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CAPÍTULO 2: Conflito Interétnico: uma revisão bibliográfica

2.2 O conflito interétnico no pensamento antropológico

Como a idéia de conflito é abordada pela Antropologia Social? Durante a formação da Antropologia, na fase inicial, todo o foco da literatura dos viajantes ou “literatura proto- antropológica”, como prefere o professor antropólogo e filósofo francês François Laplantine (1991), cuja fonte tem um tratamento didático valioso, permite recuperar amostras das literaturas do Século XVI feitas sobre a Pérsia, a Turquia, América, Ásia e África. Ela expõe uma essência homogênea onde o conflito só pode ser percebido entre o observador e o observado [grifos meus], no que ficou classificado como a “vertente do mau selvagem e do bom civilizado” (LAPLANTINE, 1991, p. 37).

A esse “seleto” grupo pertenciam, segundo o autor, aqueles que portassem: “a aparência física: eles estão nus ou ‘vestidos de peles de animais’; os comportamentos alimentares: eles ‘comem carne crua’ e é todo o imaginário do canibalismo que irá se elaborar; a inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam ‘uma língua ininteligível’” (LAPLANTINE, 1991, p. 41). Ou, na segunda classificação do bom selvagem e do mau civilizado, onde recai sobre os últimos a responsabilidade pelo conflito. Essa fase, iniciada no século XVIII com o rousseauísmo e, em seguida, o romantismo, na qual a existência das criações civilizadas, como a escrita e todas as instituições sociais,

corporificariam o conflito (o mal), como as narrativas de Américo Vespúcio sobre a América e de Cristóvão Colombo, sobre o Caribe.

Tomemos para comprovação de um estereótipo bipolar (bom selvagem/mau civilizado e mau selvagem/bom civilizado) cujo ápice alcançou no século XVIII, o depoimento de La Honton: “Ah! Viva os Hurons que sem lei, sem prisões e sem torturas passam a vida na doçura, na tranqüilidade, e gozam de uma felicidade desconhecida dos franceses” (HONTON, apud Laplantine, 1991, p. 48)32, ou ainda do seu espetáculo O Alerquim Selvagem [destaque do autor] onde o personagem de um Huron que foi conduzido para Paris proclama em cena: “Vocês são loucos, pois procuram com muito empenho uma infinidade de coisas inúteis; vocês são pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozarem da criação, como nós, que não queremos nada, a fim de desfrutar mais livremente de tudo” (idem, p. 49).

Haveria uma idéia consubstanciada de conflito interétnico (conflito + etnia) na Antropologia do século XIX? Há pistas que podem levar a essa conclusão. É claro que o contato entre os grupos e suas culturas sempre provocou discordâncias como estratégia de inclusão, absorção e adaptação. O que Laplantine permite recuperar?

A idéia de uma mudança social tornou-se evidente com a revolução industrial inglesa e a revolução política francesa. Muda o quê? Modos de vida, relações sociais, tecnologias, tudo o que Laplantine nomeia de “progressos da civilização” (idem, p. 64). Assim, há conflito não apenas no campo ideológico e no cultural, mas também no social, somente admitido pela academia no final do século XIX e início do XX, pois:

No início do século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista

colonial [grifo do autor], que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de

Berlim, que rege a partilha da África entre potências européias e põe um fim às soberanias africanas. É no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna, o antropólogo acompanhando de perto, como veremos, os passos dos colonos. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser povoadas de um número considerável de emigrantes europeus; não se trata mais de alguns missionários apenas, e sim de administradores. Uma rede de informações de instala33 (LAPLANTINE, idem, ibidem).

32 Faço consultas e me utilizo de textos já referenciados a partir de fontes secundárias somente quando indisponíveis as primárias, sabendo da hierarquia que estas exercem sobre aquelas.

33 Laplantine elenca as seguintes obras, como produtos de trabalhos feitos por pesquisadores enviados, em particular pela Grã-Bretanha, publicados entre 1861 e 1890: Maine (1861) Ancient Law e Bachofen Das

Mutterrecht; Fustel de Coulanges (1865), La Cité Antique; MacLennan (1865), O Casamento Primitivo; Tylor

(1871), A Cultura Primitiva; Morgan (1877), A Sociedade Antiga; Frazer (1890 - 1915), os primeiros volumes de

Todo o esforço para explicar o “atraso” [LAPLANTINE, 1991, p. 65] de outras sociedades e as mudanças das revoluções do século XIX, provocou a mudança da concepção do índio de selvagem, no século XVIII, para a de primitivo, preconizando-o como um “ancestral do civilizado” [expressão e grifo do autor], projeto de uma Antropologia voltada para a origem das formas simples de organização social e de mentalidade, capazes de evoluírem às formas mais complexas, segundo o autor.

Por que se reportar a esse pilar de uma Antropologia evolucionista? Para afirmar que foi na vereda da busca das “raízes da civilização” [expressão e grifo meus], que foi forjada à categoria de conflito e sua primazia para os estudos etnológicos das relações de contato e, nestes, as primeiras preocupações e posicionamentos acerca do trabalho do antropólogo. Cabe aqui um input no período de formação da Antropologia Americana (1883-1911), particularmente quanto a uma repercussão da postura do físico e antropólogo alemão Franz Boas. Sua experiência e vasto conhecimento elaborado entre os esquimós no Ártico e entre os Kwakiutl e outros povos da Colúmbia Britânica, o fez romper com o padrão predominante da época, o evolucionismo sobrepondo a idéia de pluralidade biológica e diversidade cultural. Por que Franz Boas? Porque em 1919 em sua carta ao editor da revista The Nation, intitulada “Os Cientistas como Espiões”, escrita a 16 de outubro em Nova York, punha em questão, através de um “vigoroso protesto” (BOAS, [1919] 2004, p. 400), o uso de credencias acadêmicas para a prática de espionagem. Que relação tem isso com o estudo de conflitos interétnicos? Porque “em conseqüência de seus atos, toda nação olhará com desconfiança para o pesquisador estrangeiro visitante que deseje realizar um trabalho honesto, suspeitando de desígnios inconfessáveis. Tal ação ergueu uma nova barreira contra o desenvolvimento da cooperação amistosa internacional” (BOAS, 2004, p. 401).

Em outro trabalho de campo agora feito para a Associação Britânica no período de 1888-1897 entre habitantes do Sul do Alasca, Boas, referindo-se a uma tipologia física da “tribo” [termo empregado pelo autor] Bilqula do grupo lingüístico salish na Colúmbia Britânica, apontava:

A classificação da humanidade segundo características físicas só leva em conta os efeitos da hereditariedade e do ambiente sobre o tipo físico do homem. Os resultados, neste caso, refletirão as misturas de raças, o isolamento e o efeito do ambiente. Mas há casos em que ocorre uma lenta infiltração de sangue estrangeiro, enquanto a língua e os costumes permanecem inalterados ou sofrem mudanças de pequeno alcance. Os bilqula se separaram dos salish da costa em tempos antigos, mas conservam a língua salish; ao mesmo tempo, uma infiltração de sangue Kwakiult e athapaskan alterou completamente as características físicas da tribo. Com essa mescla de sangue vieram palavras estrangeiras e elementos culturais estrangeiros, mas eles não foram suficientemente poderosos para mudar a fala original do povo (BOAS [1899], 2004, p. 121).

Excluindo o problema de pretender enquadrar traços físicos e culturais a esquemas originais em seus textos, Boas oferece vestígios interessantes à identificação de uma preocupação antropológica sobre o contato interétnico e seus desdobramentos, como o que pode ser sentido no recorte acima. Ele percebe que o isolamento [destaque meu] impunha restrições à diversificação física e cultural e que o contato, nas palavras dele está representado pela infiltração, tem uma relativa força para agir mais sobre os aspectos físicos do que culturais. Guardada a diferença geográfica, social e cultural, elejo o insight boasiano como ponto de partida para situar34 esta pesquisa na história da Antropologia.

Pode-se assim acrescentar à apresentação do conflito interétnico entre Makuxi e Wapixana a premissa boasiana acima citada. Noutras palavras, o encontro interétnico Makuxi e Wapixana propiciaria algo além de uma sutil incorporação de traços fisionômicos. Não houve e não há, portanto, nenhuma condição de isolamento físico, social e cultural para fazer de uma e de outra etnia, um grupo hermeticamente protegido contra a ação incorporadora e transformadora do contato, até porque, nos âmbitos sociológico e biológico, acarretaria problemas para a sobrevivência de ambas.

Instigado pela cronologia da época de Franz Boas, executei busca bibliográfica junto a outros pensadores das Ciências Sociais. Na mesma época, outros clássicos da Antropologia dispunham de ligações teóricas ao contato/conflito, como a do graduado em Direito e mais tarde reconhecido como antropólogo, o americano Lewis Morgan. Em 1877 ele publicou A Sociedade Antiga, obra citada por K. Marx e F. Engels, trabalho no qual atribuía a direção da história humana a uma “Inteligência Suprema” por onde propunha seus três estágios de evolução social: o selvagem, o bárbaro e o civilizado, premissa que repercutiria numa espécie de doutrina antropológica oficial soviética (MORGAN, apud Castro, 2005 p. 11-15).

Em 1844 já em Rochester, após abrir um escritório de advocacia, pôde visitar Albany, cidade onde se deu, segundo o apresentador da fonte em exame – o Dr. Celso Castro, antropólogo do Museu Nacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – um contato significativo que o desviaria do direito e o conduziria à etnologia: em visita a uma livraria, conheceu um índio, filho de um chefe iroquês de origem seneca de nome cristão Ely Parker, que o convidou para naquela noite encontrar com chefes de sua tribo, hóspedes em um hotel da cidade. Auxiliado pelo E. Parker, Morgan pôde, por duas noites, conversar e ouvir depoimentos sobre a organização da confederação Iroquesa, sua estrutura social de tribos, clãs

e língua. Desta primeira e marcante experiência de contato, vieram outras que, certamente, despertou neles um senso de confiança até que em 1846 lhe foi concedid o título de guerreiro seneca do clã Falcão, título que mais tarde seria por ele evocado no intuito de dar crédito às informações relatadas.

Celso Castro segue com a apresentação da biografia de Morgan. No entanto, o foco que esse trabalho requer é o aprimoramento dos estudos do contato em conflito que se torna possível também na obra de Morgan. Por exemplo: identificando, classificando e comparando o sistema de parentesco iroquês com o de outras tribos americanas, Morgan chegou à conclusão de que haveria um tronco comum entre elas e, quem sabe até, outras tribos orientais. Sua confiança na tese de uma origem comum era tanta que expediu questionários a missões religiosas e organismos governamentais e científicos. Ele assim reconhece e enfatiza a necessidade de que sua ciência deveria concentrar esforços e tempo na percepção dos contatos intertribais, sobretudo no Kansas e Nebraska em 1862, quanto às conseqüências culturais, o que o pôs além de Franz Boas que preferia ater-se aos resultados materiais do contato intertribal. Notemos que os resultados dos contatos intertribais estão em maior evidência em Morgan do que em Boas, conferindo ao primeiro o reconhecimento [meu] de abrir a discussão e não apenas a planificação, as relações de contato intertribal, particularmente, para evidências de conflitos.

Qual a contribuição de Tylor para a discussão sobre contato e conflito interétnico? Britânico de família londrina, aos 23 anos já viajara por Cuba (1855), Estados Unidos (1855) e México (1856). Ele atentava-se à produção material. Sem ter uma formação acadêmica, seu estilo, segundo Castro, era mais de literatura de viagem. Talvez por isto, a divergência entre a cultura que ele estudava e a própria, tivesse gerado algumas tipificações.

Em 1871, quando escreveu A Ciência da Cultura, Edward Burnett Tylor baseava-se em relatos de missionários. Por que referir-se a ele? Porque em viagens aos Estados Unidos, Cuba (1855) e México, concluiria que, particularmente o México, era um “desventurado país [...] incapaz de liberdade [...] incapaz de se governar a si próprio” (TYLOR, 1861, p. 263 e 329). Esta idéia de incapacidade constatada sugere a mim uma forma negativa de percepção do contato, bem como uma justificativa para atos de colonização. Daí, dele vem a idéia de cultura como civilização:

Cultura ou civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade. A situação da cultura entre as várias sociedades da humanidade, na medida em que possa ser investigada segundo princípios gerais, é um tema adequado para o estudo de leis do pensamento e da ação humana. De um lado, a uniformidade que tão amplamente permeia a civilização pode ser atribuída, em grande medida, à ação uniforme de causas uniformes; de outro, seus vários graus podem ser vistos como estágios de desenvolvimento ou evolução, cada um resultando da história prévia e pronto para desempenhar seu próprio papel na modelagem da história do futuro (TYLOR, 1861, p. 69).

Ao tomar sempre o todo por perspectiva, Tylor vinculava cultura à civilização. Isto não é apenas um jogo de sinônimos. São categorias que consistem em divisórias para o que está e não está contido na sociedade; tanto é verdade que ele faz uso distinto desta [sociedade] com a humanidade. Portanto, se há humanidade, nem todos teriam cultura, visto considerar possível os “sem-cultura” [destaque meu], quando os pensamentos destes povos não fossem reconhecidos na ação. E para tal constatação, o observador que “certificasse” um povo como civilizado, tomaria por referência seus próprios padrões culturais. Daí, o equívoco de Tylor: procurar a ação uniforme e as causas uniformes, agravadas pela pretensa possibilidade de encontrar e classificar estágios de desenvolvimento, restringindo assim a história, àquelas sociedades que tivessem cultura. Este pensamento de Tylor, portanto, pode ter um valor a ser reconhecido para estudos do contato e do conflito interétnico, por ter aberto um vácuo para o estabelecimento de críticas à teoria do colonizador.

Examinando a produção bibliográfica dos contemporâneos: Alfred Reginald Radcliffe- Brawn (1881-1955) desde 1909 [The Religion of the Andaman Islanders] a 1973 [Estrutura e Função na Sociedade Primitiva]; Marcel Mauss (1872-1950) no período de 1902 [Ofício de Etnógrafo, Método Sociológico] a 1934 [Fenômenos Gerais da Vida Intra-social]; Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942) na sua produção desde 1915 [The Trobriand Islands] a 1961 [The Dynamics of Culture Change]; e por fim, a obra de Claude Lévi-Strauss (1908-), começo de 1945 [artigo A Análise Estrutural em Linguística e Antropologia] até 1971 [O Homem Nu], alguns insights sobre conflito interétnico podem ser percebidos, os quais apresento, sinteticamente, a seguir.

Alfred Reginald Radcliffe-Brawn ao analisar povos australianos, americanos e de outras partes do mundo, posiciona conflito implícito não no objeto, a ação em si, mas no modo em como este poderia ser observado: “O estudo comparativo revela-nos, portanto, que as idéias australianas sobre o gavião-real e o corvo são apenas um caso particular de um fenômeno muito mais abrangente” (RADCLIFFE-BROWN, 1980, p. 202). Não se trata de um enfrentamento corpo a corpo, mas uma expressão de conflito nas relações sócio-políticas.

Como representações, Gavião real e corvo simbolizam a divisão social interna, servindo para distinguir cada uma delas.

Radcliffe-Brown concluiu que em todas as lendas contadas pelos australianos, o gavião real e o corvo são apresentados como oponentes em algum conflito, assim como em regiões da América, a divisão social aparece como aves semelhantes e de cores diversas ou outros pares contrários. Essas oposições conflituosas não constituem um conflito real entre as partes representadas, já que o autor conseguiu identificar focos de conflito real tanto entre elas quanto internamente a elas, sem relação direta com a divisão simbólica.

Não identifiquei enfrentamento corpo a corpo entre as etnias Makuxi e Wapixana, nem em pesquisa teórica, nem na pesquisa de campo. O que há são embates políticos que podem ser sentidos nos espaços em que se põe em evidência: posse pela liderança política e cultural, como já mencionei, exemplificando, a disputa pelas lideranças da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR) e pelas indicações dos Tuxauas para diretores e professores das escolas indígenas, e ao que também considero o ensino da língua materna Makuxi a alunos de origem étnica Wapixana, bem como pela Presidência do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Para Marcel Mauss, em seu trabalho “Ensaio sobre a Dádiva” (1974), a condição de conflito é previsível, e suas conseqüências, imprevisíveis:

Em todas as sociedades que nos precederam e que ainda nos rodeiam, e mesmo em numerosos costumes de nossa moralidade popular, não existe meio termo: confia-se ou desconfia-se inteiramente; depor as armas e renunciar à sua magia, ou dar tudo; desde a hospitalidade fugaz até às filhas e bens. Foi em estados deste gênero que os homens renunciaram a seu ensinamento e aprenderam a empenhar-se em dar e retribuir. É que eles não tinham escolha. Dois grupos de homens que se encontram podem fazer apenas duas coisas: ou afastar-se - e, caso suspeitem um do outro ou se desafiem, lutar - ou tratar-se bem. Até direitos bem próximos de nós, economias não muito distanciadas da nossa, são sempre estrangeiros com os quais se 'trata', mesmo quando são aliados. (...) É opondo a razão aos sentimentos, opondo a vontade de paz contra bruscas loucuras desse gênero, que os povos conseguem substituir pela aliança, pela dádiva e pelo comércio a guerra, o isolamento e a estagnação (MAUSS, 1974, p. 182-83).

Temos assim uma previsibilidade do conflito dentro das relações sociais. Essa previsibilidade tanto está na condição intra (interior-interior) quanto inter (interior-exterior) de uma mesma sociedade. Outro aspecto que carece ser assinalado é a atribuição de critério valorativo para o contato e daí, para o estabelecimento de uma relação interétnica permanente: a confiança, a renúncia de traços culturais, aquisição de modos sociais e até de membros. Contudo, esse processo nem sempre se dá por consentimento como afirma Mauss, por renúncia, aprendizagem e retribuição. Confirmo sim, um processo que presume enfrentamento nem sempre dialógico e que pode tomar a forma de discussão, a tal ponto que pode gerar no

opositor, um sentimento de impotência, capaz de levar à quebra de um pacto, como o que ocorreu recentemente, por ocasião da ocupação da fazenda de um dos rizicultores “intrusos” à Terra Indígena Raposa-Serra do Sol:

A pressa na solução da questão é motivada pelo fato de a tensão na reserva ter aumentado depois que dez índios das etnias macuxi e ingarikó (sic) [grifo meu] foram feridos a balas na segunda-feira (5/5), após tentativa de ocupação da fazenda Depósito, do arrozeiro Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima, que logo depois foi preso pela PF (Jornal Folha de Boa Vista, Especiais, 14 de maio de 2008)35.

Sob a compreensão delineada no grupo e espaço pesquisados, e apesar do esforço empreendido, não foi possível identificar características psicológicas na relação conflituosa estabelecida entre as etnias Makuxi e Wapixana, pois, pelo menos ainda não tenho como comprovar uma igual pulsão, radicada na questão sexual, que a tenha criado e mantido, isto é, um motivo de antipatia, contrariedade individual. Como identificado na história das etnias em foco, o que está em empate é a “ponta” [grifo meu] da liderança política e cultural na área. O que levaria então, a etnia Makuxi a buscar o estabelecimento de relações sociais e vínculos de parentesco por casamento intertribal? Um pensamento de exploração e dominação sobre os Wapixana? Apesar de Durkheim (1995) pensar conflito paralelamente enquanto pensa a cooperação da sociedade capitalista, ele exclui a possibilidade do enraizamento e conclui:

Se o interesse aproxima os homens, nunca o faz mais que por alguns instantes e só pode criar entre eles um vínculo exterior [...]. As consciências são postas apenas superficialmente em contato: nem se penetram, nem aderem fortemente umas às outras. Se olharmos as coisas a fundo, veremos que toda harmonia de interesses encerra um conflito latente ou simplesmente adiado. Porque, onde o interesse reina sozinho, como nada vem refrear os egoísmos em presença, cada eu se encontra face ao outro em pé de guerra e uma trégua nesse eterno antagonismo não poderia ser de longa duração. De fato, o interesse é o que há de menos constante no mundo (DURKHEIM, 1995, p. 189).

Não havendo exploração36, apesar de eu reconhecer uma dominação, a presença da cooperação não ocorre no modelo durkheimiano. Sobre cooperação, ele diz que: “Para que cooperem harmoniosamente [...] é necessário [...] que as condições dessa cooperação sejam estabelecidas para toda a duração de suas relações” (DURKHEIM, 1995, p. 200). Uma etnia

35 Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=especiais&Id=40106. Acessado em: 15 de maio de 2008.

36 Considero que há uma atividade capitalista na Maloca do Barro, partindo do princípio de haver relação econômica de compra e venda de produtos industrializados (sal, açúcar, higiene pessoal e doméstica, refrigerantes, etc.); as escolas possuem hierarquia funcional segundo esquemas da Secretarias Estadual e Municipal de Educação. Mas, não há elementos estruturados de acumulação de bens nem de valores. Ademais, os meios de produção são de posse e usufruto coletivo, quais sejam: ferramentas para lavrar a terra, estábulos,

não é convidada para cooperar em tudo. Pelo que percebi, somente no que requer uma maior abrangência, seja espacial, temporal ou política. Exemplo: para preparar um estábulo