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Os “mourões” Tupinambá

No documento O RETORNO DA TERRA (páginas 193-199)

A longa resistência Tupinambá

3.2. O “retorno da terra”

3.2.2. Os “mourões” Tupinambá

Outro componente fundamental da resistência Tupinambá é o conjunto de casos em que os indígenas conseguiram se manter na terra – melhor dito, em parte dela – a despeito da ação expropriatória. Quando se considera cada situação individualmente, o que primeiro salta aos olhos é a dimensão da perda. Geralmente se trata de uma família extensa, que mantinha a posse de uma porção ampla do território e terminou reduzida em uma pequena fração do mesmo; em praticamente todos os casos, a exiguidade da área tornou impossível garantir o sustento dos indígenas com base exclusivamente no que se produzia e extraía ali. Muitas vezes, apenas os indivíduos mais velhos ficaram no sítio em caráter permanente. Já não havia condições de repartir a terra com filhos e netos (“Os meus filhos mais velhos todos têm um pedacinho de cacau, na Beira-Rio. Só os filhos mais novos que não têm, porque o terreno acabou. Não dava para todo mundo”). Para estes, as alternativas eram estabelecer relação com as fazendas (como trabalhadores permanentes, meeiros ou em decorrência de outros tipos de acordo com os pretensos proprietários das áreas) ou migrar (os destinos variavam das cidades mais próximas a municípios do centro-sul do país)66. Por vezes, indivíduos mais jovens continuavam a viver no sítio, que, porém, tornava-se para eles apenas (ou principalmente) local de morada, já que tinham de trabalhar em outra parte, nem que fosse para complementar o que produziam junto à família.

Um jovem indígena, a quem chamarei Jorge, falava-me certa vez da relação entre o confinamento dos índios nos “pedaços mais fracos” da terra (como se sabe, na região cacaueira ocorrem manchas de solo menos fértil) e a exploração de sua mão-de-obra pelos não-índios. Estes, observou, “deixavam” que os indígenas ficassem com pequenas frações de terra – nas quais a subsistência mais ou menos autônoma era inviável –, já que precisavam de braços para as fazendas. A família de Jorge era uma das que conseguiram se manter em um pequeno sítio; seus irmãos mais velhos logo saíram para trabalhar fora. Um deles, que em 2012 tinha cerca de 30 anos de idade, trabalhou durante 11 anos e três meses na fazenda Santa Helena, que fora tomada à família e acabou retomada em 2009. O destino de Jorge foi distinto. Mesmo que sua diferença etária em relação a esse irmão fosse de menos de dez anos (Jorge tinha cerca de 20

66 As categorias de trabalho em fazendas mais referidas na Serra do Padeiro eram: 1. trabalhar na “ameia” (a que

já me referi no capítulo 1); 2. atuar como trabalhador “fichado”, isto é, com carteira assinada; ou 3. trabalhar “na empreita”, como mão-de-obra precária, contratada para tarefas pontuais. Existiam também outros acordos, mencionados com menos frequência, que não se enquadravam propriamente nessas categorias.

153 anos em 2012), quando chegou à idade em que deveria buscar trabalho, as retomadas já estavam em curso. Com isso, foi poupado de ter que trabalhar em terra alheia. Se não existissem as retomadas, cogitou, terminaria trabalhando em fazenda ou teria ido embora.

Na conservação dos sítios, junto à (inegável) perda, há, contudo, um êxito. A capacidade de resistir às variadas e intensas pressões dos não-indígenas, em um contexto tão desproporcional, por vezes assumia, nas falas dos índios, contornos épicos; além disso, o minúsculo triunfo teve desdobramentos importantes. Ainda que tivessem de passar a maior parte da vida fora, alguns indígenas sempre teriam aonde voltar, graças à permanência de seus parentes nos sítios. Eram esses indivíduos que garantiam o vínculo dos parentes dispersos com o território e, fincados na terra, acenando com um “nem tudo está perdido”, permitiam que se pensasse na futura recuperação das áreas em posse dos não-índios. Por isso, os indígenas que ficaram muitas vezes eram referidos como “mourões”, as estacas grossas que sustentam a cerca (ver imagens 3.1 a 3.4). Uma senhora indígena, que vivia à beira do rio de Una desde os nove anos de idade, explicou-me que foi ela quem “segurou” o sítio que pertencera a seus pais (ver imagem 3.9). “Uns saíram, outros morreram, eu fiquei aqui. Eu que dei resistência aos outros tudo. Porque se eu tivesse saído... Eu fiquei. Ou sofrendo, ou sorrindo, ou chorando, eu fiquei foi aqui.”

O papel desses indígenas fica ainda mais evidente quando se considera os casos em conjunto. Por se entenderem como um grupo com história e destino comuns, os Tupinambá compreendiam os casos pontuais de permanência nos sítios como necessariamente conectados entre si, a revelar uma considerável resistência territorial, já que, de sítio em sítio, abrangiam a aldeia, mesmo que de forma descontínua, em uma época em que a retomada do território, em toda sua extensão, era uma possibilidade latente. Observar mais de perto um desses sítios talvez nos ajude a compreender como se deu o processo de resistência; vejamos a história da área que corresponde ao centro da aldeia Serra do Padeiro, onde, em 2012, viviam o pajé, o cacique e outros membros da família.

Após a morte do Velho Nô, João de Nô de certa forma substituiu-o (“os irmãos todos pediam benção a ele”), evitando o fracionamento da terra da família, a despeito das pressões que já existiam67. “João de Nô dizia que não era pra vender a terra, e que quem comprasse ia

se arrepender, ia sofrer”, disse-me uma de suas familiares. Ele insistia ainda, conforme seus parentes, para que os netos estudassem, aprendendo a leitura, a escrita e as quatro operações matemáticas, “para não serem passados para trás”, especialmente em negociatas com a terra.

67 “No contexto hierárquico desse campesinato, como também no de outros, o irmão mais velho é o

substituto do pai perante suas irmãs e seus irmãos mais jovens”, assinalaram Ellen e Klaas Woortmann a respeito dos sitiantes sergipanos, o que também se aplica ao contexto que encontrei na Serra do Padeiro, sentando raízes no passado (1997: 40).

154 Em vida, João de Nô legara a seu Lírio um pedaço de terra contíguo àquele onde vivia, e foi ali que o segundo estabeleceu-se com sua família. Pouco depois da morte de João de Nô, em 1981, teve início um período de intenso assédio por parte de não-índios68. À primeira pessoa que lhe abordou propondo negócio com a terra, seu Lírio respondeu: “Isso aí não é de vender, é de todo mundo viver aí dentro”.

Alguns dos irmãos e tios de seu Lírio, contudo, venderam suas partes nas fazendas Boa Vista (que pertencera ao Velho Nô) e São João (que pertencera a João de Nô). Recordando essas transações, um dos filhos de seu Lírio comentou que os parentes mais velhos viram-se deslumbrados com a possibilidade de ter determinados objetos ou de se mudar para a cidade, que mal conheciam:

Então eles vendiam de graça. O camarada oferecia uma mala, um relógio, um negócio assim, e eles iam entregando [a terra]. Teve um branco que ofereceu em troca terra lá adiante, uma terra que não prestava. Teve um tio que até a mulher ele largou na roça para o cara: vendeu de porteira fechada. Dois tios venderam outro pedaço para um velho que não é vivo mais, em troca de um terreno. Quando eles chegaram lá, o cara não deu pedaço de terra coisa nenhuma, colocou-os para trabalhar dentro da roça dele, por conta, sem salário. Eles ficaram lá, não aguentaram, mas já tinham passado os documentos para o cara. Então eles voltaram e ficaram aqui conosco, sem nada.

Seu Lírio, isolado, acabou por consentir em vender sua parte. “O povo de fora estava que nem urubu, e nós ficamos aqui coagidos”, explicou dona Maria, a respeito dessa decisão. Nesse momento, eles cogitaram, inclusive, deixar a Serra do Padeiro. “Eu ainda fui a Pau- Brasil duas vezes, para comprar uma terra lá”, disse seu Lírio. “Assuntei por lá tudo, aí voltei: „Ô, Maria, ou viver ou morrer, é aqui dentro. Nós não saímos, não‟.” Alguns dos compradores das parcelas vendidas pelos herdeiros quiseram se apropriar também das áreas vizinhas, inclusive do sítio de seu Lírio. Na época, era recorrente o “comprar uma e ter direito nas duas” – especialmente devido ao fato de a ampla maioria das roças não ser titulada, como já se viu. Começaram a chegar “cartas de advogado”, dizendo que seu Lírio e a família tinham de deixar a área. Junto com as cartas, vieram as tocaias. “Não mataram painho porque ele não andava em porta de bar nem em brega. Mas tocaiavam-no detrás das pedras”, disse-me uma de suas filhas. Outro filho de seu Lírio complementou: “Nós tudo pequeno, e sem poder trabalhar na roça, porque eles estavam em volta, tocaiando o velho Lírio nas estradas, atrás de madeira, de pedra. Nunca conseguiram”. As ameaças vinham, principalmente, de Antonio Hermes de Sena, o Veiúsculo, sobre quem já se comentou. Conforme seu Lírio,

68 Moura atenta para o “período ambíguo e transitório que se segue à morte dos chefes de família posseiros e

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As pessoas diziam que nós íamos perder tudo, porque eles [os fazendeiros] eram ricos, tinham carro, e nós não tínhamos nada. Eles diziam que nós íamos sair só com os cacarecos na cabeça; eles queriam que nós voássemos.

Os indígenas enfatizam que estavam sozinhos – a não ser pelos encantados – diante das pressões. Muita coisa mudara desde o tempo em que o Velho Nô era a principal referência naquela área: os poderosos haviam se multiplicado por ali, e eram outros. João de Nô ainda gozara de certo prestígio, especialmente por ser um afamado rezador, mas, ao que parece, não tinha a mesma ascendência que o pai. Ademais, as condições econômicas da família haviam decaído (devido, inclusive, à fragmentação das posses, em decorrência da multiplicação dos herdeiros). Dona Maria lembrava:

Lírio serrava para os outros [era ele quem fabricava caixões e outros artefatos para os moradores da região], todo ano eu paria. Nós estávamos passando fome, porque ele ganhava pouco no serrotão. Eu só cuidava do quintal, não conseguia ir para a roça.

A situação melhoraria anos depois, quando seu Lírio deixou de trabalhar como marceneiro, a família cultivou roças próprias, dona Maria passou a vender farinha e outros derivados de mandioca na feira, em Itabuna, e os filhos já estavam mais crescidos. Quando da morte de João de Nô, contudo, os não-índios encontraram a família bastante fragilizada. E foi então que seu Lírio e dona Maria tiveram de tomar uma decisão: realizar um recuo tático. Havendo vivido até então à margem do aparato oficial de controle de terras, perceberam que precisariam recorrer a ele, em busca de proteção; com isso, perderiam a maior parte da terra, mas não tudo. Em 7 de dezembro de 1981 – transcorrido, portanto, menos de quatro meses da morte de João de Nô –, seu Lírio cadastrou sua Fazenda Belém, com 20 ha de extensão, junto ao Incra. A área que herdara do pai era consideravelmente maior, porém, se declarasse tudo, não teria condições financeiras de arcar com o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Assim, ato contínuo, vendeu os dois terços restantes (pouco mais de 40 ha) a um homem de nome Manoel Prado. Alfredo Catroca – que, a essa altura, já perdera seu sítio e morava ali – foi autorizado pelo fazendeiro a permanecer no local.

Prado ficou pouco tempo com a terra; logo a vendeu a Arlindo Berilo Alves, que se tornou compadre de seu Lírio e dona Maria (os indígenas referiam-se a ele dizendo que “era muito bom”, que encanou água para o sítio e cedeu um espaço para servir de sala de aula para as crianças dos arredores)69. Arlindo permitiu que “o santo”, isto é, o altar constituído por

69 Em uma fotografia guardada por seu Lírio e dona Maria (imagem 3.17), Arlindo e sua esposa posam ao lado

do casal de indígenas, por ocasião do batizado de uma filha dos últimos. Penso não exagerar ao dizer que, apesar de registrar um momento festivo, a imagem é carregada de tensão. Tratava-se de um caso de compadrio

156 João de Nô, continuasse na casa-sede, já que a casa de seu Lírio e dona Maria era pequena e eles ainda não haviam construído uma casa específica para a guarda das imagens. Alfredo, que continuava vivendo ali – primeiro na barcaça de cacau e, depois, em uma casa construída por Arlindo – era quem cuidava do santo.

A certa altura, em meados da década de 1990, Arlindo decidiu derrubar a mata; seu Lírio e a família assistiam aos preparativos desolados, sem nada poder fazer, a não ser rezar. “Nós colocamos a mão na cabeça. Nós íamos nos acabar neste pé de serra, as águas iam secar...”, disse dona Maria. Quando a mata já estava brocada (isto é, a madeira fina já havia sido retirada e se estava prestes a derrubar as árvores de maior parte), surgiu um comprador, o negócio foi feito e o desmatamento, suspenso. “Aí nós pudemos dormir.” O novo proprietário, José Bastos Ribeiro, tratou de regularizar a terra e, ainda que mantivesse “boas relações” com os indígenas, em 2006 solicitou à justiça um interdito proibitório em face dos Tupinambá, que lhe foi concedido.

A última morada de João de Nô (uma casa de madeira, de soalho, construída por seu Lírio há cerca de 40 anos, quando o pai já estava velho e doente), o local da casa anterior (que ficava ao lado de um pé de manga), roças de cacau e pés de fruta plantados por João de Nô e outros familiares, tudo ficou do lado de lá da cerca, nas terras de José Bastos, Astor Vieira Souza e outros não-índios (ver imagem 3.16). E o mais grave: também o acesso à formação rochosa que dá nome à aldeia, é morada dos encantados, e a principal referência territorial dos Tupinambá da Serra do Padeiro. As relações cordiais com esses pretensos proprietários de terras permitiam aos Tupinambá ter acesso a essa área – inclusive, caminhos importantes passavam por aí – e fizeram com que, ao menos até o início de 2013, se decidissem por não retomá-las, aguardando o avanço do processo de demarcação.

Em outros casos, o assédio dos não-índios aos sítios era tão intenso, que os indígenas terminaram por retomar as fazendas de onde partiam as ameaças; foi o que se deu, por exemplo, com a Gruta Bahiana, retomada em 2009. Um indígena a quem chamarei Amadeu, que vivia em um sítio vizinho à fazenda, citou oito camponeses (entre índios e não-índios) que, como ele e seu pai, tiveram terras tomadas por José Eleodório dos Santos, o pretenso proprietário da Gruta Bahiana, morto por volta de 2010, a que me referi ao tratar da ocorrência de crimes ambientais na região. Corria a notícia, ainda, de que três décadas atrás o fazendeiro teria assassinado um homem chamado Olegário, para lhe tomar a roça, também localizada na Serra do Padeiro. “Quando ele tomou essa terra minha, jurou me matar também. Ele falou que se eu procurasse justiça, ele tirava minha vida”, disse seu Amadeu. “Ele vinha junto com aqueles pistoleiros dele

“vertical”, “que implica relações com pessoas de status superior, [e] caracteriza relações de patronagem, ou pelo menos uma ideologia de patronagem” (Woortmann, 1994: 294-296).

157 e me ameaçava, aí eu tinha que baixar a cabeça e ele cortava o rumo dele [isto é, estabelecia a divisa onde bem entendesse]”. Assim, José Eleodório tomou para si boa parte das terras da família dos indígenas: “a primeira invasão foi no tempo de meu pai, eu tinha 12, 13 anos de idade; na segunda invasão, eu já era pai de filhos”.

“Depois que ele roubou [terras] de todo mundo, diz que ele mediu e deu 300 ha.” Nascido em Ibitupã, o fazendeiro teria chegado à região em 1964 (seu Amadeu lembrava-se de ter nove anos à época). “Ele dizia bem assim, quando trazia gente para cá: „Você está vendo aí?‟ – ele falava alto – „Aí tudo é meu‟. E rodava assim em cima do pé [girando em torno do próprio eixo].” Os que conseguiram se manter na terra viviam constantemente sobressaltados. “A gente plantava um pé de mandioca, os burros comiam. Plantava um pé de milho, os burros comiam. Plantava um pé de banana... burro, boi, porco e carneiro.” Os parentes e empregados do fazendeiro atacavam os animais dos sítios: matavam-nos e comiam. Davam festas na fazenda e apanhavam, sem pedir, os cocos cultivados pela família de seu Amadeu (“eles bebiam os cocos que nós mesmos muitas vezes não bebíamos, para poder vender”, disse-me um dos filhos de Amadeu). “A gente passava na beira do rio, ele falava: „ê, rapaz, não quero ninguém passando aí, não!‟. E ele passava dentro da área da gente e a gente não podia dizer nada”, completou.

Houve uma vez em que José Elodório ateou fogo à mata, propositalmente, atingindo o sítio dos pais de seu Amadeu. “A mata queimou todinha, queimou mais de 30 dias.” À passagem dos capangas do coronel, a mulher de seu Amadeu – indígena nascida em Sapucaieira, que vivia desde menina na Serra do Padeiro – fechava portas e janelas. Uma vizinha, também indígena, já em idade avançada, acompanhava todos os dias a neta à escola, por medo de que sofresse alguma forma de violência sexual. Para piorar a situação, observou Amadeu, o delegado de polícia de Itabuna à época era Pedro Marques de Sá, amigo de José Eleodório e também pretenso proprietário de uma fazenda no interior da TI.

Um dia, seu Amadeu matou um carneiro de José Eleodório. Segundo ele, tratou-se de uma expressão de revolta – “eu era molecote ainda, mas já era sabido”. “Ele danou comigo, quase me bate.” O fazendeiro dizia que Amadeu tinha de pagar o carneiro; o garoto retrucava: só pagaria se José Eleodório pagasse as roças queimadas. No fim, o carneiro ficou largado no campo, apodreceu e nenhuma das partes pagou à outra. Seu Amadeu, que cresceu sofrendo ameaças, viu-as se intensificarem quando os Tupinambá foram reconhecidos pela Funai, em 2001. Elas cresceriam mais ainda com a realização da primeira retomada, dali a três anos.

Eu comecei me resguardar mais, não sabe? Eles estavam premeditando tirar minha vida. Só ficava dentro de casa, vigiando minha família. Tinha vezes em

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que eu saía de dentro de casa e ficava no mato – deixava a mulher aqui e eu ficava no mato. Eu só andava no escuro para ninguém me ver.

Em 20 de setembro de 2009, a Gruta Bahiana foi retomada, o que trouxe grande alívio para os índios vizinhos da fazenda. De alguma maneira, seu Amadeu e sua família haviam conseguido sobreviver a mais de quatro décadas de domínio de José Eleodório, seus parentes e prepostos. No contexto da demarcação da TI, essas experiências de resistência mais ou menos localizadas – uma família que se recusa a sair de seu sítio, mesmo perdendo parte dele; um garoto que mata um carneiro do fazendeiro para dar vazão a sua raiva; uma mulher com dois filhos nos braços que ousa desarmar o fazendeiro que ameaçava seu esposo, como fez a mãe de seu Amadeu certa vez – passaram a conformar uma espécie de discurso partilhado, compondo as bases da argumentação em favor dos direitos territoriais dos indígenas.

No documento O RETORNO DA TERRA (páginas 193-199)