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O SIGNIFICADO CULTURAL DO JOGO

4. HERÓI, MODERNIDADE E INDÚSTRIA CULTURAL

4.3. O SIGNIFICADO CULTURAL DO JOGO

Um exemplo visível e claro da vivência coletiva de um herói aparece na tragédia grega. Ela possuía uma origem religiosa associada ao deus Dioniso e é derivada do culto a esse deus. A tragédia grega era representada em grandes arenas ao ar livre sempre denominadas de “teatro de Dioniso”, em um contexto eminentemente religioso e era uma festa nacional. Existiam duas festas anuais onde se encenavam as tragédias e em cada qual era realizado um concurso para escolha da melhor peça (Romilly, 1988). Esse elemento agonístico ou de competição existente nessas encenações mostra a

referente aos intelectuais, cientistas e investigadores das ciências da natureza. Ela está relacionada a Hermes e remete à solidão do trabalho intelectual e da descoberta (Durand, 1992).

presença de um elemento lúdico ou de jogo na tragédia, que talvez represente, em uma perspectiva filosófica, a própria existência humana como um jogo.

Essa relação entre o jogo e a tragédia não ocorre de forma gratuita, mas remete à uma característica fundamental do jogo: de que se joga por uma alguma coisa e contra algo. Há um desafio, uma competição e uma luta que pode ser contra um adversário, a sorte ou a própria realidade na forma de um limite a ser ultrapassado. Esse elemento agonístico relaciona-se com a própria existência do homem, pois o jogo pode representar ou simbolizar a luta contra a morte (jogos funerários), contra os elementos da natureza (jogos agrários), contra características indesejadas tais como o medo e a fraqueza ou contra os inimigos (jogos de guerra) entre outros (Chevalier & Gheerbrant, 1999). O fato de o jogador ganhar mostra que ele ultrapassou os desafios e tornou-se superior, ele tornou-se um herói ou aproximou-se dos deuses.

Entre os gregos e romanos, por exemplo, o jogo era um componente importante dos ritos sociais. As cidades organizavam seus jogos próprios por ocasião das festas, nelas participavam os seus aliados e havia uma trégua, sem guerra ou execuções capitais. Tais jogos eram normalmente consagrados aos deuses tutelares das cidades, confederações ou alianças, por exemplo, os Jogos Olímpicos eram relacionados a Zeus e os jogos Píticos a Apolo e foi em torno deles que se organizou o sentimento cívico e nacional (Chevalier & Gheerbrant, 1999). O sujeito vitorioso nos jogos era considerado como um herói; por exemplo, os maiores e mais célebres atletas gregos foram transformados em heróis míticos (Brandão, 1988). Inclusive, cada herói grego se sobressaía em uma modalidade esportiva, por exemplo: Héracles na luta e no pugilato, Castor na corrida, Iolau na corrida de carros e Anfiarau no salto. Eles eram celebrados também com jogos, pois “devem ter sido grandes atletas durante a sua existência terrena” (Brandão, 1988: 46).

Assim, a imagem do herói relaciona-se com o elemento lúdico e com o jogo na sua dimensão de desafio e de competição. Isso não deve surpreender, pois a imagem do herói é justamente daquele ser especial entre os deuses e os humanos que ultrapassa desafios, vence lutas, sacrifica-se por um ideal e modifica a realidade e o mundo presentes. Considerando que os heróis míticos gregos eram celebrados também por meio de jogos, pode-se perceber uma relação entre o ritual e o jogo, pois nesse caso o ritual assume uma forma de jogo. Essa relação também apareceu na China primitiva, onde quase todas as atividades tais como atravessar um rio ou escalar uma montanha manifestavam-se sob uma forma de competição ritual e o esquema das lendas relativas

à fundação das cidades é a de um herói derrotando seus adversário e provando a sua superioridade. A vitória do herói representa a vitória do poderes benéficos sobre os maléficos e também a salvação do grupo social ao qual o herói pertence.

As próprias características do ritual são semelhantes às do jogo, pois ele também é uma totalidade, mobiliza os sujeitos, estes participam de forma ativa e estão plenamente envolvidos, o tempo do ritual é separado do tempo cotidiano e os objetos rituais fazem referência a uma outra realidade que existe na forma de imagens. Essa igualdade “funcional” esconde uma diferença entre o ritual e o jogo, enquanto esse está fora do mundo, o ritual faz referência ao sagrado que está acima do mundo (Buytendijk, 1977), entretanto, no ritual está presente o elemento lúdico e o jogo.

Pode-se encontrar elementos lúdicos em quase todas as formas culturais, sendo inclusive a origem delas, pois o contexto lúdico permite que se desenvolvam as capacidades humanas e é um espaço onde ocorre o desenvolvimento de cultura. Inclusive, em várias sociedades há narrativas do início da sua formação que relatam uma época que pode ser caracterizada como “heróica”. Nessa época há a presença clara do sentido lúdico e do seu caráter agonista, pois os heróis e homens aspiram aos valores elevados de honra, glória, superioridade, beleza e possuem sonhos de heroísmo. Nela também é localizado o início do desenvolvimento da escultura, da arte, da música e da lógica (Huizinga, 1938/2005).

Entretanto, gradualmente o jogo vai passando para um segundo plano e sendo absorvido pela esfera do sagrado, pois:

“o ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. [...] Ela surge no jogo e, enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter” (Huizinga,1938/2004: 193).

Desse modo, o ser humano, além de racional, desejante, falante e trabalhador, isto é, homo sapiens, volens, loquens e faber, pode ser definido como homo ludens – um ser com uma dimensão lúdica. Essa dimensão parece estar presente em todos animais, bastando observar como os filhotes brincam. Evidentemente, há uma grande diferença entre o brincar dos animais e do homem, mas ambos aparecem como uma forma de comportamento. Entretanto, o jogo ou o brincar do homem ultrapassam a

esfera fisiológica ou a necessidade psicológica, sendo uma função significante (Huizinga, 1938/2004; Brougére, 2004).

Existe uma grande confusão nos termos brincar, brinquedo, jogo e jogar; eles podem designar um número muito grande de fenômenos, equivalentes ou diferentes entre si35 dependendo do contexto e das concepções teóricas adotadas. De todo modo, eles mostram claramente a existência dessa dimensão lúdica na existência humana. Talvez o caráter essencial dessa dimensão seja o seu aspecto imagético e ligado à fantasia. Por exemplo, no jogo ocorre o “vaivém lúdico” que é um movimento pendular da consciência do jogador entre a fantasia do jogo e a vivência da realidade. Assim, os objetos são considerados como lúdicos quando possuem uma característica imagética, isto é, relacionada às imagens e possibilidades da fantasia (Buytendijk, 1977). Desse modo, um estudo do jogo em sua dimensão lúdica é uma abordagem “do sentido humano do imaginário” (Buytendijk, 1977: 68).

Na atividade humana do jogo aparece claramente a dimensão lúdica, pois a sua essência pode ser concebida como o vaivém lúdico. Entretanto, ele assume formas muito diversas sendo difícil uma definição que o descreva exatamente, sendo não apenas a atividade, mas incluindo as figuras, símbolos, regras e instrumentos necessários ao seu próprio funcionamento e os próprios jogadores. Isto leva ao jogo constituir um mundo imaginário próprio, fechado em si mesmo e com suas próprias regras.

Ao jogar, o jogador se abandona ao próprio jogo, esquece o mundo normal e adentra ao mundo do jogo. Esse possui seus objetivos sendo levados a sério, com envolvimento total do jogador, mesmo com ele sabendo que o jogo não é mais do que um jogo. Nesse sentido, parece que o objetivo último do jogo é a sua própria realização, o que proporciona prazer e divertimento aos jogadores e se renova através de sua constante repetição (Gadamer, 1975/1991).

O fato do jogo não possuir uma finalidade aponta para a liberdade existente no jogo, pois ele deve ser uma atividade voluntária do jogador. Se ele for sujeito a ordens, deixa de ser jogo, sendo apenas uma imitação forçada. Sob o ponto de vista utilitarista, o jogo é algo dispensável e supérfluo, sendo possível sempre adiar ou suspendê-lo. Sua prática é nos momentos de folga ou de ócio e caracteriza-se por uma evasão ou saída da “realidade” para um mundo de “faz de conta”, de fantasia ou imaginação. Desse

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Uma discussão sobre esses termos e uma visão panorâmica sobre as diversas concepções teóricas sobre o jogo pode ser vista em Buytendijk (1977).

modo, não se relaciona com a busca da sobrevivência ou satisfação imediata dos desejos e, sendo um fim em si mesmo, abre um intervalo no tempo cotidiano que pode se configurar como um mundo à parte e altamente envolvente.

Para compreender o jogo, muitas vezes se procura justificar a sua existência e origem em um fundamento biológico, sociológico ou psicológico36. Nesse caso, supõe- se que o jogo possui uma finalidade que não o próprio jogo e que se encontra relacionado com uma função específica. Por exemplo, psicologicamente pode-se explicar o jogo como uma espécie de descarga de libido ou satisfação imaginária de impulsos reprimidos e biologicamente como uma espécie de treino das habilidades necessárias para a sobrevivência da espécie. Essas explicações ajudam a esclarecer o fenômeno, complementando-se mutuamente, mas esquecem as características fundamentais do próprio jogo como a liberdade e o total envolvimento dos jogadores. Apreciar esses aspectos do jogo é condição necessária para um correto entendimento e explicação do jogo, mas deve-se recordar que “o divertimento do jogo resiste a toda interpretação lógica” (Huizinga, 1938/2005: 5).

Assim, deve-se considerar o jogo como uma totalidade, formando uma realidade autônoma e completa, na qual os jogadores submergem, envolvem-se e, com grande satisfação, deixam-se levar pela fantasia, imaginação, emocionam-se e seguem de forma voluntária regras que podem lhes trazer alegria ou tristeza.

Muitas vezes o jogo é confundido com a estética, a ciência ou a técnica. Ele se distingue delas fundamentalmente porque não possui um objetivo além de sua própria realização e, com isso, o divertimento dos participantes. Já essas outras atividades, por mais que proporcionem prazer, possuem objetivos definidos, a saber, de forma muito sucinta: gerar ou contemplar o belo, o desenvolvimento do saber e a reprodução ou manufatura de objetos, respectivamente (Mondin, 1980).

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Na concepção freudiana, a brincadeira é associada com a satisfação de impulsos por meio da sublimação, onde o impulso é direcionado para objetos de valor cultural mais elevado, ou com a masturbação, na qual ocorre a repetição de uma satisfação fantasiosa do impulso (Freud, 1905/2000; Freud 1920/2000; Freud, 1910/1974; Freud, 1928/2000). Essa concepção não considera o valor da brincadeira e do lúdico em si mesmos, como um elemento autônomo da psique e do eu do sujeito. Uma concepção positiva da brincadeira e do lúdico no pensamento psicanalítico é representada por Winnicott (1975). Segundo ele, o lúdico e a brincadeira ocorrem em um espaço potencial psíquico existente entre o meio ambiente (objetos externos) e o sujeito e é onde se manifesta a criatividade e o viver criativo. Esse espaço potencial é extremamente variável para cada indivíduo, ao passo que a realidade psíquica e o mundo real são relativamente constantes. A configuração e a utilização desse espaço potencial pelo indivíduo, do qual depende a sua criatividade e saúde psicológica, são determinadas pelas experiências que ele possui, especialmente nas primeiras etapas do seu desenvolvimento e pela relação que ocorreu entre ele como bebê e sua figura materna. Assim, em Winnicott a existência e a vivência da dimensão lúdica pelo sujeito possibilitam e ampliam a sua criatividade e saúde psicológica.

Dada a dificuldade de se definir especificamente o jogo, pode-se descrevê-lo resumindo as suas características. Ele pode ser considerado como

“uma atividade livre, conscientemente tomada como não séria e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou de outros meios semelhantes” (Huizinga, 1938/2005: 16).

Essas características do jogo levaram basicamente a quatro teorias sobre a sua conveniência para o homem e a suas respectivas atitudes em relação a ele (Mondin, 1980). A primeira atitude pode ser descrita como de rejeição ao jogo, pois ele provoca uma sedução pela fantasia ou aparência, um relaxamento da consciência, uma falta de controle da consciência sobre si e é, também, uma perda de tempo; os principais propagadores dessa atitude normalmente consideram a matéria como má e o espírito como o bem e a verdade tendo como exemplos os seguidores da doutrina persa de Maniqueu (215-274), J. Calvino (1509-1564) e, principalmente por aqueles que procuravam a perfeição evangélica por meio do isolamento do mundo e pela vida em instituições religiosas.

A segunda atitude relaciona-se com Platão, Plotino (205-270) e os estóicos. Eles manifestavam uma atitude de tolerância em relação ao jogo em geral e restrição a certos jogos, pois quem participa do jogo é a sombra externa do homem e não a sua alma que se encontra aprisionada no corpo. Uma terceira posição manifesta-se naqueles pensadores que não identificam a alma com a realidade ou essência humana tais como Aristóteles, São Tomás de Aquino (1225-1274). Nesses há um reconhecimento do valor positivo do jogo, pois, segundo eles, o jogo pode proporcionar relaxamento, descanso e prazer para a mente e a alma, possibilitando atenuar o cansaço da mente humana que advém do trabalho e de outras atividades.

Por último, o jogo pode ser idealizado, sendo considerada como modelo da vida ideal a dimensão lúdica, pois ela é a “dimensão da alegria, do divertimento, da serenidade, da suspensão de todo tormento e de toda preocupação, da liberdade, da realização de si mesmo, sempre mais completa e mais plena” (Mondin, 1980: 215).

Na realidade, o significado do jogo não é único e idêntico para todos os homens e para todos os momentos, variando de acordo com a relação estabelecida entre a

atividade e a consciência do sujeito. Entretanto, a liberdade e a gratuidade do jogo, a sua capacidade de envolvimento e de mobilização são um testemunho e uma manifestação da capacidade de autotranscendência do ser humano, da sua busca por libertar-se das amarras e dos limites da realidade na direção da liberdade e da realização de si.

Entretanto, deve-se salientar o fato de que o jogo está inserido em um sistema social e é suporte de várias funções sociais que lhe imprimem significados e razões sociais de existir, pois há uma dimensão social. As atividades e objetos no jogo despertam imagens que concedem sentido a essas ações, materializando-se as representações e fantasias e até constituindo ações, atitudes e sentimentos com relação a esse universo imaginário de referência.

Na sociedade moderna a dimensão lúdica aparece mais claramente no universo infantil, especialmente nos brinquedos, pois falar de brinquedo para um adulto é algo pejorativo. Enquanto o brinquedo é um objeto designado pelo adulto para a criança, o jogo pode ser reservado tanto à criança quanto ao adulto, inclusive os jogos para adultos se definem pela sua função lúdica (Brougére, 2004).

Essa dimensão social do jogo, dos brinquedos e das brincadeiras aparece claramente quando se observa a evolução deles na sociedade ocidental nos últimos séculos. No início do século XVII a diferenciação das brincadeiras alcançava apenas até os três ou quatro anos, diminuindo e desaparecendo depois. Assim, após a primeira infância, “a criança jogava os mesmos jogos e participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianças, quer misturada aos adultos” (Ariés, 1981: 92) e, inversamente, os adultos participavam de jogos e brincadeiras reservados atualmente às crianças.

Isso é fartamente documentado pela iconografia da época onde se observa, por exemplo, o rei Luis XIII brincando com bonecas como criança e jogando péla ou malha37 e em outros quadros há imagens de crianças de 12 anos jogando jogos de azar com soldados em tavernas. Na sociedade francesa do século XVII, o trabalho não tinha o valor existencial que lhe foi dado pela sociedade moderna e não ocupava a maior parte do tempo das pessoas, por outro lado, os jogos e os divertimentos “formavam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coletivos,

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Péla é um jogo parecido com o tênis atual e malha é um jogo inventado pelos soldados romanos no qual duas duplas ou dois jogadores têm por objetivo derrubar pinos de madeira com discos de metal.

para se sentir unida [...] Esse papel social aparecia melhor nas grandes festas sazonais e tradicionais” (Ariés, 1981: 94).

Durante um longo período coexistiu uma ambigüidade em relação aos jogos. Eles eram admitidos sem restrições ou discriminação por uma grande maioria e condenado de uma maneira absoluta e rigorosa por uma minoria culta e poderosa de moralistas. Entretanto, ao longo dos séculos XVII e XVIII a atitude em relação aos jogos e brincadeiras se modifica. Juntamente com uma nova representação ou imagem da criança e uma moralização em profundidade da sociedade, emerge uma preocupação de “preservar a sua moralidade e também de educá-la, proibindo-lhe os jogos classificados como maus, e recomendado-lhes os jogos então reconhecidos como bons” (Ariés, 1981: 104).

Isso salienta o fato de que a criança encontra no brinquedo que lhe é destinado a imagem ou representação social daquilo a que o brinquedo se refere. Assim, os objetos destinados socialmente à dimensão lúdica da criança reproduzem a forma ou maneira que os adultos pensam daquele universo destinado para a criança e, desse modo, ele não é simplesmente uma cópia fiel da realidade.

Atualmente o universo infantil tem preenchido boa parte do seu espaço pela indústria cultural por meio de desenhos animados, filmes, gibis, isto é, há toda uma indústria direcionada ao entretenimento infantil. Ao mesmo tempo existe um processo educacional sobre a criança. Assim, há uma grande preocupação sobre os efeitos dos brinquedos, particularmente os relacionados com a agressividade tais como videogames violentos e armas de brinquedo sobre as crianças. Sendo o brinquedo e a dimensão lúdica essencialmente um universo imaginário, no contexto atual deve-se observar que “as pressões da propaganda na televisão, a publicidade, assim como os desenhos animados que dão origem aos personagens de brinquedos, levam a aumentar ainda mais a dimensão expressiva e simbólica do brinquedo” (Brougére, 2004: 18).

Pode-se pensar que devido a isso, a influência da indústria cultural ligada ao entretenimento seja muito mais forte e perniciosa do que a influência dos pais e que ela molde a criança segundo os seus modelos. Isso pode ser uma posição muito simplista, pois a criança e as pessoas de modo geral não são receptores ou consumidores passivos dos produtos culturais. No brinquedo e por meio da dimensão lúdica, a criança utiliza os produtos da mídia como suporte para o seu próprio universo imaginário e pode modificar os significados desses objetos e personagens. Assim, torna-se importante observar e conhecer os meios pelos quais as crianças e as pessoas de modo geral

podem alterar o significado desses produtos por meio de uma criação sobre eles. Uma experiência interessante é relatada por G. Jones (2004) que trabalha com adolescentes por meio de oficinas de criação de gibis. Ele escreve que:

“o ato de contar histórias de maneira visual libera as imagens que as crianças aprendem de desenhos animados, filmes e videogames. Além disso, ajuda-as a encontrar sentido nos fatos que lhes são bombardeados constantemente pela mídia. O processo dá às crianças uma sensação de autoria, de autoridade sobre suas próprias emoções e influências do mundo. Também revela a maneira pela qual as crianças usam fantasias, histórias e imagens da mídia para construir a noção de si mesmas” (Jones, 2004: 10).

Isso mostra que o efeito ou influência da indústria cultural depende da relação estabelecida pelo sujeito com os produtos culturais recebidos, isto é, que existem muitas maneiras desses produtos serem assimilados pelo sujeito e que não simplesmente porque eles entretêm ou divertem é que são recebidos de maneira passiva. As pessoas podem utilizar esses elementos para alimentar a sua dimensão lúdica e não torná-la dependente da indústria cultural e, desse modo, uma ação lúdica ativa realizada a partir das imagens e conteúdos da indústria cultural, tal como o ato de criar e encenar histórias como o RPG, pode possuir características de criatividade e elementos significativos para os indivíduos.