• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO GUSTAVO ADOLFO MACHADO CUNHA LUNZ

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO GUSTAVO ADOLFO MACHADO CUNHA LUNZ"

Copied!
125
0
0

Texto

(1)

LIDANDO COM CONTRAPOSSÍVEIS: Mundos Impossíveis X Grounding

RIO DE JANEIRO 2020

(2)

LIDANDO COM CONTRAPOSSÍVEIS: Mundos Impossíveis X Grounding

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Orientador: Guido Imaguire

RIO DE JANEIRO 2020

(3)

CIP - Catalogação na Publicação

Lunz, Gustavo Adolfo Machado Cunha

LL712l Lidando com Contrapossíveis: Mundos Impossíveis X Grounding / Gustavo Adolfo Machado Cunha Lunz. -- Rio de Janeiro, 2020.

124 f.

Orientador: Guido Imaguire.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica, 2020.

1. Contrapossíveis. 2. Mundos Impossíveis. 3. Grounding. 4. Metafísica. 5. Semântica. I. Imaguire, Guido, orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.

(4)
(5)

LUNZ, Gustavo Adolfo Machado Cunha. Lidando com contrapossíveis: Mundos Impossíveis X Grounding. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

O objetivo da dissertação é tecer uma comparação e opinar acerca da melhor solução para o problema semântico da trivialização da verdade surgido com a estipulação de contrapossíveis. Em síntese, qual a ferramenta teórica mais adequada para a construção de um raciocínio que produza conclusões legítimas a partir de premissas impossíveis, rompendo a trivialização decorrente do ex falso quod libet. Com tal finalidade primeiramente é mostrado o recurso teórico “tradicional”, concernente aos mundos impossíveis, seus problemas e objeções. A seguir é exposto o grounding suas objeções e as réplicas de seus defensores. Um terceiro momento é dedicado a mostrar como uma solução híbrida que alia mundos impossíveis e grounding poderia funcionar apesar de conjugar problemas atinentes aos dois recursos. É então apresentada uma solução que se serve exclusivamente do grounding. O próximo passo traça uma comparação de ferramentas, concluindo-se que a proposta de uma solução puramente baseada em

grounding mostra-se como teoricamente mais vantajosa e econômica.

Palavras-chave: Contrapossíveis. Mundos Impossíveis. Grounding. Metafísica. Semântica.

(6)

LUNZ, Gustavo Adolfo Machado Cunha. Dealing with counterpossibles: Impossible Worlds x Grounding. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

The aim of this dissertation is to establish a comparison and to make a point about the best solution to the semantic problem of trivialization of truths that arises with the stipulation of counterpossibles. With other words, what is the most adequate theoretical tool for building a reasoning that produces legitimate conclusions from impossible premises, avoiding the trivialization which results from ex falso quod libet. For this purpose, the “traditional” theoretical resource (impossible worlds) is presented, as its problems and objections as well. After that, the notion of grounding, its objections and the replies of their defenders are presented. A third moment is dedicated to showing how a hybrid solution that combines impossible worlds and grounding can work despite combining problems related to both resources. A solution based exclusively on grounding is then presented. Finally, I outline a comparison of these tools, concluding that the proposal for a solution based merely on grounding proves to be theoretically more advantageous and economical. Keywords: Counterpossibles. Impossible Worlds. Grounding. Metaphysics. Semantics.

(7)
(8)

1 MUNDOS IMPOSSÍVEIS ... 11.

1.1 INTRODUÇÃO E PLANO DE TRABALHO ... 11.

1.2 REALISMO MODAL E ERSATZISMO ... 17.

1.3 ESTRUTURA LÓGICA ... 20.

1.4 TIPOS DE MUNDOS IMPOSSÍVEIS ... 21.

1.5 USOS PARA MUNDOS IMPOSSÍVEIS ... 23.

1.6 MUNDOS IMPOSSÍVEIS E CONTRAPOSSÍVEIS ... 28.

1.7 CRÍTICAS AOS MUNDOS IMPOSSÍVEIS ... 35.

1.7.1 Vacuístas x não vacuístas ... 36.

1.7.2 Dificuldades advindas do critério de ordenação de mundos ... 39.

1.7.3 Os ônus teóricos da assunção de mundos impossíveis ... 41.

2 GROUNDING ... 45.

2.1 INTRODUÇÃO E PLANO DO CAPÍTULO ... 45.

2.2 UM HISTÓRICO DO CONCEITO DE GROUNDING ... 46.

2.3 COMO SE ESTRUTURA O GROUNDING ... 52.

2.3.1 Formulação ... 52.

2.3.2 Propriedades formais ... 53.

2.3.3 Primitividade ... 57.

2.3.4 Hiperintensionalidade ... 58.

2.3.5 Lógica de grounding ... 61.

2.4 PONTOS DE CONTATO ENTRE GROUNDING E OUTROS CONCEITOS 64. 2.4.1 Grounding, superveniência e essência ... 64.

(9)

2.4.4 Grounding e dependência ontológica ... 70.

2.4.5 Grounding e truth-makers ... 71.

2.4.6 Grounding e redução ... 73.

2.5 OBJEÇÕES AO CONCEITO DE GROUNDING ... 75.

2.5.1 Confusão entre grounding e noções afins ... 76.

2.5.2 Porque grounding pode ser considerado um free-lunch metafísico? ... 78.

2.5.3 Quanto à suposta incoerência do conceito de grounding ... 79.

2.5.4 Grounding carece de metodologia clara ... 84.

3 GROUNDING COMO SOLUÇÃO DO PROBLEMA DOS CONTRAPOSSÍVEIS ... 86.

3.1 INTRODUÇÃO E PLANO DO CAPÍTULO ... 86.

3.2 COMO GROUNDING PODE CONTRIBUIR NA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DOS CONTRAPOSSÍVEIS ... 86.

3.3 UMA CONTRIBUIÇÃO “CONSERVADORA”: APLICANDO GROUNDING COM A ASSUNÇÃO DE MUNDOS IMPOSSÍVEIS ... 90.

3.4 AFERINDO O GROUNDING* DE CONTRAPOSSÍVEIS SEM O AUXÍLIO DOS MUNDOS IMPOSSÍVEIS ... 100.

4 COMPARAÇÃO ENTRE AS SOLUÇÕES ... 106.

5 CONCLUSÕES ... 114.

(10)
(11)

OBJETIVO DA DISSERTAÇÃO E PLANO DE TRABALHO .

O objetivo da dissertação é tecer uma comparação e opinar positivamente acerca do melhor modo de se solucionar o problema semântico da trivialização da verdade surgido da estipulação de contrapossíveis. Em outras palavras, como lidar com problemas que surgem em sede de Semântica nas implicações cujos antecedentes constituem impossibilidades lógicas? Como solucionar em termos semânticos a trivialidade lógica da verdade que marca implicações que ostentam antecedentes impossíveis?

Como em termos lógicos clássicos ex falso quodlibet, ou seja, como do falso qualquer coisa se segue, foi necessário que se criassem soluções em sede semântica que evitassem a trivialização da verdade de inferências com premissas necessariamente falsas (o impossível não ocorre e não pode ocorrer em nenhum mundo possível) e que resultam sentenças ou proposições sempre verdadeiras.

Nesse sentido, será sempre verdadeiro concluir, a partir do fato de que de um dado objeto qualquer não é igual a si mesmo, que eu vestirei hoje uma camisa amarela. Esse fato é impossível (esse x não existe e não pode existir) e ainda que eu hoje esteja em verdade vestindo uma camisa de listras pretas e brancas, a sentença será verdadeira: na tabela de verdade do operador lógico da implicação os antecedentes falsos garantem a verdade das sentenças que os contêm, independentemente do valor de verdade do consequente (no caso, a parte da sentença onde é descrita a camisa que eu visto hoje). Por serem trivialmente verdadeiras, não é necessário investigar o valor de verdade dos consequentes para concluir algo quanto à verdade de tais sentenças: basta constatar a impossibilidade dos antecedentes.

Isso pode se tornar e de fato é um problema. Por vezes será útil investigar se entre antecedentes e consequentes há uma legítima relação de consequência e essa verdade constante impede que sejam detectadas inconsistências no raciocínio. O exemplo exaustivamente repetido em diversos artigos, “se Hobbes tivesse desenhado um círculo quadrado, as crianças famintas das montanhas da América do Sul teriam se assombrado” emerge intuitivamente falso já que as descobertas da geometria de séculos passados pouco poderiam impactar a vida dessas crianças. Por outro lado,

(12)

afirmar que “se Hobbes tivesse desenhado o círculo quadrado a comunidade científica dedicada à Geometria teria se assombrado” emerge intuitivamente verdadeiro, considerado o objeto das atividades das pessoas envolvidas com esse ramo da Matemática. No caso, a despeito de nossas intuições, ambas as sentenças são verdadeiras.

É que verdades trivializadas nada podem nos informar a esse respeito. Essa talvez seja a consequência mais grave da trivialização da verdade dos contrapossíveis: ela os torna semanticamente não informativos. Os consequentes (ou seja, aquilo que implicam) nada acrescentam para a detecção da verdade das sentenças ou proposições, que serão sempre verdadeiras. Para isso nada importará que esses consequentes sejam patentemente verdadeiros, possíveis ou absurdos.

O caso é que muitas vezes precisamos ou somos levados a argumentar com base em contrapossíveis, elaborando hipóteses para explicar fatos ocorridos à nossa volta, apresentando defesas de ponto de vista em argumentos ou mesmo causas na Justiça. Retomando o título, há pelo menos duas maneiras de lidar com essa dificuldade decorrente da trivialização. A primeira maneira de evitar essa trivialização dá-se com a postulação de mundos impossíveis, mundos onde o valor de verdade do antecedente impossível no mundo atual (e por isso sempre falso) pode variar. Outra forma recorrerá ao grounding, uma relação explicativa não causal, objeto de elaborações mais recentes em sede de Metafísica. Essa é proposta que será elaborada ao longo desta dissertação.

Passando ao plano de trabalho, no primeiro capítulo serão apresentados os mundos impossíveis (cuja elaboração em boa parte deriva daquela empreendida em torno de seus congêneres possíveis), seu histórico, os modos como se estruturam, suas características principais e algumas de suas aplicações, que embora não se limitem ao caso investigado neste texto, possuem nele seu principal uso. Chama-se a atenção do leitor para subseção atinente à realidade, abstração, ficcionalismo ou posição abstencionista quanto a tal aspecto dos mundos impossíveis, dadas as suas consequências teóricas.

A bibliografia relevante acerca do tema mundos impossíveis será abordada e na demonstração de como mundos impossíveis são utilizados para a resolução do problema da trivialização da verdade dos contrapossíveis. Dar-se-á uma exposição da discussão que travam não vacuístas como Brogaard e Salerno e vacuístas como

(13)

Williamson. Ao final da seção, e ainda servindo-se do debate mencionado, serão apresentadas as críticas que a solução preconizada pela ampliação do espaço modal para a acomodação dos mundos impossíveis suscita no que diz respeito ao critério de ordenação do espaço modal. Finalizando o capítulo, aborda-se seu custo ontológico em comparação com o ganho de expressividade que proporciona.

O segundo capítulo dedica-se a expor o que é grounding, sua origem remota e reelaboração moderna por Bolzano (seus traços “canônicos”), propriedades, formas de expressão, pontos de contato e diferenças em relação a outros conceitos utilizados em Metafísica e, finalmente as críticas que filósofos dirigem contra o conceito e as respostas que foram formuladas, com subseção dedicada a demonstrar suas vantagens teóricas. Grounding é contemporaneamente compreendido como uma relação explanativa de natureza metafísica marcada por ser antissimétrica, antireflexiva, transitiva e factiva, devendo-se entender quanto à última que admite entre seus relata apenas fatos.

No capítulo terceiro será exposto como grounding* (uso o asterisco para expressar uma variação não factiva que poderia jungir até mesmo possibilidades ou impossibilidades factuais) poderia contribuir para a solução do problema dos contrapossíveis. Uma primeira versão da solução apenas conjuga-o à utilização dos mundos impossíveis procurando fornecer densidade explanatória às implicações:

grounding* é utilizado como um critério de ordenação do espaço modal ampliado. A

segunda solução é apresentada sem a ampliação do espaço modal, evitando “reacomodações” em sede epistêmica e evitando a problemática implementação de um critério ordenador de mundos. No que se arrisca chamar de inovação trazida por este trabalho, grounding* é utilizado como relação única capaz de não só superar a trivialidade da implicação e junção de antecedentes impossíveis, como também de demonstrar a fundamentalidade ou não no que diz respeito às consequências que se pretendam deles extrair.

No quarto capítulo finalmente empreender-se-á uma comparação das soluções apresentadas, com vantagem para grounding. A primeira solução (“híbrida” por conjugar mundos impossíveis e grounding* como critério de ordenação de mundos) não será alvo de maiores considerações na medida em que representaria apenas a soma de dificuldades teóricas passíveis de levantamento em relação aos dois recursos, sem que de fato traga qualquer inovação àquilo que teóricos de mundos

(14)

impossíveis já fazem, cada um preconizando por uma forma distinta de ordenação do espaço modal.

Em favor da solução “pura” (embora com base no não factivo grounding*), o fato de que grounding se apresente como free lunch metafísico sem demandar a assunção ou introdução custosa de entidades fundamentais no conjunto de entidades necessárias para a solução, mais o fato de que não importa em reformas crescentes em outros ramos da Filosofia e sua hiperintensionalidade e capacidade de explicação em relação a qualquer solução baseada em cálculo modal. Um quadro comparativo encerra a seção sintetizando as diferenças encontradas.

Finalmente, no quinto capítulo são apresentadas as conclusões hauridas com a comparação empreendida no capítulo quatro, o que já se dera com base nas considerações havidas desde o início da dissertação.

(15)

1 MUNDOS IMPOSSÍVEIS

1.1 INTRODUÇÃO

Embora o tema da modalidade (na qual se inserem mundos possíveis e impossíveis) nos leve quase imediatamente à cogitação de situações que não ocorrem atualmente, nunca é demais lembrar que é justamente em busca de elucidar o mundo à nossa volta que ela tem origem. É parte da atividade humana diuturna rememorar o que se passou, o que agora ocorre, e como será o porvir. Em verdade muito pouco do que ocorreu, ocorre ou ocorrerá nos é dado a saber e a composição correta desses “quadros” nos exige combinar dados que reunimos com outros que podem variar enormemente. Em síntese, precisamos constantemente formular hipóteses.

Ao revolver informações acerca das coisas à nossa volta é necessário que imaginemos uma série de outras que com elas se combinam para nos dar uma correta noção de como as coisas se passaram (por exemplo, a autoria de um crime), como elas se dão atualmente (porque safras vêm diminuindo em uma região agrícola determinada) ou como ocorrerão (quais as consequências do resultado de uma eleição para a cotação das ações de uma companhia). Mundos possíveis e impossíveis são ferramentas úteis para a detecção da conformação de nosso mundo atual. Esse é seu uso mais intuitivo e “pedestre”. Há muito mais no que diz respeito à Filosofia. Imaginando os diversos modos como as coisas podem se dar, parece natural que elas se coordenem em uma totalidade (concreta ou abstrata), uma “face total do universo” que corresponderia a essa ideia geral de um mundo possível. Tais elucubrações há muito ocupam a Filosofia.

Hoje mundos possíveis são basicamente conceituados de três maneiras: somas mereológicas maximais espaço-temporais, conjuntos maximais consistentes de sentenças, proposições, estados de coisas, propriedades, ou histórias completas a respeito de como o mundo pode ser (Imaguire, 2014).

Embora o estudo do conceito de mundos possíveis tenha encontrado um desenvolvimento exponencial e evidente a partir dos anos 60 do século XX, fato é que o tema se encontra sob o olhar de filósofos pelo menos desde a Grécia Antiga. Mundos possíveis possuem uma história que remonta de um lado, aos atomistas gregos como Leucipo, Demócrito e Epicuro (séc. V a.C), e de outro, ao filósofo cristão

(16)

Orígenes (séc. III d.C), com contribuições relevantes dos escolásticos na Idade Média e, modernamente, com a obra de Leibniz1. Enquanto os primeiros cogitavam a

realidade de outros mundos coexistentes com o nosso e sua estrutura, Orígenes especulava sobre a possibilidade de Deus criar mundos outros, seu grau de perfeição (inferioridade / superioridade) sua ordem de aparecimento e extinção e mesmo as contrapartes e seu comportamento possivelmente desviante em relação aos indivíduos aqui existentes. Já Leibniz sustentava que a mente infinita de Deus era a sede dos diversos mundos possíveis, dos quais apenas o melhor fora escolhido para alcançar a realidade.

O desenvolvimento contemporâneo do conceito se deve aos estudos empreendidos em Lógica Modal. Mundos possíveis são imprescindíveis para os cálculos que aí tomam lugar, expressos em fórmulas que se servem dos operadores adverbiais da necessidade ( box) e possibilidade ( diamond).

A ideia geral por trás da utilização de tais operadores é a de quantificadores de mundos possíveis. Deste modo a expressão P (P é necessário) está a indicar a verdade de P em todo mundo possível. Por outro lado, a expressão P indica que existe pelo menos um mundo possível em que P é verdadeiro.

Grosso modo, a utilização dos mundos possíveis possui três grandes funções: fornecer uma análise (evitar que se tome algo como primitivo) no que diz respeito às intensões de expressões modais2; prover extensionalidade às proposições modais

(estabelecendo uma “metaregra” que preserva o princípio da eliminação de termos sinônimos – identidade salva veritatae - para essas proposições)3; prover uma

1 Investigações sólidas sobre o histórico do conceito de mundos possíveis são encontradas no artigo de Steven J. Dick (1991) e Hans Burkhardt (2010).

2 No que diz respeito a intensões de expressões modais, tem-se intuitivamente que ser possível corresponde a ser verdadeiro em pelo menos um mundo possível e ser necessário, verdadeiro em todos os mundos possíveis.

3 Para ilustrar o problema e como ele se resolve com o auxílio de mundos possíveis adaptamos o exemplo fornecido por Christopher Menzel (2017). Por salva veritatae devemos entender a regra de eliminação de identidade. Basicamente ela indica que se dois termos ou expressões apontam para um mesmo objeto, eles podem substituir um ao outro livremente nas sentenças em que ocorrem sem variação do valor de verdade. Isso pode levar a produção de sentenças falsas em termos modais, como veremos a seguir. Digamos que João possua como pets apenas dois cães, a saber Totó e Lulu. Diante disso podemos asserir verdadeiramente que: Todos os pets de João são cães. Falsearíamos ao asserir que: Nem todos os pets de João são cães. A substituição dos termos todos os pets de João por todos os cães de João e vice versa preserva a verdade ou a falsidade das sentenças. No entanto, não se poderá fazer o mesmo com sentenças modalizadas, já que no exemplo dado as expressões ‘todos os cães de João’ e ‘todos os pets de João’ não possuem mais a mesma referência. Como a Lógica Modal é intensional, asserir por exemplo que: Necessariamente todos os pets de João são cães leva-nos a

(17)

explicação para a distinção de re / de dicto4, embora neste particular tenha sofrido

severas críticas de filósofos como Kit Fine (1994).

No que diz respeito ao estatuto ontológico de tais mundos destaca-se a posição realista de David Lewis, agrupando-se em outro grupo as concepções abstracionistas que os definem como conjuntos maximais consistentes e compossíveis de proposições, sentenças ou estados de coisas (exemplo de tais concepções é David Armstrong, que vê mundos possíveis como recombinações e rearranjos de simples metafísicos, estados de coisas wittgensteinianos).

Bem, do mesmo modo como intuitivamente imaginamos modos e mais modos como o mundo poderia ter sido no passado, como ele se organiza presentemente e como será no futuro, também imaginamos, muitas vezes sem consciência, maneiras impossíveis de conformação do mundo à nossa volta. Por exemplo: A. se a composição da água ao invés de H2O fosse XYZ até meados do século XV; B. se a

composição da água fosse hoje XYZ; C. se a composição da água se alterasse para XYZ a contar 2 anos a partir de hoje. Nossa imaginação nem sempre dá conta de perceber impossibilidades. Embora imagináveis, esses e outros exemplos podem refletir impossibilidades.

Note-se que essas impossibilidades podem assumir diversos “matizes”. A princípio serão impossibilidades lógicas aquelas que contrariem leis da Lógica Clássica. Impossibilidades nômicas aquelas que infrinjam leis da Natureza; metafísicas aquelas que ventilem impossibilidades ainda mais fundadas, como a da reflexividade da igualdade. De modo geral, pode-se tomar esses três grande conjuntos

uma falsidade. João poderia ter como pet também algum pássaro, por exemplo. Com o recurso a mundos possíveis, é estabelecida uma metaregra que indica se a sentença marcada pelo box da necessidade é verdadeira (no caso em que ela é verdadeira em todo mundo possível) ou meramente possível (no caso em que ela é verdadeira em pelo menos um mundo possível).

4 Os operadores modais da necessidade (, ou “box”) e da possibilidade (, “diamond”) a princípio servem para indicar as hipóteses em que há uma modalidade de dicto (para se referir a toda a proposição), casos em que eles antecedem toda uma sentença logicamente composta (Por exemplo, ‘Necessariamente existe uma última carta nessa pilha’) ou são utilizados como prefixo de uma sentença logicamente simples mas se ligam à propriedade de uma dada sentença, como por exemplo sua verdade (‘É necessário que o número de planetas seja maior que sete’); de re (referindo-se ao ente que figura como sujeito da sentença) para indicar o modo como o sujeito de uma sentença logicamente simples instancia uma dada propriedade (‘Existe uma carta que é necessariamente a última da pilha’ ou ainda ‘O número de planetas é necessariamente maior que 7’). No entanto, ainda é possível que restem ambiguidades em expressões tais. No caso das modalidades de dicto deve ser detectado o fato ou estado de coisas que ela descreve para então detectar sua verdade em cada um dos mundos do domínio em questão; nas modalidades de re deve ser aferido se o indivíduo instancia ou não a propriedade em todos ou em alguns mundos onde ele existe, o que pode levar ao compromisso suplementar com sua identidade transmundana.

(18)

num diagrama de Venn onde as impossibilidades metafísicas constituem um conjunto que contem os outros dois, ocupando aquele formado pelas impossibilidades físicas como um conjunto intermediário que contem, por sua vez, o conjunto de impossibilidades lógicas.

No entanto, reprise-se que cálculos modais são essenciais em nossa vida prática já que fornecem orientações úteis para desvendar como as coisas podem ou não ter ocorrido no passado; como devemos agir presentemente ou planejar como nossas ações futuras.

No que diz respeito às impossibilidades e inconsistências, tais cenários podem ou não ser fantásticos, embora a ficção seja sem dúvida um campo fértil para concepção de impossibilia: tapetes que voam, espelhos e bichos falantes, etc.. Também ao postularmos soluções para problemas vários acabamos por vezes incorrendo em outras inconsistências. Discutindo versões para episódios em uma causa na Justiça ou suscitando teses próprias do Direito isso também pode ocorrer5.

As impossibilidades estão arraigadas em nosso linguajar do mesmo modo como as “inocentes” possibilidades. Muitas vezes será difícil diferenciá-las, outras tantas vezes isso pode ser simplesmente impossível para mentes finitas6. Quantas vezes

cogitamos o rumo que os acontecimentos poderiam ter tomado caso tivéssemos decidido e agido de um modo distinto no passado? Mas seriamente, será que examinamos a fundo a possibilidade de tais hipóteses frente ao conjunto das circunstâncias?

A postulação de mundos possíveis (e ao seu modo, como veremos também, de mundos impossíveis) é um passo além da simples cogitação de possibilidades.

5 Por exemplo, é muito comum durante a inquirição de testemunhas indagar das mesmas a versão para os fatos que presenciaram e, logo após, a distância das mesmas em relação às ocorrências com o simples objetivo de aferir se lhes seria possível realmente descrever alguns dos detalhes que narram ao juízo ou identificar as pessoas supostamente envolvidas. Em termos puramente jurídicos, o debate pode se dar sustentando que o suporte legal invocado sob determinada interpretação é inconstitucional. Fazem parte da atividade agonística judicial tanto a desconstrução do fato brandido que se mostre falso (para nossos fins impossível), quanto a invalidade da tese defendida (inconsistência da interpretação fornecida para um dado diploma legal frente e alguma norma constitucional), o que também leva ao juízo de sua impossibilidade.

6 Digamos que no interesse de afastar de si uma suspeita, alguém afirme que no momento de um crime estaria em local distinto da ocorrência. Caso falsa tal alegação, talvez até corroborada por outros depoimentos, simplesmente se mostrará inconsistente com uma série de outros fatos verdadeiros ocorridos em nosso mundo. Uma mente finita, no entanto, com conhecimento de apenas um pequeno número de fatos que compõem a realidade, talvez não seja capaz de detectar a inconsistência da alegação em relação ao conjunto.

(19)

Com eles, é possível não só falar de hipóteses, mas compará-las, quantificá-las e tipificá-las relacionando-as com outros fatos e / ou estados de coisas. Proposições, universais, objetos podem ser definidos em função de um conjunto de mundos possíveis em que são verdadeiros, recurso utilizado largamente em Metafísica como aponta Greg Restall (1997), que define uma proposição a partir dos mundos possíveis onde ela é verdadeira.

Há muito que se detectou que o intuitivo recurso a mundos possíveis, embora de fácil assimilação e utilização para situações várias em Filosofia e outros ramos da ciência, traz consigo dificuldades. Se encarados de um ponto de vista realista, mundos possíveis não podem se resumir à estipulação de cenários em que se instanciam certos fatos ou proposições: um mundo possível deve ser maximamente consistente e os fatos e proposições fixados possuem implicações inúmeras, talvez infinitas7. Se

concebidos de um modo extensional, como uma coisa, mundos possíveis são entidades inteiramente determinadas como somas mereológicas ou estados de coisas maximais.

Um mundo possível deve exibir a compossibilidade de todos os fatos ou estados de coisas nele verdadeiros. Esse cálculo, como já dito, está fora do alcance de mentes finitas e não seria possível dizer de antemão se a alteração de um determinado fato ocorrido no mundo atual leva ou não a problemas de consistência, ou mesmo infringência de leis da natureza, embora em alguns casos isso possa se revelar de plano. Guido Imaguire (2010, págs. 239/240) ressalta algumas dessas perplexidades:

Thus, in constructing possible worlds we must not only exclude logical, but also material impossibilities and material inconsistencies. Take e.g. ―a is the 7 Nicholas Rescher (2010) bem assinala o problema: “Moreover, a possible world must as such be

consistent: the “possibility” at issue demands logical coherence and any descriptive statement about such a world or its constituents cannot be both true and false. (The Law of Contradiction must also apply.) If, as Ludwig Wittgenstein maintained, the real world is the totality of actually existing state of affairs, then a merely possible world would presumably have to be a suitably comprehensive (“saturated”) totality of mutually compossible albeit inexistent states of affairs.

But now comes the problem. For, unfortunately, we cannot actually manage to identify such a totality. Consider a state-of-affairs indicated by such a claim as “The pen on the table is red”. An item cannot just be red: it has to be a definite shade of red generic redness will not do). Nor is it a state of affairs that “There are two or three people in the room” that state of affairs has to make up its mind. Nor again is it a state of affairs that “The butler did not do it” - it has to be a particular somebody — being the wicked gardener, say — who did the specific thing that a state of affairs requires. Alas — no matter how much we say, the reality of concrete particulars will go beyond it. As regards those merely possible worlds, we simply have no way to get there from here.” – (pgs. 202/203).

(20)

father of b and b is older than a. I suppose nobody would accept that both propositions are compossible, although it is not a logical contradiction (in the strict sense) and not false by means of meaning. When this is correct, we cannot be sure about our natural modal intuitions. Just like water must be (identical with) H2O, maybe horses cannot be blue, as we naturally think, because to be a horse is (identical with) having the genetic structure XY, and to have the genetic structure XY is (identical with) having the phenotypic structure YZ, and to have the phenotypic structure YZ is (identical with) having the skin structure WY, and to have the skin structure WY is (identical with) reflecting black, white or brown light. Note that all the identities in this chain are nomological, not casual. To sum up, we cannot know which maximal combinations of states of affairs are genuine possible worlds until natural science has finished all investigation.

Numa definição curta e extensional (intensionalmente, como já antecipado,

eles correspondem a modos como o mundo pode ser), mundos possíveis são estados de coisas maximais ou somas mereológicas maximais, a dizer que eles refletem todos os estados de coisas compossíveis atinentes a todos os objetos neles incluídos. Eles devem ser totais, completos e desprovidos de inconsistências. Isso definitivamente não ocorre com os mundos impossíveis objetos de nosso estudo, que podem ser caracterizados pela incompletude, inconsistência ou ambas.

Essa conceituação transmite uma visão realista de mundos possíveis, composições mereológicas de objetos espaço-temporais. No entanto, como bem apontado por Daniel Nolan (forthcoming), essa não é a concepção da maioria dos filósofos que se dedicam ao tema. É muito mais comum tratar mundos possíveis como entes abstratos, sejam conjuntos de sentenças, de proposições, estados de coisas maximais ou entes abstratos sui generis. O mesmo ocorrerá com os mundos impossíveis.

Dito isso, talvez possamos enxergar as três hipóteses acima lançadas (A. se a composição da água ao invés de H2O fosse XYZ até meados do século XV; B. se a

composição da água fosse hoje XYZ; C. se a composição da água se alterasse para XYZ daqui a 2 anos) como meras possibilidades com outros olhos. Será que os fatos todos que levam à verdade desses estados de coisas são compossíveis, e assim há mundos possíveis onde eles ocorrem? Por exemplo, no que diz respeito a situações futuras (e aqui assumindo que o futuro não esteja já dado desde sempre), o que deve ser coordenado para torná-las verdadeiras? Haveria um mundo possível onde ocorrem todas as condições necessárias para isso?

Mais que chegar a essa certeza (talvez fora de nosso alcance), necessário e mais útil é verificar se entre os antecedentes e consequentes de implicações que se

(21)

baseiem nessas hipóteses há uma relação legítima de implicação. Como não nos é dado saber e alcançar tudo o que corrobora para a verdade da consequência talvez nos caiba pelo menos aferir sua relação com o antecedente. Em outras palavras, ainda que estejamos diante de assertivas impossíveis, de inconsistências evidentes, mostra-se útil ainda assim tentar constatar a legitimidade dos argumentos que delas se servem.

1.2 REALISMO MODAL E ERSATZISMO

A literatura atinente a mundos impossíveis de certa forma segue aquela formada acerca dos mundos possíveis quando trata de seu estatuto ontológico (o que levou à formulação da Tese de Paridade, a postular que não há motivos para considerar diferenças neste particular entre os mundos possíveis e seus congêneres impossíveis).

Nesse sentido há quem, seguindo Lewis, defenda a realidade de tais mundos. É o caso, por exemplo, de Takashi Yagisawa (1988)8. Nos moldes de seus congêneres

possíveis, mundos impossíveis seriam somas mereológicas maximais formadas de objetos concretos como o é nosso mundo atual, mundos inacessíveis espaço-temporalmente. Outro autor referido como realista por Francesco Berto e Mark Jago (2019) é Kris McDaniel (2004). Sua versão do realismo modal é apontada como vantajosa em relação ao realismo lewisiano e àquele preconizado por Yagisawa, na medida em que poderia superar o postulado da exportação9 de forma menos

8 Embora tenha posteriormente tenha mitigado sua tese realista acerca dos mundos impossíveis, Yagisawa (1988) concluía: “(...); I have argued for a conditional thesis: If modal realism is to be accepted

at all, we should not stop with the Lewisian modal realism, but go all the way and accept the extended modal realism. I shall leave it to the readers to decide whether this conditional should be used as the first premise of the modus ponens or the first premise of the modus tollens”. Mais recentemente, ainda

recusando teses abstracionistas acerca de mundos impossíveis, o filósofo refere-os como “pontos no espaço modal”, sem com isso indicar que possuam uma estrutura espaço-temporal semelhante à do mundo atual.

9 Diz-se da exportação: Se um mundo w representa algo como sendo F, então algo é F. Na medida em que esse mundo w é real, como F faz parte de w, de acordo com a transitividade da relação parte-todo a propriedade F é também ela parte da realidade. Quanto pensamos que w pode ser um mundo impossível o problema mostra-se mais evidente. F pode ser a propriedade de ser circular e quadrilátero ao mesmo tempo.

(22)

complexa do que é proposto por este último10 ao tornar as propriedades de um

particular sempre relacionadas a um dado mundo (possível ou impossível).

Também à semelhança da literatura acerca de mundos possíveis, a maioria dos autores figura-os abstratamente. Como afirmado por Saul Kripke acerca dos mundos possíveis em Naming and Necessity, os mundos impossíveis não passariam de estipulações, jamais planetas ou realidades estranhas que poderíamos observar com nossas “lentes e lunetas filosóficas”. Mundos impossíveis poderiam assim ser considerados como conjuntos incompletos e/ou inconsistentes de proposições (Robert M. Adams) ou sentenças (Rudolf Carnap e Richard Jeffrey); estados de coisas particulares (Alvin Plantinga) ou simplesmente propriedades maximais (Robert Stalnaker) que refletiriam sua incompletude e / ou inconsistência. Mundos ersatz (no sentido de que são “peças de substituição”) são abstrações que não incorrem em nenhum custo teórico por não possuírem realidade fora das ideias; são meras estipulações, sendo digna de nota a clássica crítica de Lewis (1986). Anote-se que as diversas noções ersatz de mundos possíveis receberam críticas de Lewis. Por extensão, elas também se aplicariam ao entendimento de que mundos impossíveis também são abstratos. O seguinte trecho sintetiza as dificuldades que ele entrevia no abstracionismo:

Ersatzism is indeed attractive. I must agree that the ersatzers have the advantage in agreement with common sense about what there is, and this is an advantage well worth having. And their abstract ersatz possibilia can indeed do much of the work of the real thing. But I insist that they pay a high price. I cannot say, once and for all, what the price is; because ersatzism comes in different versions, which have different advantages and different drawbacks. I do not offer any serious objection that applies across the board. But I do claim that each version, in its own way, is in serious trouble. In different ways for different versions, the ersatzers must resort to primitive facts where genuine modal realists can offer analyses; or their ways of making ersatz worlds distort the facts of modality; or their ontology is after all not so safe and sane. On balance, I think ersatzism is somewhat worse than the genuine modal realism that I favour. Paradise on the cheap, like the famous free lunch, is not to be had. Make of this what you will. Join the genuine modal realists; or forsake genuine and ersatz worlds alike. (LEWIS, 1986a, pgs.

140/141)

Esse aspecto da realidade ou abstração dos mundos impossíveis ainda comporta teses intermediárias como as de Berto e Jago (basicamente rompendo com

10 Yagisawa propõe que as propriedades de um particular sejam relacionadas a seus estágios temporais num contexto tetradimensionalista, com a previsão de quatro tempos modais.

(23)

a Tese da Paridade para ser realista no que diz respeito a mundos possíveis e recorrendo a uma explicação ersatz acerca de mundos impossíveis, conjuntos de proposições ou sentenças) e Edward Zalta, que os considera como situações máximas não possíveis, objetos abstratos codificando11 estados de coisas não

possíveis.

Há ainda o extremo ficcionalista que recusa qualquer realidade aos mundos impossíveis por considerar impraticável a assunção de qualquer custo ontológico advindo de sua inserção no rol de objetos da Metafisica. Ao nos referirmos a mundos impossíveis apenas discursaríamos como se eles mundos fossem, como se objetos fossem, mas apenas por conta de sua utilidade. Não haveria motivo fundado para lhes atribuir qualquer traço de efetiva existência, concreta ou mesmo abstrata. Esse modo de lidar com a não-realidade de mundos (tanto possíveis quanto impossíveis) está longe de evitar críticas, e elas não se limitam àquela dirigida por Lewis e acima transcrita.

Ficcionalistas em síntese sustentam a verdade de afirmações modais restringindo-as ou simplesmente “etiquetando-as” como “verdadeiras no contexto de uma ficção”, mas com isso pretendem extrair todas as consequências advindas da verdade daquilo que é assim asserido. Parece difícil evitar que a utilização de expressões como “é possível que” ou “é necessário que” não extrapolem o âmbito da ficção para adquirir alguma autonomia ontológica. Afinal, se é afirmada a possibilidade ou a necessidade que algo ali exista, assim deve ser tomado. No caso, como existente. Se esse algo é mundo ou qualquer impossibilia, parece que o ente cuja existência pretendia-se evitar retorna de outro modo à ontologia.

Berto e Jago (2019) apontam ainda que na medida em que é recusada a existência de mundos, também não poderiam existir quaisquer “construções” a partir dos mesmos, como proposições, significados e outras noções de conteúdo semântico, a não ser que seja recusada também a existência de proposições e noções tais. Essa estratégia também não seria capaz de resolver a questão como indicam os autores citados:

11 Codificar significa a relação simples da cópula (x é P) a indicar que x é determinado pela propriedade P, mas ainda assim não se trata de uma relação de instanciação. Zalta sustenta que há uma relação especial de predicação entre os termos.

(24)

This may be a worrying conclusion to draw. If truth is a property which attaches to propositions, as many philosophers hold, but there are no propositions, then there are no truths. That can’t be right. Similarly, some sentences have the same meaning: ‘raccoons like to somersault’ and ‘procioni piace capriola’ have the same meaning. But if they have the same meaning, then they have a meaning. Some thing is their meaning, shared between the two of them. This puts fictionalism about worlds in an awkward position. Either they deny that there are propositions, meanings, and so on, or else they accept that they exist and analyse them in some other way, without using worlds. But this undercuts much of the motivation for talking about worlds in the first place. – (BERTO e JAGO, 2019, pg. 71)

Finalmente, cumpre trazer à lume a posição abstencionista a respeito de mundos possíveis, que pode igualmente ser aplicada a mundos impossíveis dado o seu paralelismo. Ela não é mencionada na recente obra de Berto e Jago (2019), mas aparece no trabalho de John Divers (2002). O autor indica-a como ainda mais radical que o antirrealismo, identificando-a como aquela adotada por filósofos que recusam a simples utilização do recurso a mundos possíveis, e que, para as finalidades deste trabalho, também pode ser levada aos congêneres impossíveis.

Aqueles que simplesmente não se utilizam dos mundos podem recusar-se a fornecer qualquer explicação teórica ou atribuir-lhes estatuto ontológico, já que os cálculos modais que empreendem prescindem dos mesmos.

O tema acerca da realidade ou não de mundos impossíveis é muito rica, e como já afirmado, cresce e se beneficia do debate havido acerca da realidade de mundos possíveis. A exposição aqui encetada de modo algum esgota todas as nuances encontradas nos numerosos trabalhos acerca do tema, melhor explorado nas duas obras já mencionadas, como sejam as de Berto e Jago (2019) e Divers (2002).

1.3 ESTRUTURA LÓGICA

Há ainda outro modo de encará-los, não apenas do ponto de vista da

concretude (realismo modal) ou abstração. Alguns filósofos consideram como mundos (possíveis ou não) apenas aqueles que constituam uma interpretação de uma lógica, ainda que não clássica, como as lógicas intuicionista e paraconsistentes (partindo da premissa de que apenas a Lógica Clássica é a correta, os mundos que atendam a outras variantes seriam assim impossíveis). Para esses filósofos mundos impossíveis devem estar fechados sob uma lógica qualquer que lhes impõe uma certa estrutura (basicamente as condições de verdade para os operadores da conjunção, disjunção

(25)

e quantificadores e relações de acessibilidade devem ser semelhantes àquelas dos mundos possíveis). Esse requisito de estruturação é conhecido como australasiano, já que a maior parte dos filósofos que assim concebem o tema (Greg Restall, Edwin Mares, Lou Goble e Graham Priest) está ligada a universidades da Oceania.

De outro lado, há a concepção americana de mundos impossíveis (American

stance, capitaneada entre outros por Vander Laan e Edward Zalta) que tem nos

mundos impossíveis modos como as coisas não podem ser, nada mais estabelecendo como requisito de sua estipulação. Não há necessidade de seu fechamento sob qualquer espécie de lógica, o que enseja a concepção de mundos impossíveis anárquicos, mas que servem para retratar cenários relevantes de estudo (conjuntos de crenças e tantos outros).

Embora a princípio mesmo sem cogitar um fechamento lógico para esses mundos seja possível traçar princípios mínimos que os coordenem12 , resta

contraintuitivo estabelecer uma limitação do que eles podem ou não infringir em termos de lógica. Afinal, se eles se caracterizam pela impossibilidade, como crivar um limite? Esses princípios parecem igualmente contrários aos mundos impossíveis que refletem conjuntos de crenças e proposições epistêmicas, e que “não caberiam” nos lindes derivados desses princípios.

1.4 TIPOS DE MUNDOS IMPOSSÍVEIS

O tema comporta e merece refinamento no âmbito deste trabalho embora não seja seu objeto principal. Conforme anotam Berto e Jago (2018), uma primeira maneira de concebê-los é como maneiras como as coisas não podem ser, um antônimo da concepção intensional de mundos possíveis. E como já dito, esse modo de conceber mundos impossíveis prescinde de uma estruturação lógica, e se adequa à dita postura americana diante do tema.

Uma segunda maneira de conceber mundos impossíveis é a de identificá-los como membros de um conjunto de mundos onde as leis de qualquer Lógica falham.

12 Nesse sentido há toda uma seção (4.1 The Granularity Issue) em Berto e Jago (2018), que deriva de alguns princípios concebidos por Nolan (1997) e Priest (2016) a conclusão de que mundos impossíveis são em geral governados por lógicas paraconsistentes, por não atendem ao comportamento padrão para o operador da conjunção, disjunção e dupla negação.

(26)

É claro que isso nos leva ao problema de qual Lógica adotar, mas de todo modo não se deixa de traçar um limite claro sobre o que é possível e o que é impossível. Ela não deixa de representar uma redução em relação ao primeiro modo mais frouxo de defini-los.

Seguindo, pode-se ainda conceber mundos impossíveis como aqueles que não atendem às leis da Lógica Clássica, com o que preenchemos o questionamento surgido no parágrafo anterior acerca de qual o paradigma de Lógica que deveria ser adotado para traçar a impossibilidade. Como bem apontado por Berto (2013), mundos que atendessem às leis de uma Lógica Intuicionista 13 estariam relegados à

impossibilidade por não atenderem à Lei do Terceiro Excluído, embora possuam um fechamento próprio.

Finalmente, a mais específica das definições tem os mundos impossíveis como aqueles que instanciam contradições lógicas específicas, estados de coisas ou sentenças frontalmente contraditórias (P ^ ¬P), infringindo a Lei de Não Contradição. Essa simples característica já seria suficiente para extremar mundos possíveis dos impossíveis.

Frise-se que há outros modos de traçar o limite entre possibilidade e impossibilidade, ou graduar cada um dos dois domínios. Pode ser interessante para um cálculo modal determinado que se leve em conta leis da Matemática ou da Física. As impossibilidades que, por exemplo, podem ser apontadas em sede de Biologia, não levarão necessariamente a impossibilidades químicas ou físicas. Assim, um mundo biologicamente impossível pode perfeitamente ser possível no que diz respeito à Física, desde que respeite suas leis naturais. No que diz respeito à Metafísica parece impossível negar a reflexividade e transitividade da igualdade (necessariamente a = a; necessariamente, se a = b = c então a = c).

13 A Lógica Intuicionista é resultado dos esforços de Heyting a partir do programa de Brower para a Matemática, surgido no início do século XX. Este primava pela sua construção a partir de demonstração de existência de seus objetos. Por conta disso, importa para a compreensão do texto que a Lei do Terceiro Excluído (P ˅ ¬P) não a integra já que pretende expressar uma verdade sem qualquer acesso ao significado dos termos envolvidos e, sobretudo sem cogitar sua demonstrabilidade, a demonstração é dispensada para a conclusão de sua efetiva ocorrência. Não precisamos investigar a ocorrência seja de P ou de ¬P para concluir no sentido de sua verdade à luz de tal lei: a sentença ´P ˅ ¬P´ em linguagem natural equivale a algo como “chove ou não chove”, o que na prática nos dispensa de ir à janela para concluir pela verdade. A Lógica Intuicionista não a adota, aí enxergando um elemento do platonismo que pretende superar.

(27)

Em verdade, os campos se transmutam nesses casos a depender do enfoque do estudo (Nolan, 2011), sendo certo que o debate acerca dos mundos impossíveis emerge muito marcado pelos critérios da Lógica, como vimos ao longo desta seção. Entender se tais critérios são eficazes para de fato estabelecer um “corte” radical na realidade e extremar o possível do impossível de modo absoluto não é pretensão do presente trabalho.

1.5 USOS PARA MUNDOS IMPOSSÍVEIS

Qual o propósito de se postular mundos impossíveis? Sua primeira função, singela, seria a de retratar modos como as coisas não podem se dar no mundo. E nisso mais uma vez mimetizam o uso mais difundido para os mundos possíveis. Mundos impossíveis são estipulações necessárias para a descrição de modos como as coisas não podem ser. Eles “emolduram” estados de coisas que contrariam por exemplo a Lógica ou leis próprias de determinado campo do conhecimento (natural ou humano); outras tantas vezes são sedes de situações aventadas em obras de ficção.

Mas não só. Mundos impossíveis também trazem vantagens teóricas por propiciarem uma série de recursos de expressão lógica e semântica, quantificações e cálculos modais que não estariam disponíveis sem eles. E isso compensaria a estranheza evidente de sua postulação.

Lógicas outras além da Clássica deles se beneficiam diretamente. Uma primeira derivação nesse sentido foi empreendida por Kripke (1965), com a introdução de mundos “não-normais”, fechados sob sistemas lógico-modais onde o box da necessitação falha. Nesses mundos enquanto todas as fórmulas box mostram-se falsas, todas as fórmulas diamond são verdadeiras. Em resumo, nesses mundos nada é necessário e tudo é possível. Seu comportamento é díspar em relação aos mundos governados pela Lógica Clássica do ponto de vista modal.

Os estudos de Rescher e Brandom inicialmente publicados a partir de 1980 levaram à formulação de uma semântica adequada para mundos anormais, sejam eles inconsistentes (onde uma proposição P e sua negativa são verdadeiras) ou incompletos (onde nem P e nem P sequer possuem um valor de verdade) obtidos

(28)

com a combinação de mundos possíveis distintos entre si através de funções recursivas denominadas esquematização e superposição.

A esquematização de dois mundos possíveis (digamos m1 e m2) em outro

mundo seleciona os estados de coisas / proposições que ocorram ou sejam verdadeiras tanto em m1 como em m2, o que levará a incompletudes se esses mundos

diferem entre si. Nada garantirá que suas diferenças (digamos que Q ocorra em m1

mas não em m2) possuam valor de verdade. O resultado da esquematização (um

conjunto interseção de sentenças e proposições entre m1 e m2) estará desfalcado das

sentenças e proposições que perfazem as diferenças, sendo assim incompleto. A superposição pode levar a inconsistências na medida em que ela resulta de uma grande “união dos conjuntos” (de sentenças, proposições, estados de coisas ou objetos espaço-temporais) nos quais podem ser “traduzidos” m1 e m2. Suas

dessemelhanças podem ser a fonte de tais inconsistências, já que em um dos mundos P pode ser verdadeiro e no outro, sua negação P pode ser verdadeira por exemplo. O mundo resultante da superposição de m1 e m2 possuirá tanto P como P

verdadeiros, sendo assim inconsistente.

Berto (2013) assinala que enquanto os mundos não normais de Kripke possuem um comportamento desviante em relação à modalidade, os mundos de Rescher e Brandom possuem um comportamento desviante em relação ao operador da conjunção, o que os torna não adjuntivos: o fato de que P e Q neles ocorram (ou sejam verdadeiros se os interpretarmos como proposições) não nos autoriza a concluir pela ocorrência ou verdade de P  Q. Anárquicos e bizarros, podem ter como verdadeiro P  Q embora nem P e nem Q neles sejam verdadeiros; P e P também podem ser verdadeiros embora, como já dito, P  P disso não se siga, diante da não adjunção. Eles se inserem num conjunto de mundos coordenados por lógicas paraconsistentes e bem se destinam a lidar com conjuntos de dados inconsistentes. Lidar com fontes que emitem dados conflitantes entre si é uma operação comezinha em termos de pesquisas e outras atividades humanas. Pensemos por exemplo em um juiz que precisa detectar a dinâmica de um acidente de trânsito e com esse objetivo ouve testemunhas que relatam os fatos de modos distintos: o autor que buscasse uma reparação e para isso se valesse de dados inconsistentes poderia prosperar em sua pretensão?

(29)

A distinção com relação ao comportamento dos operadores lógicos na Lógica Clássica é ainda maior nas chamadas estruturas de Rantala (1982a). A motivação da proposta foi a de construir estruturas interpretativas das crenças de agentes epistêmicos finitos que, conscientemente ou não, podem possuir crenças incompatíveis entre si e que não acessam todas as consequências ou desdobramentos daquilo que sabem ou simplesmente acreditam. Esses agentes epistêmicos podem ser seres humanos ou protótipos de inteligência artificial, e essa é outra vantagem de postular mundos impossíveis: eles podem refletir bem os estados intencionais desses agentes epistêmicos que encontramos em cada esquina...

De fato, seus conjuntos de crenças encontram ou podem encontrar seus modelos14 em mundos impossíveis. São mundos não fechados logicamente e

inconsistentes, onde os valores de verdade das diversas proposições são atribuídos atomicamente a cada uma delas e nos quais as proposições resultantes de sua combinação de acordo com os operadores lógicos possuem valor de verdade também atribuído arbitrariamente. Normalmente rejeitamos impossibilidades patentes nos nossos conjuntos de crenças: que 1+1 não seja igual a 2 é um caso óbvio. No entanto, tendemos ao equívoco e contradições em numerosos outros assuntos, por exemplo acerca de coisas com as quais não possuímos competência técnica (alguém que não seja matemático por formação pode crer que o último teorema de Fermat seja falso: eu só descobri que Fermat tinha sido matemático ao escrever este texto) ou que não são compatíveis entre si quando tomadas em conjunto (o exemplo de David Lewis replicado por Restall (1997): acreditar que uma dada via Nassau tinha o sentido leste-oeste; que uma ferrovia a ela próxima tinha o sentido norte-sul; finalmente que as duas eram “mais ou menos” paralelas). Isso para não arrolar a enorme lista de contradições que Sócrates fazia com que seus interlocutores incorressem ao longo da extensa obra de Platão...

Lógicas relevantes15 também podem gerar mundos impossíveis para tentar a

resolução dos problemas da relevância da implicação. Duas estratégias são adotadas

14 Possuir modelo nesse caso significa expressar uma interpretação segundo a qual todas essas crenças são verdadeiras.

15 Por lógicas relevantes devem ser entendidos os sistemas de lógica que procuram dar à operação de implicação uma conformação de relevância, de modo que se P Q, Q deve se seguir relevantemente de P e não por força de sua necessidade ou da falsidade (necessária ou contingente) do antecedente. Diferenciar o que se segue relevantemente ou não de algo pode ser definido pelo contexto ou simplesmente com a investigação do conteúdo daquilo que é asserido, o que a princípio não importaria

(30)

para tanto. No que diz respeito ao valor de uma verdade de uma implicação (P Q), é possível fazê-lo depender de uma relação R de acessibilidade16 ternária. Para um

dado mundo w a tal proposição será verdadeira, se e somente se P for verdadeiro em um dado mundo a ele acessível w1, e Q for verdadeiro em outro mundo também

acessível w2. Os antecedentes e consequentes da implicação fornecem seus valores

para a tabela de verdade do operador a partir de mundos possíveis acessíveis ao mundo onde a proposição é expressa.

Formalizando17 o operador da implicação (→):

vw(P → Q) = 1 sse, para todos os mundos w1 e w2 ∈ W, tais que Rww1w2, se vw1(P) = 1, então vw2(Q) = 1

Com essa separação de antecedentes e consequentes em mundos distintos daquele da enunciação pode-se colher, por exemplo, a falsidade de algo como P P, pois o que estará em jogo são os valores de verdade em mundos distintos mas acessíveis, mundos onde o valor de verdade de P pode variar. Isso resolve outros dos problemas mirados pelas lógicas relevantes pois Q (P P) não é mais necessariamente verdadeiro. A autoimplicação não é tautológica, sendo importante lembrar que w é um mundo impossível nos termos da Lógica Clássica.

a uma disciplina formal como a Lógica. Para superar essa dificuldade lógicos da relevância aplicam um princípio formal do compartilhamento de variáveis. Nenhuma implicação da forma P Q pode ser demonstrada em Lógica Relevante sse P e Q não possuírem pelo menos uma variável proposicional em comum e nenhuma inferência pode ser demonstrada como válida se as premissas e a conclusão não possuírem pelo menos uma variável proposicional em comum. A trivialidade da verdade de implicações que possuem contrapossíveis como antecedentes é justamente um dos problemas que procuram resolver. Nesse sentido vide Mares (2012).

16 Acessibilidade é uma noção lógica e não-epistêmica (não diz respeito a nenhum modo de conhecer ou a algum sujeito que possa formar algum juízo a seu respeito), própria da semântica de mundos possíveis e que expressa uma possibilidade não absoluta. Trata-se de uma relação entre mundos que se estabelece quando, em relação a qualquer proposição P em um dado mundo w, tem-se a mesmo como verdadeira em outro mundo w1. Nesse sentido diz-se que w “vê” ou acessa w’ com relação a tal proposição, ou mesmo que w1 é acessível a w. Os diversos sistemas de lógica modal diferenciam-se a partir das propriedades que são atribuídas a essa relação de acessibilidade, gerando sistemas cada vez mais fortes. Se a acessibilidade é meramente reflexiva tem-se o sistema T; se reflexiva e transitiva, S4; se reflexiva e simétrica, B; se reflexiva, transitiva e simétrica, S5.

17 (→) corresponde à implicação segundo a definição que lhe dão as lógicas relevantes que se servem do recurso dos mundos impossíveis. W é interpretado como conjunto de todos os mundos, vw(X) uma função que retorna o valor 1 em caso da verdade de X nesse mundo w e 0 no caso de sua falsidade. R é a relação de acessibilidade entre w, w1 e w2. As demais funções utilizadas nas formalizações desta seção seguem o mesmo funcionamento atribuindo o valor 1 às imagens em caso de verdade e 0 no caso da falsidade.

(31)

Ainda em sede de lógicas relevantes os mundos impossíveis aparecem nas operações de involução de mundos possíveis de acordo com o operador *, ou estrela de Routley. Basicamente o operador * quando aplicado a um mundo qualquer produz seu “gêmeo reverso”. Se em um mundo w a proposição P é verdadeira em w* P é

verdadeira. A estrela de Routley é um operador que determina o valor de verdade das proposições sempre a partir do valor de verdade que possuam nesse mundo reverso (formalizando o operador da negação (): vw(P) = 1 sse vw*(P) = 0). Mundos

inconsistentes possuem gêmeos reversos incompletos (se em w P e P são verdadeiros, em w* P e P são falsos) e vice-versa. A inconsistência local, segundo

anotada por Berto e Jago (2018), não leva a trivialização, podendo ser estipulado a partir do operador * um mundo onde P  P são verdadeiros, ou mesmo uma proposição Q simplesmente não possui um valor de verdade.

Outra motivação relevante para a concepção de mundos impossíveis diz respeito ao conteúdo proposicional. Já vimos anteriormente que um dos modos de definir uma proposição é o de assimilá-la ao conjunto de mundos onde ela é verdadeira, ou como funções de mundos para valores de verdade (falso / verdadeiro). A explicação tende a ser bastante grosseira quando temos em mente proposições que ventilam impossibilidades. Em poucas palavras, todas as impossibilidades seriam definidas como um conjunto vazio (não há mundos possíveis em que sejam verdadeiras) e nisso perdemos muita expressividade e a capacidade de diferenciá-las: que Hobbes tenha desenhado um círculo-quadrado; que Ticio é mais velho que sua mãe Agrícola; que o número 1 seja par. Todas essas proposições deixam de ser diferenciadas em função de sua definição pouco fina, destituída de granularidade.

No entanto, se mundos impossíveis entram como objetos da Semântica é possível indicar em quais mundos cada uma dessas proposições é ou são verdadeiras: os mundos onde os fatos impossíveis acima aventados ocorrem não são necessariamente coincidentes. O conteúdo de experiências perceptuais impossíveis (ilusões de ótica proporcionadas, por exemplo, pelos desenhos de Escher) também se inscrevem nesse uso na medida em que correspondem a fatos ou estados de coisas só passíveis de ocorrer conjuntamente em mundos impossíveis.

De todo o exposto cabe o juízo de que mundos impossíveis são instrumentos importantes para a descrição de modos como as coisas não podem se dar no mundo;

(32)

mais especificamente que servem como suporte para lógicas não clássicas; de modo ainda mais anárquico prescindem da obediência a qualquer lógica, retratando, por exemplo, conjuntos de crenças de agentes epistêmicos e aparecem com frequência em cálculos de lógicas relevantes; finalmente, descrevem com maior fidedignidade conteúdos proposicionais que restariam opacos quanto atribuídos a um conjunto indistinto de mundos impossíveis que colapsasse com o conjunto vazio. Esses não constituem, no entanto, seu uso mais importante em Filosofia. É na superação da trivialidade da verdade em implicações com antecedentes impossíveis que esse instrumento adquire sua função mais relevante.

Dado o escopo deste trabalho torna-se necessária a abertura de seção específica para tratar do tema.

1.6 MUNDOS IMPOSSÍVEIS E CONTRAPOSSÍVEIS

O uso mais difundido para os mundos impossíveis, como dito, é o de instrumento de superação da trivialidade da verdade de sentenças e/ou proposições com antecedentes impossíveis e por isso, necessariamente verdadeiras. A solução foi entrevista por Lewis (1973) e posteriormente desenvolvida por Nolan (1997), Vander Laan (2004) e Boris Kment (2006a, 2006b). Como mencionado na seção anterior os estudos com Lógica Relevante também se serviram deles na tentativa de superar essa perplexidade.

Até agora muito se afirmou sobre como mundos impossíveis ajudam na superação da trivialidade da verdade de contrapossíveis, mas ainda não se explicou aqui como isso funciona propriamente. Não há aí nada de muito complicado. Ao assumir mundos impossíveis como mundos onde os antecedentes em questão são verdadeiros (mundos onde Hobbes desenha o círculo-quadrado; mundos onde está chovendo aqui e agora e não está chovendo aqui agora; mundos onde P ^ ¬P ocorrem; onde Ticio é mais velho que sua mãe Agrícola; que o número 1 seja par etc.) podemos produzir implicações não trivialmente verdadeiras.

Nosso mundo atual e seus congêneres possíveis indicarão sempre a falsidade dos antecedentes, como já indicado acima. No entanto, os mundos impossíveis, “cenários” onde ocorrem tais impossibilidades, indicarão como verdadeiros os antecedentes. A tabela de verdade do operador da implicação “volta a estar

(33)

completa” (na medida em que os antecedentes podem ou não ocorrer) e os consequentes (nos exemplos, a fome das crianças nas montanhas da América do Sul e quaisquer outras que importem para a verdade ou falsidade da implicação) recuperam seu papel informativo para a verdade da sentença ou proposição examinada.

No interesse desta explanação tem-se como base o texto de Berit Brogaard e Joe Salerno, Remarks on Counterpossibles (2013), que não só faz referência às soluções dos demais autores como também aponta alguns dos problemas suscitados em face da solução.

Nesse sentido, reiniciemos o problema, desta feita lançando mão da terminologia própria de mundos possíveis.

Subjuntivamente (leia-se “por hipótese”), se fosse o caso de P, seria o caso de

Q (formalizando, P □→ Q) é verdadeiro quando todo o mundo possível mais próximo

do atual onde P é verdadeiro, também Q é verdadeiro. Leia-se “mais próximo” como o mundo mais similar daquele onde se enuncia a sentença ou a proposição. O mesmo critério também pode ser adotado para mundos impossíveis, segundo anotam Berto e Jago (2018):

If impossible worlds display different degrees of logical structure (or lack thereof), it may make sense to order them. A natural way to do this is via an extension of the traditional “closeness” relations between possible worlds. How to spell out the ordering in detail, though, is far from straightforward. (…)

Can such a natural view be extended to impossible worlds? First, it is intuitive to claim that some impossible worlds are more similar to the actual world @ than others. For instance, the “explosion” world (call it e) at which everything is the case (every sentence is true) seems to be as far from @ as one can imagine, if one can actually imagine or conceive such an extremely absurd situation. Now, pick the impossible world t, at which everything is as in @, except that Franz wears an impossible t-shirt which is white all over and black all over. Intuitively, t is closer to @ than e. (BERTO e JAGO, 2018, pg. 12)

Segue-se daí que se P é impossível a proposição se fosse o caso de P, seria

o caso de Q (Subjuntivamente P □→ Q) é trivial e vacuosamente verdadeira. Como

não há mundos-P (mundos onde P é verdadeiro), vacuosamente todo mundo-P mais próximo também é um mundo-Q. Contrapossíveis se adequam à hipótese por definição.

(34)

David Lewis (197318) introduziu um refinamento no raciocínio supra com o

auxílio da noção de proximidade entre mundos, noção essa que varia em Metafísica (Brogaard e Salerno possuem sua própria versão que será oportunamente introduzida ao longo deste tópico). A visão com inspiração em Lewis que os autores ventilam é a seguinte:

Subjuntivamente, “P implica Q” é verdadeira no caso em que, (I) não há mundos-P (P é impossível, sempre falso);

ou

(II) há um mundo{P,Q} (mundo onde P e Q são verdadeiros) que é mais próximo do que qualquer mundo{P,¬Q} (mundo onde P é verdadeiro e Q é falso) em relação ao mundo atual.

Como resta evidente, Lewis não só contempla a possibilidade de que em nenhum mundo P seja verdadeiro como também imagina a possibilidade de mundos onde P ocorra e Q seja falso. Porém, sendo tais mundos mais distantes daquele da enunciação da sentença do que mundos onde as duas proposições são verdadeiras, a verdade da implicação é confirmada.

Explique-se que na semântica de mundos possíveis quando se fala na proximidade / distância entre mundos, aponta-se para sua maior ou menor semelhança. No caso do texto, postula-se a maior semelhança entre os mundos estipulados e aquele onde é proferida a sentença de interesse. Esse critério de semelhança entre mundos é um modo de ordená-los em “esferas” que guardam maior ou menor grau de semelhança seja em relação ao mundo atual seja em relação àquele primariamente estipulado para o cálculo modal.

18 Interessante a transcrição do trecho de Lewis (1973) que ventila a hipótese: “Therefore I am fairly

happy to let counterfactuals with impossible antecedents be vacuously true. But my reasons are less than decisive and some might prefer a stronger ‘would’ counterfactual that cannot be vacuously true. We write • , and give it the following truth conditions: 𝜙 • ψat a world i (according to system of spheres $) if and only if there is some sphere S in $ such that S contains at least one 𝜙-world, and 𝜙 ⊃ 𝜓 holds at every world in S.”- pg. 25

Referências

Documentos relacionados

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

A presente dissertação é desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação (PPGP) do Centro de Políticas Públicas e Avaliação

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

A partir da junção da proposta teórica de Frank Esser (ESSER apud ZIPSER, 2002) e Christiane Nord (1991), passamos, então, a considerar o texto jornalístico como

Foram analisados a relação peso-comprimento e o fator de condição de Brycon opalinus, em três rios do Parque Estadual da Serra do Mar-Núcleo Santa Virgínia, Estado de São

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Os roedores (Rattus norvergicus, Rattus rattus e Mus musculus) são os principais responsáveis pela contaminação do ambiente por leptospiras, pois são portadores

Quando conheci o museu, em 2003, momento em foi reaberto, ele já se encontrava em condições precárias quanto à conservação de documentos, administração e organização do acervo,