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Estrutura da tese

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3.2 Fase exploratória: Citadocs e derivas

3.2.8 O bloco e as abelhas

Se no medialab An Uncertain Film a ideia era alargar o tema e pensar na cidade como um campo de possibilidades para a interação com os documentaristas, participantes do workshop, a proposta seguinte do Citadocs volta a reduzir o terreno. Dessa vez, não seriam ilhas, mas sim habitações criadas como solução para as mesmas: o Bloco Duque de Saldanha.

Construído em 1940, é o bairro social mais antigo da cidade. Surgiu como uma alter- nativa às ilhas, em uma fase em que estas já eram consideradas problemáticas.

Ao longo dos últimos 150 anos, a cidade conviveu mal com as ilhas. As ilhas foram e são, justamente identificadas como um problema. Construídas, na sua maioria, de forma precária, aproveitando todas as nesgas de terreno (...) a certa altura o drama da habitação no Porto atingiu tal dimensão que se multiplicaram as iniciativas privadas e publicas para lhe dar resposta. Desse espírito de iniciativa resultam os bairros operários, os agrupamentos de casas económicas, a pri- meira geração de bairros municipais de habitação coletiva (Duque de Saldanha, S. Vicente de Paulo, Pereiró e Rainha D. Leonor). (Vázquez & Conceição, 2015, p. 2)

Precisamente por esta razão, acrescido ao fato de já termos trabalhado com a temáti- ca das ilhas, decidimos eleger o local para ser a base do trabalho.

Do ponto de vista do projeto Cidade Ilha, interessava explorar habitações com outros tipos de configurações espaciais, que não fossem classificadas como ilhas, mas que pudessem alimentar a palavra como conceito e não apenas como tipologia. O fato de o bloco ter sido criado como uma alternativa às ilhas estabelece, de antemão, esta li- gação. Sendo assim, este exercício seria válido tanto para o desenvolvimento de novas abordagens para o coletivo, como para esta investigação.

A arquitetura do bairro, pouco comum na cidade, chamou a atenção desde a primeira visita que fiz ao local, no Percurso pelas Ilhas – tour já descrito neste capítulo. Dispõe de apenas uma entrada, assim como as ilhas, tem o formato em U e um número considerável de habitações, 117, segundo os dados da Câmara Municipal do Porto.

Figura 20: Duque de Saldanha, Projeto de um núcleo de 115 moradias económicas a construir na Rua do Duque de Saldanha , Arquivo Municipal do Porto

A proposta do workshop era explorar o espaço, do ponto de vista físico e histórico, e as possibilidades entre as fronteiras do documentário e da ficção. Diferente das duas primeiras edições, nesta pretendíamos criar um vídeo final sem recorrer ao uso de entrevistas gravadas.

Este experimento serviu como uma espécie de teste para as possibilidades de se traba- lhar as peças construídas na presente investigação. Foi criada uma base sólida sobre o objeto escolhido através do levantamento histórico com os documentos do Arquivo Municipal da Câmara; das pesquisas de conteúdos relacionados ao local nas redes sociais, como por exemplo as publicações dos próprios moradores a descrever festas antigas que aconteciam no pátio do bairro, fotografias pessoais do edifício, e relatos sobre a proliferação de colmeias nas instalações do bloco; e do trabalho de campo previamente realizado com os moradores, feito por nós, tutores, para verificar a dis- ponibilidade e aceitação por parte dos moradores com relação à atividade. A partir deste trabalho de preparação, a ideia era tornar o conteúdo moldável o suficiente para a criação de narrativas ficcionadas.

Na primeira sessão com os participantes, expusemos todos os dados recolhidos no trabalho de pesquisa descrito. Esclarecemos que, para se fazer um documentário com

as características pretendidas precisávamos, primeiro, contextualizar. A matéria pro- veniente destas pesquisas era a base que serviria de suporte para criar.

What stories lye underneath Bloco Duque de Saldanha which are so unexpected that could turn into a film? We’ve started to unveil dozens of stories that we’ve found on social media about this block and we want the camera to witness the boundary between reality and cinema in a hybrid approach. A film will be edited and produced as a final outcome. (A. C. Roberti, Brandão, & Rodrigues, 2017)

Os participantes foram divididos em grupos com temas específicos para a recolha de imagens e som ambiente: janelas; jardins; animais de estimação; movimento de pessoas no pátio; escadas; entre outros elementos correspondentes à parte estrutural do prédio. Diferente das edições anteriores, esta estratégia é justificada pela intenção de aproximar o material produzido da ficção. Para tal, ainda que contássemos, de bom grado, com o caráter imprevisível do documentário, era interessante mostrar a necessidade de se buscar por imagens mais pré-definidas, que servissem para ilustrar e atender o roteiro criado.

O roteiro, desenvolvido em conjunto, utilizava como base uma das histórias encon- tradas nas redes sociais e confirmada por algumas pessoas do bairro, a proliferação de colmeias. Num tom quase de denúncia e desagrado, alguns moradores se ma- nifestaram preocupados com as colmeias de abelhas que apareceram no bloco. A partir deste mote, foi criada, por nós, uma situação extrema, em que o bloco havia sido tomado por um enxame de abelhas e, por isso, os moradores já não poderiam sair de casa. Com esta história como pano de fundo, a intenção era explorar a morfologia espacial do bloco, no sentido mais literal da palavra, inteiriço, cheio de janelas, poucas portas à mostra e apenas uma ligação direta com a rua. O fato de ter sido construído durante o Estado Novo, o que justifica, em parte, o tipo de arquitetura adotada, também serviu como matéria para se criar uma narrativa com clima de tensão, suspense e privação.

O vídeo final, Doc Under the Block (CITADOCS, 2017), coerente com o arquivo do coletivo, não ultrapassa os cinco minutos. A forma como o título é inserido no início do filme, o primeiro plano do reflexo do bloco numa poça de água à espera de al- guém que a atravessasse, a trilha sonora mixada e os diálogos criados em voz-off, são opções que alimentam o caráter ficcional do mesmo. Detalhes estilísticos dão o tom dúbio de um documentário ficcionado, ou vice e versa.

Retomando as definições de Bill Nichols (Nichols, 2010) apresentadas no capítulo I, é possível entender os resultados das peças audiovisuais do Citadocs como experiências

que transitam entre os diferentes tipos de documentário. Doc Under the Block, por exemplo, se aproximaria mais das características do modo poético e performático:

O modo poético sacrifica as convenções da montagem em continui- dade, e a ideia de localização muito específica no tempo e no espaço derivada dela, para explorar associações e padrões que envolvem rit- mos temporais e justaposições espaciais (...). Os filmes performáti- cos dão ainda mais enfase às características subjetivas da experiência e da memória, que se afastam do relato objetivo (...) Os acontecimen- tos reais são amplificados pelos imaginários. A combinação livre do real e do imaginado é uma característica comum do documentário performático. (Nichols, 2010, p. 138; 170)

Por outro lado, no workshop anterior, em An Uncertain Film, para além da proximi- dade com o estilo poético, há, também, alguma influência do modo participativo. A proposta era explicitar, de forma mais incisiva, a interação do cameraman com o seu tema: um dia na cidade. As filmagens eram sobre uma experiência, sobre a relação dos participantes, neste caso, documentaristas, com a cidade naquele dia, naquele momento. O resultado foi uma construção fragmentada sobre esta interação e não um objeto fílmico que tencionava dizer o que e como é a cidade do Porto.

Esta combinação de estilos através da experiência coletiva no Citadocs, auxiliou na compreensão do que seria a abordagem, ou os modos mais indicados, para se explo- rar em Cidade Ilha. Trata-se de um entendimento destas classificações do documen- tário através, não só do estudo teórico, mas da prática. Da mesma forma, as derivas relatadas neste capítulo colaboraram para a observação e a imersão no contexto con- temporâneo da cidade, utilizando esta prática como uma forma de participação e vivência no trabalho de campo.

3.3 Trajetos teóricos e empíricos sobre