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O artigo 19 da lei 12.965/14 na perspectiva dos modos de relação da articulação

4. ANÁLISE SEMÂNTICO-ENUNCIATIVA DA LEI 12.965/14 E DA CONSTITUÇÃO

4.5. O artigo 19 da lei 12.965/14 na perspectiva dos modos de relação da articulação

Para adentrarmos na análise do art. 19, comparativamente ao art. 2°, trataremos primeiramente da expressão liberdade de expressão. Como dissemos anteriormente, esta expressão nominal aparece também em outros enunciados do texto da lei 12.965/14. Dessa forma, procederemos à análise, a partir de agora, de um primeiro recorte do que se encontra enunciado no artigo 19 desta lei. Temos então a seguinte sequência:

[3] (a-caput) (a) Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

(...)

(b) § 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal. (BRASIL, Lei 12.965, 2014)

Para analisar a sequência acima, resultado de um recorte operado a partir do art. 19 da lei 12.965/14, continuaremos fazendo uso das duas principais operações enunciativas que produzem sentido pelo modo como uma forma, a partir do enunciado de que faz parte, a articulação e a reescrituração. Como vimos, o enunciado é a unidade de análise da semântica, além disso, é visto por esta disciplina linguística como uma unidade de linguagem cujo funcionamento apresenta uma consistência interna aliada a uma independência interna (GUIMARÃES, 2018).

Esses modos de relação, portanto, ocorrem relativamente ao enunciado de duas formas: um ligado à consistência interna do enunciado, a articulação; o outro, ligado à sua independência relativa, a reescrituração. Tratam-se, portanto, de modos de relação enunciativa que auferem sentido à diferentes formas de contiguidades

linguísticas, seja por relação local, remota, de predicação, de complementação, caracterização, entre outras. Inicialmente, trataremos da operação enunciativa de articulação.

A articulação é um modo de relação enunciativa dada por uma contiguidade local relacionada a consistência interna dos enunciados e significada na enunciação. Localmente, ela relaciona elementos linguísticos aos lugares de enunciação da cena enunciativa, de tal modo que estes elementos significam por estas relações com os lugares. A relação entre sujeito e predicado, por exemplo, é uma relação de articulação. Assim, a organização interna dos enunciados pela articulação se dá por três relações gerais específicas (GUIMARÃES, 2005a): dependência, coordenação,

incidência.

A relação de dependência ocorre quando os elementos contíguos ao enunciado organizam-se como um só elemento. Na relação de coordenação, a articulação toma elementos de mesma natureza e organiza-os como se fossem de uma só natureza de cada um dos constituintes, em cuja contiguidade, os elementos apresentam-se acumuladamente. Por fim, na relação de incidência, a articulação vincula um elemento externo a outro (interno) que, ao se articular com ele, forma um elemento de segundo tipo (GUIMARÃES, 2018), de tal modo que esse elemento externo ao enunciado se faz nele presente para “avaliar”, “julgar”, “emitir alguma opinião” sobre o dentro do enunciado no qual se insere.

Outro aspecto importante ligado aos modos de relação para a análise semântica dos enunciados é pensar como o falante, agenciado politicamente em Locutor, aparece relativamente ao acontecimento de enunciação, considera-se aqui, portanto, a cena enunciativa relativamente aos modos de integração dos elementos do enunciado ao enunciado e do enunciado ao texto. Nesse sentido, falando especificamente dos modos de articulação em relação a este lugar de enunciação, chamarei livremente de “papeis” do Locutor no modo articulatório de enunciados na enunciação, que são assim divididos, conforme Guimarães (2018):

Articulação

dependência e coordenação Incidência O acontecimento de enunciação especifica

uma operação pela qual o Locutor relaciona elementos do enunciado.

O acontecimento de enunciação

especifica uma operação pela qual a enunciação de um lugar de Locutor que se relaciona à enunciação de lugares de dizer diferentes. É preciso então o identificar,

pela enunciação, quem seja esse

enunciador do enunciado incidente. A

enunciação que traz a “opinião”

normalmente terá um enunciador- individual.

Observando os modos de relação de sentido na sequência [3], vemos que, do ponto de vista da dependência, a expressão “liberdade de expressão”, estabelece

uma relação tal que o termo “liberdade” vincula-se ao termo “de expressão”

constituindo, assim, um único elemento, uma única unidade, na qual o funcionamento é dado pela dependência de um, “de expressão”, a outro, “liberdade”.

Para pensar o modo de relação por coordenação, procederemos, primeiramente, a um recorte da sequência [3], seguido de sua paráfrase, ficando assim:

[3a] assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura

Este enunciado pode ser parafraseado por:

[3a'] (Esta lei visa a) assegurar a liberdade de expressão e (esta lei visa a) impedir a censura

Ou melhor:

[3a''] (Esta lei visa a) assegurar a liberdade de expressão e (também) a impedir a censura

Como dito acima, a relação de articulação por coordenação caracteriza-se por um “trabalho enunciativo” em que elementos independentes (enunciados com

estrutura interna relativamente autônoma) vinculam-se a outros elementos (como se fossem) de mesma natureza, formando um só enunciado. Assim, em [3a'], os elementos-enunciados (Esta lei visa a) assegurar a liberdade de expressão e (Esta lei

visa a) impedir a censura são dois elementos, com relação de predicação interna, que

são vinculados formando o enunciado (Esta lei visa a) assegurar a liberdade de

expressão e (Esta lei visa a) impedir a censura por um “processo de acúmulo de

elementos numa relação de contiguidade” (GUIMARÃES, 2018, p. 81).

As relações de “a” e “de expressão” com “liberdade” são relações de dependência, pois estes dois primeiros, atrelados ao último, funcionam como um nome, como uma formação nominal (FN). Neste caso, temos uma relação determinante-determinado. Por outro lado, “de expressão” também pode ser vista como uma forma que especifica o nome, isto é, um especificador, por isso, uma articulação por coordenação.

Desse modo, o enunciado, enquanto unidade linguística de significação, possui não apenas relações internas dadas por articulação de seus elementos, mas também relações de contiguidade que fazem dele um elemento que se integra ao texto (GUIMARÃES, 2018). Acima de tudo, é preciso analisar o modo como estes modos de relação se dão relativamente ao texto que integram, para daí se considerar seu sentido, digo, o sentido do enunciado, o sentido do texto, ou ainda, o sentido do enunciado ao texto, isto é, relações de sentido como um todo.

Segundo Guimarães (2018), não há correlação direta entre os modos de relação por articulação e os sentidos produzidos internamente ao enunciado. Isso porque o modo de relação traz consigo outra relação, com os lugares de enunciação (Locutor, al-x, at-x, enunciador), que se constituem num acontecimento de enunciação com temporalidade própria, onde o sentido é dado por esta especificidade temporal.

A partir de agora, nosso olhar se deterá um pouco mais sobre os processos de reescrituração, modo de relação pelo qual a enunciação rediz o dito, reinterpretando-o como diferente de si, como visto anteriormente na análise que fizemos do art. 2°. Diremos então que, dados dois elementos x e y, dispostos numa certa ordem formal-sequencial direta, y reescritura x, o que equivale a dizer que y

de um modo de relação contígua ou ainda segmental. Desse modo, uma consideração fundamental se constitui para esta relação: y, ao reescriturar x, significa, cumulativamente, a soma do expressamente dito no enunciado anterior (x) e o fato de que y, ao redizer o dito, diz também o não dito por/em x. (GUIMARÃES, 2018). Isso

tem a ver com o caráter exaustivo que esta operação dá a enumeração.

Outro aspecto importante da reescrituração diz respeito ao fato de que ela coloca em funcionamento uma operação enunciativa fundamental na constituição dos sentidos: a determinação semântica, pela qual uma expressão reporta-se a outra por modos de relação específicos variados, que partem de um grupo básico formado pelos seguintes modos: repetição, substituição, elipse, expansão e condensação. Procuraremos aplicá-las ao caso em tela (a [3] e seus enunciados correspondentes e consequentes: [3a'] e [3a'']).

Em relação à sequência [3], vemos primeiramente algo interessante ligado a uma forma de reescrituração da expressão liberdade de expressão em seu primeiro enunciado, que aparece reescriturada numa repetição por sinonímia no segundo enunciado (§2º). Neste caso, observamos que o termo que reescritura a formação nominal liberdade de expressão do primeiro enunciado desta sequência é o mesmo que é reescriturado, isto é, uma repetição. Contudo, o que vemos nesse processo de significação vai além de uma mera repetição.

Como vemos, o processo de repetição, diferente de outros modos de relação, reescritura sem, por si mesmo, dar indicações mais “claras”, detalhadas, sobre o sentido que guarda em seu processo, sem dar “pistas” mais diretas de onde, por exemplo, encontra-se sua efetiva diferença ao reescriturar a formação nominal com a qual se relaciona enunciativamente e, como vimos em Guimarães (2018), a reescrituração rediz o dito reinterpretando-o como diferente de si e, dessa forma, atribui sentido. Por isso, um caminho possível seria uma investigação mais pormenorizada das contiguidades ligadas ao modo de repetição. Para tanto, retomaremos a análise da sequência [3] procedendo desde já com um outro recorte, desta feita a sua segunda parte (b), onde se enuncia a mesma expressão (liberdade

de expressão):

Antes de analisarmos este recorte de [3b], observamos que o primeiro enunciado da sequência [3] tem em [3a] seu recorte. A paráfrase deste, [3a''], mostra que temos duas formações nominais (liberdade de expressão e a censura) presentes em relações de predicação, ambas no predicado, sendo liberdade o centro da expressão nominal de que faz parte e censura o centro de outra. Trata-se, assim, da existência de duas articulações de predicação que assim significam, por essas relações entre as formações nominais. Isso mostra que a relação de alocução é configurada por um al-legislador que enuncia para um at-provedor e que este mesmo alocutor apresenta o enunciador, enunciador universal, fazendo aquilo que ele assegura significar como que produzindo a conexão predicativa (GUIMARÃES, 2018), de modo que o que é assegurado é feito pelo próprio enunciador desta cena, que se apresenta como lugar de dizer que apresenta algo como verdadeiro, em virtude do que enuncia em relação aos fatos.

Ora, em [3b], vemos, de saída, uma forma de reescrituração por substituição anaforizada pela partícula que, que reescreve a FN previsão legal

específica “condensada” pelo elemento linguístico, sendo, portanto, o termo sujeito

que se articula nesta relação de predicação com o predicado onde está a outra FN,

liberdade de expressão. Estas relações mostram quais sentidos e como estes

funcionam especificamente neste processo. Desse modo, retomando [3b], vamos proceder a sua paráfrase:

[3b’] Uma previsão legal específica deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal

Semelhantemente ao ocorrido em [3a''], o enunciado [3b’], traz o lugar social de dizer, o al-legislador, apresentando o enunciador universal, mas, desta vez, por meio de uma deontologia que faz significar nesta conexão predicativa a responsabilização de seu alocutário, um at-legislador, por um futuro organizado em torno do tempo próprio deste acontecimento de enunciação, isto é, por sua temporalidade própria, específica, de sentidos. Há, dessa forma, um presente, que se constitui pela relação entre o texto da lei e a enunciação de ele faz parte, e de um futuro, especificamente como um futuro que esta lei projeta em seu presente, como

previsão de sentidos que se desdobrarão e que constarão em outras enunciações, nas quais constem (ou, devam constar) o que aqui se enuncia como futuro do acontecimento: o respeito a liberdade de expressão e demais garantias previstas na CF/88.

Ainda em [3b’], podemos observar um outro aspecto muito importante, que diz respeito à cena enunciativa deste enunciado. Como vimos, o lugar de dizer (enunciador) alude o lugar social de dizer (al-x) e enuncia algo como uma disparidade relativamente ao enunciado de que o sujeito faz parte: o sujeito significa conforme uma relação com as coisas, com se estas fossem independentes da predicação. É esta disparidade que faz o sujeito uma previsão legal específica significar neste acontecimento como um fora da alocução, como algo preexistente, como uma pressuposição de existência significada na alusão do enunciador ao alocutor.

Observamos então que a FN reescriturante liberdade de expressão estabelece uma conexão importante numa integração entre dois enunciados distintos, que, por outro lado, integram o todo do texto de que fazem parte. Ora, desta conexão, infere-se um sentido dado pelo reescriturante que o conecta ao reescriturado e, assim, remete-nos a outro aspecto particularmente interessante desta enunciação, só que, dessa vez, a algo “fora do texto”, que diz respeito aos termos que se “avizinham” à expressão reescriturante por repetição em [3b].

Vimos que a operação enunciativa da reescrituração por repetição não apenas liga um termo a outro como forma de “comunicação” textual, ou, como se costuma atribuir em situações como esta, a uma textualidade do conjunto, mas sim, observamos que, ao operá-la, o Locutor atribui sentido por uma diferença, e essa diferença se dá, principalmente, por uma deriva enunciativa incessante que aparece nos pontos de identificação de correspondências e identidades que constituirão o sentido (GUIMARÃES, 2009). Neste caso, temos, de um lado, uma forma linguística que, embora se apresente como anaforizada e referenciada por uma igualdade com outra forma, de outro, temos seu sentido se fazendo como uma diferença que constitui a textualidade dessa sequência, isto em termos enunciativos.

No caso em tela, essa diferença se constitui como uma deriva enunciativa que é estabelecida por uma correspondência entre o presente do acontecimento do

termo reescriturante (por repetição), que é enunciado no §2º da lei 12.965/14 (recortado por [3b]), e um memorável trazido pela menção que o Locutor faz da Constituição Federal, especificamente pela referência que faz textualmente ao artigo art. 5º da Carta Maior, de cujo texto faremos o recorte abaixo, que se “conecta” ao enunciado em [3b’]. Temos, assim, a sequência abaixo:

[4] Art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. (DO BRASIL, 2010)

Para procedermos a esta análise, parafrasearemos [4] por:

[4’] (É sabido que apesar de) a manifestação do pensamento ser livre, esta não deve ocorrer de forma anônima.

Ainda mais precisamente, poderíamos ter, de um lado, por sinonímia, “manifestação do pensamento” como correspondente de “expressão do pensamento” e, assim, termos “manifestação” por “expressão”. De outro lado, teríamos “ser livre” por “liberdade”. A partir dessas considerações, podemos chegar à seguinte paráfrase de [4’]:

[4’’] a liberdade de expressão não deve ocorrer de forma anônima.

Ora, pensando a cena enunciativa de [4’’], no agenciamento das condições histórico-linguísticas de uma relação de alocução dada pelo espaço da cena da enunciação jurídica, temos um alocutor-legislador que diz a um alocutário-legislado e, nessa medida, o falante dividido e agenciado em Locutor apresenta-se no dizer fazendo uso de (e sendo tomado por) uma sistematicidade específica, no uso que faz de uma articulação linguística e deontológica como não deve, própria do jurídico, pela qual atribui sentido particular a este dizer (GUIMARÃES, 2018). O Locutor, desse

modo, sustenta algo como: a liberdade de se expressar só deve ocorrer por uma identificação, isto é, não há liberdade se ocorrida sem a devida identificação.

Desse modo, podemos dizer que o sentido de liberdade não é determinado por seu elemento de articulação imediato de expressão, mas sim, por anônima, que, nesta relação de predicação, dada por uma formação nominal sujeito, o lugar de dizer universal alude o al-x e impõe um modo de configuração do real pelo qual se opera uma espécie de “limitador” dessa “condição ou estado de liberdade”, neste acontecimento de enunciação em específico. Além disso, esse modo impessoal do enunciador se apresentar o que se diz na enunciação de [4’’] é apresentado como uma “verdade para todos”, isto é, um enunciador-universal, num todos, vale dizer, cujo limite é determinado pela própria instância política do acontecimento de enunciação. E esse político aqui não é caracterizado pelo que se fala sobre liberdade, nem sobre direitos, mas pela contradição da normatividade própria da lei, que estabelece de forma desigual a divisão do real e afirmação do pertencimento dos que não se encontram incluídos pelas liberdades e pelos direitos, na medida em que o homem assume a palavra, ou seja, na medida em que fala, ainda que a palavra lhe seja constantemente negada (GUIMARÃES, 2005c).

De volta ao enunciado [3a-caput], presente na sequência [3], procuraremos indicar os sentidos nela produzidos, a partir de seu parafraseamento, seguido de um procedimento de leitura um pouco mais pormenorizada de cada “etapa” do que nela se encontra enunciado. Em seguida, procuraremos compreendê-la segundo o domínio das considerações semântico-enunciativas propriamente ditas. Teremos então a paráfrase da sequência como [3a-caput’]:

[3a-caput']: Com o objetivo de se assegurar a liberdade de expressão e de impedir a censura no ambiente da internet, o provedor de acesso a rede só poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado de um usuário a outro se, após ordem judicial específica, não tomar providências para tornar o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário e respeitados os limites técnicos e os prazos estabelecidos.

A partir da paráfrase de [3a-caput’], vamos imaginar que ocorre aí o seguinte: existe um provedor-de-Internet (alocutário-provedor para quem um alocutor- legislador diz na enunciação) que é responsável por administrar os conteúdos e as

relações na rede internacional. Supondo que exista, de um lado, um usuário A (UA) e,

de outro, um usuário B (UB), (referidos pela expressão “terceiros”), imaginemos que

UA cause algum dano a UB, expondo-o na internet causando-lhe algum tipo de

prejuízo. Assim, UB aciona a justiça, que emite uma ordem judicial contra UA, em

relação ao qual o Provedor-de-Internet fica responsabilizado de tomar determinadas providências. Na hipótese de que tais providências não sejam tomadas, dispõe o texto

legal que o provedor seja civilmente responsabilizado pelo dano de UA a UB. Desse

modo, de uma forma muito específica e impessoal, o enunciador enuncia, isto é, apresenta o que se diz sobre o asseguramento de uma liberdade de expressão, em que aquilo que se diz encontra-se marcado pelo articulador somente poderá ser e que também associa esse “direito” a algo que se relacione ao sentido de liberdade inferido das relações que este termo estabelece neste enunciado.

Todavia, onde exatamente se “localiza” a relação entre esta liberdade de expressão e a previsão de responsabilização civil do infrator, neste caso, o alocutário- provedor? Mais especificamente, que relação existe entre essa liberdade de

expressão e o que é dito sobre a responsabilidade do provedor frente aos atos

danosos de um usuário relativamente a outro? Estaria sua explicação ligada ao fato de que exista aí uma “noção preexistente” de liberdade em que esta esteja sugerida por um “poder/não poder agir sem limites”?

Preliminarmente, podemos asseverar que as respostas a estas perguntas não se dão por um olhar meramente referencial, isto é, por uma particularização tal que associe o conceito de liberdade a algo exterior e pré-existente ao texto, nem enquanto um texto com sentido “atrelado” ao intérprete da lei, como um texto à espera de um sentido que este lhe possa atribuir, como quer a hermenêutica jurídica clássica. Tampouco numa perspectiva de textualidade cuja base seja o engajamento linguístico “conteudístico”, dado por relações de coesão inerentes estritamente ao texto. Antes, o sentido, segundo o domínio semântico-enunciativo que representamos, é produzido pelo acontecimento de enunciação de linguagem que, por uma temporalidade própria, caracteriza-se, como vimos, por um funcionamento próprio da língua em relações de

alocução, em práticas de linguagem, pelo agenciamento de falantes em aqueles que

dizem (GUIMARÃES, 2005c).

Vemos que uma das possibilidades interpretativas, segundo o modelo empírico-referencialista, para o asseguramento da “liberdade de expressão” expresso pelo enunciado em [3a'] seria a de que o instituto legal procura simplesmente

resguardar o direito de alguém se expressar, no caso em tela, UA. Assim, a liberdade

de expressão seria interpretada como um direito que assiste a todos, indistintamente.

Além disso, a estes seria assegurado, segundo este “critério” de significação, o direito de não terem seu dizer (aqui tratado como um expressar) censurado. Diante disso, propomos uma análise que investigue, segundo os critérios das operações enunciativas reescrituração e articulação, o modo como poderíamos depreender a produção de sentido pelo modo como uma forma é afetada pela outra, dado o agenciamento político de enunciação do acontecimento (GUIMARÃES, 2018) que afeta o falante.

Decerto, o responsável por este dizer, o Locutor, que neste acontecimento específico relaciona sua enunciação com o enunciado, associa a expressão nominal