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Capítulo 3. Turismo backpacker: um fenómeno complexo e heterogéneo

3.5. Motivações dos turistas backpacker

A par das características socioeconómicas, culturais e demográficas dos backpackers e os seus comportamentos e atividades praticadas, as motivações deste segmento são uma das características que têm sido mais utilizadas pelos investigadores para os diferenciar (Larsen et al., 2011; Loker-Murphy & Pearce, 1995; Mohsin & Ryan, 2003; Paris, 2010; Paris & Teye, 2010; Riley, 1988; Uriely et al., 2002), quer dos turistas mais institucionalizados, quer dos seus subsegmentos, entretanto identificados.

Todos os turistas são movidos por um ou mais motivos quando planeiam e realizam as suas viagens. No seu livro “The Psychology of Leisure Travel”, Mayo & Jarvis (1981) referem que a motivação é a última força orientadora, caracterizada por motivos internos de natureza psicológica, que explica ações individuais. Por conseguinte, os turistas backpackers, constituindo um mercado heterogéneo (Loker-Murphy & Pearce, 1995; Pearce & Foster, 2007; Richards & Wilson, 2004a; Uriely et al., 2002) merecem uma atenção particular, nomeadamente na identificação das tipologias de backpackers, de forma a identificar diferentes perfis de modelos de viagem, facilitando assim o marketing turístico (Fodness, 1994, citado por Chen, Bao, & Huang, 2014).

Quando os backpackers planeiam a viagem, os fatores motivacionais são relevantes pois estes são guiados por uma pluralidade de forças internas e externas (i.e. push and pull factors). Por conseguinte, o que faz as pessoas viajar ao estilo backpacking tem sido explorado por diversos investigadores. Oliveira-Brochado & Gameiro (2013) concluíram recentemente que existe uma diversidade emergente e um crescimento da heterogeneidade das preferências dos backpackers, sendo conhecidos como turistas que apreciam diferentes tipos de experiências durante as suas visitas.

O backpacking é assim um fenómeno heterogéneo em termos de motivações e significados. Uma das principais razões para viajarem ao estilo backpacker é construir uma nova identidade temporária durante a viagem, serem mais corajosos e independentes (Cohen, 2003; Elsrud, 2001; Noy, 2004; O’Reilly, 2006). Loker-Murphy (1997) segmentou o segmento backpacker de acordo com sua psicografia motivacional colocando em causa a homogeneidade deste segmento. A partir do “Pearce’s concept of travel careers”, identifica quatro segmentos distintos de backpackers que visitam a Austrália: “social/excitement seekers”, “escapers/relaxers”, “achievers” e os “self- developers”. Os primeiros são fortemente motivados pela interação social procurando conhecer pessoas nativas, os segundos, têm como principal motivação a necessidade de relaxar e fugir da rotina diária, procurando aventuras e coisas excitantes para fazer. Os “achievers” têm como principal interesse a autorealização para a qual contribui a

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satisfação de um conjunto variado de interesses, enquanto os últimos focam a sua visita em lugares de interesse natural e ambiental.

Ryan & Mohsin (2001) utilizaram uma escala de medição do lazer para estudar as atividades desenvolvidas por estes viajantes como sendo o reflexo das suas atitudes e motivações. Explorando os processos de tomada de decisão, para Hyde (2000), citado por Ateljevic & Doorne (2004), uma parte integrante da viagem independente é a satisfação obtida no consumo de experiências onde os detalhes não planeados contribuem para o desenrolar de eventos desconhecidos e inesperados. Por conseguinte, os backpackers consomem bens e/ou serviços com o objetivo de criar sentimentos, experiências e emoções.

Murphy (2001) verificou que os aspetos sociais e oportunidades para conhecer outras pessoas não eram o aspeto mais importante para viajar ao estilo backpacker, mas sim, o facto de permitir viajar de forma barata. As questões de natureza económica, como a possibilidade de viajar com um orçamento diário reduzido durante o mais longo período de tempo possível foram também verificadas por Paris & Teye (2010), o que poderá justificar a procura por destinos com preços mais reduzidos (Mikulic et al., 2016) e a procura de alojamento e transportes a preços mais baixos (Chen et al., 2014).

Elsrud (1998) estuda também as motivações das backpackers suecas identificando o seu desejo em regressar atrás no tempo numa procura por autenticidade. Analisando os motivos, comportamentos e satisfação dos backpackers que visitam o norte da Austrália, Mohsin & Ryan (2003) procuraram, entre outros, analisar os seus padrões de viagem, motivações específicas, se o tipo de emprego está relacionado com o seu comportamento e ainda as fontes de satisfação. Concluíram que nem todos os backpackers são novos e que alguns são holidaymakers a tempo inteiro que se alojam em hostels devido aos seus preços reduzidos. Os backpackers que pretendem mudar de vida têm mais propensão a arranjar trabalho e em geral, visitam os mesmos lugares que os restantes turistas.

Concetualizar a motivação dos backpackers através da teoria Travel Career Pattern (TCP) foi um dos objetivos do trabalho de Paris & Teye (2010) que estudaram a relação entre a experiência de viagens realizadas e motivações. Concluíram que as principais motivações dos backpackers são o conhecimento cultural e o relaxamento e que existem quatro fatores motivacionais que variam de acordo com a experiência de backpacking e de acordo com a idade. São eles o crescimento pessoal/social; experiências; viagem de baixo custo e independência.

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Quadro 8. Principais constructos relativos às motivações dos backpackers (fatores push e pull). Principais constructos Motivações por itens e autores (ano)

1. Crescimento pessoal e

social

(autoconhecimento e autoaperfeiçoamento)

 Melhoria das competências pessoais (Chen, Bao, & Huang, 2014; Larsen et al., 2011; Mohsin & Ryan, 2003)  Conhecer-me e compreender-me/obter uma nova perspectiva da vida (Chen et al., 2014; Pearce et al., 2009)

 Desenvolver e atualizar capacidades pessoais (Chen et al., 2014; Hsu, Wang, & Huang, 2014; Larsen et al., 2011; Mohsin & Ryan, 2003; Pearce, Murphy, & Brymer, 2009)

 Auto-teste (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Mohsin & Ryan, 2003)

 Mudar carácter/características pessoais (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Mohsin & Ryan, 2003)  Liberdade, independência e mente aberta (Brzózka, 2012; Paris & Teye, 2010; Pearce et al., 2009)

 Realizar o sonho de uma vida/ambição (Loker-Murphy, 1997)

2. Interação Social  Fazer/construir amizade com outros; conhecer novas pessoas (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Hecht & Martin, 2006; Larsen et

al., 2011; Loker-Murphy, 1997; Loker-Murphy & Pearce, 1995; Maoz, 2007; Mohsin & Ryan, 2003; Murphy, 2001; Oliveira-Brochado

& Gameiro, 2013; Paris & Teye, 2010; Pearce et al., 2009; Riley, 1988)

 Desenvolver amizades mais próximas/fortalecimento de relações (Paris & Teye, 2010; Pearce et al., 2009)

 Associarem-se a outros viajantes (Mohsin & Ryan, 2003; Loker-Murphy, 1997; Oliveira-Brochado & Gameiro, 2013; Paris & Teye, 2010)

 Comunicar e aprender com outros backpackers (Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Maoz, 2007; Mohsin & Ryan, 2003)  Tornar-se diferente dos outros (Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Maoz, 2007; Mohsin & Ryan, 2003)

 Procurar a “cara-metade”/ter relações românticas (Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Maoz, 2007; Mohsin & Ryan, 2003; Pearce et al., 2009)

 Interação com locais (Hsu, Wang, & Huang, 2014; Loker-Murphy, 1997; Paris & Teye, 2010; Riley, 1988)

3. Experiências no destino  Comunicar com população local (Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Mohsin & Ryan, 2003)

 Experienciar coisas que só se fazem uma vez na vida (Mikulic et al., 2016; Murphy, 2001; Paris & Teye, 2010)

 Experienciar o modo de vida local/estrangeiro (Chen et al., 2014; Hsu, Wang, & Huang, 2014; Larsen et al., 2011; Mohsin & Ryan, 2003)

 Experienciar um destino que está na moda, muito divulgado e publicitado (Loker-Murphy, 1997; Pearce et al., 2009)  Satisfazer a curiosidade sobre coisas novas (Hsu et al., 2014; Pearce et al., 2009)

 Passar bons momentos com amigos (Murphy, 2001; Loker-Murphy, 1997; Paris & Teye, 2010)

 Experiências excitantes (Chen et al., 2014; Hsu, Wang, & Huang, 2014; Larsen et al., 2011; Loker-Murphy, 1997; Mohsin & Ryan, 2003; Paris & Teye, 2010; Richards & Wilson, 2004; Riley, 1988)

 Vida noturna e entretenimento (Mikulic et al., 2016)

 Assistir a eventos especiais (festivais, concertos, teatros…) (Mikulic et al., 2016; Paris & Teye, 2010)  Aprender línguas estrangeiras (Mikulic et al., 2016)

 Observar paisagens naturais e culturas/contacto com a natureza (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Loker- Murphy, 1997; Loker-Murphy & Pearce, 1995; Mohsin & Ryan, 2003; Pearce et al., 2009)

 Viver aventuras (Brzózka, 2012; Loker-Murphy, 1997; Pearce et al., 2009)  Reviver bons momentos do passado (Pearce et al., 2009)

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Principais constructos Motivações por itens e autores (ano)

4. Fuga e relaxamento  Escapar à rotina da vida diária e do trabalho (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Loker-Murphy, 1997; Maoz,

2007; Mohsin & Ryan, 2003; Pearce et al., 2009)

 Relaxar psicologicamente e mentalmente (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011; Maoz, 2007; Mohsin & Ryan, 2003; Paris & Teye, 2010; Richards & Wilson, 2004a; Uriely et al., 2002)

 Atmosferas/ambientes calmos (Maoz, 2007; Paris & Teye, 2010)  Estar em segurança e afastado de multidões (Pearce et al., 2009)

5. Conhecimento Cultural  Contactar, conhecer e compreender a cultura, história e sociedade locais (Brzózka, 2012; Chen et al., 2014; Larsen et al., 2011;

Loker-Murphy, 1997; Mohsin & Ryan, 2003)

 Explorar outras culturas e aumentar conhecimentos (Hecht & Martin, 2006; Hsu, Wang, & Huang, 2014; Loker-Murphy & Pearce, 1995; Mikulic et al., 2016; Mohsin & Ryan, 2003; O’Reilly, 2006; Paris et al., 2014; Paris & Teye, 2010; Pearce et al., 2009)  Autenticidade (Gibson & Connell, 2003)

6. Viagem económica  Viajar com orçamento reduzido (Murphy, 2001; Paris & Teye, 2010)

 Viajar durante o maior tempo possível (Paris & Teye, 2010)  Destinos com preços mais baixos (Mikulic et al., 2016)

 Procura de alojamento e transportes de preços reduzidos (Chen et al., 2014)

7. Preferência por

backpacking e

conformidade

 Preferência por viajar ao estilo backpacker (Chen et al., 2014; Mohsin & Ryan, 2003)  Organizar a própria viagem (Paris & Teye, 2010)

 Preferência por um destino em particular (Chen et al., 2014; Mohsin & Ryan, 2003)  Acompanhar amigos e familiares (Chen et al., 2014; Mohsin & Ryan, 2003)

 Influência de outros backpackers e oportunidade em viajar (Chen et al., 2014; Mohsin & Ryan, 2003)  Existência de rede de transportes públicos (Hsu, Wang, & Huang, 2014)

Fonte: Chen et al., (2014); Hecht & Martin (2006); Hsu et al., (2014); Larsen et al., (2011); Loker-Murphy (1997); Loker-Murphy & Pearce (1995); Maoz (2007); Mikulic et al., (2016); Mohsin & Ryan (2003); Murphy (2001); Oliveira-Brochado & Gameiro (2013); Paris & Teye (2010); Pearce et al., (2009); Richards & Wilson (2004a); Riley (1988); Uriely et al., (2002) . Construção própria.

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Segundo Paris & Teye (2010), o crescimento pessoal/social é a motivação mais importante para backpackers com menos experiência. Mohsin & Ryan (2003) consideram os interesses dos backpackers idênticos aos restantes turistas que visitam a Austrália, nomeadamente no que diz respeito a produtos turísticos relacionados com a cultura aborígena. Ao analisar as motivações dos backpackers israelitas e os seus padrões de viagem, Maoz (2007) relaciona alguns aspetos da sociedade israelita com o comportamento dos backpackers deste país, verificando a existência de uma espécie de “orientação coletiva”, que contribui para o facto de viajarem em grupo. Os backpackers israelitas têm igualmente tendência a menosprezar outras nacionalidades e os seus anfitriões e tendência para abusar do consumo de drogas e em desrespeitar as normas locais. Viajando predominantemente no final do serviço militar obrigatório, a autora conclui que não são um grupo de alienados da sociedade à procura de um novo rumo, pelo que viajar, é quase um ritual auto imposto de transição para a vida adulta, que ajuda a desenvolver a responsabilidade e o regresso a casa enquanto membros efetivos e plenamente integrados na sociedade.

Durante ou após as viagens efetuadas, muitos backpackers procuram experiências e intercâmbios pessoais valiosos, como uma espécie de ritual de passagem para a vida adulta (Noy, 2004; Riley, 1988; Sørensen, 2003) uma vez que a acumulação de experiências pessoais significativas tem um papel central na (re)construção das suas próprias identidades e na redefinição das suas individualidades. As viagens contribuem assim para o autocrescimento e maturidade dos backpackers (Ooi & Laing, 2010). Outra motivação frequentemente descrita é a fuga à rotina diária (Riley, 1988) pelo que a viagem se torna numa espécie de way of escape (Pearce, 1990 citado por Ho et al., 2012). A fuga ao stress e à rotina leva os backpackers a procurarem liberdade, independência, aventura e diferentes experiências durante a viagem (Cohen, 2003; Elsrud, 2001; O’Reilly, 2006) tornando-se numa oportunidade que acontece uma vez na vida. Outro aspeto crucial na prática do backpacking é a socialização (Cohen, 2003; Loker-Murphy & Pearce, 1995; Murphy, 2001) já que durante as viagens, as amizades e a criação de laços entre backpackers formam-se mais rapidamente do que o habitual em situações da vida normal (Riley, 1988; Vogt, 1976). As interações sociais entre os viajantes além de contribuírem para a criação de ideias e objetivos levam à formação ou reformulação de normas, valores e condutas partilhadas entre os backpackers (Sørensen, 2003).

O turismo backpacker tem também sido considerado um meio de procurar gratificação. Uma das realizações dos backpackers é a sua autopercepção de estilo de vida aventureiro e arriscado (Elsrud, 2001; Reichel et al., 2007) evidenciado pelas histórias

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das viagens realizadas, carregadas de simbolismo, onde os viajantes fazem declarações sobre as suas identidades (Elsrud, 2001). O encontro com o desconhecido pode ser entendido como um veículo que conduz ao autodescobrimento (Ooi & Laing, 2010) contribuindo também para a aquisição de ferramentas genéricas e para o desenvolvimento de competências pessoais como resultado do autocrescimento resultante das experiências vividas durante as viagens a que Pearce & Foster (2007) chamaram de university of travel. Os backpackers procuram frequentemente um maior contacto com o que é local ou típico das culturas dos lugares visitados e tentam vivenciar experiências de vida locais (Cohen, 2003).

Hsu, Wang, & Huang (2014) estudaram as diferenças nas motivações dos backpackers que visitam Shangai pela primeira vez e dos backpackers que se encontram a repetir a visita. Concluíram que a duração média da estada, daqueles que se encontram a repetir a visita é superior à dos backpackers que chegam à cidade pela primeira vez. Os resultados deste estudo também revelaram que para os backpackers que visitam Shangai, os fatores push foram mais fortes do que os fatores pull.

As atividades praticadas pelos backpackers são diversificadas, embora não muito diferentes das atividades praticadas pelos turistas institucionalizados, procurando maior contacto com a natureza, cultura e aventura. Mas não existe apenas uma motivação para a viagem. Os aspetos anteriormente identificados e descritos no quadro 8 relacionam-se entre si e refletem também os objetivos e valores procurados por um grupo bastante diversificado de backpackers. Mohsin & Ryan (2003) referem que a motivação deve ser analisada tendo em conta, a necessidade de viajar (“the push factors” ou fatores impulsionadores) e as atrações que se querem conhecer (“the pull factors” ou fatores de atração). Os fatores push corresponderão essencialmente a fatores sociopsicológicos que empurram o turista devido ao seu desejo de viajar; os fatores pull corresponderão a atrações de lugares específicos, ou seja, aos atributos do destino. Sendo assim, referem a existência de dois tipos de motivações nos backpackers, decorrentes i) do desejo de viajar e da oportunidade criada (created opportunity) e, ii) do desejo de viajar e da oportunidade aproveitada (taken opportunity).

Por conseguinte, a diversidade de estudos sobre backpackers e as suas motivações para viajarem ao estilo backpacking, que têm vindo a ser realizados ao longo do tempo e em diversas latitudes, parecem demonstrar que as principais motivações têm vindo a mudar. Os diferentes tipos de backpackers vão ao encontro da noção de ‘pós-turistas’, proposta por Feifer’s (1985), citado por Uriely, Yonay & Simchai (2002), como sendo aqueles que apreciam diferentes tipos de experiências durante a sua viagem.

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