• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3: A pesquisa de campo

3.3 Percepção exterior e interior de um conflito

Como é vista a relação interétnica em conflito entre Makuxi e Wapixana por aqueles que trabalham com elas e como que cada etnia percebe a outra?

No propósito de identificar se há percepção de uma relação conflitante entre ambas, busquei identificar nas línguas dessas etnias, palavras e expressões usuais às formações gramaticais. A quem perguntei em campo, ninguém tinha uma palavra que fosse a tradução para conflito. Apenas correlatas. Acerca dos Makuxi, pela fonte Língua Makuxi – Makusi Maimu (AMÓDIO; PIRA, 1996) e Wapixana (SANTOS, 2006). Isto facilitou na percepção e “checagem” de algumas informações. Reconheço este saber da população local não apenas sob o aspecto lingüístico, também político, como uma alta expressão elaborada e articulada em sua defesa.

Uma primeira compreensão de como a relação social entre Makuxi e Wapixana é vista, pode ser identificada no trecho da primeira entrevista feita por mim, a um representante da FUNAI, não índio, na cidade de Boa Vista:

- Eu: “Estou diante de ti para ouvir algumas histórias que você tenha conhecimento que tragam algum fato sobre problemas de relacionamento entre as etnias Makuxi e Wapixana. Responsabilizo-me em guardar o anonimato e não usar suas palavras em situação que lhe possam comprometer”.

- Ele: “Olha só, primeiro é um prazer estar colaborando. Agente que é um profissional, um estudioso, além da parte prática, faz parte da atuação. Não deixa também de ter, de vez em quando, de se deparar com histórias interessantes”.

- Eu: “Fique à vontade para ‘revirar’ suas memórias. Você presenciou alguma conversa entre Makuxi e Wapixana que tenha demonstrado uma relação conflituosa entre as duas etnias?” - Ele: “Tenho visto inúmeras sobre a disputa de poder de domínio de um sobre o outro. Hoje quando se tem dois grupos numa aldeia, aumentam as tensões entre Makuxi e Wapixana [passados 20 minutos, ele ainda não tinha relatado oralmente, visto o entra-e-saí de pessoas]. Quem tradicionalmente iniciou com artesanato, foi a etnia Wapixana. Mas Makuxi diz que ‘fomos nós’ [eles] que começamos. Um Makuxi diz que foram eles que começaram a dança Parixara. Os Wapixana dizem: ‘fomos nós’ [eles]. Outra coisa, na Boca da Mata, maloca na T. I. Raposa Serra do Sol, lá tem mais Makuxi que Taurepang, que disputam o poder na aldeia. Também disputam por mulheres. O povo Wapixana é o menos em quantidade. Quando se tem uma festinha dentro ou fora da escola, índios Makuxi ficam gritando com Wapixana que preferem ficar lá fora: “ô Wapixana” e ficam como que gozando da cara deles”.

- Eu: “Quando leio sobre a história do CIR, sempre encontro na presidência, índios Makuxi ...”.

- Ele: “Exceto o vice-presidente que é Wapixana, todos os demais são Macuxi. Mesmo que para isto, burlem resultados [algum processo]. Todas as vezes, índios Makuxi encontram uma forma de enganar os Wai-wai. A Organização das Mulheres Indígenas de Roraima - OMIR é presidida por uma Wapixana; a Associação dos Professores Indígenas de Roraima - APIR e o Conselho Indígena de Roraima - CIR, são presididas pela etnia Makuxi; a Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima - SODIUR é Wapixana. Sempre a comissão eleitoral é composta de Makuxi e todas as vezes encontram uma maneira de anular os votos dos outros. Sempre quiseram ter o domínio entre os outros povos, como no CIR”. - Eu: “Eu já tenho o que quero das suas palavras. Muito obrigado”.

- Ele: “Eu agradeço a você por me incluir em sua pesquisa”.51

O segundo argumento no entendimento externo foi registrado em áudio no dia 18 de maio à tarde, após uma manhã inteira “ilhado” em casa, devido às chuvas, quando voltei sozinho ao CIR e dei entrada nos documentos solicitados por Terêncio: Requerimento e Projeto de Pesquisa. Nesta mesma tarde fui também à FUNAI para o mesmo fim, quando dialogando com o Administrador adjunto, lhe indaguei sobre a convivência entre as duas etnias. Ele então me respondeu: “Olha, minha avó era Wapixana. E vi muitas vezes ela agir à presença de índios e índias Makuxi, assim: cuspia no chão e corria para fechar a porta”.

Ele também me disse que minha solicitação para permanência prolongada na Maloca do Barro deveria ser feita diretamente à FUNAI em Brasília e ratificou a necessidade de tratar com a Presidente da Fundação, e com o Conselho Indígena de Roraima, o que eu já sabia e tinha feito.

Chegava o fim da minha primeira semana de pesquisa. Pode até parecer errado, mas eu não poderia permanecer em terras indígenas sem as licenças, sob pena de ser expulso dela como é feito com todos aqueles não-indígena, e não mais lá retornar, apesar de eu ter sido professor formador da maioria dos professores de lá, já que na Raposa-Serra do Sol professores exercem certa influência política na vida social e uma liderança para assuntos exteriores como, por exemplo, participação em meios de comunicação, denúncias e registro de ocorrências em delegacias.

Um terceiro entendimento externo para a relação interétnica conflitante é encontrado nos argumentos do Professor Jonildo na segunda viagem de campo.

51 Entrevista concedida em sua sala na tarde do dia 22 de novembro de 2007 com duração de trinta e três minutos gravada em equipamento digital. Transcrevi somente as partes em que ele fez referência ao objeto empírico.

Na companhia de Jonildo, fui ouvi suas experiências de campo enquanto pesquisador de manifestações de preconceito atribuído a alunos indígenas na cidade de Boa Vista, pesquisa que faz pelo Mestrado em Educação na Universidade Federal do Amazonas. Na manhã seguinte, realizei uma entrevista com ele, feita no campus central da Universidade Federal de Roraima, a qual apresento a seguir.

- Eu: “Estou entrevistando Jonildo Viana dos Santos. Você se considera índio hoje?”.

- Ele: “Bom, inclusive eu trabalho em minha dissertação uma categoria antropológica bem interessante que é a de índio descendente. O que é necessário para ser considerado de índio? É necessário ter o modus vivendi e o modus operandi daquela sociedade em que você ta (sic) inserido: ritos de passagem, religioso, cosmovisão, arte, língua, e outras expressões da cultura. Existe um debate interessante muito grande: que é – ser ou parecer? Eu tenho raízes sim. Raízes dessa mistura étnica. Mas se me pergunta, eu respondo: não. Justamente por isto. Por não ter esses elementos que me configuraria enquanto índio. Por que ser índio é você está na relação de pertencimento: como você é visto e você se ver. Nesse caso só tem uma via. Como sou visto. Então, eu tenho traços, isto é muito claro. Mas não me considero índio e sim um índio descendente – um debate muito próximo ao do negro descendente - por não ter esses traços: a língua, a cultura, o modus operandi. Paralelo a esse debate eu me considero um índio descendente”.

- Eu: “Eu queria pedir desculpas por não ter feito a introdução necessária. Mas, nessa entrevista aberta você tem o direito de até não responder as minhas perguntas e da mesma forma, tem o direito de perguntar a mim, certo? E o que mais... de..., se você puder pronunciar pra mim o consentimento ou não de que eu possa utilizar seu nome ou não, utilizando suas palavras no meu trabalho de dissertação em que escrevo sobre o conflito interétnico entre Makuxi e Wapixana na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Eu queria que você pronunciasse de viva voz, para poder documentar seu consentimento para a realização desta entrevista”. - Ele: “Bom, como pesquisador é... eu não vejo necessidade de anonimato. Porque fazer ciências sociais é justamente causar o conflito. O conflito de debate, de idéias, de concepção. E é extremamente necessário ter essa abertura. E também penso que fazer ciências é não ser neutro. Não existe ciência neutra. Portanto, eu, Jonildo Viana dos Santos professor da Universidade Federal de Roraima autorizo usar essa entrevista inclusive citar nomes, fatos, datas, para a construção desse trabalho teórico”.

- Eu: “Obrigado. Você é uma pessoa muito presente. Não vou falar no cotidiano indígena, mas neste universo indígena deste Estado. Gostaria que você falasse de algum conhecimento seu, fatos, histórias que você conheça ou que você ouviu falar que envolvesse a relação entre Makuxi e Wapixana e vice-versa. Você tem conhecimento de alguma história ou fato que posso conotar ou denotar um estado de tensão entre essas duas etnias?”

- Ele: “Bem, podemos começar tentando visualizar o aspecto geográfico. Recentemente entre os dias 14 e 20 de outubro [2007] eu estive assessorando a Organização dos Professores Indígenas de Roraima, no diagnóstico da educação escolar indígena, juntamente com o Departamento de Educação Indígena da Secretaria de Educação do Estado e da FUNAI. E nós percorremos toda a região Baixa do Cotingo que margeia o Rio Cotingo. E essa região está dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. E das 28 escolas que pesquisamos, num total de 900 Km que percorremos, todas as escolas pertencem ao grupo étnico Makuxi. E isto é interessante porque...” [Interrompi ele].- Eu: “Como assim, pertencem a Makuxi? Em que critério você se assegura?”

- Ele: “Bom, a escola está inserida em comunidades Makuxi. Portanto, o professor é Makuxi, quando tem diretores é Makuxi, os apoiadores também são Makuxi. A idéia que conotou foi quando você pega o mapa, desse lado do Cotingo na TIRSS, se vê a predominância Makuxi; já quando você pega e analisa a partir da BR-174 o lado esquerdo para quem vai para a Venezuela, na Terra Indígena São Marcos, você vê uma predominância é Wapixana. Então percebe que há essa divisão, pegando o rio Cotingo e a BR-174. Outro aspecto interessante foi na penúltima escola – localizada na comunidade indígena do Igarapé Uarizinho, tava acontecendo um conflito que me chamou bastante atenção. A comunidade Makuxi, o diretor Makuxi, o Tuxaua Makuxi, mas o professor é Wapixana. E esse professor não estava se adaptando naquela comunidade. Ele já vinha há alguns meses vendo esse conflito na comunidade. Estava lá há um ano e pouco. Ele disse que vai sair da comunidade. Eu perguntei os motivos. Ele me disse que um dos motivos era o ensino da língua. Porque hoje as escolas indígenas estão resgatando, não, mas reconfigurando o ensino da língua Makuxi nas escolas. E esse professor não dominava a língua Makuxi.

- Eu: “Um Wapixana sendo orientado a ensinar a língua Makuxi?”.

- Ele: “Exatamente. Então isto me chamou bastante atenção porque ele estava se sentindo excluído. Então ele ia para uma comunidade que o aceitasse como Wapixana ou que ele ensinasse Wapixana. Que aí ele poderia atuar como professor Wapixana. Esse conflito meio

atenção. E aqui na nossa licenciatura [Intercultural da UFRR], da qual nós atendemos 5 povos indígenas: Makuxi, Wapixana, Taurepangue, Wai-Wai, Ingaricó. Então a gente tem os espaços das salas que são três [Ciências da Natureza, Ciências Sociais e Comunicação e Artes] notamos que na sala de aula eles se misturam por conta dessa interação que é necessária ao estudo e é dirigido pelos professores das turmas. Mas nos outros espaços livres como a praça do bloco I onde funcionam as aulas a gente vê os grupos isoladamente. No refeitório universitário também.”

- Eu: “Essa distância não é apenas física? É também relacional?”.

- Ele: “Sim. A gente nota... eu pelo menos notei de modo bem claro: lá existe uma divisão nos grupos étnicos. Cabe investigar os motivos que levam a isto. Os motivos parecem vir lá de longe. Não de agora”.

- Eu: “Já me considero satisfeito. Eu gostaria de deixar um espaço para você, caso queira acrescentar ou não a essa nossa fala que está acontecendo aqui nos fundos do bloco I da Universidade Federal de Roraima”.

- Ele: “Lembro de outro fato dito por uma aluna lá na comunidade de Araçá da Serra da Raposa-Serra do Sol, que existia um conflito, ela não datou, onde acharam uma urna funerária de barro onde foram achados alguns corpos e ela falou que esses corpos eram resultado desse conflito entre Makuxi e Wapixana onde os Makuxi inseridos naquela região, expulsaram os Wapixana. Estão na área de São Marcos, no outro lado do Rio Cotingo e o Surumu. Mas, bom, são indícios, ela afirmou – ela que é Makuxi e conhece essa história como professora e militante do movimento, isso também me chamou atenção nessa viagem. E creio que não tenha sido só essa comunidade desse conflito entre Makuxi e Wapixana. Há outras comunidades. Poucas em que haja grupos de diferentes etnias residindo em uma só. Há sim na grande maioria, comunidades em que reside uma só etnia como a Araçá da Serra e Paku. Mas só de um grupo étnico. Quero deixar claro que essas são apenas observações sem o tratamento teórico-metodológico, mas de informações trazidas e formuladas no cotidiano da profissão e na experiência enquanto pesquisador. Sei que é possível construir um entendimento a partir desses indícios e quero dizer que estamos abertos para outras informações” (Entrevista realizada no dia 23 de novembro, às 11h15min).

O depoimento acima comprova a presença de uma questão essencial que entendo como balizante em uma análise sobre conflito interétnico: o pertencimento citado por ele no início da entrevista. Simmel (2006), chamado no capítulo anterior deste trabalho, enfatiza uma

condição de força nem sempre consciente e voluntária, que transpassa a entrevista e alcança seu final na referência feita por ele a uma professora Wapixana que se sente inapta a ensinar na comunidade Makuxi. Provavelmente, ela sente a contradição da impossibilidade de materializar seu sentimento de ensinar não o que lhe é orientado, mas sim o que ela compreende como útil aos Wapixana como ela: o ensino e a aprendizagem de sua língua materna Wapixana.

Isto sempre me soava provocante e instigador. Pois, não foi a primeira pessoa a negar um conflito que me parece evidente. No mesmo instante lembrei-me dos tempos em que fui professor no Magistério Parcelado Indígena, projeto do Governo do Estado de Roraima em parceria com o Ministério da Educação, no final da década de 90. Como me custava formar um grupo de estudo ou de atividade didática entre estas etnias! E recordei do que me dissera a diretora da escola que sediava o Projeto, a Escola Estadual de Formação de Professores de Boa Vista, hoje extinta. A professora Goreth dizia-me: “Temos de providenciar alojamentos em lados distintos para eles!”. E eu não levava isto em consideração naquele tempo. A foto seguinte apresenta um desses grupos, quando por ocasião da exposição de uma das atividades didáticas do Curso Magistério Parcelado Indígena na referida escola, em 2000. Na foto, a seguir, uma apresentação didática sobre “classes sociais”.

Quanto à percepção interna da existência ou não de uma relação conflitante entre as duas etnias, a primeira encontrada por mim em campo pode ser identificada nas palavras de um dos entrevistados, cujo diálogo recupero a seguir.

- Eu: “Como o senhor vê a convivência entre índios Wapixana e Makuxi?”.

FIGURA 11: Alunos Makuxi quando apresentavam trabalho na Escola de Formação de Professores em Boa Vista – RR – 2003 [Ao fundo um cartaz com uma versão do mito da Raposa]. Ocultei as faces pelo desejo de evitar o

reconhecimento dos ex- alunos(as).

- Ele: [Após um momento em silêncio]: “olha, aqui nesta comunidade hoje nós convivemos bem. Mas antigamente não era assim”. Indaguei novamente: “E como que era antigamente?”. E acrescentou: “Bom, havia muitas brigas. Primeiro por mulheres. Depois, pelo problema da bebida [penso que se referia ao comércio de bebidas alcoólicas]”.

Nisto fui tomando a água que gentilmente ele me ofereceu. Conversamos ainda sobre o início do inverno e ele acrescentou “este ano o inverno deve ser mais pesado” – em ares de sorriso. Eu então falei para ele que retornaria ainda em 2007. E expliquei que era professor do Estado de Roraima; que já tinha sido professor de alguns dos professores da Escola Pe. José de Anchieta e que estava ali para estudar sobre as formas de “convivência” [termo que empreguei julgando ser uma melhor tradução para relações interétnicas].

- Ele: “Ah ta! Então o senhor vai voltar. Se lembre de passar por aqui para conversarmos um pouco”.

- Eu: “Aqui por perto mora alguém de mais idade com quem eu possa conversar? - Ele: [me apontou para uma casa, disse] ali, bem frente do “orelhão”.

E concluiu:

- Ele: “Sou índio Makuxi viu!”52. (Encontro ocorrido na segunda viagem a campo – novembro de 2007).

Um terceiro depoimento, este de caráter histórico interno, foi obtido após um dos jantares no Centro de Formação por ocasião da segunda viagem. Para minha surpresa, C. [inicial do nome], um aluno do Quarto Ano do curso (20 anos de idade) e que se identificou para mim como índio Makuxi, prontificou-se para contar-me uma história de sua etnia. Marcamos como local, por sugestão dele, a escadaria de acesso ao dormitório dos professores, lugar de onde se tinha uma bela vista do céu estrelado em noite de calor. Como eu conduzia no bolso da camisa um aparelho gravador digital em MP3, liguei-o e, pegando uma cadeira, sentamos e demos início ao depoimento [13 minutos e 59 segundos]”:

- Eu: “Pronto! Deixe eu enxergar a data... [enquanto eu olhava o visor do gravador digital]. Hoje é dia 27 – 18 horas e 15 minutos. Estou aqui com o estudante C”.

- “Sou C., estudante do Quarto Ano. Sou finalista deste ano. Sou do povo Makuxi e estou voltando para a comunidade após esta formação”.

- Eu: “C, pela manhã você me falava que tinha uma história para me contar sobre a convivência entre seus antepassados, os mais antigos de sua etnia. Fique à vontade para falar. Pode falar viu (sic). E quando quiser parar, pode parar (sic), não tem problema”.

52 Já este relato foi recuperado da memória, visto que minha chegada à “venda” não fora planejada. Portanto, não havia como perder a oportunidade de captar aquelas importantes palavras até que preparasse um dos gravadores.

.- C: “A história diz e eu considero uma história bem radical, que aconteceu na década de 30 e 40 na região das Serras, na região K-nô, por causa do rio que banha essa região. [Som emitindo preparação da voz para falar] Então, existia nessa região K-nô, uma tribo chamado (sic) Scariã [do tronco Karib, antigos habitantes da fronteira venezuelana com o Brasil]. Eram tribos canibais e eles dominavam toda a região das Serras, pegando de Pacaraima, Uiramutã, até a cordilheira das Guianas. Da Serra do Marari. O povo Makuxi estava concentrado aqui no lavrado, na região da Raposa, Maloca do Napoleão, pra cá na serra do Maruai, aqui na centeira, onde é Pacaraima. E todos se afastavam por que eram povos canibais. Caçavam o povo Makuxi e levavam para suas cerimônia. Aqui na Venezuela havia um povo mais guerreiro que os Makuxi: os Arikuna. Eles estão aqui na centeira na Venezuela. E quando esses povos Arikunas saíram aqui no Brasil com os povos Makuxi, onde estão concentrados, para fazerem uma caçada, eles foram atacados pelos canibais, que levaram uma vovozinha e uma netinha. Então o Tuxaua dos Arikuna falou com o Tuxaua dos Makuxi. Eles combinaram. Então os Makuxi tiveram medo. Se vocês quiserem atacar, vocês que moram mais distante na Venezuela, fica melhor. Então, ficou sob a ordem dos Arikuna, acabar com esses canibais. Entraram pelo Monte Roraima com um número de oitenta homens. Atravessaram o Rio Cotingo e o Rio Mau e chegaram pela fronteira da Guiana onde hoje está a comunidade de Maturuca. Eles vieram seguindo. Então o maior grupo deste povo canibal estava centralizado em dois locais: Pedra Preta e aqui no Campo Alegre. Campo Alegre fica logo na nascente do rio K-nô. Atacaram logo aqui na Pedra Preta. Acabaram com tudo, mataram crianças, jovens e tudo. Além de fazer tudo isto, queimavam os corpos. Os que não eram queimados armazenavam nas malocas de pedra [penso que queria dizer grutas]. E até hoje tem essa injustiça em Maturuca. Só que isto é uma coisa sagrada. O povo respeita muito. Não vai lá nas malocas de pedra”.

- Perguntei: “Como você ficou sabendo disto?”.

- Ele respondeu: “Foram os mais antigos, um senhor de Maturuca e outro da Pedra Preta. Eles me contaram”.

- Concluí: “Eu agradeço a colaboração. Foi muito importante. Você me autoriza a publicação de seu nome?”.

- Ele: “Rapaz [pensou]. Sim. Mas você deve enviar este estudo para nosso Centro”. - Ele continuou: “A gente ficou na metade da... por que...”.

- Eu disse: “então prossiga que ainda está ligado”. Ele prossegue com o depoimento:

- Ele: “Então, eles atacaram esse grupo em Pedra Preta e depois foram pro Campo Alegre. Os Arikuna tinham muita facilidade para atacar porque suas malocas [dos Canibais] eram todas cercada de Pau a Pique, madeira e dentro desse cercado estavam distribuídas as outras maloquinhas. Eram cerca de trezentas pessoas lá dentro. Então eles chegaram, tocaram fogo no malocão. Só tinha um portão e quem ia saindo no portão, eles iam matando. Só escapou um