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Os britânicos se retiram do interior

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 196-200)

No início da segunda metade do século, os britânicos se retiraram do interior da África do Sul. Sir Harry Smith, enérgico e presunçoso governador e alto- -comissário, iniciou as suas funções em 1847, tinha em pouco tempo, desde a sua chegada, expandido de modo muito espetacular a zona dominada pelos britâni- cos. Convencido das virtudes pacíficas e estabilizadoras da ordem britânica, bem como da necessidade de levar aos africanos “os benefícios” da civilização indus- trial e da cultura britânica, ele anexou o país xhosa entre o Keiskamma e o Kei, denominando -o de Cafraria britânica e a totalidade do território habitado pelos bôeres e africanos situado entre o Vaal e Orange que se deu o nome de colônia do rio Orange. Smith imaginava que a administração destas novas conquistas seria financiada com receita local e que não representaria, consequentemente, um peso financeiro para os britânicos. A sequência dos acontecimentos mos- traria o seu erro. Sua política provocou guerras que custaram muito caro finan- ceiramente, em vidas humanas e destruição. De fato, os bôeres não aceitaram serem anexados, ao passo que os africanos rejeitavam as medidas “civilizadoras” e se rebelavam para recuperar as terras confiscadas e a soberania perdida.

Os primeiros a iniciar a resistência armada foram os bôeres sob a liderança de Andries Pretorius. Em 1848, ele reuniu uma tropa de 12.000 homens e expulsou da colônia do rio Orange o residente britânico (o major Harry Warden) e seus colaboradores. Mas os bôeres foram incapazes de usufruir de sua vitória. Não tardaram a se dispersar, deixando Pretorius com poucos homens, facilmente derrotados por Smith em 29 de agosto de 1848.

Tendo Smith restabelecido a tutela britânica e apoiado por uma pequena força militar, retornou apressadamente ao Cabo, deixando a Warden a tarefa delicada

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Os britânicos, os bôeres e os africanos na África do Sul 1850 -1880

e temível de delimitar os territórios da colônia do rio Orange, reivindicados por grupos rivais. As partes presentes eram o poderoso reino de Moshoeshoe, os Estados mais modestos dos taung de Moletsane, dos tlookwa de Sikonyela, dos rolong de Moroka e, por fim, os bôeres, os kora e os griqua. A população do reino de Moshoeshoe cresceu muito rapidamente com o afluxo dos refugiados fugindo das exigências dos invasores bôeres. Moshoeshoe precisava, para o seu povo, da maior parte das terras do vale do Caledon, desde a sua nascente até a confluência com o rio Orange. Ao se espalharem, deste modo, sobre as terras férteis e aráveis que se estendiam além das fronteiras setentrional e ocidental do seu país, as populações sobre as quais reinava Moshoeshoe entraram em conflito violento com os seus vizinhos que igualmente desejam estas terras. Os britânicos tentaram mediar estes conflitos traçando as fronteiras. Mas Warden agravou a situação, já que as suas fronteiras favoreciam os bôeres e os Estados menores, em detrimento dos sotho de Moshoeshoe. Ademais, o simples fato de anunciar que as fronteiras seriam traçadas provocou uma competição intensa entre todos os grupos populacionais para a ocupação das terras, o que levaria ao recrudescimento dos saques ao rebanho.

Toda esta crise deixou Moshoeshoe numa situação difícil, já que este só sobreviveria abstendo -se de tomar uma posição. Ele não desejava colidir de frente com os poderosos britânicos que doravante impunham sua lei aos bôeres. Na eventualidade de uma guerra com seus vizinhos brancos, Moshoeshoe gosta- ria de poder contar com o apoio deles. Mas os britânicos o incomodavam. Ele já havia acolhido favoravelmente a chegada deles na região, esperando que pudes- sem dissuadir os bôeres de tomarem as suas terras. Infelizmente, os bôeres as tomaram em conivência com os britânicos. O seu povo tinha a impressão de que ele colaborava com os britânicos ao ceder -lhes porções do país, sendo por isso muito criticado. Nestas condições, ele não podia efetivamente impedir os seus súditos de violarem as fronteiras de Warden. Sobrava -lhe desaprovar aqueles que não respeitavam tais fronteiras e, ao mesmo tempo, aproveitar todas as ocasiões para protestar junto às autoridades britânicas contra estas fronteiras iníquas. Mas seus súditos não faziam o menor caso de suas reprimendas. Instalavam -se onde desejavam e continuavam, por vingança ou mesmo sem serem provocados, a atacar os rebanhos dos Estados vizinhos.

Warden, o residente britânico, tampouco podia conseguir a paz na região. Suas forças militares eram insuficientes e ele preferiu ignorar as reivindicações territoriais de Moshoeshoe. Ao dar uma fronteira aos tlookwa, ele exacerbou o nacionalismo dos sotho de Moshoeshoe que somente esperavam uma ocasião propícia para aniquilarem os tlookwa e recuperarem as terras que estes últimos

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haviam conquistado durante a época em que o reino de Moshoeshoe era ainda mais frágil. Warden impôs até mesmo aos taung de Moletsane uma fronteira que eles nunca haviam solicitado, já que sabiam que as terras ocupadas por eles pertenciam a Moshoeshoe. Este e seu povo tampouco podiam tolerar que invasores recentes, como os kora de Taaibosch, fossem generosamente provi- dos com terras por Warden. Aliás, este último buscava enfraquecer o reino de Moshoeshoe e assegurar o apoio dos pequenos Estados, a fim de compensar a fragilidade militar dos britânicos na região1.

Efetivamente, quando a guerra irrompeu na sequência de toda uma serie de ataques e contra -ataques entre os taung e tlookwa, Warden conseguiu reunir uma tropa bastante importante composta por alguns bôeres que o apoiavam, griqua, rolong e kora. Ele também socorreu os tlookwa, dispersou o exército taung nas colinas de Viervoet e completou a sua vitória apropriando -se de 3.468 bovinos e de um certo número de ovinos. O temível Moshoeshoe entrou no conflito ao lado dos seus aliados, os taung de Moletsane e, juntos, infligiram uma derrota arrasadora a Warden e a seus aliados africanos. Deste modo, em junho de 1851 ruiu a administração britânica na colônia do rio Orange2.

Warden obteve não mais do que uma ajuda mínima dos bôeres da região e dos britânicos da colônia do Cabo. Os bôeres solicitaram assistência àqueles entre os seus que tinham se estabelecido na outra margem do rio Vaal, ou busca- ram conseguir um acordo pacífico com os vencedores, Moshoeshoe e Moletsane. Na colônia do Cabo, as forças britânicas eram monopolizadas pela guerra contra os xhosa, que iniciara em dezembro de 1850. De fato, foram estas duas guerras na frente oriental e na colônia do rio Orange que obrigaram os britânicos a abandonarem a política expansionista de Smith na África do Sul.

A guerra de 1850 -1853 entre britânicos e xhosa foi provocada pelos esfor- ços que Smith empregou para privar os xhosa de sua independência. Em 1848, ele se apoderou de vastos territórios xhosa ao anexar à colônia do Cabo a região compreendida entre o Great Fish e o Keiskamma, depois proclamando colônia britânica da Cafraria o território compreendido entre o Keiskamma e o Kei. Inúmeros xhosa foram impedidos de se estabelecerem em suas antigas terras, a Oeste do Keiskamma, que haviam sido repartidas entre os mfengu lealistas e os agricultores brancos. Na própria Cafraria, os xhosa foram divididos entre diferentes “reservas”; os poderes de seus chefes foram fortemente limitados pelo fato que tiveram de se submeter ao controle dos magistrados brancos.

1 P. Sanders, 1975, p. 149 -150 e p. 159. 2 Ibid., capítulo 14.

Costumes tais como o da labola (dote), e as acusações de feitiçaria foram pos- tos fora da lei como contrários ao direito britânico. Ademais, os magistrados brancos pouco sabiam das leis em vigor no Cabo e, absolutamente, nada do sistema jurídico xhosa; assim, eles se deixavam guiar por seus sentimentos pessoais para solucionar os litígios xhosa que lhes eram apresentados. Os quinhentos membros da polícia africana, na qual se apoiavam os magistrados, não tinham recebido formação alguma e eram tão orgulhosos em executar as ordens dos brancos que tratavam os seus compatriotas com arrogância. Todos estes ressentimentos levariam os xhosa a tentarem se desvencilhar do domínio britânico.

Smith ateou fogo à pólvora ao tratar o chefe supremo deles com desenvol- tura, sem levar em conta o apego da população a seus dirigentes e suas insti- tuições. Ele convocou o chefe, Sandile, para uma reunião em King William`s Town. Sandile se recusou a comparecer, pois, alguns anos antes, os britânicos o haviam detido traiçoeiramente quando ele atendeu a uma convocação seme- lhante. Smith depôs Sandile e tentou substituí -lo por sua própria mãe, associada a um chefe branco; mas ambos foram rejeitados pelos xhosa. Smith colocou Sandile na ilegalidade e tentou prendê -lo. Em dezembro de 1850, os xhosa não mais suportaram as ingerências do governador em suas vidas e começaram a atacar as forças e as instalações militares britânicas na região. Eles liquidaram vários postos militares.

A causa de Sandile foi amplamente sustentada por seus vizinhos africanos. A Leste do Kei, ele recebeu o apoio moral dos súditos do chefe Sarili. Vários membros da polícia africana e dos Cape Coloured Mounted Riflemen (Policia Montada da Colônia do Cabo, constituída por mestiços armados com fuzis) desertaram e juntaram -se às suas tropas. Os khoi -khoi e alguns tembu com- bateram também ao lado de Sandile. Muitos fazendeiros brancos e africanos que haviam se colocado ao lado dos britânicos foram mortos, o seu gado cap- turado e as suas propriedades destruídas. Smith só pôde se apoiar nos aliados africanos porque os fazendeiros brancos da colônia do Cabo não estavam dispostos a entrarem em guerra. Mesmo com os reforços recebidos do governo britânico em março de 1852, Smith não conseguiu conter a sublevação dos xhosa. A guerra só chegou ao final com o seu sucessor, Sir George Cathcart, que se assegurou do apoio dos fazendeiros brancos do Cabo ao prometer -lhes uma parte do rebanho espoliado. De fato, quando os xhosa foram vencidos, em outubro de 1852, os súditos de Sandile, bem como os de Sarili, que viviam a Leste do Kei e tinham, sobretudo, dado um apoio moral aos seus irmãos do

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