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3 ABORDAGEM JUDICIÁRIA NEOINSTITUCIONALISTA

4 PREMISSAS CONCEITUAIS DA JUDICIALIZAÇÃO: DIREITO À SAÚDE, SAÚDE E SAÚDE COLETIVA

4.2 SAÚDE E SAÚDE COLETIVA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES

4.2.1 Saúde: de modelos cartesianos a conceitos ampliados

De acordo com Almeida Filho (2000), o conceito de saúde constitui um dos pontos cegos paradigmáticos nas ciências da saúde, haja vista a complexidade de suas dimensões constitutivas e um flagrante desinteresse de muitos pesquisadores em construir esse objeto conceitualmente. Czeresnia (2009, p.47) traduz essa dificuldade teórica explicando que a saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida se manifesta, correspondendo a experiências singulares e subjetivas impossíveis, em muitos casos, de serem ―reconhecidas e significadas integralmente pela palavra‖.

Em verdade, a noção de saúde revela um continuum que tem em um de seus polos as características inerentes indivíduo e, no outro, aquelas mais diretamente ligadas à organização sociopolítica e econômica do Estado (DALLARI, S., 2009). Por isso, é correto afirmar que o conceito de saúde, além de não representar a mesma coisa para todas as pessoas, reflete a conjuntura social, política, econômica e cultural da época e do lugar do sujeito e de sua comunidade, em seu estágio científico, religioso e filosófico161 (SCLIAR, 2007; DALLARI, S., 2009). O mesmo dinamismo aplica-se ao sentido da doença.

A preocupação com a doença e com a saúde sempre acompanhou o homem desde seus primórdios, havendo farta literatura que inventaria concepções mágico- religiosas, inebriadas por misticismos, até explicações racionais bastante diversificadas (ALMEIDA FILHO, 2000; BATISTELLA, 2007a; SCLIAR, 2007). Em maior ou menor grau, as representações sobre saúde e doença (vetores, agentes mórbidos, fatores de risco) eram acompanhadas por indiscutível poder simbólico, catalisando tanto desejo e energia que moveram a história da humanidade.

Atualmente, existem diversas situações cotidianas que exprimem, ainda que maneira implícita, compreensões de saúde e de enfermidade, a exemplo de escolha de refeições e de hábitos alimentares, a compra de produtos cosméticos, a contratação de serviços estéticos etc. A transformação da saúde em ―valor individual‖ na sociedade de consumo reforça a crescente preocupação com posturas saudáveis e com padrões de beleza externa (BATISTELLA, 2007a). De outro lado, o progressivo desenvolvimento de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas

161 Scliar (2007) exemplifica que houve época em que o desejo de fuga dos escravos era considerado

torna-se cada vez mais difundido pelos meios de comunicação, ampliando a pauta da saúde e da doença entre as pessoas.

Batistella (2007b) identifica três formulações contemporâneas de referência para o conceito de saúde: ―saúde como ausência de doença‖, ―saúde como bem- estar‖ e ―saúde como valor social‖.

A saúde como ausência de doença é uma abordagem negativa da saúde, a qual enfatiza os aspectos biológicos, individuais ou subindividuais (órgãos ou sistemas de um determinado indivíduo em que se expressam diversos processos fisiopatológicos). Essa concepção adota um modelo biomédico, curativo (medicalização e hospitalização) e mecanicista do corpo humano (BATISTELLA, 2007b), em que se destacam as constantes morfológicas e funcionais e suas médias estatísticas, excluindo-se as dimensões econômica, social, valorativa, cultural e psicológica da relação saúde-doença.

Esse modelo é o mais amplamente difundido e consistiu durante muito tempo no padrão hegemônico (CZERESNIA, 2009), encontrando-se em Boorse (1977) os trabalhos mais representativos162;163. Todavia, apresenta uma compreensão limitada, reducionista do corpo humano, porque nem sempre a ausência de sintomas indica a condição saudável, bem como o conceito de doença abrange, também, componentes não físicos, não químicos e não biológicos (BATISTELLA, 2007b). Então, a saúde não é o oposto lógico da doença, tampouco o estado patológico é uma mera variação quantitativa do estado fisiológico (DANIELS, 2008).

Sueli Dallari (1988) qualifica esse modelo biomédico de positivista e cartesiano, conduzido pela disciplinaridade da Fisiologia e da Anatomia, com a fragmentação do objeto e a especialização do sujeito científico. Outra característica relevante é indicada por Czeresnia (2009) que ressalta que a doença seria, para esse modelo, dotada de realidade própria, externa e anterior às alterações concretas no corpo. Em sua versão clássica, a medicina biologicista esteve associada ao modelo unicausal de compreensão da doença, o qual se baseia na existência de apenas uma causa (agente) para um agravo ou doença (BATISTELLA, 2007a).

A partir da Segunda Guerra Mundial, o modelo de explicação unicausal começa a se enfraquecer diante da ―transição epidemiológica‖ (BATISTELLA, 2007a, p.45),

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Para aprofundamento, sugere-se Almeida Filho e Jucá (2002).

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Almeida Filho (2000) salienta que há um consenso em relação à centralidade da noção de doença para o discurso científico e práxico da Clínica.

marcada pelo aumento significativo das doenças crônico-degenerativas em detrimento das usuais doenças infecto-parasitárias. Esse é o cenário para o surgimento de explicações multicausais propostas de diversas formas: modelos de balanças, de redes de causalidades, modelo ecológico (ou história natural das doenças) etc. (BATISTELLA, 2007b). Mais precisamente na década de 1960, são considerados, de forma sistêmica, aspectos históricos, econômicos, sociais, culturais, biológicos, ambientais e psicológicos que configuram uma determinada realidade sanitária, mesmo mantendo a supremacia dos aspectos biológicos164.

O segundo modelo referencial indicado por Batistella (2007b), ―saúde como bem-estar‖, surge nessas circunstâncias e está diretamente ligado à criação da Organização Mundial da Saúde (OMS). No preâmbulo de sua Constituição, datada de 1946, está estabelecido: ―Health is a state of complete physical, mental, and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity‖165

(WHO, 2014). Esse conceito de saúde revela as aspirações dos movimentos sociais do pós-guerra, entre as incertezas do fim do colonialismo e a ascensão de ideologias socialistas (SCLIAR, 2007).

Marco Segre e Flávio Ferraz (1997) afirmam que essa definição da OMS, até avançada para a época em que foi realizada, é, no momento, unilateral, ultrapassada e irreal166. A unilateralidade do conceito consiste no fato de que "qualidade de vida" é algo intrínseco, só possível de ser avaliado pelo próprio sujeito, revelando a importância da autonomia do indivíduo. Ultrapassada, porque ainda segmenta o físico, o mental e o social, sendo que, modernamente, constatou-se a inexistência de uma clivagem entre mente e soma, e o social é, igualmente, interagente (continuidade entre o psíquico e somático: crítica à noção cartesiana da dicotomia mente-corpo; compreensão de unidade "socio-psicossomática", tanto assim que "deve-se tratar o doente e não a doença") (SEGRE; FERRAZ, F., 1997, p.540).

Finalmente, esse conceito da OMS é irreal, em virtude do sentido utópico e idealizado da expressão ―completo bem-estar‖ que sugere ignorar o dinamismo do

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Exemplo: modelo ecológico desenvolvido por Leavell e Clark (1976).

165 Sugestão de tradução: a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não

apenas a ausência de doença ou enfermidade.

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Almeida Filho (2000) afirma que, mesmo com as críticas ao conceito da OMS, o mesmo serviu e serve de lastro à elaboração de inúmeras escalas e inventários com as mais diversas características metodológicas para medição da capacidade física e mental e bem-estar social. Exemplo contemporâneo desse conceito de saúde é encontrado em Brülde (2011).

processo, em que algum grau de doença é perfeitamente compatível com o bem- estar mental e social. Além disso, a noção de ―completude‖ conduz à ideia de perfeição e da constante felicidade, que não são definíveis com segurança (não operacional) e, provavelmente, inalcançáveis (DALLARI, S., 1988; SCLIAR, 2007). Callahan (1973, p.87) assim sintetiza:

The second conclusion, however, is that one can be healthy without being in a state of "complete physical, mental, and social wellbeing". That conclusion can be justified in two ways: (a) because some degree of disease and infirmity is perfectly compatible with mental and social well-being; and (b) because it is doubtful that there ever was, or ever could be, more than a transient state of "complete physical, mental, and social well-being," for individuals or societies; that's just not the way life is or could be. Its attractiveness as an ideal is vitiated by its practical impossibility of realization. […] The demands which the word "complete" entail set the stage for the worst false consciousness of all: the demand that life deliver perfection. Practically speaking, this demand has led, in the field of health, to a constant escalation of expectation and requirement, never ending, never satisfied.167

Batistella (2007b) adverte que a subjetividade do conceito da OMS pode servir de justificativa para práticas arbitrárias de controle e de exclusão de tudo aquilo que for considerado indesejável ou perigoso, consoante relatam obras historiográficas de Canguilhem (2011) e Foulcaut (2016). Esse viés político permitiria que o Estado interviesse na vida dos cidadãos a pretexto de promover saúde (SCLIAR, 2007).

Ao contrário dessa perspectiva, a saúde não pode ser pensada como ausência de falhas, mas sim como a capacidade de enfrentá-las168. Logo, a saúde seria a margem de segurança ou tolerância que cada um possui para enfrentar e superar as

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Sugestão de tradução: A segunda conclusão, no entanto, é que se pode ser saudável sem estar em um "completo bem-estar físico, mental e social". Essa conclusão pode ser justificada de duas maneiras: (a) porque algum grau de doença e enfermidade é perfeitamente compatível com o bem- estar mental e social; e (b) porque é duvidoso que já tenha existido ou possa existir mais do que um estado transitório de "completo bem-estar físico, mental e social" para indivíduos ou sociedades; não é assim que a vida é ou poderia ser. Sua atratividade como ideal é viciada pela impossibilidade prática de realização. [...] As exigências da palavra "completa" trazem o cenário para a pior falsa consciência de todas: a demanda de que a vida oferece a perfeição. Em termos práticos, essa demanda levou, no campo da saúde, a uma constante escalada de expectativa e exigência, nunca terminando, nunca satisfeita.

168A contribuição de Caponi (1997, p.296) é fundamental: ―las infidelidades del medio, los fracasos,

los errores y el malestar forman parte constitutiva de nuestra historia y desde el momento en que nuestro mundo es un mundo de accidentes posibles, la salud no podrá ser pensada como carencia de errores y sí como la capacidad de enfrentarlos‖. Sugestão de tradução: as infidelidades do meio, falhas, erros e desconforto são parte integrante da nossa história e, desde o momento em que o nosso mundo é um mundo de potenciais acidentes, a saúde não pode ser pensada como a falta de erros e sim como a capacidade de enfrentá-los.

infidelidades do meio (CAPONI, 1997) e, neste sentido, a ―capacidad de tolerancia para enfrentar las dificultades está directamente vinculada a valores no sólo biológicos sino también sociales‖169

(CAPONI, 1997, p. 305).

O conceito da OMS ensejou discussões cada vez mais interdisciplinares no campo da saúde, como forma de contemplar a necessidade interna diante da complexidade do tema (JAPIASSÚ, 1976; GOMES, R.; DESLANDES, 1994). Nas palavras de Frenk (1992, p.75): ―La salud es un punto de encuentro‖170

. Então, surgem conceitos ampliados, orientados à compreensão da ―saúde como um valor social‖, em sintonia com a intensa mobilização sanitarista na América Latina, nas décadas de 70 e 80 (BATISTELLA, 2007b).

A primeira experiência brasileira de destaque sob esse concepção é encontrada na VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 (BRASIL, 1990e). Em seus Anais (BRASIL, 1986), encontra-se uma nítida preocupação em alcançar uma mudança do conceito de saúde a partir de uma nova ação institucional, visto que as modificações necessárias ao setor de saúde transcendiam os limites de uma reforma administrativa e financeira, impondo uma reformulação profunda de natureza constitucional, para se alcançar um novo e ampliado patamar de significação da saúde. Delduque (2014) filia esse debate à própria movimentação social, científica e política em curso no Brasil, ao final da década de 1980, que se convencionou chamar de reforma sanitária.

O resultado da VIII Conferência Nacional de Saúde apresentou um conceito ampliado de saúde: ―Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde‖ (BRASIL, 1986, p.382). Ademais, reforçou a importância do contexto histórico, do estágio de desenvolvimento da sociedade e das relações de poder e desigualdade, como se registra na mesma página da fonte anteriormente citada: ―É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida‖. Naturalmente, culminou por recomendar a atuação incisiva do Estado para garantir condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção,

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Sugestão de tradução: a capacidade de tolerância para enfrentar as dificuldades está diretamente ligada não apenas valores biológicos, mas a valores também sociais.

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proteção e recuperação de saúde, em todos os níveis, visando ao pleno desenvolvimento do ser humano em sua individualidade (BRASIL, 1986)171. Esse conceito foi consagrado pelo Constituinte em 1988 (artigos 196 e 200, incisos IV e VIII, ambos da Constituição Federal) (BRASIL, 1988).

A principal crítica desses primeiros conceitos ampliados está no esvaziamento das especificidades biológicas e psíquicas da enfermidade, sobrelevando a base sócio-econômica. Ainda assim, tornou-se consenso entre os profissionais da saúde, muito embora haja controvérsias sobre a direção dessa ampliação e sobre as formas mais eficazes de operacionalizá-la (BATISTELLA, 2007a).

De outra parte, algumas abordagens ampliadas, que não excluem os aspectos integrais do ser humano, têm sido bastante discutidas, destacando-se os ―campos da saúde‖ e os ―determinantes sociais da saúde‖. A noção de campo da saúde172

foi teorizada por Laframboise (1973), ao reconhecer a existência de quarto grupos de fatores173 que contribuem para a saúde (pressupostos para a saúde). Posteriormente, foi aprimorada por Lalonde (1981), assim estabelecendo:

a) human biology (biologia humana): inclui todos os aspectos da saúde, físicos e mentais, desenvolvidos dentro do corpo humano, incluindo a herança genética, os processos de maturação e envelhecimento e todos os sistemas internos complexos do corpo;

b) environment (meio ambiente): abrange todas as questões relativas à saúde que são externas ao corpo humano e sobre as quais o indivíduo tem pouco ou nenhum controle, a exemplo do solo, da água, do ar, da moradia, do local de trabalho etc.;

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Esse conceito ampliado foi reafirmado em todas as Conferências Nacionais de Saúde posteriores, sendo acrescentados outros direitos de mesmo jaez, a exemplo da edição 2015 que trouxe: moradia digna, segurança, alimentação de boa qualidade e em quantidade suficiente, saneamento básico, serviços públicos de qualidade, processos pacíficos de intermediação e resolução de conflitos e relações ambientais sustentáveis. Destacou, ainda, a relevância do respeito aos direitos humanos de mulheres e homens em todas as fases da vida, na valorização da cooperação e da solidariedade, no respeito à diversidade sociocultural e étnico-racial, na superação do racismo, e no respeito à diversidade sexual e de gênero. Isto é, a construção da saúde perpassa o conjunto de políticas públicas e somente se efetivará com a articulação de todos os setores de governo e da sociedade (BRASIL, 2015a).

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O conceito de campo da saúde é abrangente e substitui o modelo tradicional de causa de doença (agente-hospedeiro-ambiente), adaptando-se melhor à visão de múltipla causa/ múltiplo efeito da saúde, da doença e a ampliação dos riscos (BATISTELLA, 2007a).

173 São eles: ―Lifestyle; environment; health care organization; and basic human biology and clinical

application‖ (LAFRAMBOISE, 1973, p.388). Sugestão de tradução: estilo de vida; meio ambiente; sistema de organização dos cuidados em saúde; e biologia humana e aplicação clínica.

c) lifestyle (estilo de vida): consiste no conjunto de decisões do indivíduo a respeito de sua própria forma de viver;

d) health care organization (sistema de organização dos cuidados em saúde): consiste na quantidade, qualidade, disposição, natureza e relações de pessoas e recursos na prestação de cuidados de saúde. Abrange desde a prática médica, enfermagem, hospitais, medicamentos, serviços de saúde públicos e comunitários, ambulâncias, tratamento odontológico e outros serviços de saúde, como optometria, quiropraxia e podologia etc.

Esses quatro grupos de fatores têm o mesmo peso e precisam estar em equilíbrio para que a condição de saúde se estabeleça174. Contudo, Blum (1981), reconhecendo essa estrutura conceitual para análise da saúde, defende que os quatro fatores se relacionam entre si e se afetam uns aos outros como em um círculo abrangente, com importância relativa, formando uma matriz do ―meio ambiente do sistema da saúde‖.

Almeida Filho e Roberto Andrade (2009, p.113-114) desenvolvem abordagem semelhante, sistematizando uma teoria geral da saúde-doença, designada de ―holopatogênese‖, que consiste no ―[...] conjunto de processos de determinação (gênesis) de doenças e condições relacionadas (pathos) apreendidas como um todo integral (holos), abrangendo todas as facetas, manifestações e expressões de tal objeto complexo de conhecimento‖. De acordo com os autores, tomado em sua integralidade, o fenômeno da saúde-doença deve ser compreendido, então, a partir da integração de ordens hierárquicas, em diferentes dimensões e componentes sob interação recíproca:

a) Microestrutural: molecular ou celular; b) Microssistêmica: metabolismo ou tecido;

c) Subindividual (órgão ou sistema): processos fisiopatológicos; d) Clínica individual: casos;

e) Epidemiológica: população sob risco; f) Interfaces ambientais: ecossistemas; g) Simbólica: semiológica e cultural.

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À semelhança da proposição de Blum (1981), este modelo difere da abordagem multicausal tradicional, pois apresenta uma hierarquia de determinação (pesos diferenciados) e a complexidade das relações entre os diferentes níveis de expressão do processo saúde-doença.

A abordagem dos determinantes em saúde não difere significativamente da noção de campos de saúde e da holopatogênese. De acordo com Batistella (2007b), a concepção de determinantes sociais inclui as condições mais gerais – socioeconômicas, culturais e ambientais – de uma sociedade, e se relacionam com as condições de vida e trabalho de seus membros, como habitação, saneamento, ambiente de trabalho, serviços de saúde e educação, incluindo também a trama de redes sociais e comunitárias.

Carmen Teixeira, Ana Luiza Vilasbôas e Washington Luiz de Jesus (2010), influenciados pela obra de Dahlgren e Whitehead (1991), afirma que a noção de determinantes em saúde abarca um conjunto de elementos estruturais e históricos que determinam e condicionam a ocorrência e a distribuição de fenômenos relativos ao processo saúde-doença-cuidado em indivíduos, grupos e populações. Os determinantes em saúde correspondem a fatores de ordem genético-hereditária (determinação biológica) ambiental (determinação ecológica), econômica (determinação econômica), comportamental (determinação cultural) e sócio-sanitária (relacionados com o acesso a serviços de saúde, em quantidade e qualidade compatíveis com a promoção, proteção, manutenção e recuperação da saúde individual e coletiva) (TEIXEIRA, C.; VILASBÔAS; JESUS, 2010)175.

A partir dos anos 1990, no plano nacional, houve um crescente consenso em relação ao papel dos determinantes sociais no fenômeno do adoecimento humano (BATISTELLA, 2007b), tanto que foi editado o Decreto Presidencial não numerado de 13.03.2006, instituindo a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde176. Além disso, a Lei Federal n. 8.080/90, ao dispor sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento

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Buss e Pellegrini Filho (2007) ainda preveem de modo mais específico os determinantes étnicos/raciais e psicológicos.

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A Comissão explica que as relações entre os determinantes e aquilo que determinam é mais complexa e mediada do que as relações de causa e efeito. Por isso, a denominação ―determinantes sociais da saúde‖ e não ―causas sociais da saúde‖. Por exemplo, o bacilo de Koch causa a tuberculose, mas são os determinantes sociais que explicam porque determinados grupos da população são mais susceptíveis do que outros para contrair a tuberculose (BRASIL, 2006a, 2006d).

dos serviços correspondentes, estabeleceu em seu artigo 3º a fundamentalidade dos determinantes em saúde para expressão de um conceito de saúde:

Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. (BRASIL, 1990c).

No plano internacional, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, firmado na XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, e promulgado no Brasil pelo Decreto Presidencial n. 591/1992, estabelece, em seu artigo 12.1, que os Estados signatários do Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental (BRASIL, 1992a). Ainda que sugira acolher o conceito de saúde estabelecido pela OMS, o artigo 12.2 reconhece que o direito à saúde abrange uma ampla gama de fatores socioeconômicos que promovem condições nas quais as pessoas podem levar uma vida saudável e se estende aos determinantes subjacentes à saúde, como alimentação e nutrição, habitação, acesso a água potável e segura e saneamento adequado, além de condições de trabalho seguras e saudáveis e um ambiente saudável (BRASIL,