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3. RELAÇÕES ENTRE SEMÂNTICA E DIREITO

3.2. Controle jurisdicional de constitucionalidade: o acontecimento como conformação

3.2.1. O modus de interpretar do ordenamento jurídico

Conforme vimos em Althusser (1999), o Direito assume a forma de um sistema que tende à não-contradição e à saturação internas. Consagra-se, assim, na tradição, como um sistema de regras respeitadas e contornadas de tal modo que, em todas elas, deve haver o predomínio de uma coerência interna sistêmica “tal que não seja possível invocar as vantagens de uma regra contra a outra, caso contrário o efeito da primeira regra seria destruído pelo efeito da segunda” (p. 81).

Com base nesse “princípio” é que introduzimos e analisamos o conceito de

controle jurisdicional de constitucionalidade, o qual, dentro deste trabalho, representa

o ponto de partida para entender, na esfera do trabalho hermenêutico-jurídico praticado alinhadamente ao ordenamento jurídico, as relações entre a carta magna (instância constitucional) e o conjunto de normas (instância infraconstitucional) que a ela (instância constitucional) se submete.

Ao colocar que a crise de paradigma do direito e da dogmática como um impeditivo da realização dos direitos em sociedade, Streck (2000) o faz afirmando que a dogmática jurídica é constituinte do saber jurídico instrumental, o que nos permite afirmar que o discurso jurídico-dogmático não só instrumentaliza o direito, mas é também um importante fator impeditivo de um Estado democrático de direito, na medida em que, para este jurista, esta dogmática, ao instrumentalizar o Direito, não consegue atender às demandas originadas na sociedade. O crescimento de direitos transindividuais e a crescente complexidade social reclamam novas posturas dos operadores jurídicos.

Porém, quando, em questões macrossociais, que envolvem a interpretação das normas programáticas constitucionais, algumas instâncias de direito buscam o sentido comum teórico dos juristas, em direção a interpretações despistadoras, o que, conforme Streck (2000), torna o texto constitucional inócuo, ineficaz. Isto porque, para este autor, deve haver uma mudança substancial do paradigma interpretativo constitucional, na medida em que a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro, mas também a relevante função de proteger direitos já conquistados, por uma principiologia constitucional que combata maiorias políticas eventuais que legislam na contramão de uma programaticidade constitucional que respeite as conquistas sociais.

Há, nesse movimento aparentemente simples, uma relação na qual ao sentido são estabelecidos determinados limites no processo hermenêutico. Streck (2000, p. 76) conclui assim a relação entre discurso e texto jurídico operada por esse tipo de discurso dominante:

Apesar de tudo isso, o Direito, instrumentalizado pelo discurso dogmático, consegue (ainda) aparecer, aos olhos do usuário/operador do Direito, como, ao mesmo tempo, seguro, justo, abrangente, sem fissuras, e, acima de tudo, técnico e funcional. Em contrapartida, o preço que se paga é alto, uma vez que ingressamos, assim “num universo de silêncio: um universo do texto, do texto que sabe tudo, que diz tudo, que faz as perguntas e dá as respostas.

A relação entre o texto constitucional e os demais textos a ele ligados é construída dentro do ordenamento jurídico eminentemente por um processo interpretativo/hermenêutico. Por isso, para Freitas (2004) não há norma enquanto não há interpretação, ainda que, para juristas como Bastos (2014), há que se distinguir hermenêutica de interpretação. Tal pensamento encontra-se presente no trabalho de teóricos ligados ao ordenamento jurídico diferentes posições que acabam por tecer uma configuração determinada sobre a significação, do que se sabe não haver concordância quanto ao sentido de interpretar.

Portanto, é possível dizer que exista um modus interpretativo dominante no cotidiano dos juristas? No campo da dogmática jurídica, merecem destaque algumas

posições, entre elas, está a de Aníbal Bruno6, para quem interpretar a lei é penetrar-

lhe o verdadeiro e exclusivo sentido; para Paulo Nader7, interpretar é fixar o sentido

de uma norma e descobrir sua finalidade, pondo a descoberto os valores consagrados

pelo legislador; para Carlos Maximiliano8, autor que praticamente inaugura no Brasil

os trabalhos de hermenêutica jurídica, interpretar é a busca do esclarecimento, do “significado verdadeiro de uma expressão (...) é extrair de uma frase, de uma sentença, de uma norma, tudo o que na mesma se contém.” (STRECK, 2000, p.81).

6 Autor da renomada obra Direito Penal (1967)

7 Jurista autor de Introdução ao estudo do Direito (1995) 8 Conhecido autor de Hermenêutica e interpretação (1965)

O pensamento de Maximiliano aproxima-se do de Emílio Betti, de posicionamento objetivo-idealista, para quem era possível a reprodução do sentido originário da norma. Segundo Streck (2000, p. 82):

A tradição hermenêutica inaugurada por Maximiliano no Brasil tem uma similitude com a hermenêutica normativa de Betti, isto é, uma hermenêutica que dá regras para a interpretação, as quais dizem respeito tanto ao objeto como ao sujeito da interpretação.

Vemos que em todos estes posicionamentos acerca do que seja interpretação predomina a visão de que interpretar seja um movimento em direção a um texto que “esconde” um sentido a ser descoberto pelo intérprete, visão que se distancia do pensamento de Streck, para quem o sentido do texto jurídico é dado e colocado a partir da performatividade presente na língua, um posicionamento claramente pragmático em relação aos processos hermenêuticos.

O interesse em arrolar brevemente essas posições, antes de expor o conceito de controle de constitucionalidade propriamente dito, vem da ideia de que o texto constitucional é o texto a ser interpretado, isto é, é sobre ele que juristas e magistrados inclinar-se-ão quando tiverem de tomar suas decisões. Mas a pergunta que fica é: como se dá essa forma de se interpretar a Constituição no ordenamento jurídico?

Talvez não seja possível responder essa pergunta em poucas linhas, até porque, como vimos, os autores não têm uma única opinião a esse respeito. Ainda assim, é possível apontar para um “comportamento hermenêutico-interpretativo” médio, digamos. Nessa área, Bastos (2014) pode representar essa “tendência” e nos oferecer alguns aportes em direção a esse modo geral de interpretar o texto constitucional.

Antes de mais nada, o autor fala de uma hermenêutica e de uma interpretação constitucional, tal distinção é fundamental aqui. Bastos (2014) reconhece que há uma relação entre o Direito e a realidade social em que está inserido, ainda que, para o autor, esta visão de conjunto, que abrange o universo social, deve reconhecer que o Direito é parte “essencial” desse todo, que ele coloca

como “um segmento social-normativo, uma vez que é composto por normas disciplinadoras da conduta das pessoas, físicas e jurídicas” (p.13).

Assim, a distinção, segundo Maximiliano (1988), estaria no fato de que a Hermenêutica (jurídica) é o ramo da ciência dedicado ao estudo e determinação das regras de interpretação a serem aplicadas sobre o texto jurídico que visam a determinar o processo interpretativo de busca do significado da lei, e não a sua aplicação, o que seria o caso da interpretação. A Hermenêutica seria, portanto, mais ampla e anterior à interpretação.

No campo interpretativo propriamente dito, o autor traça a diferença entre relações materiais e culturais, sendo estas últimas mais “frouxas” que as primeiras, dado que não são submetidas ao rigor científico, e também pelo fato de que bens culturais revelam apenas valores, o que leva o intérprete a descobrir emoções humanas e o propósito de civilizações antigas (BASTOS, 2014). Em seguida, o autor classifica o Direito do ponto de vista de um modus de interpretar (p. 14):

Enquanto fenômeno cultural que é, o Direito afasta-se radicalmente das denominadas ciências naturais, já que, quanto a estas, as conclusões obtidas caracterizam-se pela verdade decorrente do método empírico-indutivo a que se submetem as realidades próprias dessa ciência. (...) O Direito se situa no campo das realidades culturais e as leis são frutos desse universo, na medida em que buscam trazer em seu bojo a imposição de uma determinada norma da conduta.

No dizer do autor, a interpretação jurídica distingue-se das demais formas de interpretação na medida em que seu objeto, relativo ao sujeito que o observa, também se distingue do objeto das ciências naturais, “visto que todos os objetos culturais, enquanto bens, só chegam ao homem pela via da interpretação” (BASTOS, 2014, p.18). Falamos assim em objeto cultural e objeto natural.

A classificação do modo de interpretar, para Bastos, passa antes por uma classificação do objeto a ser interpretado. Assim, interpretar a lei configura-se como um modo muito específico de interpretar, segundo o autor. Com isso, situa, de um lado, a interpretação jurídica e, de outro, a interpretação das demais realidades culturais. Trata assim dessa especificidade:

Um primeiro ponto de dissociação decorre do próprio objeto em si. A interpretação jurídica parte da lei, vale dizer, de frases ou textos jurídicos, elaborados segundo regras próprias e com características peculiares. A lei regula a vida em sociedade, impondo-se indistintamente a todos. Por isso, e este é o segundo aspecto a ser realçado, qualquer interpretação que se faça a respeito desse conjunto normativo terá imediata repercussão na liberdade de cada indivíduo. Não é algo que se situe, portanto, apenas no plano teórico, já que a meta é a de solucionar os conflitos de interesses que surgirem na sociedade.

Nesse campo, teóricos, juristas e magistrados debatem acerca da legitimidade das decisões judiciais que, sob o pretexto da aplicação do Direito, legislam conforme os casos concretos em vez de o praticarem conforme as leis, o que, segundo Bastos (2014), conduz, no campo do Direito Penal, a problemas de tipificação do crime. Este autor aponta que, justamente por esse motivo, há que se fixar uma distinção fundamental: a interpretação em outras áreas serve a um deleite intelectual, enquanto que aquela relativa a lei atinge o indivíduo em sua conjuntura.

O fato é que, com base no que é afirmado acima, a ideia de que a interpretação jurídica parte da lei, isto é, do texto jurídico, e que esta/e possui a característica peculiar de regular a vida em sociedade, atribui a esse texto jurídico uma espécie de “proatividade” muito particular, qual seja: é ele, o texto, que regula a vida, e não o contrário; não é o texto regulado pela vida. Ora, se a vida não regula o texto, este se impõe a ela e isso muda tudo no campo do significado, especificamente na atribuição dos sentidos em hermenêutica jurídica, operada por meio do texto jurídico.

Outro conceito trabalhado em hermenêutica jurídica é o de integração que,

diferentemente da interpretação, “pressupõe a ideia de tornar completo, chamar

alguma coisa para o campo de incidência da norma, absorver uma determinada hipótese, a princípio não prevista.” (Bastos, 2014, p.44). Assim, integração não se confunde com interpretação, pois esta serve para tornar possível aquele, isto é, interpretar é algo sempre necessário, enquanto que integrar é uma necessidade mais pontual, de finalidade específica, que se dá quando se está diante de um vazio normativo.

A afirmação mais interessante nesse campo, no que diz respeito aos objetivos desta pesquisa, é que Canotilho (1991 apud BASTOS, 2014) afirma acerca da relação conexa entre certos elementos da integração e da interpretação, quando diz que ambas são voltadas à obtenção do direito constitucional. Com isso, estabelece uma determinada relação entre os métodos de interpretação tradicionais do ordenamento jurídico e a constituição propriamente dita.

Outro ponto trazido por Bastos (2014) é o que diz respeito à aplicação do Direito, que tem estreita relação com a formação do ordenamento jurídico. Isto porque o Direito não pode prescindir da abstração como instrumento de regulação, em grande escala, da sociedade. O que, para o autor, é uma forma de o Direito, pela via da abstração, regular, disciplinar o comportamento da sociedade, tendo por base os fatos cotidianos, que se repetem, que são constantes. Assim, imediatamente à fase interpretativa da lei, temos a fase formativa dela.

O papel do intérprete da lei, nesse caso, seria o de se utilizar dos recursos fornecidos pela Hermenêutica, verificando em cada situação quais seriam as normas capazes de regular a sociedade por meio do ordenamento jurídico. Assim, em ordem, temos, a interpretação e, em seguida, a aplicação das normas constitucionais. Isso ocorre, conforme Bastos (2014, p. 60), por “(...) a Constituição reclamar uma técnica

própria para a apreensão do real significado de seu conteúdo normativo. Verifica-as

que há uma especificidade interpretativa, em matéria constitucional”. Essa seria a relação entre interpretação/aplicação das normas, inclusive a formação do ordenamento jurídico, e a composição do conteúdo normativo relativo ao texto constitucional. Há, assim, uma especificidade interpretativa em matéria constitucional. Para se ter uma ideia de como a interpretação é pensada no meio jurídico hermenêutico mais representativo, majoritário, do ordenamento, observaremos o que diz Meireles Teixeira (2010 apud BASTOS, 2014, p.66):

Pode-se, portanto, dizer que a realização em aplicação do Direito supõe: a) o conhecimento exato do caso concreto, isto é, dos fatos com todas as suas circunstâncias e particularidades – é o que se denomina a quaestio facti; b) conhecidos os fatos, procura-se a norma aplicável – é o que se denomina a quaestio juris, no sentido amplo; c) finalmente, descoberta a norma aplicável, se o sentido e o alcance desta se apresentam duvidosos, faz-se mister interpretá-la – é o que se denomina a quaestio juris em sentido estrito. (...) Como se vê, a aplicação do Direito pressupõe a interpretação, pois não é possível enquadrar determinados fatos ou uma certa situação vital numa

norma ou numa série de normas jurídicas, sem o pleno conhecimento do sentido e do alcance destas”.

Vemos pelo exposto que a interpretação, que se encontra aqui ultimada no processo, só aparece em caso de dúvida, isto é, para suprir um não-esclarecido pela realidade empírica, o que a aproxima da noção de algo concreto, não-simbólico, o fato gerador da lei. Ora, se pensarmos no nexo existente entre todo o processo de interpretação e aplicação das leis e a constituição federal, resta entendermos como, de fato, constitui-se, qual a natureza do texto constitucional.

A Constituição em si é formada por normas que não são de mesma natureza, em outras palavras, não são possuidoras da mesma eficácia. Uma das mais importantes diferenças entre elas é o fato de que algumas “desfrutam da capacidade de incidirem diretamente sobre o caso concreto e outras necessitam, para tanto, do advento de uma legislação integradora”. (BASTOS, 2014, p.63).

Assim, o bojo da Carta Magna é, pois, o fato de ser constituída, produzida para produzir efeitos práticos, caso contrário, restaria letra morta, inócua. Há, assim, normas de eficácia plena, em que não se tenciona a predisposição para atuar a efetiva concreção, isto é, incidem diretamente sobre o real, “contém dentro de si todos os

elementos necessários para a sua aplicação”9.

No mais das vezes, temos ainda normas regulamentáveis,

irregulamentáveis, de integração, completáveis, restringíveis etc. Todas

demonstráveis no interior do texto constitucional, além de servirem a fins específicos, seja para fins de aplicação, seja para fins de interpretação.

Ainda seguindo os passos de Bastos (2014, p. 70), vejamos o que o magistrado diz a respeito da aplicação das normas constitucionais no tempo:

O advento de uma nova Constituição retira por completo a vigência e a validade da anterior. Isso ocorre em virtude de seu próprio caráter inicial e originário. Em outras palavras, a Constituição é a fonte geradora de toda ordem jurídica, que dela extrai o seu fundamento de validade.

Tal declaração, vista do ponto de vista do caráter validativo do texto constitucional, chama a atenção para o fato de se apor a este a alcunha hierárquica, suprema em relação às demais leis. Há que se registrar também a existência da aplicação das normas constitucionais em relação ao espaço, ou, a territorialidade da ordem jurídica, que, por ora, não se configurará como objeto de interesse desta obra.

O tratamento “diferenciado” dado pelos teóricos a uma interpretação

constitucional, relativo à interpretação das leis ordinárias, subconstitucionais, é factível e explícito, inclusive, numa fala atribuída à doutrina, no sentido de uma individualidade da interpretação constitucional. Isso porque, segundo Tércio Sampaio Ferraz (1996 apud Bastos, 2014, p 76), “não se pode levar à interpretação da constituição todos aqueles formalismos típicos da interpretação da lei”. Tal indicação do autor remete, em princípio, a dois fatores, um ligado a hierarquia clara entre o texto constitucional e o texto ordinário; outro, relativo ao modo de se interpretar, diferente para cada caso.

A Constituição consagra-se, assim, como o fundamento último de validade em relação a todas as demais normas do ordenamento jurídico e é esta a premissa de que partirão seus intérpretes, os quais serão vistos mais pormenorizadamente em breve. Conforme denomina Canotilho (1991 apud Bastos, 2014), essa forma de olhar a Constituição engendra uma entrada na hermenêutica jurídica que a institui com uma função determinantemente heterônoma de preceitos constitucionais relativamente às normas hierarquicamente inferiores.

A implicação deste pensamento, que submete à ideia de hierarquização a ideia de interpretação do texto, é assim descrita por Bastos (2014, p. 78, grifo nosso):

Sendo a Constituição o fundamento de validade de todas as demais leis, a determinação do significado do significado de uma das normas poderá importar no afastamento de uma regra infraconstitucional até então vigente, mas se torna incompatível com a norma constitucional da forma por que passa a ser compreendida. Aqui surge a importância de uma Corte Constitucional, que imponha erga omnes o sentido de determinada norma.

Observa-se de forma bem direta a relação entre hierarquização constitucional-infraconstitucional e a interpretação do texto constitucional relativo à

determinação do significado, que é, aqui, colocado como sinônimo de interpretação. Além disso, devemos atentar para as diferentes direções para a compreensão do texto Magno, isto é, até que ponto o texto infraconstitucional é pensado em direção ao constitucional, ou o contrário, se, de fato, o texto constitucional determina o sentido do infraconstitucional, inclusive, quando o faz, se faz, de que forma o faz.

Outro ponto trazido por Bastos (2014) é quanto ao caráter aberto e amplo da Constituição, que aparece como uma característica/causa explicativa dos frequentes problemas na área de interpretação. Isso porque, devido ao caráter programático do texto constitucional e às suas consequentes mudanças (sociais, culturais, políticas, econômicas...), implica a “atualização” constante das normais constitucionais. Bastos (2014, p. 79, grifo nosso), trata assim essa questão:

Aqui a interpretação cumpre uma função muito além da de mero pressuposto de aplicação de um texto jurídico, para transformar-se em elemento de

constante renovação da ordem jurídica, de forma a atender, dentro de

certos limites oriundos da forma pela qual a norma está posta, às mudanças operadas na sociedade, mudanças tanto no sentido do desenvolvimento quanto no de existência de novas ideologias.

Essa “mudança de status” de ordem hermenêutico-interpretativa retira o ato de interpretar de um lugar de inércia e o coloca em outro, o de uma prática jurídico- política, caráter não discutido neste trabalho, mas de importância fundamental para os campos do discurso. Além disso, apresenta o traço social que emana da análise linguística.

No que diz respeito à natureza da linguagem constitucional, é formada, segundo Bastos (2014), por enunciados de caráter eminentemente sintético e de lacunas. Em certo ponto, pede atenção ao fato de que tal caráter merece minucioso exame desse tema, atribuindo-o ao estudo das formas de integração desse “tipo” de texto.

Segundo o eminente autor, a lacuna é o vazio normativo que não satisfaz o aplicador/operador do Direito, isto porque, como dito anteriormente, o Direito é um sistema aberto de normas e, por isso, “uma incompletude completável” (Idem, p. 81). Justamente por isso é que se pode falar em lacuna na lei infraconstitucional, pois “é a

Constituição que institui o princípio da reserva legal, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei”.

Apesar do caráter amplo dos termos e princípios aplicados nas normas constitucionais, que perdem em concretude, é possível dizer que ganham em

abrangência, uma vez que são encontrados presentes nas normas

infraconstitucionais. E não é a norma subconstitucional que interfere na aplicação da norma constitucional, mas sim estas normas presentes nas leis ordinárias é que só vicejam na medida em estão em conformidade com o princípio constante na Carta Magna. (BASTOS, 2014).

Nessa perspectiva de se pensar uma interpretação das leis em direção à norma constitucional, é de se observar o que aponta Gomes Canotilho (1991 apud BASTOS, 2014, p. 84, grifo nosso):

A recente concepção de constituição como concentrado de princípios, concretizados e desenvolvidos na legislação infraconstitucional, aponta para a necessidade da interpretação da constituição de acordo com as leis, a fim de encontrar um mecanismo constitucional capaz de salvar a constituição em face da pressão sobre ela exercida pelas complexas e incessantemente mutáveis questões econômico-socais. Esta leitura da constituição de baixo para cima, justificadora de uma nova compreensão da constituição a partir das leis infraconstitucionais, pode conduzir à derrocada interna da