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CAPÍTULO 1: História de um percurso

1.7 Preparando para a pesquisa de campo

Esta breve imersão no percurso das relações interétnicas em terras de Roraima foi para recuperar parte da história das etnias e suas características sociais. Primeiro, porque a atividade da escrita permite a consolidação de um pensamento e reflexão ou como nos disse Roberto Cardoso de Oliveira, “a função de escrever o texto é mais do que uma tentativa de exposição de um saber: é também e, sobretudo, uma forma de pensar, portanto, de produzir conhecimento” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006, p. 12), ou, noutra expressão dele, “atos cognitivos” (idem, p. 18; p. 25), que procedem ao ver e ouvir.

Quanto à condução em campo, não poderia seguir apenas por entrevistas, visto que situações de conflito, além de verbalizadas, poderiam ser identificadas em pequenas atitudes cotidianas, requerendo uma observação participante com apontamentos mais detalhados. Pensei no que poderia causar a presença de alguém anotando num caderno, o que via, ouvia e sentia, por exemplo, sobre o que ocorresse numa reunião comunitária. Ou da presença de um equipamento pequeno como um gravador digital nas rodas de conversa. Ou ainda uma câmera a todo instante, ligada, com uma luz vermelha informando que está gravando. E tudo isto somado ao clima de tensão entre intrusos e comunidade local. Mas, um olhar não pode ser aplicado sem um norte. Requer, portanto, uma orientação.

Para o Prof. Raúl Rojas Soriano (2004) “a pesquisa social deve abordar os problemas a partir de uma perspectiva mais global, considerando a sociedade como um todo, conforme a dinâmica e os vínculos internos e externos que ela adquire no seu devir histórico” (SORIANO, 2004, p. 14). Assim, pode-se entender que o estudo de uma problemática criada e mantida socialmente necessita vasculhar os espaços objetivos e subjetivos que com ela se relacionam. Este ainda considera que a adoção de teorias e metodologia científica pertinentes evita erros na tomada de decisões. Ele ainda esclarece que, em se utilizando da observação participante, advoga que para este fim, se requer:

um esquema de trabalho para captar as manifestações e aspectos mais transcendentes e significativos da vida familiar e comunitária [...] avaliando suas atitudes, expressas pela linguagem corporal (aceno, gestos, e posturas do corpo, bem como a linguagem oral – exclamações, expressão emocional da voz). Observa também se o grupo está dividido em subgrupos, se é heterogêneo ou homogêneo; observa suas vestimentas, o tipo de participação [...] e a atitude dos líderes. Observa o meio ambiente onde se desenvolve o acontecimento (SORIANO, 2004, p. 146).

O autor ainda adverte que ocorrendo em núcleos indígenas, numa pesquisa há de se persistir, pois embora aquele e aquela que tenham sido aceitos, podem gerar uma aversão, alterando a normalidade do cotidiano, agindo, portanto com uma formalidade, distorcendo e invalidando a observação.

Havendo observação participante, eu não tinha como deixar de alterar aquela realidade social. Então, o que fazer para ter a confiança daqueles a quem observara? Pensei: propor-me-ia a trabalhar com as crianças da escola Pe. José de Anchieta. Mas o que fazer com elas? Lembrei do que havia lido sobre isto, nas idéias de Carlos Rodrigues Brandão (1999). Para ele, se um conhecimento resulta de uma inserção na história de um grupo, isto implica em tomar posse deste conhecimento. E, daí, torna-se ética uma retribuição, uma forma em que pesquisadores-e-pesquisados [palavra composta pelo autor] “são sujeitos de um trabalho comum” (BRANDÃO, 1999, p. 11). Assim, decidi que eu poderia atuar diretamente com os alunos das duas escolas, contando e ouvindo histórias deles e, com os professores, ouvindo, primeiro, a história de vida profissional e pessoal deles. Igualmente estenderia o procedimento com aqueles com quem encontrasse e se dispusessem a colaborar com o trabalho. E havendo permissão dos entrevistados, filmaria tudo isto e viabilizaria uma maneira de inserir esses participantes na socialização dos resultados do trabalho de pesquisa, já que toda a edição ocorreria fora de campo.

Esta troca de histórias durante a tomada das entrevistas não estruturadas não era o único recurso metodológico a fim de gerar um sentimento de confiança entre sujeitos. Também era uma forma recomendada por James Clifford (2002) para que na observação participante, captasse essas percepções minhas e deles. Para ele:

A observação participante obriga seus praticantes a experimentar tanto em termos físicos quanto intelectuais, as vicissitudes da tradução. Ela requer um árduo aprendizado lingüístico, algum grau de desenvolvimento direto [grifo meu] e conversação, e freqüentemente, um ‘desarranjo’ das expectativas pessoais e culturais (CLIFFORD, 2002, p. 20).

Mas, e o que fazer com as histórias? E se elas viessem repletas de mitos? Ora, enquanto essas variáveis circulavam em minha reflexão, lembrei do que Darrell Posey em sua

Em ecossistemas da Amazônia e os modos pelos quais podem ser explorados encontram-se, direta ou indiretamente, expressos nos mitos e rituais dos grupos indígenas da região. Com efeito, sua concepção do mundo influencia – e é influenciada em graus diversos – pela maneira como o ecossistema é percebido. Por outro lado, o modo como os índios interagem com seu hábitat oferece informações preciosas sobre as inter-relações ecológicas, todas elas cruciais para o funcionamento dos microssistemas (POSEY, 1997, p. 12).

E como dialogar com os participantes se todos estão sempre a desenvolver alguma atividade, seja aluno ou aluna e professor e professora, ou demais pessoas de uma comunidade indígena? A saída mais segura consistia em integrar-me aos sujeitos em suas atividades, de modo a não perder de vista nenhuma das formas ou fontes de informação. Do mesmo autor aprovisionei-me de sua valiosa compreensão de que “quanto menos pergunta, melhor [...]. Um mito em cujo enredo compareçam elementos vegetais, animais e seres humanos pode constituir a chave para decodificar a percepção por uma determinada cultura de importantes inter-relações (idem, p. 13).

Com essa indicação, me compenetrei ainda em Boa Vista, antes de viajar à Maloca do Barro, ao exame do mito de origem Makunaima e a Raposa, obtido de um documento escrito e ilustrado por professores, o que apresento e discuto no tópico 3. O segundo, pronunciado pelo Tuxaua A. D. F.[Tuxaua da Maloca do Barro – Surumu] no final da tarde do dia 26 de novembro de 2007 no que antecipo o recorte. Assim pronunciou-se: “Somos um povo de passado aguerrido. Sempre estivemos à frente da luta por nossa terra. E todos esses jovens que estudam aqui no Centro de Formação, se preparam para isto: a defesa de nosso povo, de nossa cultura”.

Quando entrevistava os professores na sede da escola Pe. José de Anchieta, entre perguntas e solicitações para que falassem sobre o passado de suas etnias, apenas me respondiam que tinha sido de muita exploração e dominação. Se havia conflito entre Makuxi e Wapixana, a resposta era “não”. Que ambas as etnias “conviviam em paz”. Só não me souberam explicar o porquê de se ensinar a alunos das etnias mencionadas, a língua Makuxi como “língua materna”, o que para mim significaria uma forma de violência simbólica, uma manifestação que não cabe no sentido físico considerado pelo filósofo alemão Jürgen Habermas e sim àquele compreendido por Pierre Bourdieu (2000) onde indivíduos ou grupos impõem valores, hábitos e comportamentos sem recorrer necessariamente à agressão física com vistas a obter uma integração social ou em suas próprias palavras:

Los símbolos son los instrumentos por excelencia de la “integración social”: en cuanto que instrumentos de conocimiento y de comunicación (cf. el análisis durkheimiano de la festividad), hacen posible el consenso sobre el sentido del mundo social, que contribuye fundamentalmente a la reproducción del orden social: la integración “lógica” es la condición de la integración moral (BOURDIEU, 2002, p. 2).

Ou ainda por um outro motivo em que segundo os próprios professores do Centro de Formação e Cultura Indígena sentiam o mesmo problema porque passei na Escola de Formação de Professores de Boa Vista por ocasião das atividades do Projeto Caimbé: não se conseguia, agrupar alunos de etnias diferentes em um mesmo grupo de trabalho, quando todos falavam e entendiam em língua portuguesa. Disse-me em entrevista o professor Jonildo Viana do Núcleo de Educação Superior Indígena INSIKIRÁN [nome de um dos filhos mitológicos de Makunaima], ter ouvido relatos de seus alunos professores, relatos de passarem pelos mesmos problemas com alunos da Educação Básica entre todas as escolas de toda a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em entrevista não diretiva realizada no Campus Central da Universidade Federal de Roraima, um dia antes da minha viagem à Maloca do Barro.

O devir em campo sempre guarda segredos e desafios. É nele que a teoria é refletida com maior intensidade, enquanto as categorias localizadas pelo pesquisador, reconhecidas e empregadas em espaço de conflito, a atenção necessita ser redobrada, porque ele se encontra frente a frente com o que eu chamaria de pico de comportamento, isto é, a manifestação primaz das tensões em si. É por ele – o comportamento – individual e coletivo, que o conflito se configura e se realiza hoje, cuja “arena” se dá nos fóruns políticos locais, regionais, nacionais e internacionais.

Uma colaboração indispensável para pensar sobre isto de forma prática, veio de Langness (1965), cuja leitura me pareceu bastante apropriada e atual para o delineamento do “objeto” de estudo que acompanho. É que toda a preocupação dele se concentra em posicionar metodologicamente, a observação participante e seus procedimentos, em um lugar de prioridade quando se deseja estudar aspectos de comportamento na Antropologia. É desta consideração que elejo a observação participante como uma das técnicas necessárias ao estudo do conflito interétnico.

Ele adverte que a história de vida, quando desvinculada de seus contextos e de quem a utiliza para estabelecer comparações entre os relatos obtidos, pode incorrer em erros caso não se atente para a correlação entre contextos e respostas, vez que ambos são interpretados por cada indivíduo (LANGNESS, 1965, p. 48). Mas enfatiza que, se acompanhada de atenção a aspectos mais abrangentes, tais como papéis desempenhados pelos indivíduos, valoração exercida por estes e pelo grupo sobre objetos valorados, a história de vida servirá de um

competente método de pesquisa. Embora não tenha adotado integralmente as histórias de vida de todos os ouvidos e entrevistados, as incluí como um dos tópicos a serem captados a fim de perceber a presença ou não de relações sociais permanentes ou esporádicas com as etnias da Maloca.

De certo, o grau de confiabilidade referido por Langness como rapport (1969: 57), isto é, uma mútua confiança, deve ser levado em consideração pelo etnógrafo no ato da pesquisa. É esse grau que trará veracidade às respostas de seu contingente, segundo Langness, encontram-se postas duas personalidades: a de quem investiga e a de quem é investigado. As primeiras impressões ficam.

Uma confiança deve sempre ser considerada relativa. Isto por que, como bem adverte Langness, “um pesquisador ocidental dos altiplanos da Nova Guiné, por exemplo, nunca se tornará verdadeiramente um membro autêntico da comunidade nativa, por mais que ele tente” (LANGNESS, 1969, p. 59). Então, qualquer recurso que o pesquisador queira utilizar para assegurar um compromisso, um “voto” [grifo meu] de fidedignidade de seus informantes, por exemplo, será inválido, quer seja brinde, presente, etc. Um rapport é elaborado durante a convivência.

Por sua vez, nessa convivência, o pesquisador necessita estar consciente de que ele não é nem será o outro. Mesmo que eu tenha meus territórios e saiba muito bem defender; embora seja capaz de me articular com outras pessoas para este fim, ou seja, embora eu e aqueles a quem estude sejamos capazes de termos algo de similar, nossas intimidades permanecerão como um bem de cada um, de cada uma. Sobre essa intimidade, sugere Langness:

É importante não se isolar da vida da aldeia, ou pela localização da casa ou por seus próprios hábitos pessoais e outros motivos. [...] Existem algumas vantagens no papel de estranho, contudo que seja objetivo e amistoso e não intruso, autoritário ou malévolo. Desempenhar de maneira apropriada o papel de estranho, torna possível ser convocado para resolver disputas arbitrárias, para oferecer opiniões sobre assuntos de interesse mútuo, para atuar como intermediário entre os nativos e uma terceira parte não tão bem conhecida ou que não goze de tanta confiança. Além disso, pode- se algumas vezes usar o prestígio que resulta de seu status, se ele é membro de um grupo dominante ou controlador (LANGNESS, 1969, p. 60).

Bastante apropriadas as prerrogativas de Langness ao estudo que realizo, porque ele igualmente reflete sobre a relação pesquisador – intérprete – nativo. Afinal, eu estava trabalhando numa comunidade na qual é possível encontrar até quem seja poliglota: falar makuxi, wapixana, português, inglês e espanhol, essas duas últimas dadas à relação fronteiriça que Roraima tem com a Guiana Inglesa e a Venezuela.

Referindo-se a Margaret Mead, Langness informa que ela fez distinção entre aprender e usar a língua nativa, isto em um artigo publicado em 1939, onde ela dizia não haver necessidade de se aprender uma língua para se fazer uma pesquisa competente, considerando que dependendo do aspecto tratado, implicaria no conhecimeno de vocábulos especializados (idem, p. 62). O que pode ocorrer é sim, problema de interpretação quando não se fala a língua materna [expressão empregada praticamente por todos os índios e não índios no Estado de Roraima, para se referir à língua nativa], pois, é possível que ocorra antipatia entre um informante e outro e que isto acabe por influências em traduções, por exemplo, conclui Langness. Daí, uma conversa que implique referência a uma terceira pessoa, que no meu caso de certo foram fazendeiros e rizicultores, bem como um dos governos envolvidos, pode exigir a quebra da individualidade entre nativo – nativo [para usar o termo de Mead], por exemplo, ao se conversar sobre briga entre casais.

As entrevistas devem ser diretas objetivas, já que é um processo indireto de observação. Como as pessoas podem ter perspectivas diversas, uma outra pode desconsiderar a pergunta e, consequentemente, a resposta deixará lacunas ou adquirir versão não confiável, de acordo com o prisma em que o entrevistador tenha sido “interpretado” [grifo meu]. Quanto mais em espaço de conflito em estudo. A desconfiança também é previsível por ocasião das entrevistas, estruturadas, semi-estruturadas ou não-estruturadas, pelo fato de eu não ser índio, ainda mais funcionário do Estado de Roraima. Isto é alertado também por Langness:

O papel social designado ao entrevistador faz grande diferença e assim, a informação dada pode variar grandemente de situação para situação. Enquanto estava na Nova Guiné, fui testemunha de algumas das mentiras mais evidentes, usualmente dadas por um nativo a um estrangeiro ou a funcionários administrativos. O motivo dessas mentiras é fácil de entender, pois o povo tem a tendência de contar aos estranhos o que eles pensam que esses gostariam de ouvir, e eles gostam de dizer aos funcionários administrativos que eles possuem menos porcos do que realmente têm ou que não têm negligenciado seu café ou outras colhetas (LANGNESS, 1969, p. 66).

Há uma interação que é inegável na relação entre os sujeitos em pesquisa. Esta por seu turno, transcorrerá, também, com a capacidade do pesquisador em estar sensível ao que vê, ouve e sente, sendo igualmente hábil em extrair ao máximo elementos, ainda que não obtenha o suficiente para formar uma conclusão à questão perseguida, o que pode requerer, também, uma certa criatividade.

Reflito sobre a relação entre pesquisador em campo de pesquisa, também apoiado em Bourdieu (1992), onde ele teoriza sobre o poder simbólico a partir da sua noção de campo. Para ele, o campo é semelhante a um universo constituído de relações objetivas de

interdependência entre sub-campos que preservam uma certa autonomia e união pela solidariedade orgânica na divisão do trabalho de dominação. Envolve população como um conjunto de agentes suscetíveis a submissões e participações reais e ligados por interações reais e diretamente observáveis (BOUDIEU, 1989, p.373-374 [Curso no Collège de France: L’Etat: conclusions, aula de 21/2/91]).

Em “A Miséria do Mundo”, Bourdieu (1999) leva a intuir que desde a formulação das questões, o pesquisador deve se atentar para não elaborar perguntas absurdas, arbitrárias, ambíguas, deslocadas ou tendenciosas, respeitando a seqüência do pensamento do pesquisado, ou seja, procurando dar continuidade na conversação, conduzindo a entrevista com um certo sentido lógico para o entrevistado. Nem sempre o melhor caminho é aquele que se pretende chegar pela pergunta direta, e sim, o que permite com que o pesquisado relembre parte de sua vida. Para tanto, o pesquisador pode muito bem ir suscitando a memória do pesquisado, que pode ser um procedimento onde o pesquisador exerça com humildade, sua maturidade metodológica, que passa inclusive, pela necessidade de se expressar na língua do pesquisado, ao mesmo tempo em que isto diminui a violência simbólica entre ambos, já que lidará com sentimentos, afetos pessoais, fragilidades, conflitos pessoais.

No trabalho “O Poder Simbólico” (1998), Bourdieu, citando Nietzsche, equipara o pesquisador em Ciências Sócias a alguns “profissionais” [grifo meu]: que os sacerdócios vivem do pecado... De maneira semelhante acrescentamos: os gramáticos vivem dos erros, assim como os metodólogos... Ele mesmo, como sociólogo faz uma relativização da função do metodólogo, ou seja, do especialista em metodologia. Por isso mesmo os manuais de metodologia que tanto enfatizam o fazer correto, não dizem que esse correto é algo construído e dado historicamente.

Quanto à categoria epistemológica deste trabalho de pesquisa, opto pela compreensão de Richard Adams (1975) para qual o ambiente mantém uma estreita relação com o aspecto material, físico ou de forma-e-fluxo-energético do habitat social e físico do homem. Isto é, meio ambiente contém e está contido no humano. Não há um sem o outro, como se um e outro fossem elementos de um conjunto. Assim, não somente a topografia, o clima, os recursos naturais, etc., formam uma parte do ambiente, mas também outros seres humanos, ondas sonoras (falas), comportamento dos outros”(ADAMS, 1975, p. 13).

Portanto, se encortina uma relação de poder mesmo com a aparente relação de sociabilidade bem evidente. Assim, dadas as peculiaridades que aqui apontam-se, considerem- se as indicações feitas por Richard Adams (1975), ainda bem atuais para o problema em análise.

O que as evidências estão indicando é que as ações realizadas no trabalho de campo e nas consultas bibliográficas levam ao entendimento de que as formas de transferência desses poderes e de adaptações feitas pelas duas etnias em relação ao ambiente variam, e a variação, parece constituir-se aos momentos de “organização interna” (ADAMS, 1975, pp. 55-56).

É da relação estabelecida entre Makuxi e Wapixana com aqueles que não são indígenas mas encontram-se dentro da Raposa Serra do Sol, que surge o fracionamento do poder pela divergências e desacordos quanto às medidas e modos de estabelecimento dos marcos territoriais que dariam o contorno à TIRSS. E, uma vez poderes enfraquecidos, então poderes transferidos ao executivo, o que enfraquece por fracionamento de coalisão de objetivos políticos, ou melhor, nas próprias palavras de Adams:

A redução de poder num sistema conduzirá necessariamente a uma redução nos níveis de articulação, da mesma maneira que o despovoamento reduzirá o número de domínios [...] Domínios e níveis sãos, num sentido muito real, construídos de poder; ao faltar aquele poder, simplesmente desaparecerão, fora das mentes daqueles que lembram, ou na arquitetura e resíduos documentários que fornecem emprego para futuros arqueólogos e historiadores (ADAMS, 1975, p. 93).

E então me vieram algumas reflexões. As primeiras delas a partir daquelas presentes em um dos textos estudados durante a disciplina do Mestrado, Teorias Antropológicas Contemporâneas – A Experiência Etnográfica. Em James Clifford (2002), encontrei aportes que me permitiram entender algumas “dúvidas” ocorridas dentro do campo e fora dele: um conflito que é negado pela população “de dentro” pode ser estudado por alguém “de fora”? Como então encaminhar esta pesquisa de campo entre as etnias envolvidas?

Por retomar a máxima de que o etnógrafo poderia alcançar um atributo “sobrenatural de pensar, sentir e perceber o mundo” (GEERTZ, 1999, p.86) desde que se colocasse na condição do nativo, Clifford Geertz não considera como um problema, visto de dentro ou de fora, na primeira ou na terceira pessoa, mas sim, de estabelecer, como dizia o psicanalista Heinz Kohut uma “experiência próxima e distante” (KOHUT apud Geertz, p. 87), a tal modo que constate a impossibilidade de estar sob a pele do nativo e sim, de esforçar-se em não se envolver por empatias internas com os informantes, para então saber expressar o que é uma explicação nativa de uma não nativa.

Já na Apresentação do livro “O Saber Local”, feita por José Reginaldo Santos Gonçalves26, encontro o primeiro argumento para esta ajudaria a sanar as dívidas