• Nenhum resultado encontrado

1 MUNDOS IMPOSSÍVEIS

1.7 CRÍTICAS AOS MUNDOS IMPOSSÍVEIS 35.

1.7.1 Vacuístas x não vacuístas 36.

Mesmo um realista modal como Lewis fazia uma leitura vacuísta dos contrapossíveis, como seja, para ele tais contrafactuais seriam trivialmente verdadeiros não importando que o consequente se seguisse ou não logicamente do antecedente impossível, ou mesmo se o contraditasse (‘O fato de que Hobbes desenhou o círculo-quadrado implica o fato de que não é caso que Hobbes tenha desenhado o círculo-quadrado’ é verdadeira, embora os termos da implicação neguem um ao outro).

Qualquer coisa se seguiria de uma impossibilidade. Anotam Brogaard e Salerno (2013) que em trabalhos mais recentes Lewis se mostrou mais aberto à concepção de impossibilidades que não se mostrassem patentes e pudessem receber um tratamento não trivial quanto à verdade das implicações em que estivessem inseridas como antecedentes. Como já dito, foi na década de 1990 que filósofos como Daniel Nolan e outros exploraram e desenvolveram uma visão não vacuísta dos contrapossíveis, sugerindo diversos usos para os mesmos23.

As objeções mais específicas contra o não-vacuísmo de contrapossíveis ancorado no recurso a mundos impossíveis partem de Timothy Williamson (2007). A reprodução de seu argumento tomará aqui algumas linhas.

23 Exemplos desse desenvolvimento do tema são os textos de Nolan (1997) e Boris Kment (2006a) e David Vander Laan (2004).

Inicialmente ele concebe o exemplo de alguém que tenha respondido ‘11’ à pergunta de ‘quanto é 5 + 7?’, mas que pensa por engano ter respondido ‘13’. Para um não-vacuísta (alguém que entende que se possa estabelecer um mundo onde a soma de 5 + 7 seja 13), as sentenças a seguir seriam respectivamente falsa (1) e verdadeira (2). Afinal, o sujeito s do exemplo teria respondido ‘11’:

(1) Se a soma de 5 + 7 fosse 13, s teria respondido a pergunta corretamente (2) Se a soma de 5 + 7 fosse 13, s teria respondido a pergunta erradamente

Williamson não concorda com o exemplo, sugerindo que se a soma de 5 + 7 fosse 13, 5 + 6 = 12, 5 + 5 =11 e daí por diante, sendo afinal necessário concluir que 0 = 1. Se o número de respostas corretas fornecidas fosse zero, na verdade o número de respostas verdadeiras seria 1. A terceira sentença seria algo do tipo:

(3) Se o número de respostas corretas que s forneceu fosse zero o número de respostas corretas fornecidas por s seria 1.

Seguindo o argumento, se a sentença (3) é verdadeira então tanto (1) quanto (2) seriam sentenças verdadeiras levando o não vacuísta à contradição, de forma que s teria respondido correta e erradamente a mesma pergunta mesmo assumindo que a resposta certa seria 13 nesses mundos impossíveis mais próximos: o número de respostas corretas seria 0 (que em Williamson, 2007 toma-se como igual a 1 para os não-vacuístas), fazendo com que s mesmo ao errar (ao fornecer 0 respostas corretas), acertasse a resposta (fornecendo com seu erro 1 resposta correta).

Brogaard e Salerno replicam a objeção sustentando que Williamson incorre em uma violação semântica. Para concluir que 0 = 1 uma série de somas são efetuadas nesse mundo impossível, a começar por se 5 + 7 fosse 13 então 5 + 6 seria 12; se 5 + 7 fosse 13, então 5 + 5 seria 11; e daí por diante até que:

A conclusão de Williamson no sentido de que 0 seria igual a 1 nesse mundo se serve da substituição de ‘0’ por ‘5 + -5’. Mas operadores hiperintensionais24 não

permitem a substituição de termos correferentes salva veritatae. E isso tornaria falha a objeção de Williamson.

Os mesmos autores ainda oferecem uma segunda réplica à objeção de Williamson, centrada nos corolários que extrai para concluir que o exemplo acima faria com que se assumisse que 0 = 1. Como apontam, a objeção se sustenta na hipótese de que cada mundo impossível onde 5 + 7 = 13 seja dedutivamente fechado (logicamente fechado em torno das consequências advindas dessa soma impossível). No entanto, nada torna necessário que assim sejam os mundos impossíveis onde isso ocorre, a não ser que eles colapsem. O fechamento lógico dedutivo não é sustentado pelos não vacuístas. Sua noção de a priori* acima apresentada também poderia entrar como elemento para indicar que o sujeito epistêmico em questão não concluísse que a partir de 5 + 7 = 13, 0 fosse igual a 1. Mais que isso, poderiam sustentar a estranha validade do ex falso quod libet a partir dessa mesma variação do a priori mesmo em mundos onde vigesse a Lógica Paraconsistente25.

Finalmente, apontam que caberia a Williamson a demonstração de que um mundo em que a sentença (3) seja verdadeira (ou seja mundos em que tanto (1) como (2) sejam verdadeiras) não se mostra mais próximo do mundo atual do que mundos

24 João Branquinho assim assim define os operadores hiperintensionais: “Por último, O é um operador hiper-intensional se, e só se, a extensão (= o valor de verdade) de qualquer frase da forma Op, a qual resulta da sua prefixação a uma frase qualquer p, é inteiramente determinado pela hiper-intensão da operanda p, ou, à luz de uma noção de proposição mais fina do que a da semântica de mundos possíveis, pela proposição expressa pela operanda p. Exemplos típicos de operadores hiperintensionais são naturalmente dados em operadores epistémicos (“Sabe-se que”), psicológicos (“Pensa-se que”, “Manuel acredita que”, “A maioria dos políticos quer que”), etc. Assim, quer operadores extensionais quer operadores intensionais constituem contextos referencialmente transparentes, no sentido de contextos que permitem a substituição salva veritate de termos singulares correferenciais; em particular, contextos modais são referencialmente transparentes (o que pode parecer surpreendente). Apenas os operadores hiperintensionais têm a capacidade de gerar contextos referencialmente opacos.” (BRANQUINHO, 2006, pgs. 325-326).

25 We follow epistemic two-dimensionalists in taking the notion of apriority as highly context-sensitive. It varies with one’s use of the elements of the sentence in question (see Chalmers 1996, 2002, 2006, manuscript, Chalmers and Jackson 2001). Moreover, like the two-dimensionalists, we do not propose to give an account of apriority. The notion of apriority is taken as basic. But our notion will deviate from that of the two-dimensionalists in one important respect. Two-dimensionalists stipulate that all mathematical and logical truths are a priori. We do not make this stipulation. Intuitively, ‘paraconsistent logic is correct’ does not a priori imply ‘ex falso quodlibet is valid’ for every speaker in every context. But the a priori implication would obtain if all logical truths were a priori, and for the simple reason that, ex hypothesi, ex falso can be formulated as a logical truth. Our default assumption will be that no logical truth is a priori for a subject (in spite of the fact that any logical truth is necessary). (BROGAARD e SALERNO, 2013, pg. 654).

impossíveis não vacuístas não comprometidos com o fechamento lógico dedutivo. Esses mundos onde apenas a soma 5 + 7 = 13’ é verdadeira mostrar-se-iam menos discrepantes em relação ao mundo atual no que diz respeito a aspectos relevantes para o contexto de enunciação do que um mundo impossível dedutivamente fechado (um mundo como o sugerido por Williamson que extrai da soma ‘5 + 7 = 13’ toda uma série de consequências em termos de Aritmética).

O debate entre esses filósofos segue vivo. Recentemente Williamson publicou novo artigo em que empreende a defesa de sua posição vacuísta em relação aos mundos impossíveis (Williamson, 2018). A argumentação se dá mais em defesa de uma posição conservadora em relação aos mundos impossíveis, não adentrando o tema deste texto, embora próxima. Por tais motivos, deixa-se de explorar e detalhar o seu conteúdo.

Essas, no entanto, não são as únicas dificuldades enfrentadas pela solução, problemas decorrentes de sua sustentada hiperintensionalidade. Na seção que se segue elas serão apresentadas.