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MUNDOS IMPOSSÍVEIS E CONTRAPOSSÍVEIS 28.

1 MUNDOS IMPOSSÍVEIS

1.6 MUNDOS IMPOSSÍVEIS E CONTRAPOSSÍVEIS 28.

ainda mais anárquico prescindem da obediência a qualquer lógica, retratando, por exemplo, conjuntos de crenças de agentes epistêmicos e aparecem com frequência em cálculos de lógicas relevantes; finalmente, descrevem com maior fidedignidade conteúdos proposicionais que restariam opacos quanto atribuídos a um conjunto indistinto de mundos impossíveis que colapsasse com o conjunto vazio. Esses não constituem, no entanto, seu uso mais importante em Filosofia. É na superação da trivialidade da verdade em implicações com antecedentes impossíveis que esse instrumento adquire sua função mais relevante.

Dado o escopo deste trabalho torna-se necessária a abertura de seção específica para tratar do tema.

1.6 MUNDOS IMPOSSÍVEIS E CONTRAPOSSÍVEIS

O uso mais difundido para os mundos impossíveis, como dito, é o de instrumento de superação da trivialidade da verdade de sentenças e/ou proposições com antecedentes impossíveis e por isso, necessariamente verdadeiras. A solução foi entrevista por Lewis (1973) e posteriormente desenvolvida por Nolan (1997), Vander Laan (2004) e Boris Kment (2006a, 2006b). Como mencionado na seção anterior os estudos com Lógica Relevante também se serviram deles na tentativa de superar essa perplexidade.

Até agora muito se afirmou sobre como mundos impossíveis ajudam na superação da trivialidade da verdade de contrapossíveis, mas ainda não se explicou aqui como isso funciona propriamente. Não há aí nada de muito complicado. Ao assumir mundos impossíveis como mundos onde os antecedentes em questão são verdadeiros (mundos onde Hobbes desenha o círculo-quadrado; mundos onde está chovendo aqui e agora e não está chovendo aqui agora; mundos onde P ^ ¬P ocorrem; onde Ticio é mais velho que sua mãe Agrícola; que o número 1 seja par etc.) podemos produzir implicações não trivialmente verdadeiras.

Nosso mundo atual e seus congêneres possíveis indicarão sempre a falsidade dos antecedentes, como já indicado acima. No entanto, os mundos impossíveis, “cenários” onde ocorrem tais impossibilidades, indicarão como verdadeiros os antecedentes. A tabela de verdade do operador da implicação “volta a estar

completa” (na medida em que os antecedentes podem ou não ocorrer) e os consequentes (nos exemplos, a fome das crianças nas montanhas da América do Sul e quaisquer outras que importem para a verdade ou falsidade da implicação) recuperam seu papel informativo para a verdade da sentença ou proposição examinada.

No interesse desta explanação tem-se como base o texto de Berit Brogaard e Joe Salerno, Remarks on Counterpossibles (2013), que não só faz referência às soluções dos demais autores como também aponta alguns dos problemas suscitados em face da solução.

Nesse sentido, reiniciemos o problema, desta feita lançando mão da terminologia própria de mundos possíveis.

Subjuntivamente (leia-se “por hipótese”), se fosse o caso de P, seria o caso de

Q (formalizando, P □→ Q) é verdadeiro quando todo o mundo possível mais próximo

do atual onde P é verdadeiro, também Q é verdadeiro. Leia-se “mais próximo” como o mundo mais similar daquele onde se enuncia a sentença ou a proposição. O mesmo critério também pode ser adotado para mundos impossíveis, segundo anotam Berto e Jago (2018):

If impossible worlds display different degrees of logical structure (or lack thereof), it may make sense to order them. A natural way to do this is via an extension of the traditional “closeness” relations between possible worlds. How to spell out the ordering in detail, though, is far from straightforward. (…)

Can such a natural view be extended to impossible worlds? First, it is intuitive to claim that some impossible worlds are more similar to the actual world @ than others. For instance, the “explosion” world (call it e) at which everything is the case (every sentence is true) seems to be as far from @ as one can imagine, if one can actually imagine or conceive such an extremely absurd situation. Now, pick the impossible world t, at which everything is as in @, except that Franz wears an impossible t-shirt which is white all over and black all over. Intuitively, t is closer to @ than e. (BERTO e JAGO, 2018, pg. 12)

Segue-se daí que se P é impossível a proposição se fosse o caso de P, seria

o caso de Q (Subjuntivamente P □→ Q) é trivial e vacuosamente verdadeira. Como

não há mundos-P (mundos onde P é verdadeiro), vacuosamente todo mundo-P mais próximo também é um mundo-Q. Contrapossíveis se adequam à hipótese por definição.

David Lewis (197318) introduziu um refinamento no raciocínio supra com o

auxílio da noção de proximidade entre mundos, noção essa que varia em Metafísica (Brogaard e Salerno possuem sua própria versão que será oportunamente introduzida ao longo deste tópico). A visão com inspiração em Lewis que os autores ventilam é a seguinte:

Subjuntivamente, “P implica Q” é verdadeira no caso em que, (I) não há mundos-P (P é impossível, sempre falso);

ou

(II) há um mundo{P,Q} (mundo onde P e Q são verdadeiros) que é mais próximo do que qualquer mundo{P,¬Q} (mundo onde P é verdadeiro e Q é falso) em relação ao mundo atual.

Como resta evidente, Lewis não só contempla a possibilidade de que em nenhum mundo P seja verdadeiro como também imagina a possibilidade de mundos onde P ocorra e Q seja falso. Porém, sendo tais mundos mais distantes daquele da enunciação da sentença do que mundos onde as duas proposições são verdadeiras, a verdade da implicação é confirmada.

Explique-se que na semântica de mundos possíveis quando se fala na proximidade / distância entre mundos, aponta-se para sua maior ou menor semelhança. No caso do texto, postula-se a maior semelhança entre os mundos estipulados e aquele onde é proferida a sentença de interesse. Esse critério de semelhança entre mundos é um modo de ordená-los em “esferas” que guardam maior ou menor grau de semelhança seja em relação ao mundo atual seja em relação àquele primariamente estipulado para o cálculo modal.

18 Interessante a transcrição do trecho de Lewis (1973) que ventila a hipótese: “Therefore I am fairly

happy to let counterfactuals with impossible antecedents be vacuously true. But my reasons are less than decisive and some might prefer a stronger ‘would’ counterfactual that cannot be vacuously true. We write • , and give it the following truth conditions: 𝜙 • ψat a world i (according to system of spheres $) if and only if there is some sphere S in $ such that S contains at least one 𝜙-world, and 𝜙 ⊃ 𝜓 holds at every world in S.”- pg. 25

Derivou-se dessa ordenação de mundos a SIC (Strangeness of Impossibility

Condition) a postular em termos de proximidade que todo e qualquer mundo possível é sempre mais próximo do mundo atual ou de um outro mundo possível do que qualquer outro mundo impossível. Em síntese, a impossibilidade seria bizarra a ponto

de tornar mais longínquo qualquer mundo em que ela seja verdadeira, o que é bastante questionável19. Como veremos a seguir, a SIC e outros critérios de

ordenação (como a assunção de limite para a semelhança entre mundos, que afinal podem ser infinitesimalmente cada vez mais semelhantes) são afastados para a solução proporcionada pelos mundos impossíveis em espaços modais estendidos que os consideram como elemento chave da verdade das implicações com contrapossíveis.

Não é preciso uma grande divagação para que se entenda o porquê de se afastar a SIC quando se postula uma superação da trivialidade da verdade dos contrapossíveis que lance mão de mundos impossíveis. Há motivos outros para postular seu afastamento20, mas o principal deles é o fato de que a SIC é

intuitivamente falsa. Explique-se: sempre levando em conta que quando falamos de proximidade/distância entre mundos estamos nos referindo ao seu maior ou menor grau de semelhança é fácil imaginar exemplos que a tornam intuitivamente falsa. Pensemos num mundo impossível inteiramente semelhante ao atual, com uma única diferença: nele a sentença ‘P  P’ é verdadeira (uma violação “tópica” e restrita da Lógica Clássica sem consequências para as leis naturais), um mundo onde um dado estado de coisas serve como truth-maker da mesma. De acordo com a SIC ele será

19 Dois mundos possíveis, conjuntos maximalmente completos e consistentes distintos entre si (que fossem distintos por exemplo, no que diz respeito aos valores de verdade de P, Q e R) estariam mais próximos um do outro do que um outro mundo impossível que fosse semelhante ao primeiro deles em relação aos valores de verdade de P, Q e R mas onde ocorresse uma inconsistência como SS. 20 Nesse sentido, vide seção própria da tese de Jorge Viterbo Ferreira (2018). Segundo demonstra, a SIC nos conduz a uma Semântica arbitrária e tortuosa (“accepting SIC predicts that there is a big

difference between the logical behavior of counterfactuals with possible antecedents and counterpossibles.”- pág. 49); possui uma lógica ainda fraca aos olhos de não-vacuistas, aqueles que

postulam mundos impossíveis para superar a trivialidade de implicações com contrapossíveis (“Why is

the line drawn precisely there? Why is it metaphysical impossibility that afects the logical behavior of counterfactuals? I do not see any such strict connection between weakness of logic and metaphysical impossibility as plausible.” – pág. 49); é um princípio de estabelecimento difícil e questionável

(“Restrictions on similarity metric come in two varieties. If they are intended to apply to some contexts

but not all, they can be said to be restricted. If they are intended to apply to all contexts, they can be said to be unrestricted. SIC is unrestricted, as it must be in order to be the basis of a counterfactual logic. It amounts to saying that metaphysical possibility is the maximally important measure of similarity in every context of evaluation.” – pág. 50); finalmente, é intuitivamente falsa.

irremediavelmente mais distante do que todos os mundos possíveis que onde estejam em vigor leis da Física distintas daquelas que regem esse nosso mundo, e onde ocorrem uma infinidade de estados de coisas inteiramente distintos daqueles que ocorrem no nosso mundo.

Já que a SIC leva à conclusão de que quaisquer mundos impossíveis são mais longínquos do mundo atual do que qualquer mundo possível (mais uma vez, mesmo aqueles que, por exemplo, fossem governados por um conjunto de leis da Física bizarro em relação ao mundo atual), eles assim em nada poderiam ajudar em crivar como verdadeiras as sentenças e/ou proposições impossíveis. O fato é que um mundo impossível pode ser contextualmente muito mais semelhante ao mundo atual (e por isso para o que importa, mais próximo que um outro mundo possível) e assim servir para a superação da trivialidade da verdade de implicações com antecedentes impossíveis.

Brogaard e Salerno operam uma modificação sobre a proposta de Lewis, justamente a assunção de limite de semelhança entre mundos acrescida da explicitação de que o critério de similaridade deve considerar o contexto de enunciação, o que resulta na formulação abaixo:

Subjuntivamente, se fosse o caso que P seria o caso que Q (P□ →Q) é

verdadeira no caso em que todo mundo-P mais próximo é um mundo-Q, entendido ‘mais próximo’ como ‘mais relevantemente similar’.

A solução preconizada, ao firmar a relevância da similaridade, permite que se estabeleça previamente qual deve ser o traço dos mundos que deve ser tomado como decisivo para a verdade/falsidade de sentenças e proposições. Ainda assim, esta última leitura é marcada pelo vacuísmo da verdade de contrapossíveis. A solução evita igualmente que as semelhanças entre mundos sejam indevidamente assimiladas e assim desconsideradas se tomados traços que não importam para o contexto da discussão. Com essa ressalva os autores procuram evitar o problema do limite de proximidade entre mundos21, já que aceitos mundos possíveis (ou impossíveis) por

21 The limit assumption tells us that there is a limit on how close the possible worlds can be. It says

whenever there is a p-world, there is at least one closest p-world. Lewis rightly denies the assumption. w1 is closer than w2 to the actual world just in case w1 is “more similar” to the actual world than is w2.

assimilação, sempre haverá um mundo mais próximo do mundo atual do que alguns mundos de uma esfera qualquer. Não se pode negar que haja certa arbitrariedade naquilo que se pode fixar como relevante, um critério que deve ser buscado a partir de cada contexto.

Os autores propõem mundos impossíveis onde a aprioricidade sofre modificações de contexto (a priori*), inserindo tal noção no bidimensionalismo epistêmico22 defendido por David Chalmers e Frank Jackson, com a importante

exceção de que verdades lógicas e matemáticas não são consideradas como necessariamente a priori: a finalidade perseguida é de tornar sensível ao contexto aquilo que um sujeito pode considerar apriorístico, mesmo verdades lógicas ou matemáticas. É definida uma implicação decorrente dessa aprioricidade especial nos seguintes termos:

Implicação a priori*

Para um falante s em um contexto c, P a priori* implica Q sse para s em c, Q é uma consequência relevante a priori de P.

A totalidade de mundos é tomada como o conjunto maximal de sentenças, mundos possíveis são logica e dedutivamente fechados, enquanto os impossíveis não ostentam esse fechamento, além do mundo absurdo maximal onde todas as proposições são verdadeiras.

No que diz respeito à proximidade entre mundos (impossíveis) o critério é o de verificar qual mundo é menos diferente em termos de fatos de background (leis da

In this context to deny the limit assumption is to deny that there is always a limit on how similar to the actual world the possible worlds may be. However there is a possible world exactly like the actual world but where I drank a whole beer more than I in fact drank. And there is an even more similar world where I drank only a half beer more than I in fact drank, and an even more similar world where I drank only a quartermore, and so on, ad infinitum. These worlds become more and more similar to the actual with respect to how much alcohol was consumed, because the amount consumed gets closer and closer to the actual amount. (…)

The account has the advantage of making explicit something that Lewis and others assume when utilizing a Lewisian theory of counterfactuals, viz., ‘comparative similarity is vague’ and ‘context is needed to resolve some of the vagueness and to determine which similarities and differences are important’”– pgs. 640/641(BROGAARD & SALERNO, 2013)

22 Apenas para efeitos de compreensão, o bidimensionalismo epistêmico sustenta que para a fixação da referência de um estado mental de um sujeito há dois aspectos a serem considerados: um extensional e externo a depender do modo como está organizado o mundo; outro representacional e interno, onde o modo como este sujeito se relaciona e interpreta o mesmo mundo assume importância. Para uma exposição mais completa remete-se o leitor ao artigo de Carolina Muzitano (2015).

natureza e fatos a respeito de como o mundo é ou se organiza, o que é fixado pelo contexto) e ao mesmo tempo, qual deles é mais semelhante em termos de implicações

a priori*. Formalizando:

Proximidade: para quaisquer dois mundos impossíveis m1 e m2, m1 é mais próximo do mundo base do que m2 sse:

a) m1 não contém um número maior de sentenças formalmente inconsistentes com os fatos relevantes de background (mantidos fixos de acordo com o contexto) do que m2.

b) m1 preserva um número maior de implicações a priori* entre sentenças do que m2.

Esses cuidados com a fixação de um critério de proximidade (similaridade) entre mundos impossíveis em relação ao mundo base (mundo atual ou de enunciação) permitem que os mundos impossíveis estipulados desempenhem o papel que deles se espera no que diz respeito à superação da trivialidade de contrapossíveis. Assim também evitam uma série de dificuldades que são levantadas em face da solução similar proposta por Nolan quando os mundos impossíveis são considerados como conjuntos de proposições “à Russell” (proposições que contêm as referências dos termos como seus constituintes) ou quando são considerados conjuntos maximais de sentenças, dado o critério meramente quantitativo de proximidade entre mundos (número de sentenças ou proposições compatíveis com contexto em que se trava a discussão ou se desenvolve a investigação).

Ainda assim não é demais notar que, se a trivialização da verdade é superada com a reunião num domínio ou conjunto de mundos de exemplares onde os antecedentes impossíveis ocorrem, não é obtida uma resposta que espelhe nossa intuição comum sobre essas implicações. Algumas vezes elas emergirão como intuitivamente falsas (outras tantas necessariamente verdadeiras) por não guardarem uma relação de patente relevância entre os termos implicados. Isso talvez não possa mesmo ser “entregue” por um operador verofuncional como a da implicação lógica: valor de verdade depende ultimamente daqueles termos que liga.

Superar a trivialização da verdade não parece o bastante. Retomando o exemplo algumas vezes ventilado ao longo do texto, o fato de que em alguns mundos

impossíveis Hobbes tenha desenhado um círculo quadrado e as crianças famintas do mundo se alegrem não nos autoriza a concluir que exista uma relação de implicação entre os dois fatos, pelo menos não no sentido em que usual e coloquialmente expressamos uma implicação.

Há trabalho a ser feito nesse sentido e, pelo menos em princípio, ele não pode ser empreendido apenas com o auxílio dos mundos impossíveis. Fine (2012) bem sintetizou essa limitação do operador modal da necessidade no seguinte trecho:

Whether or not this is so, there would appear to be something more than a modal connection in each case. For the modal connection can hold without the connection signified by ‘in virtue of’ or ‘because’. It is necessary, for example, that if it is snowing then 2 + 2 = 4 (simply because it is necessary that 2 + 2 = 4), but the fact that 2 + 2 = 4 does not obtain in virtue of the fact that it is snowing; and it is necessary that if the ball is red and round then it is red but the fact that the ball is red does not obtain in virtue of its being red and round. In addition to the modal connection, there would also appear to be an explanatory or determinative connection – a movement, so to speak, from antecedent to consequent; and what is most distinctive about the in-virtue-of claims is this element of movement or determination. (FINE, 2012, pg. 38)

Bem, com essas poucas páginas procuramos mostrar como mundos impossíveis são utilizados na superação da trivialidade dos contrapossíveis. O debate entre os autores que os propõem em busca da melhor maneira de utilizar essa ferramenta teórica e entre estes e adversários da solução é extremamente dinâmico a literatura a seu respeito vem crescendo ao longo desses últimos anos. As objeções e problemas atinentes à sua utilização serão expostas a seguir.