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Os ônus teóricos da assunção de mundos impossíveis 41.

1 MUNDOS IMPOSSÍVEIS

1.7 CRÍTICAS AOS MUNDOS IMPOSSÍVEIS 35.

1.7.3 Os ônus teóricos da assunção de mundos impossíveis 41.

Na presente subseção serão tratados os ônus teóricos que nos traz a estipulação de mundos impossíveis. Em outras palavras, com o que se está comprometido ao se fazer a estipulação dessas impossibilidades como ocorrendo em

mundos outros, distintos do atual. Boa parte das considerações se beneficiam do debate que ocorreu em torno de mundos possíveis, sua complexidade e estrutura.

Essas considerações se mostram imprescindíveis diante dos objetivos desta dissertação, que se propõe a comparar qual a melhor solução para superar a trivialidade dos contrapossíveis.

Decisiva para sua correta construção a noção de compromisso ontológico legada por Quine, articulada pela primeira vez no clássico “On What There Is” (inicialmente publicado em 1948), e novamente abordada no texto “Ontology and

Ideology” de 1951. Neste último, o autor reprisa seus contornos:

On several occasions I have urged, in substance, that:

I. The ontology to which an (interpreted) theory is committed comprises all and only the objects over which the bound variables of the theory have to be construed as ranging in order that the statements affirmed in the theory be true. (QUINE, 1951, pg. 11)

Diante disso, e tendo em mente tudo o que restou exposto na seção 1.2. (págs. 17 e seguintes) não há qualquer dificuldade em constatar que filósofos realistas no que diz respeito a mundos impossíveis os abrigam em suas ontologias como objetos concretos ou abstratos e devem lidar com todas as consequências que daí lhes advêm. Tendo em conta todas as objeções colocadas em face da posição ficcionalista, não se entende que aqueles que a sustentam possam de fato escapar dos ônus de lidar com os mundos que estipulam, sendo irrelevante a estranheza que possam ostentar em relação ao mundo atual.

Em verdade, o peso de sua predicação como impossíveis não seria a princípio um óbice à sua admissão em qualquer ontologia. Em sua essência, entes concretos ou abstratos eles continuariam a ser, ostentando a mesma concretude ou abstração que se possa conferir a outros entes já reconhecidos como integrantes de nossa realidade.

Essa razão reside no fundo da defesa que Lewis já empreendera quanto às objeções aos mundos possíveis que admitiu na sua mais conhecida obra “On The

Plurality of Worlds”. Afinal, segundo ele não se tratavam em essência de nada mais

do que objetos concretos, e não poderia ser sua cardinalidade um óbice sério à sua inclusão no arcabouço do real (ninguém seriamente se envolveria numa investigação

acerca do número de objetos concretos existentes no mundo para fechar um “inventário da realidade”).

Essa, no entanto, não nos parece a melhor abordagem acerca da natureza dos mundos, que atendem a critérios outros além da concretude ou abstração (para efeitos desta análise e contra toda a negação que possa emanar dos ficcionalistas aqui incluem-se os mundos que estipulam à vista das objeções já anotadas): eles são somas mereológicas e, desde que sejam possíveis, devem atender à maximalidade e consistência. Embora semelhantes a conjuntos, não podem ser considerados como possuindo a mesma natureza desses objetos próprios da Matemática.

Com essas poucas linhas, já nos parece evidente que eles possuam uma natureza própria, integrando um gênero único que não os assimilaria aos objetos concretos ou abstratos que uma ontologia, mesmo ostentando traços platonistas, estaria propensa a abrigar. Mundos outros, possíveis ou não, exigem um afrouxamento de requisitos para que sejam admitidos na ontologia.

Essa exigência se torna ainda maior quando se trata de mundos impossíveis. O próprio Lewis, como já dito, fazia uma leitura vacuísta das impossibilidades, a dizer, em poucas linhas que todos os mundos impossíveis colapsariam no vazio. Nesse ponto, embora a cardinalidade não seja até agora valorizada, uma classe infinita de outros objetos surge por simples estipulação quando antes um único dentre eles era responsável pelas respostas passíveis (ainda que vacuosas e imperfeitas) ao problema dos contrapossíveis.

Não se pretende aqui pregar que se deva simplesmente fazer a leitura vacuísta dos contrapossíveis e renunciar à procura de uma solução, mas apontar que assumir mundos impossíveis talvez não seja o caminho apto a encontrá-la. Não se nega que a admissão dos mundos impossíveis (ainda que se mostre contraintuitivo para qualquer ser racional a admissão da realidade de um ente impossível) traz ganhos de expressividade. Esse outro aspecto foi igualmente explorado por Quine, que o inseriu na noção de ideologia:

Another no less important aspect into which we can inquire is its ideology (this seems the inevitable word, despite unwanted connotations): what ideas can be expressed in it? (…)

The ideology of a theory is a question of what the symbols mean; the

ontology of a theory is a question of what the assertions say or imply that there is. The ontology of a theory may indeed be considered to be implicit in

quantification may be viewed as a question of the full meaning of the quantifiers.

As a subdivision of ideology there is the question of what ideas are fundamental or primitive for a theory, and what ones derivative. (QUINE,

1951, págs. 14/15) – grifos nossos

Não se pode negar os ganhos de expressividade proporcionados pela assunção de mundos impossíveis, a possibilidade que eles abrem de estabelecer diferenças ante a opacidade própria do vacuísmo. Outro aspecto que emerge do trecho acima é que os mundos impossíveis não expressam apenas ideias meramente derivadas, mas ideias fundamentais que se ligam a objetos igualmente básicos para a teoria dos mundos impossíveis (eles próprios os protagonistas das operações que se fazem com sua admissão).

Há mais a ser dito quanto ao aspecto. Por serem entidades fundamentais de uma teoria que são introduzidas no arcabouço ontológico para um aumento (reconhecido) de expressividade e, portanto, para um ganho ideológico, os mundos impossíveis vulneram tanto a conhecida “Navalha de Ockham” como sua reelaboração mais recente de Schaffer (2014). Não nos parece demais afirmar que os mundos impossíveis são a um só momento resultado de uma multiplicação desnecessária de entes (no que contrariam o mandamento atribuído a Ockham), como ainda ostentam um caráter fundamental que aguça a desnecessidade de sua estipulação, em contrariedade ao assim chamado laser de Schaffer.

Essa apontada desnecessidade não se mostra internamente pelo simples exame da teoria que deles faz uso, mas se evidencia quando outras opções são apontadas para a resolução do mesmo problema. Internamente, a multiplicação de entes cumpre uma inegável função. Mas, além de se mostrar “montada para a ocasião”, parece pelo menos extrapolar a intenção dos falantes que se servem de contrapossíveis na formulação de hipóteses. A multiplicação seria assim mais de que desnecessária, mas simplesmente vedada. Dificilmente alguém que estipula hipóteses seriamente recorre à realidade (concreta ou abstrata) de mundos (possíveis ou impossíveis) onde os fatos que as confirmariam ocorrem.

Quanto à existência de opções outras que tornam desnecessário o recurso, a sede adequada de sua exposição é o Capitulo 3, onde propõe-se uma inovação que se espera possa solucionar o mesmo problema semântico com vantagens.