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3 Ponto de Negociação: possibilidade de relação entre a Inclusão Escolar e a Educação dos Surdos/Ensino Bilíngue

No documento Estudos da Língua Brasileira de Sinais (páginas 53-58)

No decorrer da análise, observamos que a Educação dos e para os Surdos ainda se encontra revestida de uma perspectiva de ensino tradicional, em que se prevalece o ensino monolíngue, não inerente aos fundamentos que substanciam, as suas estruturas e ações pedagógicas, sob a ótica de Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda em todo o seu contexto e espaço relacionados à educação de e para Surdos que foram aos poucos sendo moldados para atentar as especificidades e demandas impostos ao longo do tempo passando por várias transformações e ajustes para promover a educação com ensino de qualidade as pessoas Surdas transitados em três recortes de momentos.

Sublinha-se em um 1º momento: a Zona de Conforto com a democratização da educação brasileira, na qual as escolas se baseavam em uma escola igualitária de modelo único, com um ensino monolíngue, utilizando a Língua Portuguesa como língua única nas metodologias adotadas; anos depois foi generalizada as mesmas escolas os impasses com a entrada de estudantes vistos e ditos como “pessoas anor- mais” que acabou por originar-se o 2º momento da educação: a Zona de Conflito, internalizada nas escolas que precisou se atentar em adequar às especificidades dos estudantes, no caso, dos Surdos, o Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda que atenta às suas particularidades e que ainda se encontra equivocada e incipiente.

Um outro ponto que se observa na Zona de Conflito é que, para muitos, esta política da Inclusão, é vista, na maioria das vezes, em um discurso, posteriormente, fundamentado em estruturas e ações pedagógicas numa perspectiva de Educação Especial. Esta perspectiva vai na contramão da proposta vigente, reivindicada pelo Relatório do GT (2014), que tem a finalidade de romper o estigma existente sobre a Educação dos Surdos, que tem os surdos como rotulados e como pessoas com defi- ciência, vinculados à Educação Especial. Isso é observado pela WFD (2018, p. 4)11:

A inclusão é o direito do aluno de participar e alcançar seu potencial em instituições públicas, como escolas. Em outras palavras, a inclusão é uma experiência, não uma colocação. No que diz respeito aos alunos surdos, os educadores devem prestar atenção especial à necessidade de apoiar a língua e desenvolvimento social, conforme descrito no Artigo 24 (3) e (4), e deve ter consciência dos marcos e avaliações da língua de sinais. Além disso, os educadores devem prestar atenção especial às necessidades de desenvolvi- mento socioemocional dos alunos surdos que são muitas vezes atendidas pelas oportunidades para participar com um grupo de pares e professores com uma língua de sinais compartilhada e identidade cultural.

11 Documento traduzido pela pesquisadora do documento original intitulado WFD position paper on the Language Rights of Deaf Children de 2018, disponível no site do WFD.

INCLUSÃO ESCOLAR

ENSINO REGULAR COMUM

Libras/Português Indígenas/Português Quilombola/Português Espanhol/Português Inglês/Português Francês/Português Turma: Monolíngue Bilíngue Escolas

MONOLÍNGUE HÍBRIDASEscolas

Escolas BILÍNGUE

Ensino monolíngue e Ensino Bilíngue

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Os apontamentos apresentados pela WFD se encontram mais bem explici- tados na figura abaixo, que apresenta a estrutura e a organização do sistema edu- cacional inclusivo e sua modalidade, elaborados com base nas políticas públicas respaldadas nas legislações vigentes.

Figura 1 – Ilustração da Inclusão Escolar e sua modalidade educacional

Fonte: Figura elaborada pela pesquisadora deste estudo

Partindo-se desta ilustração, somos instigados a entender que a Inclusão Escolar é composta por diferentes propostas pedagógicas com níveis diferentes de modalidades educacionais, entre elas a escola monolíngue, a escola híbrida e a escola bilíngue, que são permitidas no sistema de ensino regular comum, na qual a escola monolíngue se baseia em um ensino monolíngue, que oferta a instrução de uma língua única, a Língua Portuguesa; na escola bilíngue é adotado o ensino bilíngue em que se promove o ensino de duas línguas, seja ele em Libras e Língua Portuguesa e/ou em Línguas Indígenas e/ou em outra língua estrangeira; e a Esco- la Híbrida que adota o ensino monolíngue e o ensino bilíngue, na qual os estudan- tes podem optar pela modalidade de ensino que se pretende estudar.

No entanto, o ensino monolíngue é inviável aos estudantes Surdos, pois desencadeia a sua exclusão, diferentemente do Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda, que lhes propicia o ensino e a aprendizagem. Conforme observa Quadros (2005), o ensino monolíngue não apresenta condições sociolinguísticas para a formação de comunidades de uso da Libras, e se efetiva o cerceamento das condições neces- sárias para que as crianças se tornem membros potenciais de uma comunidade linguística viva e autônoma.

Neste ponto, assinala-se a necessidade de aprimorar a atual concepção de Educação de e para Surdos em seu 3º momento: a Zona de Equilíbrio, que se en- contra em forma sublinhada, superficial e gradativa com pouco impacto, pois, no

momento atual, não há um espaço de negociação coexistente na política entre os governantes, gestores, professores e demais profissionais. Contudo, a Zona de Equilíbrio tem a finalidade de redirecionar as contradições dos discursos e entra- ves das estruturas e ações pedagógicas que foram fundamentados de forma de- purada com novos apontamentos, estratégias e medidas, interligando-os com as Políticas Educacionais e Linguísticas na Educação dos e para os Surdos.

Considerando esses momentos, este estudo propõe apresentar as novas propostas e reflexões que instiguem a construção da Política Educacional e Lin- guística na Educação dos e para os Surdos, tendo como norte a negociação que, a nosso ver, pode contribuir com elementos que fundamentem o equilíbrio entre as questões existentes nas legislações governamentais com as estruturas e ações pe- dagógicas das instituições públicas de ensino de modo que fomente a construção da Política Educacional e Linguística na Educação dos e para os Surdos. Entre as propostas, temos o objetivo de reestruturar: o sistema educacional, a continuidade,

os pontos de intersecção, os elementos de processualidade e a capacitação e/ou aper- feiçoamento.

a) Proposta da configuração 1 – Hierarquia do sistema educacional: reformular o sistema educacional de ensino dentro da Inclusão Escolar em consonância com a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCN), ao propor e postular uma reestruturação do sistema educacional que promova o respeito aos estudantes e a seus tempos mentais, culturais, identitários, tendo por base a oferta de um princípio orientador de toda a ação educativa.

No caso dos estudantes Surdos, inseridos na sala de aula comum/mo- nolíngue, eles precisam ter seus direitos linguísticos respeitados, reconhecidos e valorizados, isso implica a presença na escola de professores bilíngues e/ou intérpretes de Libras, como expõe a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (2008), ao citar que para a inclu- são dos estudantes Surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue é desenvol- vida num ensino escolar, no caso, com a implementação das classes bilíngues e/ou escolas bilíngues, como também, incentiva os mesmos a estar com outros pares Surdos na escola.

Partindo-se deste, entende-se que a concepção vigente, enquanto “moda- lidade educacional”, é determinante para a estruturação de políticas de inclusão escolar, que compreendam todos os tipos de ensino direcionando-se aos demais públicos, independentemente, de estarem localizados na rede comum de ensino e/ ou em escolas específicas, bilíngues em outras palavras. A Educação dos Surdos, no contexto da Inclusão Escolar, apenas será possível, se a escola e as instituições se mobilizarem na construção coletiva de um sistema cuja organização e estrutura, efetivem o Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda, tendo a Libras como a língua de ins- trução e a Língua Portuguesa como segunda língua, como propõe a Política Edu- cacional e Linguística que determina que ambas as línguas coexistam, dialoguem, sejam partilhadas, vivenciadas plenamente e valorizadas igualmente.

Para tanto, é necessário implantar uma classe bilíngue nas pequenas cida- des12 e as escolas bilíngues em grandes cidades e capitais13. Além disso, coloca-se

em evidência a formação dos profissionais, desde os gestores até os professores, a fim de destituir a formação universalizada, como afirma Glat (2007, p. 17) “a proposta de inclusão escolar implica, portanto, um processo de reestruturação de todos os aspectos constitutivos da escola, envolvendo a gestão de cada unidade e dos próprios sistemas educacionais”.

b) Proposta da configuração 2 – continuidade: a promoção de continuidade na Educação dos Surdos tem por fim instigar o sistema de ensino à promoção de um exercício de sistematização de elementos para se contemplar nas atuais políticas de Inclusão Escolar, no sentido de incorporar a perspectiva de Ensino Bilíngue/ Pedagogia Surda na política educacional e linguística na Educação dos e para os Surdos.

Partindo-se disto, sugere-se a sequência de determinados conjuntos de elementos que permitam a apresentação de uma matriz cognitiva de construção de políticas de Inclusão Escolar que ofereça o Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda aos estudantes Surdos no ensino regular. Conforme explicitado no Relatório do GT (2014), ao definir que a continuidade de ensino precisa ser trabalhada com a promoção/oferta de metodologias, recursos e acessibilidades específicas aos estu- dantes Surdos, temos que a necessidade de “educadores graduados com currículo que atenda e respeite as diferenças linguísticas e culturais dessas pessoas” (Thoma e Campello et al., 2014, p. 5).

c) Proposta da configuração 3 – pontos de intersecção: propõe-se a implemen- tação do ensino de/em Libras e Português como segunda língua como os pontos de intersecção na formação dos Surdos e ouvintes, pois os mesmos são caracteri- zados ainda por lacunas nas estruturas e ações pedagógicas em diferentes áreas de conhecimento curriculares, não podendo assegurar aos estudantes Surdos, o uso da Libras. Primeiro, porque não há uma política pública expressa nos PPP nas es- colas; segundo, porque é na interação dialógica, colaborativa e repleta de situações de imersão no conhecimento, presentes no contexto de ensino de/em Libras e da Língua Portuguesa que é constituída nas condições de desenvolvimento e aprendi- zagem, situações estas inexistentes no contexto educacional atual desencadeando o desprestigio de uma língua sobre a outra.

Contudo, ressaltamos, nesta proposta, que a Libras e a Língua Portuguesa devem estar no mesmo patamar de uso em todo o ambiente escolar, com a mesma condição de empoderamento, sem quaisquer distinções de seu status e uso, de forma a não serem compreendidas e visualizadas como superiores em uma de-

12 Cidades pequenas que possuem números insuficientes de estudantes Surdos matriculados na rede pública de ensino em uma determinada região.

13 Cidades grandes e ou capitais que apresentam números satisfatórios de estudantes Surdos matri- culados na rede pública de ensino.

terminada situação. Enfatizamos que ambas as línguas precisam possuir a mesma função, uso, sendo utilizadas em determinados momentos e contextos de ensino e formação, de forma equilibrada sem gerar quaisquer indícios de colonização de uma língua sobre a outra.

Desse modo, a Libras e a Língua Portuguesa como segunda língua deverão ser efetivadas na formação dos Surdos estendidas, também, à formação dos ouvin- tes que atuarão nestes espaços de ensino, a fim de preservar e promover o direito ao uso de línguas sinalizadas por estudantes Surdos para efetivar a comunicação e, ao mesmo tempo, promover o seu uso em todo o ambiente escolar.

d) Proposta da configuração 4 – elementos de processualidade: é necessário que, em espaços de educação inclusiva, o seu ensino seja ofertado como uma nova significação, sustentado em uma ótica de incluir a todos nas condições de ensino e aprendizado, atentando-se às suas particularidades linguísticas, pedagógicas e culturais. No caso dos estudantes Surdos, este processo será mais bem configu- rado com os cinco principais elementos de processualidade interligados com a perspectiva do Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda, entre eles: recursos específicos; adequação curricular; estruturas e ações pedagógicas adequados; capacitação e/ ou aperfeiçoamento de professores; e o formato da inclusão escolar promovido.

Ressaltamos que, a escolarização para as pessoas Surdas só será significa- tiva se ele for amparado por uma abordagem de ensino e formação bilíngue/Pe- dagogia Surda, pois não adianta ser apenas inclusiva, “permitindo” o acesso e o uso da Libras no âmbito escolar. A Libras precisa ter centralidade, bem como, não se trata de se consentir seu uso, mas, sim, reconhecer um direito que precisa ser efetivado, como defende Quadros (2005). É preciso assegurar a educação dos Surdos a capacitação dos professores e de toda a comunidade escolar, aliada a um PPP que a contemple, que vise estruturar o ensino com adequação curricular, com metodologia de ensino e com sistemas de avaliação condizentes com as especifi- cidades desses estudantes, no caso, a prática pedagógica precisa ser interligada a uma perspectiva bilíngue que instiga a possibilidade de relações de elementos de processualidade para com a Educação dos e para os Surdos.

e) Proposta da configuração 5 – capacitação e/ou aperfeiçoamento: a forma- ção dos Surdos e ouvintes (professores de Surdos) é um tema constante nas rodas de conversas em diferentes momentos, tanto num bom restaurante, quanto num curso de formação. Um assunto que instiga pelo fato de compreender que, com as discussões atuais na educação de Surdos, com saberes sobre a Libras e o português sendo instituídos, são colocados em evidências diferentes percursos formativos para esses profissionais que vão constituindo, o que hoje chamamos de educação bilíngue/Pedagogia Surda.

Segundo Machado e Lunardi-Lazzarin (2010), a formação de professores de Surdos, no campo da inclusão, é um dispositivo de governamentalidade dos sujeitos-docentes, já que produz efeitos de verdades específicos nos discursos. Na

atual conjuntura, a formação docente vem com estratégia precisa na constituição de um corpo de sujeitos-professores interessados e sensibilizados nessa política. Por conseguinte, pensemos, então, que a formação dos Surdos e ouvintes para atuar em espaços de Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda, antes de tudo, precisa con- templar o saber da Libras e da Língua Portuguesa como segunda língua.

Diante disso, o saber da Libras, como um saber especializado, vai tomando espaço, abrindo caminhos e construindo outras possibilidades para a existência da Inclusão Escolar numa perspectiva de Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda aos estu- dantes Surdos, substituindo o especialista em surdez. Temos, pelo menos, quatro novos especialistas nesse quadro atual: os professores bilíngues, os intérpretes de Libras-Português, os instrutores de Libras e os professores de Língua Portuguesa como segunda língua.

Entretanto, estes novos “especialistas” precisam ser ampliados em outras áreas de formação, como também serem incorporados desde a escolarização bá- sica ao ES, pois a ideia de Educação/Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda não vem como método fechado, com um percurso ou material formativo definitivo, e, sim, como constituída pelas as práticas discursivas e pelas experiências dos profissio- nais que se envolvem com a Educação dos e para os Surdos. Tanto as práticas e as experiências quanto os movimentos em favor dos Surdos desenvolvem a ideia de Educação dos Surdos no Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda discursivamente.

Enfim, concluo este norteamento com a ressalva de que esta negociação apenas procura defender uma educação eficaz para todos, sustentada numa prá- tica escolar que deve satisfazer às necessidades de todos os estudantes Surdos: a prática a ser consolidada em Ensino Bilíngue/Pedagogia Surda nas estruturas e ações pedagógicas. Partindo-se disso, entende-se que, para efetivar a inclusão dos Surdos, não basta que eles estejam integrados nas escolas comuns, eles precisam participar da vida escolar e social dessa comunidade escolar efetivamente em to- das as suas possibilidades. Isso quer dizer que as escolas precisam estar preparadas para acolher e educar todos os estudantes Surdos como ocorre com os demais, e não se restringir a somente aos considerados “normais e educáveis”, criando uma reestruturação com as cinco propostas de configurações citadas acima.

No documento Estudos da Língua Brasileira de Sinais (páginas 53-58)