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Os países e os métodos de cultivo dos nguni do Norte

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 134-137)

Após séculos de implantação e de prática agrícola, os cultivadores das comu- nidades nguni do Norte estavam bem adaptados ao meio físico das regiões nas quais haviam se estabelecido.

O território ocupado pelos nguni do Norte (ou protozulu) pode ser aproxi- mativamente definido como a região delimitada por três cursos de água: a Norte, o Pongolo; a Sul, o Tugela, e a Oeste, o vale do Búfalo (Mzinyathi)5. Trata -se

de uma região de relevo elevado, na qual vários cursos de água entalharam pro- fundos vales. Os principais rios são o Tugela, o Mhlatuze, o Mfolozi, o Mkuze e o Pongolo, que, junto com seus afluentes, penetram nas terras altas. Entre os leitos destes cursos de água, a elevação do terreno atinge frequentemente 1.000 metros acima do vale6. Tais vales fluviais penetram profundamente rumo ao

Oeste, no interior do país.

4 J. D. Omer -Cooper, 1966, p. 4. 5 J. Guy, 1980.

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As variações de altitude, em razão deste relevo cortado, fazem com que as precipitações e as temperaturas variem consideravelmente de um lugar a outro. Da mesma forma, a vegetação é muito diversa; isso ocasiona o surgimento de “uma certa quantidade de tipos de vegetação que se imbricam uns nos outros pela extensão do país”7. A chegada e o estabelecimento de cultivadores e de

criadores na região provocaram efeitos na vegetação natural.

Em uma obra tratando dos efeitos da instalação do homem no meio físico em toda a África Austral, o ecologista J. P. H. Acocks indica que a vegetação da maior parte do território compreendida entre o Drakensberg e o Oceano Índico, em outros tempos, era provavelmente constituída de florestas e de matas, ao passo que as terras baixas dos vales eram cobertas pela savana8. Desde os

primeiros tempos de sua instalação na região, os camponeses nguni protozulu, agindo com abates e queimadas, devastaram a floresta e modificaram conside- ravelmente as formas naturais da vegetação. Durante um século e meio, o fogo, a enxada o machado dos camponeses nguni empurraram os limites da floresta até os cumes das altas cadeias de montanhas, e a selva apenas se manteve nos declives mais úmidos que bordejavam os cursos de água9. Estes métodos permi-

tiram aos agricultores aumentar, para benefício próprio, as superfícies cobertas pela savana e por outras vegetações do mesmo tipo.

J. Guy afirma que, no local onde a mata foi destruída, gramíneas se propaga- ram a partir do fundo dos vales irrigados, ao passo que a diminuição dos setores arborizados após as queimadas regulares favorecia a cobertura ervosa10. Séculos

de manipulação da vegetação finalmente produziram um conjunto complexo de modificações que tenderam a entrelaçamentos de pastos de tipo pastos doces (sourveld) e pastos amargos (weetveld), cujo desenho é determinado principal- mente pelo volume das precipitações e a topografia locais11.

Nas zonas de fortes precipitações a erva tende a ser do tipo sourveld. Trata- -se de uma variedade cujo valor nutritivo e sabor são mais elevados, logo após as primeiras chuvas de primavera e no início do verão. Mas, essas qualidades vão decrescendo à medida que a erva amadurece. Portanto, o sourveld constitui geralmente bons pastos aproximadamente por quatro meses, após o que começa a perder tanto o sabor quanto o valor nutritivo. O sweetveld é mais caracterís-

7 Ibid.

8 J. P. H. Acocks, 1953. 9 J. Guy, 1977. 10 Ibid., p. 4. 11 Ibid.

tico das zonas secas, nas quais encontramo -lo geralmente associado a árvores dispersas em savanas, onde forma o tapete vegetal. Ele é esparso e frágil, porém conserva suas qualidades nutritivas e seu sabor durante toda a estação seca. Logo, o sweetveld desempenha um papel particularmente importante como pasto de inverno. Entre os dois extremos do sweetveld e do sourveld, encontramos zonas mistas onde se misturam dois tipos de vegetação; elas podem servir de pastagem, de seis a oito meses por ano12.

Outras regiões da África Austral, tais como aquelas habitadas pelas comu- nidades sotho -tswana, no atual Highveld do Transvaal, também eram cobertas de grandes extensões de sweetveld. Mas faltava -lhes uma rede de cursos de água como aquela dos países nguni do Norte, graças a qual as partes pouco irrigadas da região apresentavam um caráter paradoxal, pois eram secas e, entretanto, amplamente ricas em água13. Ademais, as zonas de sweetveld, que formam os

pastos do Highveld, eram frequentemente infestadas de moscas tsé -tsé, propa- gando a doença do sono entre os homens e os animais.

É preciso acrescentar que os camponeses que viviam no Highveld nos tem- pos pré -coloniais não se beneficiavam com uma alternância de sweetveld e de

sourveld, como a que caracterizava os declives montanhosos da região nguni do

Norte. Os modos de ocupação dos solos adotados pelos sotho -tswana, com suas aldeias separadas, suas terras aráveis e seus currais, eram bem adaptados à exis- tência de espaços disponíveis, muito mais vastos e mais abertos do que aqueles dos quais dispunham os nguni do Norte. Parece que as sociedades sotho -tswana, embora formadas por criadores e cultivadores, não tiveram que suportar o peso de populações de densidades comparáveis àquelas que acabaram tornando -se um fardo para os destinos dos grandes Estados nguni do Norte. A estrutura de

habitat agrupado, própria de tais sociedades, – contrastando com o habitat dis-

perso dos nguni –, deveu -se mais à aglomeração de comunidades inteiras perto de fontes de águas raras e esparsas do que a uma pressão demográfica.

Enquanto pudesse ser mantido um delicado equilíbrio entre o crescimento da população e dos rebanhos, de um lado, e as possibilidades de acessos aos diversos tipos de pastos, de outro, a estabilidade da região parece não ter sido realmente ameaçada. Porém, por volta do final do século XVIII, a capacidade dos homens de aumentar os recursos em terras de cultura e de pasto atingiu um limite. O inchaço da população, acrescido sensivelmente pela adoção do milho

12 J. Guy, 1980, p. 7. 13 Ibid.

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como uma das principais culturas da região, sem dúvida exerceu uma enorme pressão nos acessos à terra e aos recursos conexos14.

Embora a estreiteza do corredor compreendido entre o escarpamento do Drakensberg e o Oceano Índico tivesse sempre limitado estritamente as possi- bilidades de expansão das comunidades que viviam nesse território, as chefias nguni do Norte gozavam de um certo número de vantagens próprias da região. Durante séculos, essas populações tiraram proveito de um meio físico favorável, aprendendo a explorá -lo com habilidade. Na primavera e no início do verão, os pastores nguni podiam conduzir seus rebanhos para pastar no sourveld das terras altas e, a partir da metade do verão, eles desciam com seus animais até o fundo dos vales atapetados de ervas tenras. A diversidade do clima também permitiu a tais agricultores escolher as terras mais apropriadas à cultura do sorgo, do milhete ou do milho. Hoje sabemos que o milho foi introduzido na região no século XVIII, e que rapidamente ele substituiu outras culturas de subsistência tradicionais como alimento de base. Em uma zona de chuvas abundantes, o surgimento do milho como gênero alimentício de base talvez tenha estimulado o crescimento natural da população e, por consequência, aumentado a pressão sobre as terras. Sem dúvida, isso contribuiu com o aumento da instabilidade e da violência quando os inúmeros pequenos Estados da região começaram real- mente a rivalizar e a lutar pela posse de recursos em vias de diminuição.

Também é provável que esta evolução das condições de existência, no território povoado pelos nguni do Norte, tenha sido fortemente amplificada por uma terrível fome, da qual ainda se fala, sob o nome de Madlathule. Parece que essa causou estragos entre o último decênio do século XVIII e o primeiro do XIX15. Conta -se

que, nesses tempos difíceis, o país era percorrido por bandos de esfomeados que pilhavam as reservas de víveres. É incerta a época exata da fome Madlathule, mas a situamos aproximadamente no mesmo momento em que uma outra fome caiu sobre o país sotho, dando lugar, diz -se, a uma onda de canibalismo.

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