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3 ABORDAGEM JUDICIÁRIA NEOINSTITUCIONALISTA

3.3 O NOVO INSTITUCIONALISMO DE ESCOLHA RACIONAL E SEUS APORTES À PERSPECTIVA JUDICIÁRIA

Os estudos neoinstitucionais na vertente da Rational Choice iniciaram-se sobre o comportamento no interior do Congresso norte-americano. De acordo com Peter Hall e Rosemary Taylor (2003), os pesquisadores estavam interessados em compreender e explicar a existência de maiorias votantes estáveis a partir dos procedimentos e dos efeitos das comissões do Congresso na estruturação das escolhas dos legisladores e nas próprias informações de que eles dispunham. Ainda que haja discrepâncias dentro dessa própria corrente (LOVETT, 2006), o Novo Institucionalismo de Escolha Racional apresenta linhas relativamente uniformes as quais serão indicadas a seguir conforme sua pertinência à abordagem judiciária.

De início, observa-se a existência de sinônimos para essa vertente, sobretudo entre os estudiosos da área jurídica. Clayton (1999) intitula de Positive Theory of Institutions e Gillman (1999) nomeia de Strategic Approach ou Positive Political Theory. No entanto, o sentido de instituição permanece o mesmo. Para Tsebelis (1998), assimilando ideias de North (1991), as instituições são as regras formais dos jogos políticos ou sociais, as quais exercem coerções sobre os atores individuais ou

políticos, que, por sua vez, tentam maximizar seus objetivos embora permaneçam coagidos pelas instituições. Para um esclarecimento mínimo sobre a ação racional, emprega-se uma definição bastante ampla: convencionalmente, um ato racional é um ato que foi escolhido porque está entre os melhores atos disponíveis para o agente, dadas as suas crenças e os seus desejos (FEREJOHN; PASQUINO, 2001).

Em seus ensinamentos teóricos, Immergut (2006) aponta um relevante alicerce de muitas análises de escolha racional que é o paradoxo de Condorcet ou o teorema de Arrow. Em resumo, explica-se que, mesmo se os indivíduos têm preferências coerentes, pode haver um problema de estabilidade ao agregar essas preferências individuais em uma escolha coletiva utilizando a regra da maioria. Uma solução para este problema é que as regras institucionais para a tomada de decisões políticas podem permitir resultados políticos estáveis, estabelecendo limites ao processo político (IMMERGUT, 2006). Neste prisma, as instituições consistem em restrições estratégicas, geralmente examinadas em termos materialistas77, que permitem o ganho de cooperação (HALL; TAYLOR, R., 2003). Por isso, metodologicamente, institucionalistas da escolha racional utilizam modelos que priorizam as microestratégias do comportamento individual (NASCIMENTO, 2009).

No plano da abordagem judiciária neoinstitucional, Armando Pinheiro (2009) destaca que, sob o primado do Direito, as pessoas estruturam suas relações utilizando as regras legais para obter compensações ou aplicar sanções. Apesar disso, independente da qualidade do sistema legal, as normas não se sustentam por si mesma, necessitando estar garantidas em instituições destinadas à aplicação e à resolução de conflitos. Assim, uma das possibilidades de estudo da escolha racional é compreender o Judiciário como enforcement legal do sistema jurídico (YEUNG, 2010).

Dessas apresentações, colhe-se que, para muitos neoinstitucionalistas de escolha racional, a questão mais relevante não é o que as instituições são, porém o que elas representam. Quanto a isto, as instituições simbolizam um modelo regular de comportamento com explicações mútuas sobre os cursos de ação que os atores poderão adotar, ou seja, um equilíbrio entre ações possíveis (SHEPSLE, 2006;

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Em sentido diferente, Shepsle (2006) distingue instituições estruturadas, aquelas que são robustas, permanecem no tempo e espaço, a exemplo do Judiciário; e não estruturadas, como padrões informais de interação, representando o modo como simplesmente as coisas são feitas. Da mesma maneira que as instituições estruturadas, as não estruturadas podem ser descritas como práticas e reconhecidas pelos padrões que elas induzem, mas são mais amorfas e implícitas do que formalizadas.

NASCIMENTO, 2009). As ações individuais ou de grupos não podem ser explicadas sem a referência em que estão inseridas. Aproveitando-se das lições em Economia, DiMaggio e Powell (1991) e Théret (2003) esclarecem que, para essa nova roupagem da Rational Choice, as instituições reduzem os custos de transação78 porque tornam previsível a conduta dos demais envolvidos, reduzindo as incertezas e fornecendo estruturas confiáveis para as relações.

Um exemplo peremptório é o significado dos procedimentos ou ritos processuais existentes no processo judicial ao lado da garantia do contraditório79. A especificação abstrata na lei de como os processos judiciais tramitam, ou seja, as etapas que percorrem até a decisão final, assegurando-se às partes o direito de ter conhecimento e de se manifestar sobre todo pronunciamento dos demais sujeitos processuais (inclusive, do juiz), garante essa previsibilidade das relações que se instauram no âmbito dessa instituição.

A importância teórica das instituições, enfim, origina-se de seu efeito mediador sobre os cálculos dos atores, modulando a ação ao oferecerem oportunidades e imporem restrições (WEINGAST, 1996). Essa perspectiva pode ser considerada a base analítica do Novo Institucionalismo, visto que muitos estudiosos defendem a ideia de ―escolha sob regras‖ (NASCIMENTO, 2009), havendo, inclusive, total permeabilidade entre os novos institucionalistas Históricos.

Não obstante, os novos institucionalistas de Escolha Racional sugerem que o peso das instituições é observado basicamente sobre os resultados da ação, o que torna esta forma de análise preponderantemente funcionalista a respeito das consequências e vantagens que as instituições cumprem e propiciam. Para essa vertente, os interesses e as preferências dos indivíduos são formados independentemente das instituições e seguem uma lógica de maximização. As instituições interferem nas estratégias que os sujeitos estabelecem para alcançar seus objetivos, mas a formação em si desses propósitos encontra-se no plano das suposições teóricas e, geralmente, são ―dadas‖, sem preocupação cientifica sobre sua origem (STEINMO; THELEN, 1992; NASCIMENTO, 2009).

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Os indivíduos aderem a esses modelos de comportamento, porque têm mais a perder ao evitá-los do que ao aderir a eles (HALL; TAYLOR, R., 2003). Ao extremo (e sem aderência pacífica entre as demais correntes), Peter Hall e Rosemary Taylor (2003) descrevem que esses neoinstitucionalistas de Escolha Racional, em regra, acreditam que a origem das instituições está no acordo voluntário entre os atores interessados, visando ao ganho pela cooperação.

79 Artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988: ―aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes‖ (BRASIL, 1988).

Um clássico autor desse grupo teórico é Shepsle (1989), que traduz com fidelidade esse aspecto teórico, ao descrever as regras do contexto estratégico em que o comportamento de otimização (―enfoque calculador‖) acontece: ―(1) players are identified, (2) prospective outcomes are determined, (3) alternative modes of deliberations are permitted, and (4) the specific manner in which revealed preferences, over allowable alternatives, by eligible participants, occurs‖80 (SHEPSLE, 1989, p.135).

Apesar de permanecer alheio ao papel das instituições sobre a formação das preferências, este roteiro descritivo das regras de um comportamento estratégico guarda bastante semelhança com os procedimentos e ritos processuais. São pelas disposições normativas que se assegura a perfeita identificação dos sujeitos envolvidos na relação de direito processual81, antecipam-se resultados possíveis para cada conduta das partes (a exemplo de, caso requeira produção de prova em audiência, sendo pertinente seu pedido, haverá direito à realização; ou se resistir injustificadamente às ordens judiciais será sancionado82); bem assim, os momentos em que as partes se manifestam nos autos do processo correspondem aos exatos instantes em que revelam suas preferências adaptadas ao contexto de litígio e à pretensão de vitória na causa em julgamento83.

Esse cenário de previsibilidade maior ou menor quanto ao comportamento presente e vindouro dos outros atores bem exprime a centralidade reservada ao

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Sugestão de tradução: (1) os jogadores são identificados, (2) os resultados prospectivos são determinados, (3) modos alternativos de deliberações são permitidos e (4) o específico modo em que as preferências reveladas, sobre alternativas permitidas, por participantes elegíveis, ocorre.

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Vale a transcrição de dois dispositivos legais fundamentais: Artigo 41 do Código de Processo Penal: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas (grifei) (BRASIL, 1941). Artigo 319 do Código de Processo Civil: A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; [...] (BRASIL, 2015d).

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Essa espécie de conduta processual é considerada, no processo civil, como ato atentatório à dignidade da justiça, punível com multa (artigos 77, §2º, e 774, ambos do Código de Processo Civil) (BRASIL, 2015d), podendo, ainda, na seara criminal, corresponder ao crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal) (BRASIL, 1940).

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Didaticamente, é oportuna a transcrição de três dispositivos legais: Artigo 319 do Código de Processo Civil. A petição inicial indicará: [...] III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido com as suas especificações [...]. Artigo 336 do Código de Processo Civil: Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir (BRASIL, 2015d). Artigo 396-A do Código de Processo Penal: Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário (BRASIL, 1941).

caráter relacional estratégico nessas análises (SHEPSLE, 1989, 2006; MARCH; OLSEN, 2006). Com a devida ponderação científica, Peter Hall e Rosemary Taylor (2003) reconhecem que essa abordagem representa um considerável progresso em relação às anteriores, em que o nível explicativo do comportamento individual restava em grande medida associado a parâmetros genéricos como o nível de desenvolvimento socioeconômico, o nível educacional ou de satisfação material. Esse avanço teórico é marcado por uma concepção mais precisa das relações entre as instituições e o comportamento, dentro de um conjunto generalizável de conceitos que se prestam à elaboração de uma teoria sistemática (HALL; TAYLOR, R., 2003).

De outra parte, há um excesso explicativo fundado na intencionalidade humana, sob a forma de cálculo estratégico (THÉRET, 2003), minorando o papel que as instituições realmente desempenham e acarretando uma imagem relativamente simplista das motivações humanas, ao largo de algumas das suas dimensões mais importantes (HALL; TAYLOR, R., 2003). Um exemplo muito didático sobre a incompletude dessa visão é: quem, em algum momento, conduzindo um veículo, já não permaneceu aguardando diante de um semáforo vermelho, mesmo estando sozinho ao redor e sem qualquer radar de trânsito?84 Logo, há dimensões sugeridas por Peter Hall e Rosemary Taylor (2003) na relação entre as instituições e a ação individual que talvez não sejam muito utilitárias e não foram contempladas pela Rational Choice.

Essa mesma elevada carga de intencionalidade é aportada na criação e na mudança institucional. Muitos neoinstitucionalista de Escolha Racional sugerem que as instituições são necessárias, porque elas aumentam o bem-estar dos atores racionais e só são transformadas quando elas se tornam disfuncionais ou passam a gerar resultados subótimos e os autores deliberadamente acordam por remodelá-las (NASCIMENTO, 2009). Ainda que a existência de um componente de intencionalidade na gênese ou na mudança das instituições seja indiscutível, ―postulados heróicos relativos à presciência dos atores históricos e sua capacidade [uniforme] de controle sobre os eventos‖ (HALL; TAYLOR, R., 2003, p.216) costumam ignorar a assimetria das relações de poder e a existência de constrições de outras instituições do sistema político no processo de criação/modificação das instituições.

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Neste sentido, afirmar que as instituições seriam criadas sob o propósito de assegurar contratos entre os atores ou reforçar as regras (NASCIMENTO, 2009) não se coaduna modernamente ao Estado Democrático de Direito e à supremacia de valores não inscritos no utilitarismo, como justiça social. Então, é questionável o uso exclusivo deste raciocínio em uma abordagem judiciária, havendo, como sugeriram Peter Hall e Rosemary Taylor (2003) comportamentos e resultados políticos melhor explicados por outras correntes do Novo Institucionalismo.

Em novo horizonte, autores da Rational Choice mais atuais já apresentam um perfil flexível, porém ainda utilitarista. Maltzman, Spriggs II e Wahlbeck (1999) admitem que, em vez de serem simples maximizadores de objetivos, os atores racionais compreendem que enfrentam uma série de constrangimentos impostos pelas ações de outros atores políticos e pelo contexto institucional em que atuam (fatores endógenos e exógenos ao Judiciário, por exemplo). Assim, os juízes são atores estratégicos que levam em consideração as restrições que encontram quando interpretam a lei à vista de seus valores e preferências. Essas restrições geralmente assumem a forma de regras formais ou de normas informais que limitam as opções disponíveis aos atores políticos.

Para Maltzman, Spriggs II e Wahlbeck (1999), endogenous constraints são as regras, os procedimentos e as normas institucionais internos à Corte os quais restringem a capacidade de os juízes traduzirem suas preferências em resultados políticos. Neste conceito, podem ser incluídas as resoluções administrativas e as súmulas vinculantes emitidas pelo Supremo Tribunal Federal85 e, com menor grau, as recomendações internas, as orientações de Corregedoria, o relacionamento com os demais julgadores nos casos de decisão colegiada e a própria reforma de decisões pela via recursal contrariando posicionamento originário. Por sua vez, as principais exogenous constraints estão no plano da divisão de poderes conforme o desenho constitucional (EPSTEIN; KNIGHT, 1999; MALTZMAN; SPRIGGS II; WAHLBECK, 199986).

A produção teórica do Novo Institucionalismo de Escolha Racional é ampla: Shepsle (1989, 2006), North (1991), Cox e McCubbins (1993), Weingast (1996, 2002), Bates (1997), Tsebelis (1998), Ferejohn e Pasquino (2001), Lovett (2006),

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Lembrar que o Judiciário é uno e sua divisão é apenas para fins administrativos.

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Calha observar que a integralidade dessa obra foca os julgamentos da Suprema Corte norte- americana em que as decisões são colegiadas; no entanto, esse raciocínio é válido ao juiz singular como os autores sugerem no decorrer do artigo.

dentre outros. No que tange à abordagem judiciária, destacam-se: Epstein e Knight (1999), Maltzman, Spriggs II e Wahlbeck (1999), Segal e Spaeth (2002), Hettinger, Lindquist e Martinek (2004) e Costa Júnior (2007). De toda sorte, ainda que passível de críticas, algumas delas apontadas nas linhas anteriores, esse ramo do Novo Institucionalimo foi e ainda é responsável por estimular pesquisas científicas sociais, teoremas e proposições e um acúmulo de ferramentas e abordagens que são rotineiramente encontradas no currículo dos principais programas de pós-graduação (SHEPSLE, 2006).

3.4 O NOVO INSTITUCIONALISMO SOCIOLÓGICO E SEUS APORTES À