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3 Questões e hipóteses

No documento Estudos da Língua Brasileira de Sinais (páginas 145-150)

Como visto na seção anterior, os estudos envolvendo a aquisição de expres- sões de referência em línguas gestuais por aprendizes de L2 são muito poucos e recentes. De fato, nenhum estudo foi realizado neste domínio tendo como foco o aprendizado da Libras. Devido a isso, apresentamos um estudo em que se bus- cou investigar o uso de tais expressões em narrativas produzidas por aprendizes adultos, matriculados no curso de graduação em Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina. Para desenvolver a pesquisa, partimos das seguintes questões e hipóteses:

Questão 1. Ao realizar a narrativa em Libras, aprendizes de Libras como

L2 produzem expressões referenciais em contextos de introdução, manu- tenção e reintrodução de acordo com os princípios de acessibilidade dos referentes?

Hipótese 1. Acredita-se que, de forma geral, os aprendizes de Libras como

L2 usarão expressões referenciais de acordo com os princípios de acessibi- lidade dos referentes, assim como encontrado em Simoens (2017) e Frede- riksen e Mayberry (2015, 2018).

Questão 2. Aprendizes de Libras como L2 endossam o padrão de sobree-

xplicitação no uso de expressões pronominais encontrado em estudos en- volvendo a aquisição de expressões referenciais em outras línguas? Se assim for, à medida que avançam em seu nível de Libras no curso de graduação, a sobreexplicitação diminui?

Hipótese 2. Os aprendizes de Libras não serão sobreexplícitos com o uso

de pronomes plenos, corroborando os achados em estudos de aquisição de línguas de sinais como L2 desenvolvidos por Frederiksen e Mayberry (2015, 2018) e Simoens (2017).

Questão 3. À medida que os aprendizes de Libras como L2 avançam em sua

aprendizagem, eles usam cada vez mais mecanismos específicos da língua de sinais para referenciação em narrativas (por exemplo, marcadores não manuais de role shift e classificadores)?

Hipótese 3. À medida em que os aprendizes de Libras como L2 avançam no

curso de graduação em Letras Libras, mais mecanismos específicos da mo- dalidade gestual-visual eles usarão, similarmente aos sinalizantes nativos de Libras, como em Simoens (2017).

4 Metodologia

4.1 Participantes

A fim de responder às perguntas de pesquisa propostas, os participantes desta pesquisa (N = 10) foram divididos em dois grupos: grupo 1 (n = 8) e grupo 2 (n = 2).

O Grupo 1 foi composto por oito aprendizes de Libras, recrutados no curso de graduação em Letras Libras, bacharelado e licenciatura, da Universidade Fede- ral de Santa Catarina. Como o curso possui quatro anos de duração, optamos por ter dois participantes de cada ano. Dos oito participantes, com idades entre 18 e 40 anos, sete eram mulheres e um homem. Todos eles têm o português como L1 e possuem a mão direita como dominante. Cinco dos oito participantes estão estu- dando ou já estudaram outras línguas. Além disso, todos começaram a aprender Libras durante o curso de graduação e tiveram pouco ou nenhum contato signifi- cativo com a Libras fora do contexto acadêmico.

O Grupo 2 foi formado por dois sinalizantes surdos: um homem, com 28 anos, formado em Letras Libras e, atualmente, professor desse curso de graduação,

e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, PGET- -UFSC; e uma mulher, com 26 anos, formada em Letras Libras e mestranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística, PPGLin-UFSC.

4.2 Estímulo

Como estímulo, os participantes tiveram acesso à história contida no livro de imagens “Frog, were are you?” (Mayer, 1969), a qual recontariam em Libras. Este livro em preto e branco, de 29 páginas, possui três personagens principais: um menino, um cachorro e um sapo. Ele conta a história de um menino e seu cachor- ro que saem em busca de um sapo, que fugiu durante a noite. Enquanto procuram pelo sapo desaparecido, eles se aventuram em uma floresta e em outros cenários, enfrentando diferentes situações e encontrando diversos animais e objetos. Devi- do ao seu alto nível de complexidade, este livro tem sido amplamente utilizado em estudos de narrativas. Recontar esta história exige que o narrador lance mão de diversas expressões referenciais para sustentar uma narrativa coerente enquanto se refere às muitas entidades introduzidas, mantidas e reintroduzidas ao longo da história.

4.3 Instrumentos e Procedimento

Os participantes foram selecionados por meio um questionário do Google

Forms, adaptado do estudo realizado por Simoens (2017), que teve como objetivo

coletar informações capazes de nos oferecer o perfil linguístico dos potenciais par- ticipantes. O questionário consistiu em 20 questões: 18 perguntas fechadas, uma questão aberta e uma escala Likert de 10 pontos. Para validar o questionário, o compartilhamos com seis ex-alunos de Letras Libras que, além de o responderem, deram feedback sobre sua estrutura e questões. Essas informações foram significa- tivas para melhorá-lo.

Para a aplicação do questionário, contamos com o apoio do coordenador do curso de Letras Libras. Após receber explicações sobre a pesquisa, o coordena- dor enviou o questionário por e-mail aos alunos, que foram incentivados a par- ticipar. Além disso, contatamos os alunos via WhatsApp e outras mídias sociais.

O questionário obteve quarenta e uma respostas e dez respondentes foram selecionados para participar do estudo. Os principais critérios de seleção foram: (i) estar matriculado no curso de graduação em Letras Libras; (ii) não ter conhe- cimento prévio de Libras antes de entrar no curso; e (iii) ter pouco ou nenhum contato significativo com língua de sinais fora da universidade. Os participantes que preencheram os critérios foram contatados por e-mail para confirmar sua dis- ponibilidade para participar do estudo.

A coleta de dados do grupo 1 foi realizada em 10 sessões, uma para cada participante. Todas as sessões ocorreram na Universidade Federal de Santa Ca- tarina, oito das sessões ocorreram no estúdio de videoconferência do Centro de

Comunicação e Expressão, CCE-UFSC, e duas no Núcleo de Aquisição de Lín- guas de Sinais, NALS-UFSC. Dois assistentes de pesquisa, um surdo e um ouvinte, ambos sinalizantes de Libras, conduziram as sessões. Eles foram responsáveis por preparar a câmera de vídeo e o laptop, receber os participantes, apresentar o termo de consentimento e coletar assinaturas, conduzir a tarefa e seu registro em vídeo e reunir todos os dados no Google Drive.

Antes de realizar a tarefa, os participantes receberam instruções detalhadas em português por meio de um vídeo gravado pela pesquisadora, o qual foi dis- ponibilizado no YouTube e reproduzido no laptop. Em seguida, os participantes receberam o termo de consentimento, podendo lê-lo atentamente e fazer todas as perguntas necessárias, para então datá-lo e o assinar. Feito isso, os participantes puderam ler o livro de imagens pelo tempo que julgassem necessário. Quando informaram já estar prontos para a tarefa, foram instruídos a se posicionar diante da câmera e a sinalizar a história com a maior quantidade de detalhes possível. Ademais, os assistentes, responsáveis pela coleta dos dados, foram instruídas a não interagir com os participantes, nem manter contato visual enquanto realizavam a tarefa, de modo a evitar tensão ou constrangimento.

Os participantes foram instruídos a contar a história também em portu- guês, sendo esta versão também registrada. Esses dados foram coletados a fim de permitir a avaliação de diferenças individuais na narração de histórias e para verificar se partes da história haviam sido omitidas devido à falta de conhecimento sobre a Libras ou porque o participante havia esquecido certos detalhes. No entan- to, neste estudo, as narrativas em português não serão analisadas e, portanto, não serão consideradas. Embora os dados tenham sido coletados de dez participantes que se enquadraram nos critérios estabelecidos, apenas oito foram analisados, no intuito de equilibrar as idades de cada par de aprendizes pertencentes ao mesmo ano acadêmico (sendo um mais jovem e outro mais velho) e garantir que todos estivessem no início de seu respectivo ano.

Para o grupo 2, a coleta de dados ocorreu em duas sessões individuais no estúdio de videoconferência do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC. Uma das sessões foi realizada pela assistente de pesquisa ouvinte e a outra pelo assistente de pesquisa surdo. As instruções para esse grupo foram dadas em Li- bras pelos assistentes de pesquisa. Assim como no grupo 1, os participantes foram instruídos a ler e assinar o termo de consentimento e a ler o livro ilustrado pelo tempo que considerassem necessário. Eles então realizaram a narrativa apenas em Libras. Assim como na coleta de dados do grupo 1, os vídeos foram enviados para o Google Drive.

4.4 Transcrição e análise dos dados

Os dados coletados foram transcritos no ELAN, um programa gratuito de- senvolvido pelo Instituto Max Planck de Psicolinguística, para anotação de dados linguísticos coletados por meio de gravações de áudio ou vídeo. Diferentes trilhas

foram criadas para as anotações decorrentes dos dados em vídeo, sendo elas: (i) sinais usando a mão direita; (ii) sinais usando a mão esquerda; (iii) divisão da nar- rativa em orações; (iv) função discursiva e referentes da oração; (v) referentes que aparecessem na função de sujeito; (vi) categorias gerais de expressões referenciais; e (vii) tipos específicos de expressão referencial.

Foram utilizadas glosas para a transcrição de cada sinal, com base em uma versão adaptada das convenções de glosas de sinais disponíveis no manual de transcrição do Inventário Nacional de Libras (Corpus Libras), desenvolvido pelo Núcleo de Aquisição de Línguas de Sinais, na UFSC. Feita a transcrição dos sinais, as narrativas em Libras de cada participante foram divididas em orações (Frede- riksen; Mayberry, 2016).

O próximo passo foi identificar os referentes de cada oração e codificar as orações de acordo com a função discursiva (Gullberg, 2006) da seguinte forma:

introdução, isto é, a primeira menção de um referente, independentemente de sua

função sintática; manutenção, isto é, um referente aparecendo como sujeito da oração, após aparecer na oração anterior em qualquer posição sintática; e rein-

trodução, isto é, um referente aparecendo como sujeito da oração, logo após uma

oração na qual ele não aparece em qualquer posição.

Em relação às introduções, todos os referentes apresentados nas narrativas foram contabilizados. No entanto, apenas um referente foi codificado e contado como manutenção ou reintrodução em cada oração. No caso de sujeitos simples (por exemplo, MENINO) aparecendo após ter sido mencionados num sujeito composto na oração anterior (por exemplo, MENINO e CACHORRO), o referen- te foi codificado como “manutenção”. No entanto, para sujeitos compostos (por exemplo, MENINO e CACHORRO) aparecendo após terem sido mencionados como sujeitos simples na cláusula anterior (por exemplo, MENINO), os referentes foram codificados como “reintrodução”.

Como em Simoens (2017) e ao contrário de Frederiksen e Mayberry (2016, 2018), os marcadores não manuais do role shift foram incluídos como uma catego- ria de expressões referenciais, uma vez que se configuram como uma forma explíci- ta de informações sobre o referente. Nos casos em que o sinalizante utilizou verbos simples ou com concordância no contexto de role shift, no qual não havia outra marcação explícita para indicar o referente, esses tipos de expressões referenciais foram codificados como marcadores não manuais e não como anáfora nula.

Apesar da possibilidade de classificadores e role shifts trabalharem simulta- neamente (ver Barberà; Quer, 2018), os classificadores usados no âmbito de role

shift não foram categorizados como marcadores não manuais, mas como classifi-

cadores, assim como feito no estudo conduzido por Simoens (2017).

Finalmente, nas duas últimas trilhas do ELAN, os referentes foram, respec- tivamente, codificados de acordo com categoria e tipo de expressão referencial. No entanto, dado o fato de que este estudo consiste apenas em uma visão inicial do controle de referência por aprendizes de Libras como L2, focamos mais nas categorias (mais gerais) do que nos tipos (mais específicos).

No documento Estudos da Língua Brasileira de Sinais (páginas 145-150)