• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3: A pesquisa de campo

3.1 O percurso até a Maloca do Barro

O percurso aqui descrito refere-se ao trajeto feito por ocasião da primeira viagem de campo e pretende despertar o leitor para a dinâmica imposta pelo ambiente ao pesquisador, bem como mostrar as etapas de preparação para a pesquisa de campo, pontuada nos dias e os acontecimentos que a precederam.

Durante a noite de 13 de maio de 2007, aproveitei para fazer meus primeiros telefonemas de Boa Vista. Foi assim que falei com o Jonildo, ex-aluno meu do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima, que se comprometeu a passar no dia seguinte na casa em que me encontrava hospedado para fazermos os contatos pessoalmente com o Conselho Indígena de Roraima – CIR e com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Encerrei o dia na residência do casal de amigos professores Éverton e Roseli (geógrafa e mestre em Ciências da Educação), ela, de grande valor para minha pesquisa, pelo seu conhecimento da geografia de Roraima e por ser um elo entre meu contigente de pesquisa e eu, já que é pesquisadora na mesma área indígena.

Somente na tarde do segundo dia (14.05.2007) consegui avançar na empreitada. Aluguei um carro Gol para ingressar rumo à Reserva Raposa Serra do Sol, adentrando pelo Norte do Estado, pela BR – 174. Durante todo o dia fez tempo chuvoso, anunciador da chegada do inverno. Aproveitei a manhã para encaminhar uns detalhes estratégicos da minha ída à Maloca do Barro e a tarde para realizar uma sondagem acerca da repercursão do tema na

zona urbana, pelo menos nos ambientes coletivos como pontos de ônibus e as praças do centro da capital, cujo texto procura manter a fidelidade ao diário de campo.

As chuvas em Roraima são intensas desde o início do inverno45. Enquanto chovia, fiquei à espreita, aguardando ouvir pelo menos um cochichar sobre o conflito nos lugares públicos da capital Boa Vista, como praças e estações de ônibus urbano. Mas, nada de ocorrência sobre o assunto. O que me chamou a atenção foi a presença de caminhões carregados de cana-de-açúcar rodeando o Palácio do Governo na circunferência do Centro Cívico. Uma placa anunciava a geração de mais de trinta mil empregos. E me fez pensar como isto poderia ocorrer e em que lugares. Concluí: não passa mesmo de mais um chamariz para furtar a atenção da população do que tanto se desdobra, como já ocorrera com a pavimentação da BR - 174 na década de 80 e a “vocação para o turismo” na década de 90. E em 2007, o platio em larga escala da cana-de-açúcar e em 2008, a criação de uma Zona de Processamento de Exportação bem como uma Área de Livre Comércio. Constatava assim que os poderes públicos sempre encontram um chamariz para desviar a atenção do clima de tensão entre índios e índios, e índios com não índios. No dia seguinte, os caminhões que traziam as primeiras mudas de cana-de-açúcar não estavam mais estacionados ao redor do Palácio do Governo “Senador Hélio Campos”.

No dia 15 de maio choveu a manhã inteira. Fiquei sem poder avançar. Em Boa Vista quando chove, as ruas ficam alagadas porque, sendo uma cidade predominantemente erguida sobre uma planície, quase não há para onde as águas correrem. Então, deduzi que a estrada de barro que liga a BR-174, estrada asfáltica que conduz à Maloca do Surumu e que atravessa a Reserva Indígena de São Marcos, poderia estar comprometida por alagamento. Assim, não viajei conforme o determinado. Fiquei esperando a previsão do tempo no jornal local transmitido pelo canal da Rede Globo. Para meu espanto, no dia 16 teríamos chuva. Apesar da previsão, comecei a me preparar para a viagem na manhã seguinte.

Em 16 de maio o dia amanheceu com um tempo semi-fechado. A caminho, tive o cuidado de averiguar as indicações das placas de informação dispostas em toda a extensão da estrada, sempre fotografando aquelas que julgávamos importante.

Durante o trajeto, podia-se ver a infra-estrutura montada para dar suporte ao beneficiamento de arroz produzido na área em estudo:

45 Peço desculpas para registrar esse aspecto do início do inverno em Roraima com a intenção de esclarecer que pelas características do solo em que se encontra a Maloca do Barro, qualquer atividade deve considerar o tempo

FIGURA 6: Silos de armazenamento e estrutura de beneficiamento de grãos de arroz – lado direito da BR – 174 no trecho Boa Vista – RR – Brasil e Santa Helena, na Venezuela.

Então, às nove horas chegamos à entrada da Maloca do Barro (antiga Vila ou Missão Surumu). Adentrando a localidade, atravessamos a ponte sobre o Rio Surumu. Tínhamos alcançado o acesso principal de lá e a placa identificava a localidade.

FIGURA 7: Entroncamento entre a BR – 174 e a entrada para a Vila do Barro, no município de Pacaraima – RR.

Alcançamos a Maloca do Barro já por volta das 10h da manhã. E na entrada, podíamos ver a Escola Estadual Padre José de Anchieta, bem ao centro da comunidade com sua quadra de esporte coberta, em que alunos jogavam futebol. Havia também a sede da empresa de comunicação local. Várias crianças, umas com fardamento escolar e outras não, sozinhas ou conduzidas por adultos ou por outras crianças que deduzi serem irmãos e irmãs

mais “velhos”, transitando pela via de acesso “urbano”, sempre sorrindo. Passamos em frente à sede da companhia de energia elétrica e o Centro de Atendimento ao Consumidor, conforme letras bem pintadas de azul escuro em sua parede azul claro.

Dobramos à direita e seguimos em frente, até alcançarmos uma bifurcação que nos levaria por uma de suas vias, ao que foi antes, a sede da missão católica. Foi quando me aproximei de lá que constatei a infra-estrutura antiga e a nova. Os prédios antigos, parte depredada pelo tempo e parte destruída pela ação humana. Não imaginava que viessem a ser as evidências vistas apenas nas fotos dispostas no Jornal Folha de Boa Vista.

Chamou-me a atenção o fato de que, apesar da demarcação ser algo irrevogável, havia até o momento, uma placa indicando a fazenda do Arroz Acostumado, bem como as distâncias deste ponto aos demais: a Maloca de Marapá; a Maloca do Contão; a sede do Município de Uiramutã e a maloca de Livramento.

FIGURA 8: Placa identificadora da entrada para a Vila do Barro onde destaco a inscrição da logomarca do Arroz Acostumado.

Ao nos aproximarmos do alojamento, fui informado por minha acompanhante a Professora Roseli Bernardo dos Santos, sobre quem estava lá. Era a professora Anilza Leoni, minha ex-aluna do Projeto Caimbé, de formação de professores.