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A MULHER QUE ERGUE UMA CAMISA MANCHADA

No documento EXERCÍCIOS DE DRAMATURGIA (páginas 45-55)

Maldito seja Canaã

A MULHER QUE ERGUE UMA CAMISA MANCHADA

A menina, uma menina. Ela é pequena, pequenininha. Os cabelos dela são tudo cacheadinho. Ela tá com a mochila nas costas, é rosa, é rosa a mochila. Por favor, alguém viu ela? Você viu?

CANAÃ

___________, cujo nome oficial institucional é ________, patrimônio bibliográfico e documental, considerada pela ________ uma das _______ do mundo e uma das maiores da ________. Entre suas várias responsabilidades incluem-se de preservar, atualizar e divulgar uma coleção com mais de _____ peças, que teve início com chegada da _______. Entre os objetos que deveriam acompanhar a ______ em sua viagem para o ________ estavam caixotes, livros, documentos, ________ com um acervo cerca de _________ peças. Na pressa, ficaram abandonados no porto, só em ________ começaram ser transferidos para ________. Até _____, apenas estudiosos podiam consultar biblioteca, e mesmo assim, mediante autorização régia. Depois dessa data, o acesso foi liberado ao público.

A MULHER QUE ERGUE UMA CAMISA MANCHADA Eu tô procurando a minha filha. Ela tá vestida assim, fantasiada, com aquela guerreira da televisão sabe? Ela é um amor, eu tô procurando ela. Eu já tô bastante preocupada, alguém viu ela? Por favor, alguém viu ela? Você viu?

CANAÃ

o que me vem à cabeça você quer sinceramente saber? você pergunta essas coisas como se fosse fácil responder e sabe deixa eu te contar nunca foi fácil eu às vezes quase sempre não sei responder me faltam palavras na boca não sei juntar sujeito verbo e predicado a minha língua não é essa não foi essa que eu escolhi eu quero trocar posso posso fala que sim eu posso sim eu quero trocar eu não escolhi isso não é culpa minha eu não sou isso que vocês inventaram cara.

p. 44 Eu deixei ela na esquina da escola. Ela tá aprendendo a ler, não sei se ela vai conseguir voltar pra casa, ela não sabe andar sozinha, ela não sabe o endereço. Por favor, alguém viu ela? Você viu?

O cortejo se dissipa e some. Uma gigantesca nuvem cinza-escuro põe-se em cima de Canaã, dando início a uma tempestade. Ele tira de sua mochila um guarda-chuva, mas Canaã já está completamente ensopado. Vários fotógrafos vestidos como cientistas entram em cena, atirando flashes e cegando Canaã. A cena congela, parando com a tempestade. Canaã está num pedestal como que estivesse empalhado num museu. Tudo isso deve acontecer no menor tempo possível.

Eu deixei ela na esquina da escola. Ela tá aprendendo a ler, não sei se ela vai conseguir voltar pra casa, ela não sabe andar sozinha, ela não sabe o endereço. Por favor, alguém viu ela? Você viu?

O cortejo se dissipa e some. Uma gigantesca nuvem cinza-escuro põe-se em cima de Canaã, dando início a uma tempestade. Ele tira de sua mochila um guarda-chuva, mas Canaã já está completamente ensopado. Vários fotógrafos vestidos como cientistas entram em cena, atirando flashes e cegando Canaã. A cena congela, parando com a tempestade. Canaã está num pedestal como que estivesse empalhado num museu. Tudo isso deve acontecer no menor tempo possível.

FIM

Reunião

p. 46 Personagens: Jucelino Denise Nair Marcio Márcia Lourenço Eduardo Henrique Matilde Geraldo

(sons de plástico e papel amassados. Todos estão em roda, sentados em cadeiras de plástico brancas sem encostos para o braço, discutem:)

Jucelino: -vamos então para a votação? Márcia: -sim

Henrique: - sim

Márcia: -não, digo, sim, vamos votar. meu voto não é sim. Jucelino: -sim, vamos votar

Eduardo: -meu voto é não. Já posso ir agora?

Márcia: -não, todos devem estar presentes até o fim da votação, o seu Jucelino já explicou isso duas vezes, não foi seu Jucelino?

Lourenço: -também voto não.

(a luz pisca. ouvimos mais sons de plástico e papel amassados.) Márcio: -mas é claro que é ele. precisamos tirá-lo dali. daqui.

Denise: - daqui? ele está aqui? não me falaram que ele estaria aqui, aqui.

Henrique: - ele não está aqui aqui. ele está por aqui, não sabemos aonde. nunca sabemos...

(quase todos se levantam e começam a procurar exceto Denise, que continua sentada agarrando a bolsa)

Denise: - se vocês não se importarem eu vou continuar sentada, porque minhas pernas já não são as mesmas, e se precisar correr eu não tenho condições... Eduardo: -no elevador, alguém procura no elevador.

Márcia: -pois se estiver no elevador espero que seja no de serviços… porque se quebrar o espelho do elevador não tem caixa para pagar…

Geraldo: -Essa porta precisa ser consertada. Matilde, você já viu essa porta? Márcia: -Podíamos colocar senha no elevador. Jucelino, o que o senhor acha?

Personagens: Jucelino Denise Nair Marcio Márcia Lourenço Eduardo Henrique Matilde Geraldo

(sons de plástico e papel amassados. Todos estão em roda, sentados em cadeiras de plástico brancas sem encostos para o braço, discutem:)

Jucelino: -vamos então para a votação? Márcia: -sim

Henrique: - sim

Márcia: -não, digo, sim, vamos votar. meu voto não é sim. Jucelino: -sim, vamos votar

Eduardo: -meu voto é não. Já posso ir agora?

Márcia: -não, todos devem estar presentes até o fim da votação, o seu Jucelino já explicou isso duas vezes, não foi seu Jucelino?

Lourenço: -também voto não.

(a luz pisca. ouvimos mais sons de plástico e papel amassados.) Márcio: -mas é claro que é ele. precisamos tirá-lo dali. daqui.

Denise: - daqui? ele está aqui? não me falaram que ele estaria aqui, aqui.

Henrique: - ele não está aqui aqui. ele está por aqui, não sabemos aonde. nunca sabemos...

(quase todos se levantam e começam a procurar exceto Denise, que continua sentada agarrando a bolsa)

Denise: - se vocês não se importarem eu vou continuar sentada, porque minhas pernas já não são as mesmas, e se precisar correr eu não tenho condições... Eduardo: -no elevador, alguém procura no elevador.

Márcia: -pois se estiver no elevador espero que seja no de serviços… porque se quebrar o espelho do elevador não tem caixa para pagar…

Geraldo: -Essa porta precisa ser consertada. Matilde, você já viu essa porta? Márcia: -Podíamos colocar senha no elevador. Jucelino, o que o senhor acha?

Jucelino: -eu acho uma boa ideia, eu tenho uma prima na inglaterra que lá é assim, você sabe, nem porteiro o prédio dela tem. e é um prédio bom. mas tudo hoje é com senha.

Henrique: -no elevador não está. Marcos: -não?

Henrique: -não.

Nair: -ufa. bom, então acho que vou aproveitar que o elevador está interditado e vou… (começa a caminhar para a saída)

Jucelino: -Não, Nair, falta a votação. A senhora vai sair antes da votação? Eduardo: -no corredor do bebedouro, está?

Marcos: -na escada de incêndio! Márcia: -na escada de incêndio?

Henrique: -na escada de incêndio, claro! ele dorme lá. Eduardo: -ele dorme?

Marcos: -claro que ele dorme! ele dorme, come... Márcia: -ele come também?

Marcos: -claro que come

Henrique: -ele come, ele dorme, ele...

Eduardo: -eu não acredito nisso. é um absurdo. a escada de incêndio por acaso virou hotelzinho?

Marcos: -é por isso que convocamos essa reunião (todos voltam para próximo das cadeiras)

Jucelino: -se a maioria votar “não” nós tomamos as providências, mas antes precisamos decidir, conforme manda o regimento.

Eduardo: -para mim já está decidido: não! não podemos deixar mais essa palhaçada acontecendo.

Henrique: -mas se ele dorme, se ele come, se ele recebe visitas... Márcia(surpresa): -ele recebe visitas!

Geraldo: -visitas?

Lourenço: -ele recebe visitas?

Geraldo: -olha eu posso dizer que ele está melhor que eu viu? porque faz um ano, faz um ano, hein Matilde, faz um ano que minha filha não me visita. um ano. Márcia: -por onde?

Henrique: -por onde o que? as visitas entram?

Márcio: -ah, pelo tipo, ele deve receber visita por todos os lados.

Márcia: -e os porteiros estão sabendo disso? Eu não acredito. Não, eu não acredito que o seu Janor... o seu Janor tá sendo pago pra deixar estranhos entrarem assim? Denise: -eu queria aproveitar para dizer então que nunca gostei muito do seu Janor. Ele é muito simpático, é verdade, recebe minhas encomendas muito bem obrigada, mas frequentemente quando volto do concerto ele está quase co-chi-lan-do. não dá pra confiar...

Márcio: o senhor Janor nem sabe disso. e se souber ele não pode fazer nada. as visitas devem vir por todos os lados, por cima, por ali, pelo corredor, por baixo, pelos canos...

p. 48 Geraldo: -pelo menos ele recebe alguma visita… hein, hein, Marcio. é ou não é? Denise: -Bom, mas então se ele come, dorme e recebe visita, ele...

Márcio: -não, não se pode receber visita pelos canos!

Márcia: -acho que pode sim… pelo menos o regulamento não proíbe receber visitas pelo cano. o Seu Jucelino me corrija se eu estiver errada, mas quando eu era síndica não existia esta proibição.

Eduardo: -mas isso é um absurdo, eu já falei que esse regulamento precisa ser refeito, não é possível um imovel desses, na zona sul desta cidade ainda ter um regulamento tão ultrapassado.

Geraldo: -eu não vejo problema nenhum, se ele tá recebendo visita na verdade é ótimo sinal. não importa de onde ela venha. a minha filha, por exemplo. a minha filha, mora aqui, na cidade. nesta mesma cidade. hein, hein Nair, nessa cidade. e não me visita há… o que… um ano... mais! mais de um ano! hein, Matilde, mais de um ano, acredita? não me visita há mais de um ano!

Márcia: -mas a sua filha é uma mulher, educada, respeitada… não é como outras pessoas aqui que recebe visitas de madrugada, que sabe se lá por onde andou, que entra e sai a hora que quiser...

Lourenço: -opa, opa, que isso? agora vão começar a julgar as visitas? querem julgar o que ele come também?

Márcio: -depende, o que ele come? Henrique: -você tá falando sério? Márcio: -não sei, talvez.

Henrique: -tudo que estiver ali. Eduardo: -ali?

Henrique: -claro! onde mais tem comida por aqui? Eduardo: -ele come a minha comida?

Henrique: -não, ele come o que está ali. Eduardo: -porque aquela sacola ali é minha. Henrique: -sua?

Eduardo: -claro, a sacola amarela, da semana passada, do macarrão que comprei. Henrique: -então, se é sua, vai lá buscar.

Eduardo: -claro que não, é lixo. Henrique: -então qual o problema?

Eduardo: -qual o problema? o problema é que ele não pode comer o meu lixo sem autorização.

Henrique: -então fale com ele. Eduardo: -você tá de sacanagem? Henrique: -vai lá, fala!

Márcio: -Bom, independente do lixo, nós precisamos tomar a decisão, que nos propusemos a tomar, coletivamente, quando marcamos essa reunião.

Denise: -até porque já se passaram duas horas de reunião e eu não vou poder ficar muito…

Lourenço: -falando nisso eu queria dizer que realmente preciso ir, infelizmente não poderei acompanhar a votação, mas o que decidirem eu acato. (começa a se levantar)

Geraldo: -pelo menos ele recebe alguma visita… hein, hein, Marcio. é ou não é? Denise: -Bom, mas então se ele come, dorme e recebe visita, ele...

Márcio: -não, não se pode receber visita pelos canos!

Márcia: -acho que pode sim… pelo menos o regulamento não proíbe receber visitas pelo cano. o Seu Jucelino me corrija se eu estiver errada, mas quando eu era síndica não existia esta proibição.

Eduardo: -mas isso é um absurdo, eu já falei que esse regulamento precisa ser refeito, não é possível um imovel desses, na zona sul desta cidade ainda ter um regulamento tão ultrapassado.

Geraldo: -eu não vejo problema nenhum, se ele tá recebendo visita na verdade é ótimo sinal. não importa de onde ela venha. a minha filha, por exemplo. a minha filha, mora aqui, na cidade. nesta mesma cidade. hein, hein Nair, nessa cidade. e não me visita há… o que… um ano... mais! mais de um ano! hein, Matilde, mais de um ano, acredita? não me visita há mais de um ano!

Márcia: -mas a sua filha é uma mulher, educada, respeitada… não é como outras pessoas aqui que recebe visitas de madrugada, que sabe se lá por onde andou, que entra e sai a hora que quiser...

Lourenço: -opa, opa, que isso? agora vão começar a julgar as visitas? querem julgar o que ele come também?

Márcio: -depende, o que ele come? Henrique: -você tá falando sério? Márcio: -não sei, talvez.

Henrique: -tudo que estiver ali. Eduardo: -ali?

Henrique: -claro! onde mais tem comida por aqui? Eduardo: -ele come a minha comida?

Henrique: -não, ele come o que está ali. Eduardo: -porque aquela sacola ali é minha. Henrique: -sua?

Eduardo: -claro, a sacola amarela, da semana passada, do macarrão que comprei. Henrique: -então, se é sua, vai lá buscar.

Eduardo: -claro que não, é lixo. Henrique: -então qual o problema?

Eduardo: -qual o problema? o problema é que ele não pode comer o meu lixo sem autorização.

Henrique: -então fale com ele. Eduardo: -você tá de sacanagem? Henrique: -vai lá, fala!

Márcio: -Bom, independente do lixo, nós precisamos tomar a decisão, que nos propusemos a tomar, coletivamente, quando marcamos essa reunião.

Denise: -até porque já se passaram duas horas de reunião e eu não vou poder ficar muito…

Lourenço: -falando nisso eu queria dizer que realmente preciso ir, infelizmente não poderei acompanhar a votação, mas o que decidirem eu acato. (começa a se levantar)

Márcio: -não. Lourenço: -que?

Márcio: -não, meu voto é não. comecei a votação. vamos agilizar aqui porque também preciso ir, amanhã eu acordo cedo.

(lourenço volta a se sentar) Lourenço: -também voto não. (sons de plástico e papel)

Eduardo: (com raiva) - licença eu vou ali, buscar a minha sacola. - (sai de cena) Jucelino: -podemos continuar?

Marcos: -eu gostaria de saber se o meu lixo… preciso ver se minha sacola foi… se meu lixo foi furtado, porque… licença - sai

Márcia -mais alguém vai revirar o lixo? (Geraldo se levanta e vai atrás dos outros) (Nair também se levanta)

Denise: -Nair, você também? Nair: -eu o que?

Henrique: -vai revirar o lixo? O que é que tem de tão importante nesses lixos, eu posso saber? Porque até semana passada nem fazer coleta seletiva vocês não queriam, e hoje estão aí…

Nair: -o quê?

Jucelino: -Nós que perguntamos, Nair, o que a senhora tem de tão precioso nesse lixo?

Nair: -lixo? não, eu já desci com meu lixo hoje cedo. Eu estou indo para casa, preciso jantar, essa conversa tá me dando uma canseira...

Denise: -não, a senhora fique aqui porque já estamos fazendo a votação. (Nair senta contrariada)

(Eduardo e Márcio voltam segurando suas sacolas de lixo rasgadas. Geraldo volta de mãos vazias)

(silêncio)

Jucelino: -podemos?

Henrique: - eu gostaria apenas de lembrar que ele está aqui antes de nós. e se ele está devorando o lixo de vocês é porque o seu habitat foi destruído e não é mais possível/

Eduardo: - ah é, então faz uma floresta amazônica dentro do seu apartamento e coloca ele lá.

Lourenço -isso é ridículo, justamente por isso não faz sentido ele ficar aqui. debaixo das nossas casas. não é o lugar dele.

Denise: -e se ele arranhar meu carro?

Eduardo: -se já não arranhou... a verdade também é que essa garagem nunca foi segura. eu vivo dizendo isso. vocês são loucos de deixar seus carros lá, eu não deixo por nada. a garagem fica escura, sem vigilância a noite toda, já pensaram nisso?

p. 50 com dezenas de carros. falam que tem câmera, que tem isso e aquilo, mas e aí? e se acontecer alguma coisa? quem vai assumir a culpa? O seu Janor que não vai… E agora, com essa barulheira que a gente ouve, lixo sendo furtado dentro do nosso prédio...

Márcia: - e onde faremos a reunião se amanhã ele estiver dormindo aqui? alguém vai acordá-lo? Alguém vai chegar até ele e falar: oi, dá licença, vamos fazer uma reunião aqui, dá pra dormir em outro lugar?

Eduardo: - não, não vai, porque ninguém tem coragem. a verdade é essa. e quando ninguém tem coragem, organizam uma reuniãozinha para decidir

democraticamente. é uma palhaçada isso daqui, sempre a mesma palhaçada. tem que chamar a polícia! Se eu ficasse sabendo disso antes já teria chamado.

Márcia: -o senhor não ficou sabendo porque não frequenta as reuniões.

Eduardo: -eu não frequento mesmo não. Para quê? ver essa palhaçada? Estamos há quatro horas para decidir um negócio que se resolveria em um telefonema pra PM, você tá me entendendo?

Márcio: Mas ninguém tem coragem de tirar ele daqui. essa que é a verdade. por isso ele está há tanto tempo aqui.

Henrique: - não, ele está aqui porque não tem para onde ir, e ele tem os mesmos direitos que nós.

Marcio: -não!

Henrique: -claro que é, queiram vocês ou não. (toca o alarme de incêndio.)

Lourenço: -só faltava essa…

Denise: -minha nossa senhora. Maria Santíssima, é um aviso. ele vai nos atacar! Jucelino: -pelo menos assim sabemos onde ele está

Márcia: -Bom… segundo o regimento do prédio, o alarme de incêndio só pode ser acionado/

Márcio: -isso é ridículo, esse regimento tem que mudar. se a minha sogra chegar aqui e vir um incêndio ela não pode acionar?

Jucelino: -se ele come, se ele dorme... Geraldo: -se ele recebe visitas…

Márcia: -se ele acionou o alarme de incêndio… Lourenço: -ele...

Jucelino: -sim, ele é.

Márcio: -não, mas não foi ele, foi o rabo dele. eu tenho certeza que foi o rabo porque quando ele dorme ele-

Márcia: -não importa a parte do corpo dele que acionou. Jucelino: -são as normas.

Márcia: -sim, as normas não dizem nada sobre rabo. Jucelino: -vou ler. atenção: - ele lê em voz alta

- “o alarme de incêndios só poderá ser acionado por um morador” Denise: -morador...

com dezenas de carros. falam que tem câmera, que tem isso e aquilo, mas e aí? e se acontecer alguma coisa? quem vai assumir a culpa? O seu Janor que não vai… E agora, com essa barulheira que a gente ouve, lixo sendo furtado dentro do nosso prédio...

Márcia: - e onde faremos a reunião se amanhã ele estiver dormindo aqui? alguém vai acordá-lo? Alguém vai chegar até ele e falar: oi, dá licença, vamos fazer uma reunião aqui, dá pra dormir em outro lugar?

Eduardo: - não, não vai, porque ninguém tem coragem. a verdade é essa. e quando ninguém tem coragem, organizam uma reuniãozinha para decidir

democraticamente. é uma palhaçada isso daqui, sempre a mesma palhaçada. tem que chamar a polícia! Se eu ficasse sabendo disso antes já teria chamado.

Márcia: -o senhor não ficou sabendo porque não frequenta as reuniões.

Eduardo: -eu não frequento mesmo não. Para quê? ver essa palhaçada? Estamos há quatro horas para decidir um negócio que se resolveria em um telefonema pra PM, você tá me entendendo?

Márcio: Mas ninguém tem coragem de tirar ele daqui. essa que é a verdade. por isso ele está há tanto tempo aqui.

Henrique: - não, ele está aqui porque não tem para onde ir, e ele tem os mesmos direitos que nós.

Marcio: -não!

Henrique: -claro que é, queiram vocês ou não. (toca o alarme de incêndio.)

Lourenço: -só faltava essa…

Denise: -minha nossa senhora. Maria Santíssima, é um aviso. ele vai nos atacar! Jucelino: -pelo menos assim sabemos onde ele está

Márcia: -Bom… segundo o regimento do prédio, o alarme de incêndio só pode ser acionado/

Márcio: -isso é ridículo, esse regimento tem que mudar. se a minha sogra chegar aqui e vir um incêndio ela não pode acionar?

Jucelino: -se ele come, se ele dorme... Geraldo: -se ele recebe visitas…

Márcia: -se ele acionou o alarme de incêndio… Lourenço: -ele...

Jucelino: -sim, ele é.

Márcio: -não, mas não foi ele, foi o rabo dele. eu tenho certeza que foi o rabo porque quando ele dorme ele-

Márcia: -não importa a parte do corpo dele que acionou. Jucelino: -são as normas.

Márcia: -sim, as normas não dizem nada sobre rabo. Jucelino: -vou ler. atenção: - ele lê em voz alta

- “o alarme de incêndios só poderá ser acionado por um morador” Denise: -morador...

Jucelino: -sim, morador

Márcia: -sim

Henrique: -sim, morador

Marcio: -então quer dizer que… Henrique: -sim, ele é um morador Márcia: -e então?

Márcio: -então não podemos expulsá-lo, é isso? Jucelino: -não, não podemos

Eduardo: -eu gostaria de fazer uma votação para a mudança deste regimento. Jucelino: -é preciso antes convocar uma reunião para isso. essa reunião foi claramente convocada para decidirmos se ele é ou não um morador.

Denise: -então... pelo que você leu sobre o alarme… acho que está decidido… Jucelino: -sim, está decidido.

Eduardo: -palhaçada… (longo silêncio)

Geraldo: -Bom… e vamos fazer uma reunião então para recepcioná-lo? Jucelino: -é o que sugere o regimento...

Denise: -ótima ideia! assim a gente aproveita e já quebra o gelo, perde o medo... Nair: -eu não sei nem o que lobos comem...

Eduardo: -vovozinhas. Nair: -o quê?

Henrique (para Eduardo): ridículo Márcia: -seu lixo.

(silêncio)

Denise: -traga seu lixo! faremos uma festa! semana que vem.

Jucelino: - alguém pode ficar responsável pela divulgação do evento? Márcia: - eu posso.

Matilde: -eu gostaria de pedir que marcássemos para a quarta que vem porque já é o dia que eu já desço com lixo mesmo, então…

Jucelino: -alguém é contra o agendamento da confraternização para a próxima quarta-feira?

(silêncio)

Jucelino: -posso dar a reunião como encerrada? (silêncio)

Jucelino: -está encerrada a reunião.

(todos se levantam, empilham as cadeiras de plástico e começam a sair.) Márcia: -boa noite.

Henrique: -boa noite. Márcio: -boa noite Matilde: -noa noite

Geraldo: -Essa porta tem que consertar, hein, Jucelino? Você viu isso? Toda mordida… hein, tem que se adaptar aos novos moradores, fala-se não é, hein, Matilde?

p. 52 Jucelino: -boa noite

Eduardo: -boa noite Nair: -boa noite (o alarme ainda soa.

No documento EXERCÍCIOS DE DRAMATURGIA (páginas 45-55)