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Nem bruxas nem cavaleiros: homens e mulheres em busca do amor que nos faz bem

No documento O AMOR QUE NOS FAZ BEM (páginas 123-128)

Eu gostaria de terminar com uma antiga história que fala justamente do amor que nos faz bem. Eu a escutei de meu amigo e colega gestaltista Jorge Bucay, quando ele apresentou, no Instituto Gestalt de Barcelona, com Silvia Salinas, seu livro Todo (no) terminó.

Essa história começa em uma noite sombria, quando o rei Artur estava em seu leito de morte. Os médicos da corte foram vê-lo, mas nenhum deles conseguiu diagnosticar a doença que o consumia nem encontrou um remédio efetivo. Artur agonizava e todos temiam que seu final estivesse próximo. Nessa noite, Artur recebeu a visita de um de seus cavaleiros mais fiéis e grande amigo, Galahad, que conversou junto ao leito com o médico que o velava:

- Ele vai morrer - disse em voz baixa o médico.

- Nem pensar! - replicou Galahad. - E que seja a última vez que diz isso em minha presença. O rei tem que se salvar.

- Vi pelo menos seis ou sete pessoas com esse mesmo mal, e cinco delas morreram - insistiu o médico.

- Vê? - replicou o cavaleiro. - Houve quem se salvou. Portanto, tem de haver algo que se possa fazer.

- O problema, em minha opinião, é que o rei não está doente, pois, se assim fosse, um dos nossos remédios teria funcionado. O rei está enfeitiçado.

- Ora - lamentou-se Galahad. - Mas, ainda assim, certamente há algo que possamos fazer.

- Só uma coisa: ir buscar a bruxa que vive na montanha e convencê - la a liberá-lo do encantamento.

- Mas ela odeia o rei, não vai querer salvá-lo.

- Sim, e além de tudo é perigosa. Dizem que ela olha para uma pessoa e a paralisa, que devora os olhos literalmente, que faz conjuros estranhos e

que joga o corpo das pessoas aos cães que tem na gruta. Quem se atreveria a ir vê-la?

Galahad, apesar de ser um cavaleiro da Távola Redonda, também sentia medo, mas tratava-se de seu grande amigo, o rei, seu companheiro de aventuras, aquele que lhe salvou a vida muitas vezes. Por isso, ele montou seu cavalo e se dirigiu à gruta. Chegou em plena noite, mas os abutres, que pareciam não descansar, começaram a revoar ao redor. Quando chegou à entrada da gruta, ele sentiu um frio impressionante, mas se armou de coragem e entrou. Havia tochas nas paredes e centenas de ossos de esqueletos misturados no chão. Evitando como pôde as ossadas, ele chegou ao centro da gruta, onde estava a bruxa encurvada sobre si mesma, velhíssima, vestida de preto dos pés à cabeça, com os olhos muito pequenos, os dentes muito apertados e negros, as mãos em forma de garra, os cabelos parecendo palha, o nariz muito comprido e cheio de verrugas e um enorme chapéu preto.

- A que veio? - gritou a modo de boas-vindas.

- Venho pedir sua ajuda - respondeu Galahad.

- Veio por seu amigo, o rei?

- Sim.

- Seu amigo está enfeitiçado por um encantamento que eu não realizei, mas que está bem feito. Ele vai morrer. E me alegro!

- Por favor - disse o cavaleiro -, peço-lhe que o ajude.

- Por que eu haveria de ajudá-lo?! - respondeu ela irritada. - Ele me expulsou mil vezes de palácio. Ele não gosta de mim, e nem eu dele.

- Peça-me o que quiser, mas ajude-o - suplicou Galahad.

Então, a bruxa ficou alguns segundos olhando para o amigo do rei. Ele era jovem, bonito, alto, realmente lindo.

- Vou lhe fazer uma proposta - disse, por fim.

- O que quiser - respondeu o cavaleiro. - Se estiver dentro de minhas possibilidades, eu o farei.

- Sim, está - disse a bruxa. - Eu curarei o rei se você se casar comigo. Galahad sentiu um calafrio. Por um instante hesitou, mas logo recordou que era seu amigo, o rei, quem se encontrava em perigo de morte. Então respirou fundo e disse:

- Muito bem. Se curar o rei, você será minha esposa.

A bruxa, que mal pôde acreditar no que ouvia, correu a toda velocidade até um armário cavado na rocha e pegou alguns objetos, que introduziu em uma espécie de bolsa. Quando estava tudo pronto, gritou:

- Vamos!

Quando Galahad e a bruxa chegaram ao palácio, foram direto aos aposentos reais. O rei, literalmente, estava agonizando. A bruxa preparou uma beberagem com alguns ingredientes que carregava, ench eu com ela um frasquinho e o introduziu na boca do rei Artur.

- E agora? - perguntou Galahad.

- Agora temos que esperar a manhã. Eu vou voltar a minha gruta. Avise-me se acontecer alguma coisa.

- Por que não fica aqui?

- Porque não quero que algum dos meus inimigos me mate durante a noite.

- Ninguém vai tocar em você. Está sob minha proteção. E, tirando sua capa, estendeu-a aos pés da cama do rei.

Na manhã seguinte, o rei acordou pela primeira vez em semanas. Bateu as mãos e os pajens entraram:

- Tragam-me comida e bebida! - gritou. - Estou com fome e sede! Depois, olhou para os pés da cama e viu Galahad.

- Querido amigo, como está você?

Mas, antes que o cavaleiro pudesse responder, o rei viu a bruxa a seu lado.

não é bem-vinda, fora de meu...

- Perdão, Majestade - interrompeu Galahad. - Pode expulsá-la se quiser, mas quero que saiba que, se ela for, eu também irei.

- Mas o que está dizendo? Não estou entendendo nada...

- Acontece que essa mulher que vê aqui é minha futura esposa.

- O quê? Sua futura esposa? Ficou louco? Eu lhe apresentei as princesas mais lindas do reino, as mais ricas, as mais jovens, as mais belas. A todas você disse não. E agora vai se casar com... isso? Como pode ser?

E então a bruxa disse:

- É o preço que ele pagou para salvá-lo.

Depois de um momento de confusão, o rei Artur exclamou, dirigindo -se a Galahad:

- Não posso permitir isso!

- Majestade, eu dei minha palavra a essa mulher de que, se o salvasse, eu me casaria com ela. Ela cumpriu a promessa e merece receber sua recompensa.

- Eu o proíbo como rei!

- Há só uma coisa na vida que é mais importante para mim que uma ordem sua. É minha palavra. E vou cumpri-la.

- Mas tem que haver algo que eu possa fazer - insistiu Artur.

- Sim. Poderia me casar amanhã na paróquia real. Seria uma grande honra.

Na manhã seguinte, na presença do capelão e do rei, os noivos celebraram o casamento. O rei abraçou Galahad, agradeceu pelo que estava fazendo e lhe ofereceu uma carruagem para que chegasse à casa que acabara de lhe dar de presente junto ao rio, longe de palácio, longe da aldeia, posto que não queria que ninguém o visse nem debochasse de seu amigo. Este dispensou o cocheiro e ajudou sua esposa a subir na carruagem. Manipulando ele mesmo as rédeas, os dois chegaram até a nova residência.

Ele parou a carruagem, desceu e, como era costume então, pegou a esposa no colo, abriu a porta e a deixou ali dentro.

- Já volto - disse.

A seguir, saiu de novo, prendeu os cavalos, afastou-se alguns passos e contemplou durante um instante o pôr do sol. Quando entrou novamente, o fogo da lareira estava aceso e em pé, diante dele, viu uma mulher muito alta, muito loura, vestida com um tule branco, através do qual a luz do fogo mostrava curvas femininas incríveis.

- Onde está minha esposa? - perguntou a Galahad, surpreso.

A mulher se voltou para ele. Era loura, linda, de pele muito branca, olhos azuis-claros, grandes e luminosos. Galahad se deu conta de que, se realmente existia amor à primeira vista, era isso o que ele estava sentindo. Estava apaixonado. Porém, insistiu:

- Onde está minha esposa?

- Sua esposa sou eu - respondeu a linda mulher. Galahad não cedeu:

- Sei com quem me casei, e não gosto desses truques. Eu não me casei para fazer magias nem bruxarias. Quero ver minha esposa.

Então, a mulher disse:

- Na metade do tempo sou aquela que você conheceu, e na outra metade do tempo sou esta que agora vê. Contudo, você foi tão amável e generoso comigo que, como é meu marido e será para sempre, e eu acho que por sua gentileza o amarei para sempre, quero que escolha quem quer que eu seja. Quer que seja bela de dia e bruxa de noite, ou prefere que seja bela de noite e bruxa de dia?

Galahad ficou pensativo. Difícil dilema, pensou.

É melhor que ela seja bela de dia e que ele possa se exibir pela aldeia e no palácio, para inveja de todos, e padecer em silêncio durante a noite pela tortura de estar com a outra? Ou é melhor ignorar o que dizem as pessoas, ser alvo do deboche de todos, mas desfrutar na intimidade da noite da

companhia dessa mulher de incrível beleza, pela qual já se apaixonou? Era uma escolha difícil e, cheio de angústia e incerteza, ele invocou sua mais alta sabedoria. Por fim, depois de um tempo meditando, chegou a uma solução e disse:

- Como você é minha esposa e confio que continue sendo por muito tempo, como a amo e a amarei hoje e para sempre, o que quero é que você seja quem decidir ser em cada momento.

E contam que, quando a bruxa escutou essa resposta de seu amado marido, sentiu-se livre para ser como era, e por isso, e só por isso, se ntiu que Galahad cuidava do feminino profundo que havia nela. Espontaneamente, mostrou-se bela e resplandecente a maior parte do tempo, agradecida por ter Galahad - um homem valoroso - como marido e contente por tê-lo seguido em sua vida, sua casa e seu mundo.

Epílogo

No documento O AMOR QUE NOS FAZ BEM (páginas 123-128)