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EXERCÍCIOS DE DRAMATURGIA

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Academic year: 2021

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(1)

MINISTÉRIO DO TURISMO,

PREFEITURA DE BELO HORIZONTE,

CEMIG E INSTITUTO UNIMED-BH

APRESENTAM

EXERCÍCIOS DE

DRAMATURGIA

núcleo

de

pesquisa

em

dramaturgia

do

galpão

cine

horto

turma

1

mostra

dos

núcleos

de

pesquisa

2020

(2)

De agosto a novembro de 2020, os integrantes do Núcleo de Pesquisa em Dramaturgia do Galpão Cine Horto se reuniram semanalmente, em meio virtual, para conhecer, investigar e produzir dramaturgias. Esse grupo foi formado por integrantes de diversos perfis, formações e residentes em diferentes partes do país, reunidos ali por motivações igualmente variadas. O primeiro mês foi dedicado a um estudo dos elementos de um texto dramatúrgico – tais como ação, personagem, espaço e tempo – vistos a partir de uma ótica aberta e contemporânea; em seguida, o grupo realizou a leitura e análise de uma série de fragmentos de textos teatrais e conversou com algumas autoras e autores do teatro contemporâneo atual. Todas essas etapas foram acompanhadas de vários exercícios e jogos de escrita, individuais e coletivos. Já no mês de novembro, cada um dos integrantes apresentou ao grupo um pequeno texto teatral, um exercício dramatúrgico, escrito a partir de seus próprios estímulos e investigações, resultado também de seu caminho percorrido no Núcleo. Agora esses experimentos estão aqui reunidos. Os textos apresentam uma diversidade de estéticas, temáticas e modos de enunciação. Se por um lado esta publicação digital encerra o percurso do Núcleo deste ano, por outro, ela dá início à aventura desses textos e autores pelo mundo afora, no encontro aos seus leitores e (tomara!) espectadores.

VINÍCIUS DE SOUZA

(3)

Índice

Amora Tito

SINTOMA or DELAY

p. 4

Bárbara Sill

Até quando o sol chegar

p. 15

Beatriz Porto

Teatro

p. 21

Carlos Canarin

Maldito seja Canaã

p. 32

Clarissa Tomasi

Reunião

p. 45

Elis Ferreira

Algumas vozes de algumas mulheres

p. 53

Elisa Belém

Janu carta-postal

(4)

p. 2 Fernanda Cunha

Infértil

p. 73

Fernando Dornas

SOBRE QUERER ESCREVER ou ESCREVER SOBRE QUERER

p. 87 Gisele Hostalácio Clausuras p. 98 Gra Bohórquez Poda p. 103 Kelly Crifer

SENTA QUE O LEÃO É MANSO

p. 109

Luciana Aragão Ferreira

RAPTO

p. 114

Magela Lima

Eles dois, Talvez

p. 128

Paloma Arantes

Tomates pro Jantar

(5)

Fernanda Cunha

Infértil

p. 73

Fernando Dornas

SOBRE QUERER ESCREVER ou ESCREVER SOBRE QUERER

p. 87 Gisele Hostalácio Clausuras p. 98 Gra Bohórquez Poda p. 103 Kelly Crifer

SENTA QUE O LEÃO É MANSO

p. 109

Luciana Aragão Ferreira

RAPTO

p. 114

Magela Lima

Eles dois, Talvez

p. 128

Paloma Arantes

Tomates pro Jantar

p. 136

Paulo André (Sem título)

p. 140

Ravik Oliveira

Em algum lugar do universo

p. 151

O conteúdo de cada texto, bem como a sua revisão, é de responsabilidade de cada autora/autor.

(6)

p. 4

SINTOMA or DELAY

(7)

SINTOMA or DELAY

Amora Tito

Durante o isolamento social de 2020 oi tecnologia!

tecnologia aqui! aqui! aqui!

e aqui! (aponta para si)

tecnologia aqui também. (aponta para uma das pessoas que está do outro

lado das câmeras)

câmera 1. câmera 2.

fecha no

zoom

.

câmera 1.

minhas palavras chegam aí com um delay de 20 segundos.

e eu me vejo ao vivo pela tela dessa tecnologia que alguém nomeou: celular. que eu entro pra olhar as horas

e quando me dou conta já tô no insta.

começo a responder umas mensagens de semana passada.

quando eu abro a mensagem eu entendo o motivo de estar marcada como não lida. eu até li várias vezes.

só não sei como te responder.

(8)

p. 6

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

18 19 20

talvez esteja chegando o número 1 aí para vocês agora

depois eu disse

2 3 4 5 6

e fui crescendo até

20

. tentando contar no pulso do relógio. 20 segundos.

(9)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

18 19 20

talvez esteja chegando o número 1 aí para vocês agora

depois eu disse

2 3 4 5 6

e fui crescendo até

20

. tentando contar no pulso do relógio. 20 segundos.

agora eu fico em silêncio.

meu silêncio já chegou aí?

meus silêncios já chegaram aí?

câmera 2.

uma coisa que ando compondo nos últimos dias é choro. eu nunca chorei tanto. eu abri um berreiro que não fecha mais. (talvez a atriz chore nesse

momento ou talvez esteja com um sorriso amarelo congelado) por me sentir

tão sozinha tão perdida tão sem expectativa sem esperança nos últimos dias. resolvi vir até aqui. aqui

tecnologia. tecnologia aqui.

aqui espaço online. irônico não?

através dos cabos e redes wi-fi. falar com vocês como eu tô passando. um textão no whatsapp não seria suficiente. eu pensei em mandar áudio. mas eu odeio ouvir áudio longo e imagino que vocês também.

live tá na moda!

depois fica gravado. eu inclusive posso ter gravado isso aqui antes e editado. irônico não? isso aumentaria o nosso delay em horas. dias. quiçá meses.

em que ano você está me assistindo? cê tá me vendo? eu estou gravando agora …

pode ser que a internet caia que a conexão fiquei ruim. normal! normal! malnor! lamron! rmanol! olarmn! em busca de um novo mlarno! amlorn!

será que agora a gente dá conta de acordar? será que agora exatamente às

(10)

p. 8 levantar e continuar com as máscaras tortas? cuidado que a máscara cai. um dia a máscara

cai.

câmera 1. se eu tivesse um chroma key eu colocaria imagens bonitas de fundo só pra tornar tudo isso aqui mais ficcional. buscaria no banco de imagens por imagens alegres gratuitas e colocaria aqui atrás de mim. só pra ver se vai doer menos tudo o que eu preparei para dizer nesses minutos que eu tenho.

é mais fácil abrir o youtube e um clique leva a outro e você se esquece entretido.

o que te entretém revela tudo sobre você. o que você busca na barra de pesquisas. nesta lupinha de detetive. a google sabe de tudo. cada página deste seu histórico de navegação pessoal. por onde você navega. o que procura nestes mares tão profundos. em que mergulha. correnteza de hiperlink enquanto procuramos por chifres de unicórnios os narvais gritam por socorro:

01110011 01101111 01100011 01101111 01110010

01110010 01101111

a google sabe desse nosso encontro.

e não adianta colocar na guia anônima. os rastros ainda ficarão em seus dados robóticos genéticos moleculares. aqui não dá pra esconder muita coisa. um filme que você vê de forma clandestina rouba seus dados e você vale milhões.

(11)

levantar e continuar com as máscaras tortas? cuidado que a máscara cai. um dia a máscara

cai.

câmera 1. se eu tivesse um chroma key eu colocaria imagens bonitas de fundo só pra tornar tudo isso aqui mais ficcional. buscaria no banco de imagens por imagens alegres gratuitas e colocaria aqui atrás de mim. só pra ver se vai doer menos tudo o que eu preparei para dizer nesses minutos que eu tenho.

é mais fácil abrir o youtube e um clique leva a outro e você se esquece entretido.

o que te entretém revela tudo sobre você. o que você busca na barra de pesquisas. nesta lupinha de detetive. a google sabe de tudo. cada página deste seu histórico de navegação pessoal. por onde você navega. o que procura nestes mares tão profundos. em que mergulha. correnteza de hiperlink enquanto procuramos por chifres de unicórnios os narvais gritam por socorro:

01110011 01101111 01100011 01101111 01110010

01110010 01101111

a google sabe desse nosso encontro.

e não adianta colocar na guia anônima. os rastros ainda ficarão em seus dados robóticos genéticos moleculares. aqui não dá pra esconder muita coisa. um filme que você vê de forma clandestina rouba seus dados e você vale milhões.

(12)

p. 10 oi tecnologia! tecnologia aqui! aqui! câmera 1. câmera 2. câmera 1.

câmera 2. câmera 3. você tampa a câmera do seu notebook? ou permite que eles te vejam?

você tampa sua boca e seu nariz ou permite que eles entre em você pelas vias nasais do seu quarto?

eu estou vendo agora o que você esconde debaixo da cama maca amac. o que você guarda na suas gavetas. como você dobra as suas camisas dostives meias. como escova os dentes. dorme durante a aula virtual. nem acorda. nem dorme. nem come. nem levanta. nem choraneeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee

eeem… o último vídeo no youtube que eu vi. o cantor gritou:

PLANTE

UMA ÁRVORE!!!

. eu vejo as minhas plantas secando sem espaço na janela da sala. único lugar da casa que tem sol. o sol não é para todes. era pra ser. mas não é pra todes. câmera 1. acompanho o crescimento das plantas e dou nome para elas: Jup Luedji Duda Evaristo J-Lo Caio Fernando Abreu. algumas eu nem lembro mais o nome. não lembro que dia é hoje. que horas são. tem papel higiênico? tem comida na geladeira? tem álquim gel? álcool ingel? álcool em gel? tem ensaio virtual? tem live pra eu falar com 13/14/15 pessoas sobre minha angústia de ser uma artista enclausurada na deep web. a google sabe. até o Mark Zunck Zuck Zuckerb o cara do Facebook tampa a câmera do seu notebook para que ninguém fique stalkeando os dados do seu quarto. câmera 2. tem coisas que eu abro olho e falo: aquilo eu faria. tem

(13)

oi tecnologia!

tecnologia aqui! aqui!

câmera 1.

câmera 2. câmera 1.

câmera 2. câmera 3. você tampa a câmera do seu notebook? ou permite que eles te vejam?

você tampa sua boca e seu nariz ou permite que eles entre em você pelas vias nasais do seu quarto?

eu estou vendo agora o que você esconde debaixo da cama maca amac. o que você guarda na suas gavetas. como você dobra as suas camisas dostives meias. como escova os dentes. dorme durante a aula virtual. nem acorda. nem dorme. nem come. nem levanta. nem choraneeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee

eeem… o último vídeo no youtube que eu vi. o cantor gritou:

PLANTE

UMA ÁRVORE!!!

. eu vejo as minhas plantas secando sem espaço na janela da sala. único lugar da casa que tem sol. o sol não é para todes. era pra ser. mas não é pra todes. câmera 1. acompanho o crescimento das plantas e dou nome para elas: Jup Luedji Duda Evaristo J-Lo Caio Fernando Abreu. algumas eu nem lembro mais o nome. não lembro que dia é hoje. que horas são. tem papel higiênico? tem comida na geladeira? tem álquim gel? álcool ingel? álcool em gel? tem ensaio virtual? tem live pra eu falar com 13/14/15 pessoas sobre minha angústia de ser uma artista enclausurada na deep web. a google sabe. até o Mark Zunck Zuck Zuckerb o cara do Facebook tampa a câmera do seu notebook para que ninguém fique stalkeando os dados do seu quarto. câmera 2. tem coisas que eu abro olho e falo: aquilo eu faria. tem

coisa que eu abro olho e falo: aquilo eu ainda não faço. aí eu faço. eu queria filosofar com vocês apesar de às vezes encher as pessoas com assuntos aleatórios. aleatórios pra quem? tudo aqui está contaminado. toda essa

estrutura digital. muro virtual construído por mãos brancas. é preciso

TRANS

formar

o

CIS

tema

. eu quero falar sobre as escrevivências sobre o tempo espiralar sobre corpografia sobre as encruzilhadas sobre dramaturgia do tropeço sobre oralitura. mas os algoritmos não deixam. câm. era 3. pego um saco de fandangos. abro. enfio minha cabeç dentro. spiro em meio ao caos e sódio. câmera 1. eu tô tão distante esses dias que tô sentindo falta de mim. falta do meu reflexo sorridente na água corrente8. eu vou sorrir agora pra gente ter um respiro cômico. (tenta achar graça)

meu sorriso chegou aí? você nda está aqui comigo? silenciou seu mic fechou a câmer ou já mergulhou no instagram para se7 entreter? o que entretem vocês? o que vocês digitam antes do “.com”? você usa o twitter pra quê? e o xvideos? só usa a netflix pra transar?

toda live tem um fim. até a próxi tela! eu agora começo a me despedir.

(14)
(15)

minha despedida chegou aí?

toda life tem um fim. até a próxima tela! virtuais ou não as coisas findam6. as coisas pegam ví rus. as coisas choram. as coisas se decepcionam. as coisas lutam. as coisas travam. as coisas envelhe cema téa s tecnlologi s toda life temumf imtempo

a té chegouaí? as coisas falam onetwothreefourfivesixseveneightnineteneleventwelvethirteenfourteenfifteen sixteenseventeeneighteennineteentwenty

tal vez tal y

vrus problem em busca de um novo lnroam! onmrla! not cuz egggoooooooool lol ball asvezes da um delay 1 RT

im por ntprum monte de gente. vez. a´? ?????/////_

sin. toma hahah q? rlx ?

querelhooooooooooooooo p q tem genty que tá tão acostumado a viver na câmera frontal q esquece de viver na frente dos seus olhos

me haces sonhaaaar ♫ ♪ like! like! like! my onlyfans is @ não coleciono matches. loading...

ah! acho que

(16)

p. 14

errooooooooooooooooo

ooooooooooooooooooo

oooooooooor404

(toda live tem um fim toda life tem um fim)

.

(17)

errooooooooooooooooo

ooooooooooooooooooo

oooooooooor404

(toda live tem um fim toda life tem um fim)

.

Até quando o sol chegar

(18)

p. 16 A peça se inicia às 00:00 e termina às 06:00, é encenada em um apartamento pequeno, em um andar alto, com uma varanda. Atores e público entram juntos, não é especificado quem é quem em momento algum. A peça segue um canovaccio, mas tudo se dará na relação com o público. São ao todo 5 atores em vivência e o público máximo por sessão é de 15 pessoas. Todos são instruídos a explorar o local e estabelecer contato livremente. No apartamento há alguns espaços de interação.

Espaço 1

Há uma parede na sala na qual os atores e público podem escrever, nela existe a pergunta: “QUAL O SENTIDO DA SUA EXISTÊNCIA?”

Espaço 2

Em um quarto escuro há uma escrivaninha no canto oposto à entrada, nela há algumas folhas de papel, caneta, um celular, e uma luminária de leitura. Na parede logo acima está projetado os dizeres: “PARA QUEM VOCÊ ESCREVERIA OU LIGARIA SE SUA VIDA TERMINASSE HOJE?”

Espaço 3

Há um computador na sala ligado a uma caixa de som onde cada pessoa pode colocar músicas.

Espaço 4

Há um quarto isolado, para quem preferir ambientes mais tranquilos, nele há uma série de colchonetes espalhados pelo chão, incensos e uma luz muito fraca.

Todos os cômodos terão um celular que despertará a cada uma hora.

O apartamento é todo mobiliado para que as pessoas se sintam à vontade, há uma mesa pequena na varanda, uma mesa grande na sala para os momentos de refeição, além de vários puffs espalhados.

(19)

A peça se inicia às 00:00 e termina às 06:00, é encenada em um apartamento pequeno, em um andar alto, com uma varanda. Atores e público entram juntos, não é especificado quem é quem em momento algum. A peça segue um canovaccio, mas tudo se dará na relação com o público. São ao todo 5 atores em vivência e o público máximo por sessão é de 15 pessoas. Todos são instruídos a explorar o local e estabelecer contato livremente. No apartamento há alguns espaços de interação.

Espaço 1

Há uma parede na sala na qual os atores e público podem escrever, nela existe a pergunta: “QUAL O SENTIDO DA SUA EXISTÊNCIA?”

Espaço 2

Em um quarto escuro há uma escrivaninha no canto oposto à entrada, nela há algumas folhas de papel, caneta, um celular, e uma luminária de leitura. Na parede logo acima está projetado os dizeres: “PARA QUEM VOCÊ ESCREVERIA OU LIGARIA SE SUA VIDA TERMINASSE HOJE?”

Espaço 3

Há um computador na sala ligado a uma caixa de som onde cada pessoa pode colocar músicas.

Espaço 4

Há um quarto isolado, para quem preferir ambientes mais tranquilos, nele há uma série de colchonetes espalhados pelo chão, incensos e uma luz muito fraca.

Todos os cômodos terão um celular que despertará a cada uma hora.

O apartamento é todo mobiliado para que as pessoas se sintam à vontade, há uma mesa pequena na varanda, uma mesa grande na sala para os momentos de refeição, além de vários puffs espalhados.

Todas as proposições realizadas pelos atores e atrizes serão feitas de maneira dinâmica, como se pudesse partir de qualquer pessoa ali presente. Todos terão liberdade para vivenciar o que quiserem, nada será imposto, apenas sugerido. Esse espetáculo não é uma imposição. O intuito é que o público possa escolher as experiências que querem viver e que tenham igual liberdade de intervenção no espaço.

Programa de Ações

Das 00:00 às 01:00 será o momento de chegada e reconhecimento das pessoas e do espaço. A interação é livre. Os atores e atrizes devem ser instigadores de conversas e devem contribuir ao máximo para estabelecer contatos e para que as pessoas ocupem efetivamente o espaço.

Às 01:00, será proposto o jogo “Até o cessar da chama”.

Esse será o jogo de apresentação e tem por intuito aproximar as pessoas ali presentes e introduzir reflexões. Cada pessoa ganhará um fósforo e o acenderá, a pessoa tem o tempo da chama acesa para se apresentar e contar quem ela é. Assim que a chama apagar, ela deve interromper sua fala.

Não poderá haver mais de uma tentativa, se o fósforo quebrar, ou apagar instantaneamente, a pessoa não falará.

Às 02:00, um ator ou atriz inicia a preparação de um jantar e convida quem mais gostar de cozinhar a ajudar. Haverá diversos alimentos e bebidas na geladeira.

Às 03:00, todos jantam. Vez ou outra, no meio das conversas, um ator/atriz diz: “Está amanhecendo”. Os atores terão sempre uma postura de preocupação com as horas, como se algo fosse acontecer ao amanhecer.

(20)

p. 18 Dentro de todo o período, as conversas e convivências acontecerão de modo livre, mas os atores sempre trarão de volta o assunto da MORTE e do TEMPO.

Às 04:00, um ator/atriz assa um bolo e faz um café. Simultaneamente é proposto novamente o jogo “Até o cessar da chama”, mas agora cada pessoa tem o tempo da chama acesa para dizer algo para as pessoas que estão ali, o impulso é: “ESSAS SERÃO SUAS ÚLTIMAS PALAVRAS, O QUE VOCÊ DIRIA OU FARIA SE TUDO ACABASSE AQUI?”. Se a pessoa quiser protagonizar uma ação ao invés da fala, outra pessoa pode acender o fósforo por ela, mas ela terá apenas o tempo da chama acesa para concretizar seu ato, tudo deve ser interrompido ao apagar da chama.

Ás 05:00, o café é servido.

Conversa que precede o fim da peça e acontece durante o café:

Esse diálogo precisa acontecer, ele pode ser intermediado por falas do público, por acontecimentos que apareçam, mas entre às 05:00 e 06:00 da manhã, essas falas precisam ser ditas. Seguindo uma ordem ou não. Às 06:00 em ponto, todos devem deixar o apartamento.

Pessoa 1 – Falta Pouco.

Pessoa 2 _ O que será que acontece?

Pessoa 3 – Eu tenho medo de pensar no que vai acontecer... Pessoa 1 – Eu estou tranquilo (a).

Pessoa 4 – Talvez ainda dê tempo para um vinho?! Pessoa 3 – Ele (a) está delirando.

Pessoa 5 (O ator ou atriz 5, precisa necessariamente ser negro(a)) – (Tremendo, com o olhar perdido e apresentando falta de ar, claramente passando mal) _ Eu não consigo respirar, Eu não consigo respirar, eu não consigo respirar...

Pessoa 3 – Ele(a) não está bem. Acho que ele(a) está delirando. (Para a pessoa 5) Calma, é só puxar o ar. Ele tá aí. É só puxar.

(21)

Dentro de todo o período, as conversas e convivências acontecerão de modo livre, mas os atores sempre trarão de volta o assunto da MORTE e do TEMPO.

Às 04:00, um ator/atriz assa um bolo e faz um café. Simultaneamente é proposto novamente o jogo “Até o cessar da chama”, mas agora cada pessoa tem o tempo da chama acesa para dizer algo para as pessoas que estão ali, o impulso é: “ESSAS SERÃO SUAS ÚLTIMAS PALAVRAS, O QUE VOCÊ DIRIA OU FARIA SE TUDO ACABASSE AQUI?”. Se a pessoa quiser protagonizar uma ação ao invés da fala, outra pessoa pode acender o fósforo por ela, mas ela terá apenas o tempo da chama acesa para concretizar seu ato, tudo deve ser interrompido ao apagar da chama.

Ás 05:00, o café é servido.

Conversa que precede o fim da peça e acontece durante o café:

Esse diálogo precisa acontecer, ele pode ser intermediado por falas do público, por acontecimentos que apareçam, mas entre às 05:00 e 06:00 da manhã, essas falas precisam ser ditas. Seguindo uma ordem ou não. Às 06:00 em ponto, todos devem deixar o apartamento.

Pessoa 1 – Falta Pouco.

Pessoa 2 _ O que será que acontece?

Pessoa 3 – Eu tenho medo de pensar no que vai acontecer... Pessoa 1 – Eu estou tranquilo (a).

Pessoa 4 – Talvez ainda dê tempo para um vinho?! Pessoa 3 – Ele (a) está delirando.

Pessoa 5 (O ator ou atriz 5, precisa necessariamente ser negro(a)) – (Tremendo, com o olhar perdido e apresentando falta de ar, claramente passando mal) _ Eu não consigo respirar, Eu não consigo respirar, eu não consigo respirar...

Pessoa 3 – Ele(a) não está bem. Acho que ele(a) está delirando. (Para a pessoa 5) Calma, é só puxar o ar. Ele tá aí. É só puxar.

Pessoa 1 – Sim, acho que ele(a) fugiu da realidade porque estava pesada demais. Aí a gente perde o controle e nossa mente assume. Mas, talvez ele(a) seja o(a) mais são(ã) aqui. (silêncio) Certamente é. Ele(a) tem razão: NÃO DÁ PARA RESPIRAR, eles estão matando a todos nós. Mas, quando vejo alguém assim, transitando entre o consciente e o inconsciente, fico pensando: Não há sentido algum, vivemos completamente a mercê da vida, tentamos ter algum controle, mas nunca o tivemos. Alguns até tem um pouco mais de poder e os usa pra oprimir, mas no fim das contas, ninguém tem controle... Já pararam pra pensar que além de todo esse controle externo, fascista, violento e capitalista, ainda temos nossa mente que também nos controla: ela nos mostra o que quer, esconde o que quer, nós nem sequer sabemos quem somos, quanto mais o porquê estamos aqui. Qual o sentido da vida?... A verdade é que a mente está muito além da nossa consciência, existe o insondável inconsciente que nos habita e habita o mundo. Coisas que jamais vamos entender. No entanto, mesmo não estando totalmente consciente, o que ele(a) fala faz sentido, NINGUÉM CONSEGUE RESPIRAR MAIS.

Pessoa 2 _ Em pouco tempo, ele(a) vai se livrar desse sofrimento, são só formas diferentes de sentir, mas vai passar.

Pessoa 4 – É. Nada nunca fez sentido, a não ser os sentidos que nós mesmos criamos... Vamos criar um sentido para esse momento, acho que podíamos fazer uma contagem regressiva, assim como fazemos no réveillon, acreditando que a mudança vai ser pra melhor. O que acham? Tem champanhe?

Pessoa 3 – Não é hora para todo esse cinismo.

Pessoa 4 _ Não é cinismo, quem te garante que não vai ser melhor? Já pensou em tudo que aconteceu nesse ano de 2020? Você tem que confessar que é difícil piorar: A COVID, a política genocida instaurada no Brasil, tudo isso atrelado a um aumento do feminicídio, da violência, do racismo, explosão de todos os preconceitos, mortes, isolamento, mortes, solidão, mortes, mortes e mais mortes... Não sei se dá pra piorar.

Pessoa 5 _ Eu não consigo respirar, Eu não consigo respirar, Eu não consigo respirar, Eu não consigo respirar...

(22)

p. 20 Pessoa 1 _ É preciso lutar muito para respirar... Sabe, a morte da minha mãe mudou a minha vida.

Pessoa 2 – A minha conversava comigo sobre a morte... Pessoa 3 _ Eu tenho medo, mas sinto falta de falar.

Pessoa 1 – Parece que já não há mais tempo. É hora de terminar. Amanheceu (bebe o último gole de café, deixa a xícara sobre a mesa e sai do apartamento)

Pessoa 2 – Amanheceu (sai do apartamento)

Pessoa 3 – Amanheceu, deixem tudo como está, é hora de ir!

Pessoa 4 – Os últimos a saírem apaguem as luzes e puxem as portas, amanheceu.

Pessoa 51 – Eu não consigo respirar, eu não consigo respirar, eu não consigo

respirar, eu não... Observação

No início da peça, todos receberão um programa com as seguintes orientações:

Essa peça propõe uma vivência de 6 horas neste espaço e com essas pessoas.

Apenas faça o que sentir vontade. Você pode sair a qualquer momento.

Interaja como achar que deve, mas sugiro que esteja aberto às proposições que surgirem.

Tenha uma boa vivência!

1 1 O ator ou atriz 5, deve ser negro(a) porque a frase “Eu não consigo respirar”, embora

colocada em outro contexto (de uma pessoa passando mal), faz referência ao assassinato de George Floyd ocorrido em maio de 2020 nos EUA. Floyd foi assassinado por um policial que o imobilizou no chão e ajoelhou-se sobre seu pescoço. Ele repetiu por várias vezes a frase "I Can’t Breathe!" ("Não consigo respirar"), mas o policial manteve-se impassível causando sua morte por asfixia. O assassinato gerou uma enorme repercussão e manifestações contra o racismo tanto nos EUA quanto em outras partes do mundo. Essa frase é trazida para esse texto como mais um dos registros dos acontecimentos tristes do ano de 2020, assim como são citados outros, mas ela vem também para dizer que não é possível mais respirar em um mundo racista e desigual.

(23)

Pessoa 1 _ É preciso lutar muito para respirar... Sabe, a morte da minha mãe mudou a minha vida.

Pessoa 2 – A minha conversava comigo sobre a morte... Pessoa 3 _ Eu tenho medo, mas sinto falta de falar.

Pessoa 1 – Parece que já não há mais tempo. É hora de terminar. Amanheceu (bebe o último gole de café, deixa a xícara sobre a mesa e sai do apartamento)

Pessoa 2 – Amanheceu (sai do apartamento)

Pessoa 3 – Amanheceu, deixem tudo como está, é hora de ir!

Pessoa 4 – Os últimos a saírem apaguem as luzes e puxem as portas, amanheceu.

Pessoa 51 – Eu não consigo respirar, eu não consigo respirar, eu não consigo

respirar, eu não... Observação

No início da peça, todos receberão um programa com as seguintes orientações:

Essa peça propõe uma vivência de 6 horas neste espaço e com essas pessoas.

Apenas faça o que sentir vontade. Você pode sair a qualquer momento.

Interaja como achar que deve, mas sugiro que esteja aberto às proposições que surgirem.

Tenha uma boa vivência!

1 1 O ator ou atriz 5, deve ser negro(a) porque a frase “Eu não consigo respirar”, embora

colocada em outro contexto (de uma pessoa passando mal), faz referência ao assassinato de George Floyd ocorrido em maio de 2020 nos EUA. Floyd foi assassinado por um policial que o imobilizou no chão e ajoelhou-se sobre seu pescoço. Ele repetiu por várias vezes a frase "I Can’t Breathe!" ("Não consigo respirar"), mas o policial manteve-se impassível causando sua morte por asfixia. O assassinato gerou uma enorme repercussão e manifestações contra o racismo tanto nos EUA quanto em outras partes do mundo. Essa frase é trazida para esse texto como mais um dos registros dos acontecimentos tristes do ano de 2020, assim como são citados outros, mas ela vem também para dizer que não é possível mais respirar em um mundo racista e desigual.

Teatro

(24)

p. 22

1

É o jantar em homenagem à mãe que morreu afogada em cebolas. O lugar para onde elas sempre voltam. As mulheres recebem os convidados como se não os vissem desde o último jantar em homenagem à mãe que morreu afogada em cebolas.

No palco: duas mulheres e uma pilha de cebolas.

Uma ação: há uma goteira, que a primeira mulher acode com um balde, pedindo desculpas aos convidados.

Uma busca: o que ainda as traz de volta? Uma dúvida: a terceira mulher, será que vem?

2.

A terceira mulher entra pela entrada do público. Uma garrafa de vinho branco aberta e recém-começada. Ela está encharcada.

1: finalmente

3: desculpa meninas cheguei 1: tá chovendo tanto assim 3: não eu que tomei um banho 2: já começamos a cena do jantar

3: ai que ótimo eu senti mesmo que era preu atrasar um pouquinho

Apagão

1: Merda! de novo? 2: puta que pariu

3: juro que não tá chovendo gente 1: alguém acende a de serviço

Luz de serviço

2: qualquer dia eu pego esse gato e dou um banho de cândida 3: credo que horror

2: a velha tá tão demente que não ia nem notar 3: mesmo assim

(25)

1

É o jantar em homenagem à mãe que morreu afogada em cebolas. O lugar para onde elas sempre voltam. As mulheres recebem os convidados como se não os vissem desde o último jantar em homenagem à mãe que morreu afogada em cebolas.

No palco: duas mulheres e uma pilha de cebolas.

Uma ação: há uma goteira, que a primeira mulher acode com um balde, pedindo desculpas aos convidados.

Uma busca: o que ainda as traz de volta? Uma dúvida: a terceira mulher, será que vem?

2.

A terceira mulher entra pela entrada do público. Uma garrafa de vinho branco aberta e recém-começada. Ela está encharcada.

1: finalmente

3: desculpa meninas cheguei 1: tá chovendo tanto assim 3: não eu que tomei um banho 2: já começamos a cena do jantar

3: ai que ótimo eu senti mesmo que era preu atrasar um pouquinho

Apagão

1: Merda! de novo? 2: puta que pariu

3: juro que não tá chovendo gente 1: alguém acende a de serviço

Luz de serviço

2: qualquer dia eu pego esse gato e dou um banho de cândida 3: credo que horror

2: a velha tá tão demente que não ia nem notar 3: mesmo assim

2: ah que foi não pode falar nada perto dela que já fica toda donzela namastê pra cima de mim lolinha

Lolinha (3): gente o que foi que eu fiz

Ritinha (2): a vida inteira tacando sal em caramujo até o dia que saiu de casa Lolinha: eu

Ritinha: você sim é por isso que grupo de teatro não se sustenta gente

Ana (1): gente cala a boca um segundo tô tentando ouvir o pessoal da cabine. OI? Não tá voltando? Merda!

Lolinha: não adianta ana tem que esperar... nem tudo sai assim do jeito que a gente quer sempre

Ana: menos pra você né

Lolinha: não não é assim não é só que eu sorrio mais pra vida do que você Ana: vai à merda

Ritinha: eu vou pegar o gato Ana: não vai não

Ritinha: vou sim

Ana: não vai nada a gente vai voltar pra cena do jantar. Gente, mil desculpas. Não tem nada que a gente possa fazer, o teatro tá com esse problema, mas é claro que vocês também não tem nada a ver com isso, mas enfim, fiquem tranquilos, nós vamos seguir a peça normalmente da cena do jantar, a luz será essa branca de serviço mas a peça não será comprometida

Ritinha: já foi comprometida eu vou pegar o gato Lolinha: mas o que o gato tem a ver

Ritinha: cê não presta atenção em nada impressionante

Ana: mas você também não sabe se é isso mesmo que você tá pensando Ritinha: sei sim tenho certeza

Lolinha: o que é gente

Ritinha: o gato da dona bercinda Lolinha: a dona do teatro

Ritinha: é a mercenária do teatro Lolinha: que que tem o gato dela

(26)

p. 24 Ritinha: você nunca reparou que toda vez que a velha vem aqui no teatro se

arrastando com aquela perna dela que pinga feito goteira ela acidentalmente deixa o gato pular do colo dela enquanto fecha o caixa da bilheteria

Ana: e aí o que que tem

Ritinha: ué o gato come os fios todos Lolinha: os fios

Ritinha: é dos refletores nunca viu como ele espicha de tamanho toda vez que pula do colo da velha é que ao invés de engordar pros lados ele vai ficando bem

comprido pra comer todos os fios do teatro aí acaba a luz

Lolinha: uai mas aí é melhor botar a velha na cândida não o gato Ritinha: e isso está de acordo com os ensinamentos de osho Ana: pelo amor de deus vamo cortar as cebolas

Ritinha: eu já volto

Ritinha sai.

Ana: não acredito Lolinha: onde ela foi

Ana: espero que não tenha ido pegar o gato Lolinha: ai não

Silêncio. Elas não sabem o que fazer.

Lolinha: cê não quer tomar um vinho enquanto espera Ana: não obrigada vai lolinha me ajuda a cortar as cebolas

Lolinha: ana na boa não vai mais ter peça. gente, obrigada, vocês foram ótimos, mas a gente vai ter que interromper a sessão de hoje.

Ana: não! gente, isso faz parte da peça, pode ficar. eu vou fazer um jantar, uma sopa muito gostosa e quentinha, tem o momento que todo mundo come, vai ser ótimo. custa você ajudar Lola uma vez

3.

Lolinha: dale dame las cebollas

Elas picam cebolas. Há uma pilha enorme para ser cortada. Lolinha está sempre bebendo.

(27)

Ritinha: você nunca reparou que toda vez que a velha vem aqui no teatro se

arrastando com aquela perna dela que pinga feito goteira ela acidentalmente deixa o gato pular do colo dela enquanto fecha o caixa da bilheteria

Ana: e aí o que que tem

Ritinha: ué o gato come os fios todos Lolinha: os fios

Ritinha: é dos refletores nunca viu como ele espicha de tamanho toda vez que pula do colo da velha é que ao invés de engordar pros lados ele vai ficando bem

comprido pra comer todos os fios do teatro aí acaba a luz

Lolinha: uai mas aí é melhor botar a velha na cândida não o gato Ritinha: e isso está de acordo com os ensinamentos de osho Ana: pelo amor de deus vamo cortar as cebolas

Ritinha: eu já volto

Ritinha sai.

Ana: não acredito Lolinha: onde ela foi

Ana: espero que não tenha ido pegar o gato Lolinha: ai não

Silêncio. Elas não sabem o que fazer.

Lolinha: cê não quer tomar um vinho enquanto espera Ana: não obrigada vai lolinha me ajuda a cortar as cebolas

Lolinha: ana na boa não vai mais ter peça. gente, obrigada, vocês foram ótimos, mas a gente vai ter que interromper a sessão de hoje.

Ana: não! gente, isso faz parte da peça, pode ficar. eu vou fazer um jantar, uma sopa muito gostosa e quentinha, tem o momento que todo mundo come, vai ser ótimo. custa você ajudar Lola uma vez

3.

Lolinha: dale dame las cebollas

Elas picam cebolas. Há uma pilha enorme para ser cortada. Lolinha está sempre bebendo.

Ana: você não queria ter vindo né Lolinha: não

Ana: desde que a mamãe morreu você não gosta mais de vir no jantar Lolinha: eu não vejo motivo pra fazer isso só isso

Ana: a peça Lolinha: o jantar

Ana: eu vejo alguma coisa tem que ficar algum fiapo de memória alguma brasinha que pode ser acesa de novo

Lolinha: mas não tem ana Ana: é porque só eu tento

Lolinha: mas não tem nada pra tentar eu não quero conseguir isso que você tá querendo essa família de viúvas rastejantes entende ana

Ana: mas eu não quero que a gente seja uma família de viúvas rastejantes

Lolinha: quer sim você acha bonito essa tristeza que se suporta coletivamente você acredita nisso que a gente não deveria ter o direito de ser feliz porque a mamãe morreu afogada em cebolas você acha normal me pedir pra cortar cebolas ana eu acho que está faltando você olhar um pouquinho pra dentro de você mesma hm repete comigo três vezes eu sou responsável pelas minhas escolhas eu sou responsável pelas minhas escolhas eu sou respons

Ana: deixa de ser leviana eu não escolhi nada disso

Lolinha: vamos respira comigo tó segura a taça isso um golinho solta o corpo solta os ombros ai isso aposto que você nem sentiu suas escápulas hoje ainda

.

Lolinha: isso sooooolta .

Lolinha: inhala uno dos tres cuatro exhala ssssssssssss muy bien guapa tranquila .

Lolinha: tá vendo você precisa respirar relaxar um pouco fazer alguma coisa que você goste você nunca gostou dessa sopa

Ana: eu adoro essa sopa Lolinha: jura eu detesto

(28)

p. 26 Ana: Lola será que no único dia do ano que você tem que tomar a sopa em

homenagem à mamãe você consegue segurar essa sua máxima escrota da vontade individual ou não será que não tem um pingo de senso de coletividade em você Lolinha: quantas regras

Ana: por que cê tá encharcada assim Lolinha: não tava chovendo?

Ana: você disse que não

Lolinha: ah é foi porque eu tomei um banho Ana: cê já chegou de porre

Lolinha: guapa já fui e já voltei já reparou que a gente não sai daqui Ana: já.

.

Ana: a gente nunca sai dessa cena.

Lolinha: é que eu acho ana que essa peça que cê tá insistindo ela não tem mais sentido entende essa mãe… de quem estamos falando? eu não vejo mais as coisas desse jeito eu

Ana: como você vê então

Lolinha: eu não sei eu tô descobrindo eu acho Ana: esse é o problema

Lolinha: como assim

Ana: você tá sempre descobrindo se descobrindo indo pra índia pro peru sei lá o que a ritinha tá sempre puta qualquer coisa é motivo pra pular fora não é assim que funciona alguém tem que ficar

Lolinha: tem que ficar pra quê pra fazer uma peça Ana: um jantar

Lolinha: e morrer afogada

Ana: ninguém vai morrer afogada

Lolinha: vai sim porque a gente não suporta mais olhar uma pra cara da outra você percebe

Ana: esse é o seu medo morrer afogada Lolinha: é eu acho que é

(29)

Ana: Lola será que no único dia do ano que você tem que tomar a sopa em

homenagem à mamãe você consegue segurar essa sua máxima escrota da vontade individual ou não será que não tem um pingo de senso de coletividade em você Lolinha: quantas regras

Ana: por que cê tá encharcada assim Lolinha: não tava chovendo?

Ana: você disse que não

Lolinha: ah é foi porque eu tomei um banho Ana: cê já chegou de porre

Lolinha: guapa já fui e já voltei já reparou que a gente não sai daqui Ana: já.

.

Ana: a gente nunca sai dessa cena.

Lolinha: é que eu acho ana que essa peça que cê tá insistindo ela não tem mais sentido entende essa mãe… de quem estamos falando? eu não vejo mais as coisas desse jeito eu

Ana: como você vê então

Lolinha: eu não sei eu tô descobrindo eu acho Ana: esse é o problema

Lolinha: como assim

Ana: você tá sempre descobrindo se descobrindo indo pra índia pro peru sei lá o que a ritinha tá sempre puta qualquer coisa é motivo pra pular fora não é assim que funciona alguém tem que ficar

Lolinha: tem que ficar pra quê pra fazer uma peça Ana: um jantar

Lolinha: e morrer afogada

Ana: ninguém vai morrer afogada

Lolinha: vai sim porque a gente não suporta mais olhar uma pra cara da outra você percebe

Ana: esse é o seu medo morrer afogada Lolinha: é eu acho que é

Ana: eu também tenho medo de morrer afogada toda vez Lolinha: então qual o sentido disso

Ana: eu não sei fazer outra coisa

Lolinha: que bobagem você faz pratos ótimos Ana: que

Lolinha: que

Ana: cê tá falando da peça Lolinha: tô falando do jantar Ana: ah.

Silêncio. Tempo.

Lolinha: mas ela sempre sai mesmo Ana: onde ela tá

Lolinha: tá vendo vocês são duas doentes meu deus ela foi pegar o gato ela vai afogar o gato na cândida e a gente tá aqui fazendo cena meu deus do céu eu não quero mais isso pra minha vida ana você entende

Ana: ela não pegou o gato se tivesse pegado já teria voltado a luz já teria voltado eu acho que ela só catou as coisas e foi embora

Lolinha: eu vou esconder a cândida

Ana: não tem cândida não tem nada pra limpar aqui

Lolinha: gente do céu quanto a gente tá pagando a pauta aqui do fim de semana Ana: tá no contrato que não pode falar o valor da pauta no meio do espetáculo Lolinha: ué mas a peça parou faz tempo né? desculpa, gente.

.

Lolinha: será que ela foi mesmo Ana: não sei

(30)

p. 28 Ana: não sei lolinha vocês duas sempre parece que vocês vão de vez

Silêncio.

Luz volta. Elas se olham. Tempo.

4.

Ritinha entra. Está encharcada. Tempo.

Lolinha: o que você fez

Ritinha: eu nada eu tomei um banho

Lolinha: não não isso o gato cadê o gatinho Ritinha: não sei eu não achei ele

Ana: Ritinha por favor por que a luz voltou

Ritinha: ué não sei que que eu tenho a ver com isso

Ana: não sei você disse que ia dar um banho de cândida no gato porque cê tava puta que ele tava comendo os fios agora você voltou e tá chovendo agora Ritinha: não tá chovendo eu tomei banho

Lolinha: mas cadê o gatinho Ritinha: eu não sei

Ana: você disse que ele tava comendo os fios que era isso que tava acabando com a peça

Ritinha: não não era isso que tava acabando com a peça eu s Ana: ué não

Ritinha: não eu só tava irritada porque além de tudo essa praga tava comendo os fios do teatro mas ag

Lolinha: agora o quê Ana: você pegou o gato

Ritinha: agora a luz voltou eu já tomei banho e já podemos voltar pra merda da cena do jantar quando quiserem era isso que eu ia dizer

(31)

Ana: não sei lolinha vocês duas sempre parece que vocês vão de vez

Silêncio.

Luz volta. Elas se olham. Tempo.

4.

Ritinha entra. Está encharcada. Tempo.

Lolinha: o que você fez

Ritinha: eu nada eu tomei um banho

Lolinha: não não isso o gato cadê o gatinho Ritinha: não sei eu não achei ele

Ana: Ritinha por favor por que a luz voltou

Ritinha: ué não sei que que eu tenho a ver com isso

Ana: não sei você disse que ia dar um banho de cândida no gato porque cê tava puta que ele tava comendo os fios agora você voltou e tá chovendo agora Ritinha: não tá chovendo eu tomei banho

Lolinha: mas cadê o gatinho Ritinha: eu não sei

Ana: você disse que ele tava comendo os fios que era isso que tava acabando com a peça

Ritinha: não não era isso que tava acabando com a peça eu s Ana: ué não

Ritinha: não eu só tava irritada porque além de tudo essa praga tava comendo os fios do teatro mas ag

Lolinha: agora o quê Ana: você pegou o gato

Ritinha: agora a luz voltou eu já tomei banho e já podemos voltar pra merda da cena do jantar quando quiserem era isso que eu ia dizer

Ana: a cena do jantar já foi Lolinha: foi

Ana: tá sendo Ritinha: é a próxima Lolinha: é essa agora Ana: nunca acaba .

Ana: qual o problema com a cena do jantar Lolinha: eu já te disse

Ritinha: o que você disse

Lolinha: eu disse que não fazia mais sentido

Ana: não não foi isso que você disse você disse que a gente ia morrer afogada Ritinha: eu não quero morrer afogada

Ana: ninguém vai morrer afogada

Lolinha: isso não importa mais eu quero saber onde está o gato Ritinha: eu não sei onde está o gato caral

Lolinha: você tá mentindo ritinha você só mente eu não aguento isso aqui mais Ritinha: então vai embora eu não tô pedindo pra você vir aqui não precisa eu dou conta da loucura da ana sozinha

Lolinha: eu tô passando mal Ana: do que cê tá falando

Ritinha: dessa sua mania de peça de cebola jantar a mamãe a cebola cacete vocês tão me deixando nervosa

Ana: tudo te deixa nervosa qualquer coisa você espana Ritinha: me fala uma coisa

Lolinha: inhala uno dos tres cuatro exhala sssssssssssss

Ana: você vive achando defeito em tudo foi só a gente chegar que arranjou problema com a dona bercinda

(32)

p. 30 Ritinha: não precisei procurar defeito nenhum nela eu não suporto essa mercenária filha da puta aquela perna pingando avisando que a gente morre aqui que a gente não foge do destino acho uma merda que só tenha esse lugar que tá sempre vazando pra gente fazer peça ou cê acha que isso aqui era meu plano de carreira aliás também não era o seu e eu não suporto essa resignação que você impõe esse contentamento comedido polido com a mediocridade

Lolinha: inhala uno dos tres cuatro exhala ssssssssssss

Ana: o que você sugere então o que vocês sugerem sair da mediocridade é o quê é afogar um gato na cândida que dramática você ritinha que grande cena

Lolinha: inhala uno dos tres cuatro exhala ssssssssssss eu posso escolher meu caminho eu posso escolher meu caminho eu

Ana: não pode

Ritinha: não pode lola calMIAU Lolinha: o que foi isso

Ritinha: miau miau miaaau Ana: ritinha para com isso

Ritinha está inquieta. Se estica curvando a coluna.

Ritinha: miau

Lolinha: meu deus o que ela fez com o gatinho Ana: nada lola ela tá tirando sarro de mim Lolinha: eu tô tonta ana

Ritinha: miau miau miaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaau

Lolinha: ana minha visão tá ficando turva eu acho que eu vou vomitar

Ana: chega gente pelo amor de deus não precisa mais de jantar acabou acabou a peça por favor eu não sei o que tá acontecendo aqui mais eu já entendi vamos embora

Ritinha: miau miau miaaaaau miau

Lolinha: eu acho que agora não adianta mais ana eu acho que agora é isso pra sempre

(33)

Ritinha: não precisei procurar defeito nenhum nela eu não suporto essa mercenária filha da puta aquela perna pingando avisando que a gente morre aqui que a gente não foge do destino acho uma merda que só tenha esse lugar que tá sempre vazando pra gente fazer peça ou cê acha que isso aqui era meu plano de carreira aliás também não era o seu e eu não suporto essa resignação que você impõe esse contentamento comedido polido com a mediocridade

Lolinha: inhala uno dos tres cuatro exhala ssssssssssss

Ana: o que você sugere então o que vocês sugerem sair da mediocridade é o quê é afogar um gato na cândida que dramática você ritinha que grande cena

Lolinha: inhala uno dos tres cuatro exhala ssssssssssss eu posso escolher meu caminho eu posso escolher meu caminho eu

Ana: não pode

Ritinha: não pode lola calMIAU Lolinha: o que foi isso

Ritinha: miau miau miaaau Ana: ritinha para com isso

Ritinha está inquieta. Se estica curvando a coluna.

Ritinha: miau

Lolinha: meu deus o que ela fez com o gatinho Ana: nada lola ela tá tirando sarro de mim Lolinha: eu tô tonta ana

Ritinha: miau miau miaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaau

Lolinha: ana minha visão tá ficando turva eu acho que eu vou vomitar

Ana: chega gente pelo amor de deus não precisa mais de jantar acabou acabou a peça por favor eu não sei o que tá acontecendo aqui mais eu já entendi vamos embora

Ritinha: miau miau miaaaaau miau

Lolinha: eu acho que agora não adianta mais ana eu acho que agora é isso pra sempre

Ana: isso o quê

Ritinha: miau miau miaaaau miaaaaau rrrrr Lolinha: ela comeu o gato

Ana: que

Lolinha: ela comeu o gato ana eu vou vomitar Ritinha: miau miau miaaaau

Ana: ela não teria comido o gato ela não faria isso ritinha você comeu o gato Ritinha: miau miau miaaau

Ana: Ritinha se você comeu o gato a gente tá fudida o que a gente vai dizer pra dona bercinda como que a gente vai seguir a peç

Ritinha tosse.

Cospe uma bola de pelo. Todas olham a bola de pelo.

Lolinha: vocês são doentes

Ana, tomada por uma fúria repentina, saca a faca de cortar cebolas e corta a barriga de Ritinha. Sai um gato, comprido que nunca acaba.

Lolinha desmaia.

5.

Uma velha com a perna infiltrada.

Dona Bercinda: vem pra mamãe vem bonitinho vem pra cá mamãe cuida de você isso bonitinho vem cá muito bem bonitinho da mamãe que menino grande que você tá vem com a mamãe vamos vamos

(34)

p. 32

Maldito seja Canaã

(35)

Maldito seja Canaã

Carlos Canarin

Uma transmissão intergaláctica e atemporal se inicia.

DEUS-POODLE

Regozijai, ó senhores filhos do fado! À vocês destina-se o reino dos trópicos, e tudo aquilo que merecem da herança. Ante mares navegaram pelo mais lascivo aroma,

percorreram milhas onde morava a Morte, mirou-se os olhos da Beira;

nem por isso o Medo encontrou morada. Esconderam-se do vingativo Sol quando necessário,

ceifaram línguas para auto sobrevivência; de tudo isso foi mostrado à própria verdade. E mesmo quando achavam que tudo estaria perdido,

a boreal sinfonia adentrou-lhes os ouvidos, difundindo a palavra como verdadeira salvação.

Regozijai, ó senhores da luz!

Molda-se o espelho, congela-se as ampulhetas; Goza-se vermelho, arrota-se pães de ló;

Não mais aqui os corvos fazem ninhos. Já não existem mais.

Exterminaram-se. Exterminamos-lhes. Já não há querência. Regozijai, ó senhores de Peró!

Um homem está sentado de frente para a televisão, assistindo o que passa. Ele toma um fardo de cervejas enquanto assiste ao desenho do Deus-Poodle. Ele não esboça nenhum sentimento; o silêncio é a única coisa que ouvimos dele. Ele tenta encontrar algum outro programa mais interessante, mas

(36)

p. 34

nenhum outro canal está pegando. A tela cinza predomina. Ele levanta do sofá e começa a escrever num grande quadro negro.

CANAÃ

tem gente que tem a cabeça cheia de merda mas a minha não é. tenho tudo aqui dentro, todos os nomes, todos as caras, tudo gravado nessa minha cabeça. eu queria contar que lembrei ontem de uma coisa, será causo, será história pra boi dormir, fake news da pesada, #chega, tu tá metido com fofoca é? cala boca deixa eu falar ué fala tu não tem boca? abre o bico! tá então eu vou dizer. eu não vou dizer, eu vou gritar, todo mundo vai ter que me ouvir. tá, então, teve um cara, mais parecia um porco, cheio da bufunfa pra dar e vender, que veio morar no litoral, queimar aquela pele branca dele, pr’aqueles lados donde ele vem não tem muita praia eu acho deve ser muito frio se pá, lembrou da fuça do cara? aleluia! todo mundo já deve ter visto ele por aí, lembro que a cara dele ficou estampada dias e dias e dias nos jornais, sim aí me contaram que ele se interessou por aqui, por esses lados, por essa vegetação tá ligado? aprendeu português e tudo, falava todo enrolado, parecia um bobão débil mental tanto que um dia, pegaram um facão e enfiaram no bucho dele, saiu as tripa e tudo pra fora, não deu outra né, morreu na hora e o assassino, dizem, doido que era, colocou ele no carro era um carro preto, muito chique pra época uma doideira nunca mais ouviram falar do tal homem mas esse causo pipocava de boca em boca, dizem que era por causa de que ele era rico e bem apessoado. tá mas então é isso o que eu queria contar espero que vcs tenham conseguido entender.

Um alarme começa a soar. São 7h39. Canaã tenta lembrar seu nome. Seu nome é Canaã. Canaã é um nome bíblico. Ele não acredita na bíblia nem em nenhum deus. Canaã deixa isso de lado. Ele liga o chuveiro e toma banho.

(37)

nenhum outro canal está pegando. A tela cinza predomina. Ele levanta do sofá e começa a escrever num grande quadro negro.

CANAÃ

tem gente que tem a cabeça cheia de merda mas a minha não é. tenho tudo aqui dentro, todos os nomes, todos as caras, tudo gravado nessa minha cabeça. eu queria contar que lembrei ontem de uma coisa, será causo, será história pra boi dormir, fake news da pesada, #chega, tu tá metido com fofoca é? cala boca deixa eu falar ué fala tu não tem boca? abre o bico! tá então eu vou dizer. eu não vou dizer, eu vou gritar, todo mundo vai ter que me ouvir. tá, então, teve um cara, mais parecia um porco, cheio da bufunfa pra dar e vender, que veio morar no litoral, queimar aquela pele branca dele, pr’aqueles lados donde ele vem não tem muita praia eu acho deve ser muito frio se pá, lembrou da fuça do cara? aleluia! todo mundo já deve ter visto ele por aí, lembro que a cara dele ficou estampada dias e dias e dias nos jornais, sim aí me contaram que ele se interessou por aqui, por esses lados, por essa vegetação tá ligado? aprendeu português e tudo, falava todo enrolado, parecia um bobão débil mental tanto que um dia, pegaram um facão e enfiaram no bucho dele, saiu as tripa e tudo pra fora, não deu outra né, morreu na hora e o assassino, dizem, doido que era, colocou ele no carro era um carro preto, muito chique pra época uma doideira nunca mais ouviram falar do tal homem mas esse causo pipocava de boca em boca, dizem que era por causa de que ele era rico e bem apessoado. tá mas então é isso o que eu queria contar espero que vcs tenham conseguido entender.

Um alarme começa a soar. São 7h39. Canaã tenta lembrar seu nome. Seu nome é Canaã. Canaã é um nome bíblico. Ele não acredita na bíblia nem em nenhum deus. Canaã deixa isso de lado. Ele liga o chuveiro e toma banho.

CANAÃ

só agora que me liguei que não paguei a conta do gás, puts, água gelada é fogo, principalmente de manhã. minha gengiva tá cada vez mais molenga, quase uma geleca, talvez esse seja o motivo de eu ter bafo. todo mundo tem bafo, tem gente que gosta quando um cara fuma seu cigarro e fica com o maior bafo sabor veneno de rato. mas é natural o bafo, coisa natural do ser humano, não é? ok, se fosse só o bafo tava bom, mas a minha gengiva tá muito mole, eu não consigo mais falar sem o sangue cair da minha boca. não consigo mais escovar os dentes sem a escova voltar marrom da minha boca. meu sangue tá cada vez mais vermelho eu devo estar com algum problema de circulação. quanto que custa um coisinha desses de vitamina? vai ao médico vai ao médico não vou, lá eu não vou pisar nunca mais, uma vez já tá bom e pronto, às vezes paro e penso quero desistir vou desistir vou vender tudo comprar uma passagem só de ida pro caribe ah que lindo o caribe caribe é massa, quem nunca quis ir pro caribe né. quantos países formam o caribe? não sei só lembro de cancun cancun será cancun certeza? cancun parece nome de doença mas as fotos são lindas, areia mar sol piña colada que delícia, quero.

Ele sai do banho, veste uma nova roupa. Ele sai de seu apartamento. Ele entra elevador. Ao chegar no térreo, Canaã percebe um Menino entrar sozinho dentro do elevador e apertar o nono andar. Canaã e o Menino se encaram até que o elevador se feche.

O MENINO DO ELEVADOR Tá vindo o dilúvio, seu moço.

O elevador se fecha. Canaã em transe. O barulho de uma sirene faz com que ele desperte novamente para a realidade. Ele caminha em direção ao seu trabalho. Aos poucos, muitas viaturas da polícia e ambulâncias podem ser ouvidas no sentido contrário ao de Canaã.

(38)

p. 36 não parece que vai chover, olha o brilho desse sol, não fica nublado há dias. o moleque deve estar fantasiando, só pode, é o que acontece com quem assiste um Poodle falante pela tv todo dia. puts, não trouxe nem uma banana, minha barriga vai apresentar sua sinfonia de sons graves o dia todo. lá na biblioteca a gente fica só na base do café e suas variações: com leite, sem leite, com açúcar, sem açúcar, com adoçante, sem, e last but not least o aguado. o dia todo todo dia no cafézinho, pense, é a festa da azia né. de vez em quando uma das secretárias traz uma bolachinha água e sal ou aquelas Maria, sabe? Dá um balanceio gostoso no estômago, a gente até que fica mais alegre.

Uma mulher branca, bem vestida, vem a toda velocidade como se estivesse fugindo e esbarra com Canaã na rua. A sacola cheia de laranjas que ela trazia em suas mãos se arrebenta, espalhando as frutas pelo chão.

A MULHER DAS LARANJAS Desculpe, preciso chegar lá... Enviaram meus ingressos em cima da hora, acredita? Desculpe, preciso ir.

Ela se recompõe, limpa suas mãos, lamenta rapidamente e põe-se a correr mais uma vez, desaparecendo em seguida. Canaã apanha algumas laranjas, guarda-as em sua mochila e começa a chupar uma delas.

CANAÃ

aprendi a comer fruta com casca desde cedo tem gente que fala que é amargo mas eu amo assim adoro uma coisa bem ácida, coisa que incomoda. quando eu era criança a gente subia na laranjeira catar laranja eu era muito tanso nunca conseguia subir sem ajuda precisavam me ajudar uma duas três vezes, pra descer então pense só, uma tragédia, era joelho sangrando braço ralado testa suja. criança sendo criança né mas o marido de mamãe gritava só sabia gritar falava que a gente parecia bicho do mato, coisa selvagem, quando se pendurava nas árvores eu mandava ele enfiar tudo aquilo no cu

(39)

não parece que vai chover, olha o brilho desse sol, não fica nublado há dias. o moleque deve estar fantasiando, só pode, é o que acontece com quem assiste um Poodle falante pela tv todo dia. puts, não trouxe nem uma banana, minha barriga vai apresentar sua sinfonia de sons graves o dia todo. lá na biblioteca a gente fica só na base do café e suas variações: com leite, sem leite, com açúcar, sem açúcar, com adoçante, sem, e last but not least o aguado. o dia todo todo dia no cafézinho, pense, é a festa da azia né. de vez em quando uma das secretárias traz uma bolachinha água e sal ou aquelas Maria, sabe? Dá um balanceio gostoso no estômago, a gente até que fica mais alegre.

Uma mulher branca, bem vestida, vem a toda velocidade como se estivesse fugindo e esbarra com Canaã na rua. A sacola cheia de laranjas que ela trazia em suas mãos se arrebenta, espalhando as frutas pelo chão.

A MULHER DAS LARANJAS Desculpe, preciso chegar lá... Enviaram meus ingressos em cima da hora, acredita? Desculpe, preciso ir.

Ela se recompõe, limpa suas mãos, lamenta rapidamente e põe-se a correr mais uma vez, desaparecendo em seguida. Canaã apanha algumas laranjas, guarda-as em sua mochila e começa a chupar uma delas.

CANAÃ

aprendi a comer fruta com casca desde cedo tem gente que fala que é amargo mas eu amo assim adoro uma coisa bem ácida, coisa que incomoda. quando eu era criança a gente subia na laranjeira catar laranja eu era muito tanso nunca conseguia subir sem ajuda precisavam me ajudar uma duas três vezes, pra descer então pense só, uma tragédia, era joelho sangrando braço ralado testa suja. criança sendo criança né mas o marido de mamãe gritava só sabia gritar falava que a gente parecia bicho do mato, coisa selvagem, quando se pendurava nas árvores eu mandava ele enfiar tudo aquilo no cu

ele pegava a coisa mais próxima e atirava em mim era chinelo vara pente ferro vaso vidro bala cadeira faca tijolo panela cigarro sapato pá muitas vezes eu desviava mas quando pegava cê não imagina a dor né meu irmão, só quem sentiu dor é que sabe. foi por isso que eu fiz aquilo, não sei se eu já contei, é bom eu não falar alto pq tô achando que tem gente me seguindo faz uns dias já, fiz eu fiz aquilo pra me vingar, pra salvar mamãe, eu tive a coragem eu sou aquilo tudo que ele falava eu sou. mas tô tentando não ser.

Uma galinha anda livremente pela rua. Duas figuras surgem e iniciam uma caçada, tentando capturá-la. A galinha consegue mantê-los ocupados por um tempo. As duas figuras parecem ser viajantes do espaço, vindos de um futuro distópico (porém bastante provável).

C-59

Que coisa mais ridícula a qual estamos submetidos.

A-23 Tudo culpa dela. Ninguém mandou querer mais do que a boca pede.

C-59

Veja lá como fala. Acho até engraçado, você sempre foi o mais certinho.

A-23 Crer demais cansa; é tanto trabalho pra nenhum retorno.

C-59

Fala mais baixo que é capaz de’le escutar tudo.

A-23 De que vale uma galinha? Não seria melhor uma ovelha?

(40)

p. 38 Ovelhas já não colam mais, saíram de moda faz tempo.

A-23 Assim como as maçãs.

C-59

Você adora desconversar, né?

A-23 Só estou dizendo a verdade.

C-59

A culpa não é minha, ok?

A-23 consegue capturar a galinha, segurando com seu joelho o pescoço dela. A galinha começa a se debater.

A-23 Uma vez entregue, teremos nossa glória novamente.

C-59

É só isso que você quer? Acha mesmo que ele fará tudo o que prometeu?

A-23 Pare de profanar suas palavras ao insultá-lo.

C-59

Você estava fazendo isso agora mesmo.

A-23 Cale sua boca. Eu só tive uma crise. Foi rápido. Já estou bem.

(41)

Ovelhas já não colam mais, saíram de moda faz tempo.

A-23 Assim como as maçãs.

C-59

Você adora desconversar, né?

A-23 Só estou dizendo a verdade.

C-59

A culpa não é minha, ok?

A-23 consegue capturar a galinha, segurando com seu joelho o pescoço dela. A galinha começa a se debater.

A-23 Uma vez entregue, teremos nossa glória novamente.

C-59

É só isso que você quer? Acha mesmo que ele fará tudo o que prometeu?

A-23 Pare de profanar suas palavras ao insultá-lo.

C-59

Você estava fazendo isso agora mesmo.

A-23 Cale sua boca. Eu só tive uma crise. Foi rápido. Já estou bem.

C-59

Podemos enganá-lo.

A-23 Você é estúpido.

C-59

Ela será nossa moeda de troca.

A-23 Ele nunca vai cair numa coisa dessas.

C-59

Tudo mudou. Dizem que Ele não é mais o mesmo.

Inicia-se uma transmissão intergaláctica e atemporal. O Deus-Poodle é novamente projetado na televisão.

DEUS-POODLE

Entregai-vos o que lhes foi ordenado, pelo bem de sua herança e de seu nascimento.

Afastai-vos dos maus pensamentos e das ações beligerantes.

Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Façais tudo conforme ordenado;

a vocês pertence a minha compaixão.

A-23

Meu senhor, sabes do meu empenho e da minha obstinação quanto a missão designada. Devo informá-lo que infiéis planejam a sua queda.

DEUS-POODLE

(42)

p. 40

A-23

Está justamente em sua frente. Meu irmão, C-59, reproduz mirabolantes planos contra a nossa fé.

DEUS-POODLE

Que fizeste?

C-59

Ele mente, meu senhor. Não acredite em nada do que vem dele. Ele é o mais traiçoeiro dos humanos. Ele tem em sua face as presas da serpente!

DEUS-POODLE

Maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue.

A transmissão sofre interferências de hackers. O Deus-Poodle some. A rede de conexão cai por completo. C-59 perfura o corpo de seu irmão A-23 violentamente e foge com a Galinha em suas mãos. A-23 agoniza no chão aos poucos enquanto sua vida se esvai. Helicópteros e repórteres cercam a figura ensanguentada. Marcha fúnebre. Comoção nacional.

Canaã desperta de sua pose-de-museu. Ainda vemos a imprensa, os serviços de emergência e as pessoas ao redor comovidas com a morte de A-23. Ele segue sua jornada em rumo ao seu trabalho.

CANAÃ

dor na cabeça aqui ó, deve ser culpa do álcool, álcool 70 vodka pura ou com energético? energético não, me dá ânsia solta o estômago no outro dia já viu, ninguém mandou beber uma latinha seguida da outra sem parar chega para é isso que dá, vou rezar reza ajuda né pra não ter cirrose deus me livre cirrose imagina não poder beber?

(43)

A-23

Está justamente em sua frente. Meu irmão, C-59, reproduz mirabolantes planos contra a nossa fé.

DEUS-POODLE

Que fizeste?

C-59

Ele mente, meu senhor. Não acredite em nada do que vem dele. Ele é o mais traiçoeiro dos humanos. Ele tem em sua face as presas da serpente!

DEUS-POODLE

Maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue.

A transmissão sofre interferências de hackers. O Deus-Poodle some. A rede de conexão cai por completo. C-59 perfura o corpo de seu irmão A-23 violentamente e foge com a Galinha em suas mãos. A-23 agoniza no chão aos poucos enquanto sua vida se esvai. Helicópteros e repórteres cercam a figura ensanguentada. Marcha fúnebre. Comoção nacional.

Canaã desperta de sua pose-de-museu. Ainda vemos a imprensa, os serviços de emergência e as pessoas ao redor comovidas com a morte de A-23. Ele segue sua jornada em rumo ao seu trabalho.

CANAÃ

dor na cabeça aqui ó, deve ser culpa do álcool, álcool 70 vodka pura ou com energético? energético não, me dá ânsia solta o estômago no outro dia já viu, ninguém mandou beber uma latinha seguida da outra sem parar chega para é isso que dá, vou rezar reza ajuda né pra não ter cirrose deus me livre cirrose imagina não poder beber?

REPÓRTER Uma morte brutal no centro da cidade. O povo não aguenta mais tanta violência.

CANAÃ

comoção concessão confusão corrupção criação cremação captação conversação eles filmam filmam tudo a gente virou quadro pintura viva mas não é coisa do da vinci da vinci existiu será eu aprendi que sim eles disseram que da vinci era um gênio um gênio eu matei o gênio eu mastiguei o gênio eu engoli eu vomitei eu cuspi o gênio faltou tempero passou do ponto.

O HOMEM GUARDA-CHUVA Semana passada jogaram uma pedra na minha cabeça e agora ela tá alojada aqui dentro. Ela tá vivendo na minha cabeça. Ela gosta daqui. Ela quer ficar.

CANAÃ

a maldição ele conjurou ela ele não, eles é eles e com E maiúsculo, eles gostam de contar história eles sabem usar as palavras eles fizeram o mundo um mundo de cristais e eles estão estourando todos eles nesse exato momento, eu não quero mais viver aqui eu não sou daqui eu já nasci e morri mil vezes eu já não aguento mais me socorre corre aqui eu preciso de ajuda eu não tenho redenção eu não acredito em redenção eles já tiveram redenção é fácil pra eles é só pedir desculpa e assinar um papel só isso já basta.

REPÓRTER Um centro brutal na morte da cidade. A violência não aguenta mais tanto povo.

(44)

p. 42 CANAÃ

vocês ainda sabem sonhar eu as vezes penso que esqueci, tipo acordei um dia e esqueci nunca mais sonhei quero dizer eu lembro de alguns sonhos que tive faz muito tempo hoje sonhar não é mais possível vocês ainda sabem o que é sonhar eu compro sonhos quero dizer se eu tivesse dinheiro eu comprava vocês me venderiam eu queria ouvir um sonho alguém pode contar pra mim eu imploro por favor eu esqueci o que é sonhar eu preciso lembrar me mostra o seu sonho me mostra?

O HOMEM GUARDA-CHUVA Não, eu não quero tirar ela daqui. A senhora que me perdoe, eu preciso ir embora, tenho que encontrar a mais esposa. Ela trabalhou muito, eu é que faço a janta hoje, sabe? A senhora que me desculpe, eu preciso ir encontrar, amar, cozinhar, tá bem? Até mais ver.

REPÓRTER Uma cidade brutal no povo da violência. A morte não aguenta mais tanto centro.

As figuras dos serviços de emergência, da imprensa e do povo em geral entram numa espécie de transe. Elas calçam diferentes sapatos: botas vermelhas-sangue, galochas cinza com laranja, tênis que piscam, sapatilhas escuras, saltos-altos brilhosos, rasteirinhas marrons. Elas formam uma fila indiana. Elas tiram seus sapatos. Elas iniciam uma espécie de cortejo dos sem-sapato, como que um protesto.

A MULHER QUE ERGUE UMA CAMISA MANCHADA A menina, uma menina. Ela é pequena, pequenininha. Os cabelos dela são tudo cacheadinho. Ela tá com a mochila nas costas, é rosa, é rosa a mochila. Por favor, alguém viu ela? Você viu?

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