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Não choveu no cais

No documento EXERCÍCIOS DE DRAMATURGIA (páginas 67-79)

p. 66 Achei poético, desde o início, morar no cais.

Não achei graça morar em outro lugar.

A cidade velha – o cais do rio. Lá embaixo, as águas.

Os cachorros na canoa atravessando o rio, com o dono que remava.

Uma paisagem no fim da tarde. Eu me encantava com o simples.

O homem de bicicleta, na beira do cais, me conta que vem todas as tardes ao cais, ver o rio. Mas o rio não é mais o mesmo rio da sua infância. Ele pulava no rio dali mesmo, do cais. Hoje o rio está longe.

O areial.

Eu penso que há tristeza no relato do homem, mas ele não está triste. Há feitiço também.

Há o encanto do rio.

Os encantados do rio. Caboclo d´água mora ali.

Mãe d´água mora ali.

O mistério do rio mora ali o poeta do rio Carlúcio Ele me conta, ele me diz:

Achei poético, desde o início, morar no cais. Não achei graça morar em outro lugar.

A cidade velha – o cais do rio. Lá embaixo, as águas.

Os cachorros na canoa atravessando o rio, com o dono que remava.

Uma paisagem no fim da tarde. Eu me encantava com o simples.

O homem de bicicleta, na beira do cais, me conta que vem todas as tardes ao cais, ver o rio. Mas o rio não é mais o mesmo rio da sua infância. Ele pulava no rio dali mesmo, do cais. Hoje o rio está longe.

O areial.

Eu penso que há tristeza no relato do homem, mas ele não está triste. Há feitiço também.

Há o encanto do rio.

Os encantados do rio. Caboclo d´água mora ali.

Mãe d´água mora ali.

O mistério do rio mora ali o poeta do rio Carlúcio Ele me conta, ele me diz:

“Sou eu que vou descobrir o mistério desse rio.”

Eu acredito.

Poeta-pescador negro, de olhos fundos de de águas profundas. A esposa séria fechada em seu silêncio, sertaneja.

O filho, adolescente, tem vergonha do pai. Eu, a professora, da cidade.

O poeta-barranqueiro abre uma garrafa de guaraná para mim.

Eu tomo, agradecida. Passa um menino, com sua tia.

Olha o guaraná.

Eu ofereço um copo de guaraná. O menino toma, agradecido.

A tia é pescadora, passaram o dia no rio. Há os dias de enchente.

Chuvarada boa.

Inverno. Em novembro, dezembro. Invernada. Depois do verão, vem o inverno.

Os carros perdem as placas na rua do Colégio Betel. Uma vez, não consegui atravessar a rua a pé.

Com a chuva, vêm os besouros. Potós.

Muitos.

Muitos besouros que se chamam potós. Cuidado: eles queimam. Uma infestação.

Mas nem se compara à infestação de potós, dos anos de 1990, me dizem.

Passou no Jornal Nacional.

Em outro ano, foram grilos. Infestação de grilos.

p. 68 Viver na beira do rio, tem dessas coisas...

Você já leu Cem anos de solidão?

JANUÁRIA-MACONDO

E teve a enchente de 1979.

Quem estava fora da cidade, não conseguiu voltar. Quem estava dentro, ficou isolado.

As ruas-rio. A torre da igreja.

Documentos se perderam, nas igrejas, nos cartórios. ENCHENTE

A estrada do Colégio Agrícola,

Viver na beira do rio, tem dessas coisas...

Você já leu Cem anos de solidão?

JANUÁRIA-MACONDO

E teve a enchente de 1979.

Quem estava fora da cidade, não conseguiu voltar. Quem estava dentro, ficou isolado.

As ruas-rio. A torre da igreja.

Documentos se perderam, nas igrejas, nos cartórios. ENCHENTE

A estrada do Colégio Agrícola,

só se passava com trator.

RIBEIRINHOS

BARRANQUEIROS VAZANTEIROS

Comunidades das ilhas

“O melão das ilhas é o melhor, plantado nas vazantes.” (Magaly)

As VEREDAS,

logo acima. BURITIZEIROS.

Um grande incêndio. Uma tristeza.

Vereda quando pega fogo, não tem como apagar.

Pega fogo por baixo o fogo alastra

Vereda é como a veia, a veia do rio. Veredas da salvação

ISSO JÁ ACONTECEU

Estão subindo os DOIS bombeiros e os voluntários – gente daqui mesmo.

Vocês avisaram, saiu no jornal

Estamos sem sinal de Internet e telefone, você percebeu Parece aquele filme Bacurau

VERDADE... ISSO JÁ TINHA ACONTECIDO

O OLHAR DE ZELITO ME MOSTRANDO A TERRA ARRASADA ONDE ERAM AS VEREDAS

p. 70 Observo a mulher sentada na calçada descascando pequi. Eu não sabia que era pequi.

Pergunto. Observo. A casca verde descartada. O miolo amarelo. Ela me olha assustada, desinteressada. Como alguém não conhece pequi?

E teve o homem que amolou meu alicate de unhas, de trás do balcão de sua venda pequena, um quartinho bagunçado que vende de um tudo. Ele me entrega. Eu vou pegar. Ele recua. Ele quer que eu receba com a mão esquerda. Eu pergunto o porquê. Ele me diz que eu sei o porquê.

Houve o episódio do galo. O galo que seria morto e não foi.

O homem-índio com o cabelo besuntado, o pai – ele avisou que o galo ia fugir. Fugiu. A onça-Yayá

Yayá-Cabocla Toré

Onceiro

“A pessoa que mata onça, nunca mata cem onças. Na noventa e nove, a onça mata ela.

Foi o que aconteceu com Seu Romão da Mota.”

O pé de pinha.

Pinha do pé

manga-rosa da casa de Maria Elena jenipapo

buriti

maracujá-do-mato

goaibas-brancas, côco do pé, doce de cajuí

A mãe de Santo recebe uma cabocla e me diz que sou filha d´Oxum e começa a chover, uma tempestade. Mas sou filha de Yemanjá, confirmada.

A cabocla se vai, como veio.

Um dia, aplicando provas, pego uma cola de uma aluna, de Meio Ambiente. Nomes de peixes. Guardo e não falo nada. Penso comigo, deixa pra lá. Levo para casa e estudo os nomes dos peixes.

Piau, Piramutaba, Dourado, Surubim, Matrinxã. Há o conto do Surubim de Cabelo e do Dourado Encantado.

Observo a mulher sentada na calçada descascando pequi. Eu não sabia que era pequi. Pergunto. Observo. A casca verde descartada. O miolo amarelo. Ela me olha assustada, desinteressada. Como alguém não conhece pequi?

E teve o homem que amolou meu alicate de unhas, de trás do balcão de sua venda pequena, um quartinho bagunçado que vende de um tudo. Ele me entrega. Eu vou pegar. Ele recua. Ele quer que eu receba com a mão esquerda. Eu pergunto o porquê. Ele me diz que eu sei o porquê.

Houve o episódio do galo. O galo que seria morto e não foi.

O homem-índio com o cabelo besuntado, o pai – ele avisou que o galo ia fugir. Fugiu. A onça-Yayá

Yayá-Cabocla Toré

Onceiro

“A pessoa que mata onça, nunca mata cem onças. Na noventa e nove, a onça mata ela.

Foi o que aconteceu com Seu Romão da Mota.”

O pé de pinha.

Pinha do pé

manga-rosa da casa de Maria Elena jenipapo

buriti

maracujá-do-mato

goaibas-brancas, côco do pé, doce de cajuí

A mãe de Santo recebe uma cabocla e me diz que sou filha d´Oxum e começa a chover, uma tempestade. Mas sou filha de Yemanjá, confirmada.

A cabocla se vai, como veio.

Um dia, aplicando provas, pego uma cola de uma aluna, de Meio Ambiente. Nomes de peixes. Guardo e não falo nada. Penso comigo, deixa pra lá. Levo para casa e estudo os nomes dos peixes.

Piau, Piramutaba, Dourado, Surubim, Matrinxã. Há o conto do Surubim de Cabelo e do Dourado Encantado.

E do Menino e o Dôrado, do Ambrósio.

Aprendo com o avô de um aluno que tem gente que não pronuncia o nome Caboclo d´água, o Cumpadi.

Para navegar nas águas do Velho Chico, tem que pôr uma carranca na prôa do barco, um pouco de fumo e cachaça pro Cumpadi.

OPARÁ o rio-mar O APITO DO VAPOR O APITO DO VAPOR O APITO DO VAPOR O APITO DO VAPOR o apito do vapor o apito do vapor

“O Vapor não deixava ninguém pra trás, não”, me conta meu tio Calazans, ali nas Sete Lagoas.

O sino da Igreja às 7:00 horas, às 12:00 horas, às 18:00 horas. Não precisa de relógio. “EU SOU O OUTRO”

VENTURA

“o mistério da vida que se apresenta e não quer nada em troca” VENTURA

Metonímia: aparecer e desaparecer

mistério

“aprender a ter coragem” - Diadorim “o homem-sagrado”, giorgio Agambem

Suzi Sperber pulsão de ficção

Virar onça

p. 72

as tardes de sol e céu azul os gatos no telhado

o café com beiju cuscuz

queridas “minhasirmãs” - risos e lágrimas e bordados, linhas e cores e a Lulu e as vozes dosirmãos

vida

a providência divina a parede azul

o bandolim, o violão e o Roberto Carlos queridas amigas dos montes claros, dos vales, de lá e de cá

querido amigo barranqueiro nosso vapor

queridas, queridos e Eterna, eternos,

o Vale do Peruaçú

CAVERNAS

seguimos

descer o rio, em direção ao mar

A vida é um grande Theatrum Mundi...

Elisa Belém

Curso de Dramaturgia – Galpão Cine-Horto Novembro, 2020

as tardes de sol e céu azul os gatos no telhado

o café com beiju cuscuz

queridas “minhasirmãs” - risos e lágrimas e bordados, linhas e cores e a Lulu e as vozes dosirmãos

vida

a providência divina a parede azul

o bandolim, o violão e o Roberto Carlos queridas amigas dos montes claros, dos vales, de lá e de cá

querido amigo barranqueiro nosso vapor

queridas, queridos e Eterna, eternos,

o Vale do Peruaçú

CAVERNAS

seguimos

descer o rio, em direção ao mar

A vida é um grande Theatrum Mundi...

Elisa Belém

Curso de Dramaturgia – Galpão Cine-Horto Novembro, 2020

Januária, Gerais Minas

Infértil

p. 74 (extrato de uma obra inacabada)

(extrato de uma obra inacabada) Eu queria que me abrisse agora com uma faca, uma folha, uma planta, com dentes, com beijos. Eu queria que me abrissem como se abre uma melancia, como se abre a cabeça de alguém, como um peito se abre com uma bala, como se abrem as pernas que querem prazer. Eu queria que me abrissem agora e que me dissessem o que existe dentro de mim. Vê? Jorra sangue, bile, porra, caem fezes que estavam prontas pra nascer. Dentro de mim tem pulmão, coração, esôfago, metros e

metros

de intestino e um útero. Dentro de mim tem um útero. Um útero. Dentro do meu útero, tem

o que?

O que tem dentro do meu útero? No meu útero tem o que? Um útero é uma estrutura

não

muito maior

que um punho.

Um punho é do

tamanho de um coração.

Um útero é do tamanho de um coração e ele se expande, diferente do coração. Ele é como uma bexiga, que se enche de ar, só que um útero não se enche de ar. Um útero é como uma bexiga que se enche e com uma agulha… ploc.

p. 76 Você já viu um útero explodir? De que tamanho é meu útero? Eu espero que meu útero não se expanda. Eu espero que meu útero seja de ferro, espero que meu útero tenha espinhos internos. Eu espero que o que tentar passar para meu útero morra. Eu espero que dentro do meu útero seja um ambiente ácido. Eu espero que dentro do meu útero tenha merda. Eu espero que dentro do meu útero não tenha nada. Eu espero que dentro do meu útero seja um buraco negro. Eu espero que tudo que entre no meu útero saia pelo meu cu ou pela minha boca. Eu espero que tudo que entre no meu útero volte, seja expelido para fora de mim ou seja engolido pra outra dimensão.

A cota mensal de sangramento: atriz segura mangueira, enche um enorme aquário

de sangue

Chá de canela Assistir ao jornal 20 min por dia Remédios antipssicóticos três vezes ao dia Boxe matinal no banho atingindo a si mesma

Você já viu um útero explodir? De que tamanho é meu útero? Eu espero que meu útero não se expanda. Eu espero que meu útero seja de ferro, espero que meu útero tenha espinhos internos. Eu espero que o que tentar passar para meu útero morra. Eu espero que dentro do meu útero seja um ambiente ácido. Eu espero que dentro do meu útero tenha merda. Eu espero que dentro do meu útero não tenha nada. Eu espero que dentro do meu útero seja um buraco negro. Eu espero que tudo que entre no meu útero saia pelo meu cu ou pela minha boca. Eu espero que tudo que entre no meu útero volte, seja expelido para fora de mim ou seja engolido pra outra dimensão.

A cota mensal de sangramento: atriz segura mangueira, enche um enorme aquário

de sangue

Chá de canela Assistir ao jornal 20 min por dia Remédios antipssicóticos três vezes ao dia Boxe matinal no banho atingindo a si mesma

No documento EXERCÍCIOS DE DRAMATURGIA (páginas 67-79)