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4 NOVA LÓGICA DO PROCESSO DE PROJETO

4.4. Sistemas generativos

4.4.3 Morfogênese computacional

Dunn (2012) define como “morfogênese” o uso de paradigmas biológicos para o desenvolvimento e evolução de ideias de projeto por meio da implementação de algoritmos. Oxman e Oxman (2014p.191) se referem a morfogênese como a “fundamentação teórica e o corpo de conhecimento relacionado à evolução da estrutura de um organismo em fenômenos naturais”. A morfogênese é o desenvolvimento da forma em um organismo ou parte dele (Dunn, 2012). É um conceito que engloba princípios da biologia, da geologia e da matemática, segundo Oxman e Oxman (2014), em que algoritmos inspirados em padrões tentam criar estruturas e formas complexas. Oxman e Oxman (2014) denominam os processos generativos aplicados aos projetos que geram formas em meio digital como morfogênese

digital.

Após uma revisão sistemática da literatura sobre o assunto, Giantini e Celani (2018) identificaram uma divergência entre os termos “morfogênese digital” e “morfogênese computacional” a partir de conceituações de pesquisadores da área.

Alguns autores utilizam o termo “morfogênese digital” para se referir ao emprego de “ferramentas digitais de forma não mais representativa para visualização, mas de forma generativa com a finalidade de produzir e transformar formas” , valendo-se de processos generativos baseados em conceitos como o espaço topológico, superfícies isomórficas, cinemática, dinâmica, animação, desenho paramétrico e algoritmos genéticos. Outros autores estendem o significado para qualificar processos de form-

finding capazes de produzir soluções de projeto através de ferramentas generativas

capazes de atender a diversos critérios de desempenho, aproximando-se do conceito de tectônica digital. Entretanto, existem ainda outros autores que se apropriam do mesmo termo para se referir ao modelo de projeto biomimético cujas operações e mecanismos se baseiam nos processos biológicos da morfogênese natural, cuja definição também se aplica ao termo “morfogênese computacional”. Diante desse panorama divergente de empregos terminológicos, Menges (2007) propõe uma

distinção entre os dois termos, definindo a “morfogênese digital” como um conjunto de processos generativos que resultam em formas que não consideram lógicas materiais e construtivas, e a “morfogênese computacional” como um processo que codifica lógica, estrutura e comportamento, bem como os princípios importados da morfogênese natural. (GIANTINI E CELANI , 2018, p.11763)

A morfogênese natural inspira projetos na arquitetura e sua transposição para o meio computacional faz com que ela extrapole os meios de representação tradicionais de projeto pela forma como acontece sua materialização e geração de formas. Nos métodos de projeto tradicionais, a representação vem antes da materialização, enquanto a morfogênese arquitetônica integra o material e a forma no momento de sua concepção (OXMAN, 2010).

De forma mais específica, Menges e Ahlquist (2011) falam sobre Goethe (2011) em sua introdução à morfologia, já em 1806, e destacam a diferença entre form (forma) e

formation (formação). A forma individual concebida de um Gestalt e inseparável da noção de

edifício é um produto que se desdobra da transformação e da formação. A morfologia traz à tona o processo que governa a forma, mais que a forma em si. Assim, baseado no estudo do crescimento de plantas e a dependência de um conjunto de fatores que motivavam esse crescimento, Goethe conseguiu fazer a conexão entre o comportamento geométrico, com a lógica funcional do crescimento e com princípios matemáticos. Com isso, o processo observado de “vir a ser” é o resultado de um sistema interdependente dos quais fazem parte a forma, a formação e a reformação.

Mais de um século depois, ainda segundo Menges e Ahlquist (2011), o biólogo e matemático D’Arcy Thompson estabeleceu uma relação entre forma e formação baseado em abstrações matemáticas em forma de regras, em que forças físicas, internas e externas, agem de modo a organizar um sistema, produzindo estruturas e padrões. Thompson, em termos de

computation e design, formulou uma lógica paramétrica e associativa, que mais

profundamente, é vista como uma interrelação de comportamentos particulares de formas e forças, e como isso pode ser representado por meio de regras matemáticas e geométricas. Em ambos os casos, tanto para Thompson quanto para Goethe, a matemática aliada à lógica da geometria ou do princípio biológico sugere processos generativos.

John Frazer (1995) apud Menges e Ahlquist (2011, p.20), ao comparar a arquitetura a um organismo, buscou variabilidade e complexidade dos sistemas naturais, sendo que a maneira de agir como “metabolismo” permite que a arquitetura resultante seja formada por

meio de trocas mutualísticas em resposta ao ambiente (modifica o ambiente e é modificada por ele), envolvendo feedback e evolução nos seus próprios termos.

Oxman e Oxman (2014) defendem que os organismos são sistemas complexos e que seus padrões e formas evoluem a partir das interações dinâmicas entre os mesmos ao longo do tempo, o que resulta numa estrutura com crescimento biológico e com transformações que podem ser simuladas. Um dos conceitos pela qual a morfogênese se caracteriza é o fato de identificar e explorar esses padrões que levam ao conceito de emergência. A partir dos vários testes que são simulados e testados é possível encontrar uma arquitetura com os critérios que melhor se encaixam (fitting) dentro dos conceitos de desempenho, incluindo a integridade estrutural e a construtibilidade (DUNN, 2012).

Outro conceito associado à morfogênese, segundo Menges e Ahlquist (2011), é a computação evolutiva que se refere a pesquisas voltadas a um espaço de busca. A auto- organização de sistemas não lineares é objeto de estudo de arquitetos os quais buscam na morfogênese uma forma especulativa de gerar projetos com possíveis cenários e com diferenciações ao mesmo tempo que há conexão entre as partes e as regras que geram os modelos (DUNN, 2012). Na computação evolutiva, a amostragem iterativa de parâmetros gera populações de potenciais soluções e traz o conceito de emergência (MENGES E AHLQUIST, 2011). O comportamento emergente deriva de condições comumente chamadas de “agentes” e que possuem um conjunto simples de propriedades. As experimentações das soluções ocorrem por meio de herança, mutações e seleções vinculados aos algoritmos genéticos, cuja capacidade de adaptação é alta. A noção de “tipo” como algo estático não funciona devido ao dinamismo que o sistema apresenta, à emergência do comportamento do processo não-determinístico e às variações que não podem ser pré-definidas, caso contrário, o sistema tende a falhar. Os algoritmos buscam a solução mais apropriada nesses espaços em que a evolução é mais sobre o “encontrar” do que sobre o “buscar”, o que torna o processo computacional open-ended. Nesse sentido, a emergência, tal qual nos sistemas generativos como um todo, pode apresentar algo de muito fortuito, levando a uma quase serendipidade ao se esperar encontrar formas inusitadas. Essas características parecem bem peculiares na mudança do fazer da forma (Making of form) para o encontrar a forma (finding of form) (KOLAREVIC, 2003, p.17).

Quanto ao estudo de materiais, princípios biomiméticos de projeto contribuem para o conhecimento de projeto uma vez que há transferência dos princípios morfogenéticos da biologia para a evolução da arquitetura. A morfogênese digital combina as tectônicas do material digital e da simulação performativa para criar sistemas ecológicos naturalmente.

Esses princípios combinados potencialmente podem criar uma segunda natureza, ou uma arquitetura que reverbera em respeito à ecologia material (OXMAN, 2012 apud OXMAN e OXMAN, 2014, p.7). Um exemplo de escritório que trabalha com esse tipo de método é o Computation and Design Group of Zaha Hadid Architects (ZHCODE) que busca a investigação inspirados em modelos evolutivos darwinianos. O escritório usa processos iterativos que balanceiam fases de “exploration” e fases de “exploitation” por meio de algoritmos evolutivos baseados na evolução biológica.

Figura 21 – Estrutura prática de projeto morfogenético computacional formulada por Achim Menges. Fonte: Giantini e Celani (2018) baseados em Menges (2007).

Essas técnicas denotam esforços do grupo na geometria computacional como um instrumento de mediação para balancear morfologia, engenharia e lógicas de fabricação. As

ações do grupo também refletem as habilidades e a combinação de diferentes agentes, como instituições de pesquisa, indústria, especialistas, engenheiros e arquitetos na busca pela solução de um problema. O diagrama na Figura 21 demonstra uma estrutura prática definida por Menges (2007) apud Giantini e Celani (2008) para o modelo teórico do projeto morfogenético.