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No rastro da vassoura-de-bruxa

No documento O RETORNO DA TERRA (páginas 71-78)

O processo de territorialização

1.2. Os Tupinambá e o processo de territorialização

1.2.3. No rastro da vassoura-de-bruxa

A sociogênese do movimento Tupinambá, que já havia sido abordada por outras pesquisadoras, em especial Couto (2003, 2008) e Viegas (2007), foi examinada mais detidamente por Magalhães (2010) e, posteriormente, referida também por Mejía Lara

58 Chiapetti registra a intensa participação de estrangeiros no setor turístico na chamada Costa do Cacau

(2009: 162-163). Para uma discussão sobre os impactos de um empreendimento turístico internacional sobre comunidades Tremembé, no Ceará, ver Lustosa; Baines (2012). Em sua análise, assentada nas reflexões de Cardoso de Oliveira, “os projetos turísticos impostos às sociedades indígenas reproduzem as relações interétnicas, altamente assimétricas, de sujeição/dominação, que têm caracterizado as relações sociais entre índios e não índios no Brasil” (Ibid.: 230).

45 (2012)59. A análise de Magalhães remonta à década de 1990, momento no qual situa o início do processo de “reorganização indígena de Olivença”, associado ao engajamento de indígenas – sobretudo, mulheres – em atividades de educação popular e em torno da Pastoral da Criança (2010: 36)60. À época, segundo Mejía Lara, estava em desenvolvimento

um quadro organizativo amplo e heterogêneo, com frentes na saúde, nas organizações produtivas e nas organizações pela reforma agrária, nas quais [,] ainda que com a participação importante dos indígenas, nem sempre essa pertença se manifestava como articuladora (2012: 62).

Com o passar do tempo, contudo, no marco dessas mobilizações, ter-se-iam precipitado discussões acerca da identidade e dos direitos indígenas, e alguns Tupinambá passaram a participar de atividades do movimento indígena em nível regional. Ainda nessa época, mais precisamente em 1994, mulheres Tupinambá de Olivença recorreram a entidades como o Cimi e a Anaí, que passaram a apoiá-las no processo de “rearticulação interna das comunidades” (Magalhães, 2010: 49). Duas importantes transformações haviam ocorrido no fim dos anos de 1980 e, ainda que não se possa operar condicionamentos mecânicos, elas são fundamentais para compreender o desenvolvimento do novo período de mobilização Tupinambá. De um lado, como se sabe, os indígenas tiveram seus direitos territoriais reconhecidos pela Constituição Federal de 1988. De outro, a economia cacaueira no sul da Bahia entrou em severa decadência, sofrendo os efeitos da diminuição do preço do cacau no mercado internacional (associada à elevação da oferta mundial do produto), de condições climáticas desfavoráveis e da vassoura-de-bruxa, praga que se alastrou no final da década de 198061.

Várias fazendas retomadas, como se verá adiante, estavam hipotecadas, em razão de dívidas contraídas por seus proprietários. Trabalhadores fixos eram demitidos e as roças de cacau, exploradas por meio de acordos de meação62. Em algumas fazendas, a produção

59 O antropólogo José Pimenta iniciou em 2003 uma pesquisa a esse respeito, que, contudo, foi

interrompida; ver Pimenta (2004).

60 Ver Magalhães (2010: 40-50), para um histórico da participação Tupinambá nas atividades da Pastoral da

Criança de Olivença e no movimento de educação popular, em diálogo com setores da igreja católica e entidades como a Federação dos Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase); para a trajetória do Coletivo de Educadores Populares da Região Cacaueira (Caporec), que tem uma indígena Tupinambá entre suas fundadoras; e para informações sobre a criação de um grupo de professoras indígenas Tupinambá de Olivença. Ver também Ferreira (2011: 71-75).

61 Para uma síntese da crise desencadeada a partir dos anos de 1980, ver Chiapetti (2009: 80-90).

62 Quando estabelecido um acordo de meação – a que os Tupinambá referiam-se como produzir “na ameia”

ou “na meia” –, os camponeses ou indígenas “zelavam” roças perenes ou “botavam” roças de ciclo curto, ambas em terras alheias, dividindo a produção com os pretensos proprietários das áreas, segundo percentuais variáveis. Essa relação de trabalho era preferida por alguns dos fazendeiros, no marco da crise, pois assim, de um lado, reduziam-se os custos de mão-de-obra, e, de outro, os riscos decorrentes da flutuação de preços eram repartidos com os trabalhadores. Note-se que diferentes modalidades de contratos

46 cacaueira fora praticamente abandonada, cedendo lugar a atividades profundamente predatórias, como a extração madeireira. Sobretudo no contexto específico da Serra do Padeiro, mas para os Tupinambá como um todo, o enfraquecimento dos grandes fazendeiros do cacau afigurou-se como uma chance de finalmente recuperarem o território usurpado. Era a “bruxa”, a praga salvadora das premonições dos velhos, encarada com argúcia por uma indígena que, no passado, escutara tais previsões:

A melhor coisa do mundo que deus deu foi a vassoura-de-bruxa: deus mandou a bruxa para poder salvar o pobre. Só fala que foi desgraça quem não conhece da terra, quem não quer viver na terra. Porque o pobre, de primeiro, era mangado, pobre era pisado, tinha que trabalhar ali e se matar. E pobre não tinha direito de terra. Se fosse no tempo em que não tinha a vassoura-de-bruxa, os índios estavam se apoderando de terra? Uma peste que estavam! Ô, meu deus, os ricos mandavam matar tudo!63

Ao que se sabe, depois das iniciativas de Marcellino de contatar o SPI (em 1922 e em 1936), cerca de 50 anos se passariam até que nova tentativa de obter reconhecimento oficial fosse levada a cabo pelos Tupinambá. Por volta de 1985, dois indígenas moradores do Acuípe do Meio viajaram a Brasília para reivindicar os direitos dos índios de Olivença: seu Alício Francisco do Amaral e Manoel Liberato de Jesus (este último, conhecido como Duca Liberato, trazia no corpo as marcas da perseguição ao “bando” de Marcellino)64. Em 2012,

Duca já era falecido; seu Alício, por sua vez, tinha cerca de 75 anos de idade65. “A gente foi

pra Brasília lá no tempo de Mário Juruna”, contou seu Alício durante reunião do GT de identificação e delimitação da TI, em março de 2004 (Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio, 2009: 571)66. Em diálogo com o então deputado federal, seu Alício teria

dito: “viemos a fim das nossas terras, porque as nossas terras estão tomadas, e nós precisamos delas pra trabalhar, [assim como de] alimento, remédio, ferramenta [...]”67.

de “parceria” agrícola, mais ou menos formais, vigoravam na região da Serra do Padeiro. Suas características serão apontadas sempre que oportuno.

63 Para as profecias sobre a vassoura-de-bruxa, ver capítulo 3.

64 Falarei sobre as torturas infligidas a Duca Liberato no capítulo 3. A ida a Brasília foi referida a Viegas,

em 1997, por uma filha de Duca; em 2012, pude ouvir o relato de um neto do indígena, o cacique Rosevaldo de Jesus Carvalho, então com 48 anos de idade. Esse episódio é mencionado também por Magalhães (2010: 21) e Mejía Lara (2012: 59-60).

65 Rosevaldo informou-me que Duca morreu em 1991.

66 Na Serra do Padeiro, a figura de Juruna também era recordada. Um senhor indígena disse-me certa vez:

“A nossa valência, quem decretou a lei para nós, foi o Juruna, que virou deputado e conseguiu um espacinho para pôr uma leizinha para o índio. Índio não tinha valor, era como um cachorro. [...] Não tinha quem se doesse por um índio”.

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Pouco se sabe sobre essa viagem, o que teriam conseguido fazer em Brasília, ou com quem teriam conversado. Talvez porque, [sic] não tardou para que essa ação desencadeasse retaliações por parte da elite local, uma vez tornada pública. Segundo Alício e outros moradores, policiais foram até algumas comunidades para intimidá-los, para que desistissem de procurar o governo para demarcar suas terras (Magalhães, 2010: 21).

Viegas e Paula informam que já na década de 1980 a Funai tinha conhecimento da existência de indígenas na região de Olivença – o que atesta um conjunto de documentos localizados pelos antropólogos no arquivo do órgão indigenista oficial (Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio, 2009: 104). Em 1989 veio à luz o artigo de Paraiso ao qual já me referi, que sumarizou as informações sobre os Tupinambá até então disponíveis e foi bastante claro quanto às responsabilidades da Funai e dos demais órgãos competentes no sentido de garantir os direitos dos indígenas (1989: 108).

Em 1995, quando já estava em curso a nova etapa de mobilização Tupinambá, conforme se indicou, a Funai recebeu uma carta, remetida por Maria de Lourdes Farias Santos, que desenvolvia trabalhos beneficentes em Olivença, e relatava a situação dos indígenas que ali encontrou68. A autora da correspondência fala em pessoas “de rosto, cabelo,

costumes diferentes [...] sem saber ter ambição como os demais da cidade”. Eram “muita gente sem terra, faminta [...], tratados com grande indiferença e usadas no trabalho pelos mais equilibrados financeiramente, sem salário certo”. E, finalmente, eram gente “que come sal e veste roupa e que não são retardados mentalmente mas não sabe viver pelo o [sic] dinheiro como o homem da grande cidade” (grifos meus)69.

Santos relatava ainda que, quando tentou ajudar algumas dessas pessoas a obter seus documentos pessoais, “o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] disse que eles é [sic] caso de Funai”. A mesma resposta teriam lhe dado funcionários da Receita Federal e da prefeitura de Ilhéus. Como Santos não soubesse o que era a Funai, apenas depois de alguns percalços conseguiu fazer chegar sua carta ao destinatário, solicitando a ida de um antropólogo à área. Em decorrência da carta, dois anos depois a Administração Regional da Funai (ADR/Funai) em Eunápolis enviou uma equipe ao local, ao que se sucedeu alguma movimentação burocrática, que não teve qualquer desdobramento concreto70.

68 Um fac-símile da carta, enviada ao presidente do órgão em 22 set. 1995, está anexado em Brasil,

Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (2009). A carta é referida também em Viegas (2007: 25).

69 As relações entre ser índio e comer sal serão examinadas no capítulo 4. Note-se como ficam evidentes,

na carta, certas concepções do senso comum em torno do que é ser índio.

70 A esse respeito, ver Ibid.: 104-107 e, anexos ao relatório, Carta s/n do chefe do Serviço de Assistência ao

Índio, Antônio Manoel da Silva, ao administrador da Administração Regional de Eunápolis da Fundação Nacional do Índio. Olivença/Ilhéus, 24 set. 1997 e Parecer nº090/Departamento de Identificação e

48 No final da década de 1990, alguns Tupinambá (inclusive da Serra do Padeiro) envolveram-se nas mobilizações que antecederam o massivo protesto realizado em 2000, em contraponto à comemoração dos 500 anos de “descobrimento”, e que foi severamente reprimido71. Em 1999, indígenas que estavam à frente das mobilizações na costa dirigiram-se à Serra do Padeiro, onde conheceram o pajé. Souberam que um de seus filhos – o futuro cacique Babau – vivia então em Santa Cruz Cabrália, ao sul de Ilhéus, e estava engajado no movimento indígena, buscando a demarcação de suas terras (Magalhães, 2010: 53-54)72. Nesse momento,

os esforços que se vinha levando a cabo em diferentes pontos do território convergiram, culminando na leitura pública, no marco do protesto em Porto Seguro, do documento que os indígenas intitularam “Carta da comunidade indígena Tupinambá de Olivença à sociedade brasileira”, datado de 25 fevereiro de 2000:

Queremos a terra que por herança é nossa. [...] Não aceitamos ficar à margem

dos acontecimentos dos 500 anos, lembrados apenas nos livros de história e ao mesmo tempo excluídos do direito à existência como povo Tupinambá de Olivença [...] (grifo no original)73.

Em maio de 2000, o indigenista Eduardo Aguiar de Almeida, então assessor da presidência da Funai, visitou a área e, em correspondência ao presidente do órgão, opinou “pela pronta tomada de medidas visando o reconhecimento dessa comunidade indígena”74. Ano e meio se passaria até que um GT fosse constituído, em novembro de 2001, para realizar “levantamento prévio sobre a demanda fundiária da população denominada Tupinambá de Olivença”75. Após duas semanas de estadia em campo, Jorge Luiz de Paula, da Administração Executiva Regional da Funai (AER/Funai) em Eunápolis, concluiu estar em face de um conjunto de indivíduos que apresentava “as características do que antropologicamente se define como grupo étnico, mantendo

Delimitação da Fundação Nacional do Índio. Ref.: Carta s/n do chefe do Serviço de Assistência ao Índio, Sr. Antônio Manoel da Silva, datada de 27 de setembro de 1997 que refere-se à [sic] um possível grupo Pataxó no Distrito de Olivença/Ilhéus/BA. Brasília, 18 abr. 2000.

71 Vide Couto (2003: 20-21, 2008: 159), Viegas (2007: 171-172) e Magalhães (2010: 50).

72 Para mais informações sobre a permanência de Babau em Santa Cruz Cabrália e sobre a relação dos

indígenas da Serra do Padeiro com os 500 anos, ver o capítulo 4. Por ora, tomando as idas do cacique Babau a Santa Cruz Cabrália e de seu Alício e Duca a Brasília, vale apenas indicar a centralidade da “viagem” na constituição contemporânea dos Tupinambá, como fez Oliveira Filho em relação a vários outros povos indígenas do Nordeste (1998a: 65-66).

73 A leitura pública foi realizada pela professora Núbia Batista da Silva, indígena que foi muito atuante nos

primeiros anos de mobilização na região costeira da TI.

74 Nota técnica nº01/02/Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional do Índio.

Brasília, 13 maio de 2002, anexa a Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (2009).

75 Cf. Instrução técnica executiva nº140/Diretoria de Assuntos Fundiários da Fundação Nacional do Índio.

49 uma relação primordial com o território que habita”76. Finalmente, em 13 de maio de 2002, deu-se o reconhecimento oficial dos Tupinambá, por meio de nota técnica da Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas da Funai (CGEP/Funai). Note-se que, à época, o Brasil ainda não adotara a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a autoidentificação como critério de reconhecimento de grupos indígenas.

Reiteradas solicitações dos indígenas à Funai marcaram o intervalo entre a leitura da carta à sociedade brasileira, a elaboração do levantamento prévio e, finalmente, a constituição do GT de identificação e delimitação da TI Tupinambá de Olivença, instalado em 2004, como se indicou, sob coordenação da antropóloga Susana Dores de Matos Viegas77. Algumas ações

foram desencadeadas pelos Tupinambá com o intuito de dar visibilidade a sua resistência histórica. Em 30 de setembro de 2001, ocorreu a primeira Peregrinação em memória dos mártires do massacre no rio Cururupe, também conhecida como Caminhada do Cururupe, recordando tanto o massacre levado a cabo por Mem de Sá no século XVI, quanto as ações de Marcellino e seus companheiros (Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio, 2009: 108-109)78. Na caminhada, à recuperação dos eventos históricos, entrelaçavam-se as

reivindicações contemporâneas, principalmente aquelas relativas à regularização do território Tupinambá79. A esse respeito, comentou-me um indígena nascido em 1933, que em 2012 vivia em uma retomada na Serra do Padeiro:

Antes de a gente [ter] nascido, os brancos mataram muito índio aí em Olivença, do Cururupe até o Acuípe, uma légua de índio morto, pareado. Já pensou quanto índio morreu? Agora essa remessa [os indígenas contemporâneos] está cobrando essa vingança80.

Também na Puxada do mastro de São Sebastião, festejo realizado anualmente em Olivença, em janeiro, os Tupinambá têm buscado reafirmar sua presença na região (ver

76 Apud Nota técnica nº01/02/Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional do Índio.

Brasília, 13 maio de 2002, anexa a Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (2009).

77 Cf. Portaria nº102 da Presidência da Fundação Nacional do Índio. Brasília, 22 jan. 2004, anexa a Brasil,

Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (2009).

78 Couto chama a atenção para o fato de esses dois eventos, cronologicamente separados por cerca de 370

anos, serem fundidos pelos Tupinambá (2003: 35).

79 A despeito de sua importância histórica, o mangue do Cururupe não foi incluído na área da TI. Conforme

os estudos do GT, a proximidade em relação ao lixão de Ilhéus converteu a área, outrora muito utilizada pelos Tupinambá para a coleta de caranguejo, em um “mangue morto” (Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio, 2009: 282, 436).

80 Importante enfatizar, apenas, a natureza de tal vingança: “os Tupinambá da Serra do Padeiro conservam

uma ideologia de que a sua „vingança‟ atual não se fundamenta no „derrame de sangue‟”, mas sim na recuperação territorial (Ubinger, 2012: 106). Na mesma direção, a cacique Valdelice comentou-me: “Foram sete quilômetros de corpos de índios, o rio do Cururupe ficou vermelho. E isso quem conta são os brancos; Mem de Sá diz, na carta ao rei, que ele fez isso. Como vão pagar a vida dos nossos parentes: tomando a terra da gente ou devolvendo a terra para a gente?”.

50 imagem 1.7)81. O ciclo da festa iniciava-se com a escolha de uma árvore de grande porte, em uma mata nos arredores de Olivença. No segundo domingo de janeiro, ela era derrubada e arrastada pela praia, com cordas, até a frente da igreja de Nossa Senhora da Escada – note-se que uma pequena árvore era também derrubada, sendo seu tronco levado pelas crianças. No dia 20 do mesmo mês, o antigo mastro que sustentava a imagem de São Sebastião diante da igreja era substituído pelo novo e guardado para ser queimado na fogueira de São João, em junho. Muito se tem debatido sobre as origens dos festejo, as tentativas efetuadas por não- índios para dele se apropriar, e, principalmente, sobre suas conexões com os Tupinambá e seu território. Note-se que a mata de onde tradicionalmente se retirava o mastro localizava-se no interior de uma área retomada, conhecida como Guarani Taba Atã.

As atividades do GT coordenado por Viegas resultaram na elaboração de um relatório preliminar, entregue à Funai em 5 abril de 2005. Quase um ano depois, após análise do relatório, o órgão indigenista entendeu que eram necessárias complementações, esclarecimentos e adequações, estabelecendo um novo prazo para a entrega do relatório final82. Mais uma vez, inúmeros apelos seriam efetuados pelos Tupinambá, em razão da

morosidade no encaminhamento do procedimento demarcatório. Apenas em 2009, por meio de um despacho datado de 17 de abril, o órgão indigenista aprovaria o Relatório Circunstanciado elaborado pelo GT, delimitando a TI, como já se indicou, em uma área de aproximadamente 47 mil ha83. O processo entrou em seguida na fase conhecida como “contraditório”, quando a Funai, conforme determina o Decreto nº1775/96, analisa as contestações à regularização da TI84. Todas as contestações foram indeferidas e, em 2 de março de 2012, o processo seguiu para o Ministério da Justiça (MJ)85. Quando da conclusão deste trabalho, no início de 2013, aguardávamos que o ministro assinasse uma portaria declaratória, para que o processo então avançasse para as etapas finais.

81 Entre os dias 7 e 9 de janeiro de 2012 acompanhei a Puxada de mastro em Olivença. Como se verá

principalmente no capítulo 3, a devoção a São Sebastião é central também na Serra do Padeiro. Sobre a Puxada, ver Couto (2001) e Costa (2003). No início de 2013, Erlon Fábio de Jesus Costa concluiu sua dissertação de mestrado, intitulada “Da corrida da tora ao Poranci: A permanência histórica dos Tupinambá de Olivença no sul da Bahia”, junto ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB). Na pesquisa, a Puxada do mastro foi abordada; infelizmente, não houve tempo para a leitura da versão final de sua dissertação antes da conclusão deste trabalho, de modo que posso me referir apenas às notas que tomei durante a defesa da mesma.

82 Memorando nº064, da Presidência da Fundação Nacional do Índio ao Administrador Regional de Ilhéus.

Brasília, 10 mar. 2006, anexo a Brasil, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (2009).

83 O resumo do relatório circunstanciado foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 20 de abril de

2009.

84 Mais informações sobre as contestações apresentadas neste caso serão referidas no capítulo 2. 85 Despacho nº037, da Presidência da Fundação Nacional do Índio. Brasília, 2 mar. 2012.

51 Como se vê, os prazos determinados pelo Decreto nº1775/96 foram sistematicamente descumpridos ao longo do processo, o que levou o Ministério Público Federal (MPF) em Ilhéus, em dezembro de 2007, a propor uma ação contra a União e a Funai, com vistas a “corrigir a abusiva demora na demarcação”. Em 16 de janeiro de 2012, pela mesma razão, o MPF na Bahia propôs uma ação civil pública por dano moral em face da União e da Funai. Calorosas discussões em torno da definição dos limites da TI deram a tônica do processo até a publicação do relatório final. Refiro-me aqui não à atuação dos não-índios contrários à demarcação (que será considerada no capítulo 2), mas às discussões envolvendo principalmente indígenas e antropólogos, no marco

No documento O RETORNO DA TERRA (páginas 71-78)