis de vapor”, túneis de ventilação para ar condicionado e outros aparelhos que são comuns nas cidades americanas. Isto tornava os jogadores aos olhos do público um tanto estranhos e facilitou a sua confusão com cultos satânicos, com uma forma de religião e fonte de insanidade mental. Isto se iniciou em 1979 quando um estudante universitário chamado James Dallas Egbert III, suicidou-se. Apesar de haver indicações de instabilidade emocional e envolvimento com drogas, a mídia responsabilizou o RPG, pois ele era um jogador obsessivo. Desta forma, o jogo foi apresentado como perigoso, um culto equivalente a uma obsessão e uma ameaça às crianças41. A indústria de RPG agiu rapidamente e abafou o caso. Em 1982, outro suicídio trágico ocorreu e Pat Bulling, a mãe do rapaz responsabilizou o professor do rapaz que o introduziu no RPG. Ela formou a Bothered About Dungeons

and Dragoons (BADD - Preocupados com D&D) e iniciou uma propaganda massiva

contra o jogo e o RPG em geral. Ela atraiu o apoio do psicólogo Dr. Thomas Radecki e lançou o livro The Devil´s Web (A Rede do Demônio) e Rona Jeffe publicou Mazes

and Monsters (Labirintos e Monstros), que é uma ficção sobre um adolescente que se

envolve em práticas satânicas através do RPG. Pressionada pelas autoridades, a Game

Manufactered Association (GAMA – Associação das Indústrias de Jogos) investigava

a relação do D&D com cada caso de crime ou suicídio indicado pela BADD, mas nada foi encontrado42. Até mesmo um comitê, The Comitte for the Advancement of RPG

41

Uma relação de casos com possível relação entre o RPG e crimes violentos pode ser encontrada em http://www.theescapist.com

42

Uma grande quantidade de material sobre o RPG está disponível em Studies About Fantasy Role-

Playing Games com aceso em http://www.rpgstudies.net incluindo artigos científicos, artigos e livros

contra e a favor do RPG e descrevendo esta polêmica. Devido a ela, também a GAMA publicou e disponibiliza em http://www.gama.org folhetos com orientação e esclarecimentos a pais e educadores (GAMA, 1991a; GAMA1991b; GAMA, 1994).

(CAR-PGa – Comitê para a promoção do RPG) foi formado contra esta propaganda negativa. Entretanto, a BADD obteve grande influência e muitas escolas baniram o jogo, igrejas o condenaram e livrarias e bancas de revista pararam de vendê-lo. Ela incutiu no público a idéia de que o RPG era perigoso e demoníaco e, durante muito tempo, o público associou RPG com suicídio, ocultismo e o satanismo.

Repercussões no Brasil

No Brasil também existe um grande desconhecimento a respeito do RPG, sendo visto como algo estranho e exótico. Existem acontecimentos similares aos dos EUA, onde surgiu o que os rpgistas denominam de “ONAR” (Onda Negra Anti-RPG).

Talvez o primeiro caso tenha ocorrido em Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro em novembro de 2000. Assustada com uma onda de crimes, a população começou a atribuir a culpa a um grupo de jovens que jogavam RPG. A polícia chegou até a prender um suspeito que era um famoso mestre de RPG e apelidado de Vampiro, mas não houve nenhum indício de sua relação com o caso. As pessoas falaram que ele seria a pessoa vista bebendo sangue e comendo cadáveres no cemitério (Monteiro, 2000a). Isto pode ter ocorrido devido ao fato dos jovens jogarem o sistema Vampiro, cujo tema é de horror, que possui como principal ingrediente o satanismo, durante o jogo encenavam e representavam os personagens tais como vampiros e lobisomens em locais isolados, vestiam-se de preto e simulavam rituais esquisitos, como um teatro ao ar livre. Sobre isto, a repórter do jornal “O Dia” que cobriu o episódio escreve:

“Depois de passar três dias em Teresópolis, sabia que tinha encontrado exatamente o que procurava. Vi uma cidade em pânico porque, à época, duas adolescentes, de 14 e 17 anos, haviam sido estranguladas – no dia em que a matéria saiu, o corpo de um outro menino foi encontrado e naquele momento não se sabia se o crime poderia estar ligado aos outros dois. Vi uma legião de jovens de várias tribos, que vivem numa cidade que não tem um único cinema, perseguidos, ora pela população, apavorada, ora pela Polícia Militar, que agora os proíbe de se reunir na praça. E vi que alguns deles adoram andar de preto, outros jogam RPG, outros adoram ir para o cemitério e outros se apresentam, mesmo, como satanistas. Eles estão lá. É só subir a serra, como eu fiz, e conversar com eles. Falei com, pelo menos, 20 desses jovens, que naturalmente preferem não se identificar, tamanho o medo que eles próprios também têm agora” (Monteiro, 2000b).

O caso de maior repercussão talvez tenha ocorrido em Ouro Preto, no dia 14 de outubro de 2001, no qual a estudante Aline Silveira, de 18 anos, foi assassinada brutalmente com 15 facadas e seu corpo foi encontrado em um túmulo no cemitério como se estivesse crucificada. O pároco ficou chocado, não rezou missas e nem enterrou ninguém até encontrarem os responsáveis. A investigação indicou que ela foi vítima de um “ritual de magia negra” inspirado no AD&D e praticado por um grupo de jogadores do qual ela fazia parte (Globo, 2001). O procurador da República em Minas, Fernando de Almeida Martins, abriu um procedimento administrativo para investigar a possibilidade dos assassinos de Aline terem sido influenciados pelo RPG e, se a relação fosse comprovada, ele pretendia exigir a proibição do jogo no Brasil (Magalhães, 2002).

Isto atraiu a atenção de algumas seitas fundamentalistas de origem cristã que relacionaram o RPG com o satanismo43, passaram a considerar o RPG como uma forma de sedução para o mal e a fazer pregação neste sentido criando um grande preconceito. Ele pode ser observado neste texto de um panfleto disponível na Internet escrito por um pastor evangélico:

“o RPG (Roleplaying games) ato de interpretação, trata-se de um jogo de interpretação com regras, utilizando-se a imaginação aliada à regras pré- existentes, quem faz hoje o papel de Satanás !? quem sãos os seus fantoches !? o RPG não é apenas um jogo, é um envolvimento macabro, uma ligação com as trevas, sem limites, onde os jovens, produtivos por natureza, inteligentes, cheios de vida e força ficam presos, submissos ao game master, mestre, story-teller ou narrador ou mesmo submissos à aquele que está por detrás do game master, o master muitas vezes impõe seus credos e pecados sobre os fantoches, digo, jogadores” (Neto, 2003).

Parece que estes fatos e a sua cobertura na mídia impressa e televisiva criaram um certo estereótipo negativo na população em geral e um certo retraimento nos jogadores. Esta visão é reforçada através do relato de jogadores que falam que, ao começarem a jogar RPG, membros da família falaram para eles que era coisa do demônio e modificaram a forma de tratamento com eles. Também na abordagem para a entrevista, quase todos os participantes perguntaram o objetivo da pesquisa e se não era de alguma igreja, se fosse não responderiam.