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O aparecimento de uma elite educada à moda ocidental

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 85-96)

A consequência mais importante, no plano social, da revolução feita pelos missionários foi, todavia, o aparecimento de uma elite instruída. A ação educa- dora das sociedades missionárias, a partir da década de 1850, tal como a evo- camos, traria o aparecimento, primeiro no litoral, e depois, em regiões sempre mais afastadas, de uma classe de africanos que, em sua maioria, estudou em inglês ou francês.

As regiões onde esse fenômeno foi mais marcante são inegavelmente a África do Sul e a África Ocidental.

20 C. P.Groves, 1954, vol. II, p. 261 -265. 21 M. Wilson e L. Thompson, 1969, p. 266 -267. 22 Ibid., p. 265; M.Wilson, 1971, p. 74 -75.

figura 3.3 Tiyo Soga [Fonte: C. Saunders, Black Leaders in African History, 1978, Heinemann, London (O original encontra -se em Tiyo Soga, A page of South African Mission work, 1877, 1ª edição), John Aitken Chalmers.]

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Segundo Leo Kuper, nada menos do que 3.448 africanos haviam passado pela única Lovedale Missionary Institution entre 1841, data da sua fundação, e dezembro de 1896. Entre estes, “mais de setecentos tinham uma profissão, em sua maioria de professores; mas contavam -se oito auxiliares de justiça, dois escrivães, um médico e dois redatores -chefes ou jornalistas; quase cem eram secretários ou tradutores; cerca de cento e setenta artesãos; e mais de seiscentos trabalhadores agrícolas ou lavradores23. Não se pode esquecer que a Lovedale

não era a única instituição desta natureza; havia outras no Cabo e no Natal. Entre os ex -alunos destas instituições, dentre os quais um número grande, como se verá mais adiante, teria um papel de primeiro plano no movimento religioso de massa que se espalharia entre os bantos nas décadas de 1880 e, principal- mente, na de 1890. Tiyo Soga foi o primeiro Xhosa a ser ordenado ministro da

Free Church of Scotland em 1856; Nehemiah Tile estudou teologia na Healdtown Institution; Kenyane era um eclesiástico banto do Cabo; citemos também James

M. Divane, nascido em 1841, e ordenado em 1881, e Mangena M. Mokone24.

O mais jovem, mas também aquele que deveria exercer provavelmente a maior influência, foi John T. Javabu. Nascido em 1859, ele frequentou a Healdtown

Institution (como Nehemiah Tile), tornando -se professor diplomado em 1875,

sendo o primeiro africano a passar no exame de bacharelato em 1883 e fun- dou o primeiro jornal em língua banta (Imvo Zabantsundu); ele teve um papel importante na política do Cabo entre 1890 e 191025.

Todavia, em relação ao conjunto da população negra da África do Sul, a elite educada à ocidental, permanecia, em 1880, numericamente insignificante. Ainda mais ínfimo era o número desta na África Oriental e Central na mesma época. No Tanganica, por exemplo, o primeiro padre africano da UMCA, Cecil Maja- liwa, só foi ordenado em 1890, o segundo só foi em 1894 e o terceiro em 189826.

No Quênia, foi necessário esperar pelas primeiras décadas do século XX para que uma elite, ainda que pouco importante, composta por homens como John Owale, R. Omulo, J. Okwiri, Harry Thuku, James Beauttah, Hesse Kariuku, John Muchuchu, sem mencionar Jomo Kenyatta, começasse a ter um papel ativo na política local27. Se foi assim, é bem certo que as atividades de ensino

dos missionários somente se deslancharam após o período aqui considerado. Na

23 L. Kuper, 1971, p. 433 -434.

24 E. Roux, 1964, p. 78 -80; E. A. Walker, 1957, p. 521 -522. 25 E. Roux, 1964, p. 53 -77; E. A. Walker, 1957, p 394 -395, 536. 26 J. Iliffe, 1979, p. 216 -219.

África Ocidental, ao contrário, e em primeiro lugar, em Serra Leoa, constituiu- -se, desde 1880, uma elite instruída relativamente numerosa. Com efeito, são os crioulos, como se passou a chamar as pessoas instruídas deste país, que serviram de ponta de lança da ação missionária e educadora em outras regiões da África Ocidental. Três personagens são particularmente exemplares: James Africanus Horton, nascido em 1835, que estudou medicina na Grã -Bretanha entre 1853 e 1859, engajando -se como cirurgião auxiliar de estado maior dos serviços médi- cos do exército britânico na África Ocidental; Samuel Ajayi Crowther que foi um dos primeiros diplomados do Fourah Bay College e o primeiro africano a ser nomeado bispo da igreja anglicana; e finalmente, James Johnson, intelectual e evangelizador ardoroso28. É preciso mencionar também Broughton Davies que

se formou em medicina em 1859 e Samuel Lewis, advogado, o primeiro africano a ser condecorado com o titulo de cavaleiro pela rainha da Inglaterra29. A Libéria

formou igualmente um número notável de intelectuais, devendo ser citado, entre eles, Edward Blyden, nascido nas Antilhas.

Na Nigéria e na Costa do Ouro, seu número era um pouco maior. Na Nigéria contava -se, dentre esta elite, pessoas como Essien Ukpabio; T. B. Vincent, mais tarde conhecido sob o nome de Mojola Agbebi; H. E. Macaulay, G. W. Johnson, R. B. Blaize e J. A. Otunba Payne30. Na Costa do Ouro, durante as décadas de

1870 e 1880, ela era composta por J. A. Solomon, E. J. Fynn, J. P. Brown, J. de Graft Hayford, A.W. Parker, T. Laing, J. H. Brew e John Mensah Sarbah31.

Além disso, ainda que na África Ocidental e, até certo ponto, nas regiões de Moçambique e Angola sob domínio português, uma fração desta elite instruída tenha escolhido profissões tais como funcionário, professor, catequista e padre ou agente da Igreja – segundo o último censo, os Wesleyanos contavam, em 1885, com 15 padres, 43 catequizadores, 259 pregadores e 79 professores de origem africana na Costa do Ouro32 –, a maioria estabeleceu -se no comércio por conta

própria, obtendo crédito junto a empresas estrangeiras e comerciantes locais. São estes últimos “a burguesia de amanhã”, segundo Susan Kaplow33, que na Costa

do Ouro, em Serra Leoa e na Nigéria estenderiam, como se verá adiante, uma rede de comércio varejista cada vez mais longe em terras interioranas durante o

28 E. A. Ayandele, 1966, p. 185 -196; J. F. A. Ajayi, 1969. 29 C. M. Fyle, 1981, p. 74 -76. 30 E. A. Ayandele, 1966, p. 58 -59, 192 -200. 31 F. L. Bartels, 1965, p. 72 -100. 32 M. McCarthy, 1983, p. 110 -111. 33 S. B. Kaplow, 1977, p. 313 -333.

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período em estudo. Como indicado em um relatório proveniente da Costa do Ouro, em 1850, os mais jovens iam para o interior do país, instalando -se como comerciantes e empregados “provocando um acréscimo importante na demanda junto aos fabricantes da Grã -Bretanha e desenvolvendo amplamente o comércio e a civilização entre as populações indígenas34”. Uma evolução social semelhante

ocorreu em Madagascar e na África Oriental e Central. Deste modo, ao final do século, a pirâmide social africana contava com um novo escalão, uma elite ins- truída dentre a qual alguns exerceram as profissões de médico, padre, professor, catequizador e empregado, enquanto outros formaram a classe dos burgueses de amanhã, ou dos chefes de empresas, como alguns preferem chamá -los, composta por negociantes e mercadores instruídos.

34 Citado em M. McCarthy, 1983, p. 126.

figura 3.4 Escola da vila Charlotte, Serra Leoa, cerca de 1885. [Fonte: A.T. Porter, Creoledom, 1963, Oxford University Press, Oxford. © Domínio público, com autorização da Foreign and Commonwealth Office

O Etiopianismo

O aparecimento desta elite instruída na África teve duas consequências excepcionais e interessantes: O nascimento do etiopianismo, movimento nacio- nalista africano político e religioso e a revolução intelectual sobre a qual irrom- peu, particularmente na África do Sul e na África Ocidental. É preciso sublinhar que, até a década de 1850, os africanos instruídos que exerciam profissões inte- lectuais eram tratados e vistos pelos brancos como iguais e eram remunerados de acordo com as suas qualificações e experiência. Uma grande parte da elite instruída africana acreditava sinceramente que a África somente poderia ser civilizada se adotasse o saber, a técnica e a religião dos europeus. Mas foi então que “surgiu na Europa e na América, a tese pseudocientífica que interpretava a sociedade em termos de categorias raciais imutáveis nas quais era atribuída ao negro uma classificação muito inferior35”. Estas ideias racistas foram difundi-

das amplamente durante a segunda metade do século, graças aos trabalhos de homens como J. A. Gobineau, Richard Burton e Winwood Reade. Elas seriam adotadas pela maioria dos missionários e administradores europeus na África que passaram a exercer, tanto nas Igrejas como no governo, uma discriminação em relação aos africanos instruídos com vantagem para os brancos. É essencial- mente desta discriminação racial, assim como do sentimento de humilhação e da indignação por ela provocada, que nasceu o movimento nacionalista político e religioso que se intitulou etiopianismo, tirado de um versículo da bíblia: “A Etiópia terá as mãos voltadas para Deus.”36 Tomando como exemplo a inde-

pendência manifestada, no início do século, por ex -escravos da Nova -Escócia instalados em Serra Leoa, esse movimento visava a instituição de igrejas cristãs dirigidas pelos próprios africanos e mantendo as tradições e culturas africanas. Nascido na África do Sul, provavelmente no início da década de 1860, ele se desenvolveu plenamente na década de 1880: as primeiras igrejas separatistas independentes etíopes ou africanas foram fundadas na África do Sul em 1884, pelo ministro wesleyano tembu Nehemiah Tile; e, em 1888, na África Ocidental por um grupo de personalidades da igreja nigeriana da Southern Baptist Mission (americana)37. É importante observar que, se Tile desejava “adaptar a mensagem

da Igreja à herança dos tembu” – acrescentando: “ do mesmo modo que a rainha

35 J. A. Horton, 1969, p. xvii; P. D. Curtin, 1964, p. 28 -57; R. July, 1967, p. 212 -213. 36 G. Shepperson e T. Price, 1958, p. 72 -74.

37 Ibid., p. 72 -74; G. Shepperson, 1968, p. 249 -263; E. Roux, 1964, p. 77 -80; B. G. Sundkler, 1961, p. 38 -47; D. B. Barret, 1968, p. 18 -24; T. Hodgkin, 1956, p. 98 -114.

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da Inglaterra é chefe da Igreja inglesa, o chefe supremo dos tembu deveria ser o summus episcopus da nova organização religiosa”38 –, T. B. Vincent, que mais

tarde se tornaria, sob o nome de Mojola Agbebi, um dos chefes do primeiro movimento separatista da Nigéria, declarou em 1889:

para que o cristianismo se torne verdadeiramente uma religião africana, é necessário que seja irrigada por mãos indígenas, podada por machado indígena e nutrida por terra indígena [...] Seríamos amaldiçoados se pretendêssemos ficar indefinidamente pendurados na aba dos mestres estrangeiros, recusando o crescimento.

Ele pretendia também inculcar a seus convertidos “a individualidade da raça, a independência da congregação, a autonomia financeira e política, a conser- vação dos nomes indígenas, dos trajes indígenas, os costumes e hábitos úteis indígenas e a utilização da língua natal para o culto”39. Da África do Sul, o

etiopianismo ganhou toda a África Oriental e Central, onde exerceu uma forte influência entre 1880 e 1920.

Na África Ocidental, contudo, a elite instruída não se contentou com uma ação política. Ela também passou a refutar e denunciar as teses e práticas racis- tas através de uma série de artigos, brochuras, livros e discursos que deram vida ao segundo dos fenômenos excepcionais evocados acima, ou seja, à revolução intelectual e, com ela, à consciência racial africana, ao pan -africanismo e à per- sonalidade africana.

Os pioneiros deste movimento na África Ocidental foram sem dúvida James Africanus Horton (1835 -1883), e Edward Wilmot Blyden (1832 -1912). Entre as obras de Horton sobre os tópicos em questão encontram -se Political economy

of British Western Africa with the requirements of the several colonies and settlements: An African view of the Negro place in Nature (1865) (A economia política da

África Ocidental britânica e as exigências das diversas colônias e assentamentos: uma visão africana sobre o lugar do Negro na Natureza); Western African coun‑

tries and peoples: a vindication of the African race (1868) (Países e povos da África

Ocidental: uma defesa da raça africana) e Letters on the political conditions of the

Gold Coast (1870) (Cartas sobre as condições políticas da Costa do Ouro). Em

sua segunda obra, Horton refuta a ideia de uma inferioridade intrínseca da raça negra; segundo ele, a distância existente entre o grau de civilização de brancos e negros resulta “totalmente de circunstâncias externas”. Aos que apresentavam a hipótese da inferioridade da raça negra e concluíam que esta, mais cedo ou

38 Apud T. Hodgkin, 1956, p. 100. 39 Apud E. A. Ayandele, 1966, p. 200.

mais tarde, seria varrida da face da terra pela potência dos brancos, Horton respondia:

Nós constatamos que, por todos os lugares onde os membros da raça africana foram transplantados, eles se multiplicaram, qualquer que tenha sido o jugo destruidor e pesado que tenham sofrido, podemos deduzir sem grande risco de erro que o povo africano é um povo indestrutível e persistente, e que as extravagâncias daqueles que previam seu desaparecimento são destinadas ao esquecimento da mesma forma que o escravismo americano, hoje moribundo40.

Refutando, enfim, o postulado segundo o qual os negros seriam incapazes de atingir o progresso, ele escreveu: “Os africanos não são incapazes de progredir; com a assistência de homens bons e capazes, eles estão, ao contrário, destinados a figurar nos tempos futuros e a ter um papel proeminente na história do mundo civilizado”41.

No prefácio das suas Letters on the political conditions of the Gold Coast (1870), Horton escreveu novamente: “Roma não foi feita em um dia. O mais orgulhoso império da Europa já foi antes mais bárbaro que o são hoje as principais tribos habitantes da costa ocidental da África; ora, o que já foi feito pode ser realizado novamente; isso é uma verdade irrefutável. Se, portanto, a civilização europeia conseguiu atingir o apogeu que conhece nos dias atuais no cabo de uma evolução gradual, a África, fortalecida pela garantia oferecida pela civilização do Norte, conseguirá, ela também, uma grandeza idêntica”42.

Horton não se contentou em condenar o racismo; ele foi um dos primeiros a defender o pan -africanismo. Como mostrou Shepperson, esse ideal nasceu nele enquanto estudava na Grã -Bretanha em reação contra as teorias racistas pseudocientíficas. Foi então que adicionou Africanus aos seus outros dois nomes, James Beale; desde então, ele simplesmente assinou a maioria dos seus escritos como Africanus Horton.43 Por fim, convém observar que Horton se interessava,

além dos problemas raciais e culturais, igualmente pela independência política. Com efeito, em sua obra West African countries and peoples, ele tenta não somente “refutar numerosas teorias e afirmações antropológicas falaciosas e contrárias aos interesses da raça negra”, mas também a definir as “condições necessárias para

40 J. A. Horton, 1969, p.69; ver também R. July, 1967, p. 110 -129; encontra -se uma biografia completa de J. A. Horton em C. Fyfe, 1972.

41 J. A. Horton, 1969, p. IX ‑X. 42 Ibid., p. I.

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alcançar a autonomia recomendada pela Comissão da Câmara dos Comuns em 1865”.44

Contemporâneo a Horton, Edward Wilmot Blyden (1832 -1912) foi ainda mais prolífico, mais radical e tão conhecido quanto ele.45 Nascido em St. Tho-

mas, Antilhas, ele muito cedo, entretanto, imigrou para a Libéria onde reali- zou os seus estudos e residiu durante toda a sua vida, ocupando as funções de professor universitário e diplomata até a sua morte aos oitenta anos de idade. Ele publicou um grande número de livros e de brochuras, pronunciou diversos discursos na Europa e nos Estados Unidos condenando sem descanso as teo- rias racistas então em voga. Entre as suas obras publicadas durante o período analisado aqui, figuram African colonization (1862) (A colonização africana);

Vindication of the Negro race (1857) (Em defesa da raça negra); A voice from bleeding Africa on behalf of her exiled children (1856) (Uma voz da África san-

grenta em nome dos seus filhos exilados); Hope for Africa (1861) (Esperança para a África); From West Africa to Palestine (1873) (Da África Ocidental até a Palestina); e Christianity, Islam and the Negro race (1877) (Cristianismo, Islã e a raça negra). Em suas obras, ele defendia a palavra de ordem “África para os Africanos” e se tornou um defensor do pan -africanismo, da personalidade afri- cana, do islamismo e da poligamia – mais adequada, segundo ele, à identidade africana; ele enfatizou a necessidade de preservar a pureza e a integridade da raça negra e, deste modo, condenou os casamentos inter -raciais; lutou em prol do etiopianismo e, acima de tudo, pregou o orgulho de ser negro. Deste modo, em um artigo publicado em 1874, ele fez apologia aos mande e fulbe que eram muçulmanos e que desenvolviam a ideia de uma ordem nacional e social sem intervenção positiva ou negativa dos estrangeiros. Blyden concluiu:

Durante séculos, a raça africana participou da construção da civilização humana da forma mais humilde e subalterna. Entretanto, o curso da história produziu este fato interessante em que uma carreira se abre a este povo e a nenhum outro. Uma tarefa particular lhe foi reservada, tanto em terras de servidão como nas terras de seus pais, que nenhum outro povo pode realizar. Quando considero suas perspectivas e privilégios atuais – e o trabalho duro, o sofrimento nobre e os êxitos que lhe são prometidos –, prefiro pertencer a esta raça a ter nascido grego na época de Alexandre, romano à época de Augusto ou ser anglo -saxão no século XIX.46

44 Ibid., Prefácio, p.VII.

45 Para maiores detalhes, ver H. L. Lynch, 1967; J. S. Coleman, 1958, p. 106 -107, 175 -176, 183 -184; R. July, 1967, p. 208 -233.

Foi o mesmo Blyden que, em seu famoso discurso de maio de 1880 diante da American Colonization Society, deu ressonância à formula “A Etiópia terá as mãos voltadas para Deus” e incorporou os etíopes à comunidade africana; foi ele o primeiro a utilizar as expressão “personalidade africana” em uma conferência pronunciada em 19 de maio de 1893, em Freetown, descrevendo a raça africana como “ uma grande raça – grande por sua vitalidade, por sua resistência e suas chances de perpetuidade”. Ele acrescentou:

É triste pensar que existem africanos, principalmente aqueles que tiveram as van- tagens de uma formação estrangeira, que permanecem cegos diante das realidades fundamentais da natureza humana, a ponto de dizerem: ‘Livremo -nos de todo senti- mento de se pertencer a uma raça. Livremo -nos de nossa personalidade africana e, se possível, fundirmo -nos numa nova raça’ [...] Pregai esta doutrina o quanto quiserdes, ninguém os seguirá. Ninguém pode seguir -vos, por que uma vez abandonada a sua personalidade, serão desnudados de si mesmos [...] É o dever de todo homem, qual- quer que seja a sua raça, lutar pela sua individualidade – para preservá -la e desenvolvê- -la [...]. Deste modo, honrai e amai a vossa raça. Se deixardes de ser vós mesmos, se renunciardes a vossa personalidade, não restará nada a deixar neste mundo47.

Uma outra figura que marcou a revolução intelectual daquela época foi, sem dúvida alguma, James Johnson, este entusiástico evangelizador crioulo de origem iorubá. Como Horton, ele nasceu em Serra Leoa e realizou os seus estudos na escola secundária de Freetown e no Fourah Bay College e, depois, ensinou nesta última instituição entre 1860 -1863. Em seguida, entrou na Church Missionary

Society que, em 1874, o enviou à Nigéria onde, num primeiro momento, ficou

responsável pela célebre Breadfruit Church de Lagos. Em 1876, ele foi nomeado diretor geral de todas as missões da Church Missionary Society instaladas em território iorubá, isto até 1880 quando ele foi demitido das suas funções só por ser da “raça negra”.48 James Johnson, em seus sermões, em suas cartas e em seus

artigos, tornou -se não só um defensor do nacionalismo nigeriano, mas também do etiopianismo, doutrina que jamais, na África Ocidental, teve o caráter anti- governamental e separatista que teve na África Austral e Central, mas que se tornou a expressão das aspirações africanas, vangloriando e exaltando os sucessos da raça negra e, ao mesmo tempo, uma arma na luta pela conquista do poder e de posições no seio da Igreja e na função pública.

47 Ibid., p. 249 -250.

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Como Blyden, mas diferentemente de Crowther, James Johnson defendeu, em seus sermões e em suas obras, a palavra de ordem “África para os Africanos”, popularizando simultâneamente o conceito do etiopianismo49. Ao contrário de

seu contemporâneo Crowther, ele foi também um partidário e um defensor apaixonado de uma evangelização da África pelos africanos e condenou com vigor a tese, então em voga, da inferioridade da raça negra. Ele desejava o apa- recimento de uma igreja africana independente que poria fim a todo sectarismo e uniria todos os cristãos da África, “reagrupando todos em uma única comuni- dade africana”50. Os ministros daquela igreja, insistia ele, deveriam ser em todos

os níveis africanos porque, de acordo com ele, “os missionários europeus não saberiam fazer suas as ambições e o modo de pensar próprios da raça africana”. Ele considerava também que a presença dos europeus entravaria o progresso desta raça ao destruir “a superioridade física, a independência viril, a coragem e a bravura, a audácia e a autonomia, além da vontade de enfrentar dificuldades”, todas as qualidades que possuem os africanos que jamais tiveram contato com os europeus51. Aos que, em 1881, o acusaram de ser hostil aos brancos, Johnson

respondeu:

Para os missionários atuais, o africano que comprova a sua independência de espírito e enuncia claramente as suas convicções comete um crime grave.

Não se lhe reconhece este direito: ele deve ver sempre com outros olhos que não os seus e professar outras opiniões que não as suas; não deve manifestar sentimento patriótico algum; é preciso desnudar -lhe de sua humanidade e os últimos vestígios

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 85-96)