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3. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

3.1. O Conteúdo da eficiência administrativa

Um dos fatores que dificultam a aplicação e até a aceitação na doutrina pátria desse princípio é a dificuldade de definição de sua natureza jurídica. Em razão de seu viés originalmente econômico, muitos negam ao princípio da eficiência um caráter propriamente jurídico ou o tratam como uma medida inócua, por ser incapaz de, por si só, mudar a mentalidade do Administrador Público48. No entanto, no momento em que se erigiu a

Eficiência Administrativa à categoria de princípio constitucional expresso, qualquer interpretação que acabe por tirar-lhe a aplicabilidade jurídica encontra-se fulminada de inconstitucionalidade por desobediência à Força Normativa da Constituição49. Partindo desse

pressuposto, é importante traçarem-se as características da eficiência, tendo sempre em mente a doutrina Gerencialista do Consumerismo que a fundamentou, bem como o meio pelo qual se dá sua conformação à Constituição Federal.

Inicialmente é importante citar os três elementos do conceito de Eficiência Administrativa oriundas do Gerencialismo Puro e do Consumerismo: o controle dos resultados, a eficiência em sentido estrito ou produtividade ou ainda economicidade, e a efetividade ou qualidade. Segundas elas, respectivamente, a eficiência é observada através dos resultados obtidos, devendo haver produtividade (custo-benefício) na atuação administrativa, que também há ser de qualidade50, apta a efetivar os interesses e necessidades dos Usuários-

Cidadãos (o que inclui em seu bojo a idéia de celeridade, de modo a evitar a inutilização do

48 Nesse sentido importante trazer a lição de José dos Santos Carvalho Filho (CARVALHO FILHO, José dos

Santos. Manual de Direito Administrativo, 23ª ed. rev. ampl. e atual.Rio de Janiero: Lumen Juris, 2010, p. 32) segundo o qual: “A inclusão do princípio, que passou a ser expresso na Constituição, suscitou numerosas e acerbas críticas por parte de alguns estudiosos. Uma delas consiste na imprecisão do termo. Ou seja: quando se pode dizer que a atividade administrativa é eficiente ou não? Por outro lado, afirma-se ainda, de nada adianta a referência expressa na Constituição se não houver por parte da Administração a efetiva intenção de melhorar a gestão da coisa pública e dos interesses da sociedade. Com efeito, nenhum órgão público se tornará eficiente por ter sido a eficiência qualificada como princípio na Constituição”

49 Emerson Gabardo (GABARDO, Emerson. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. 1ªed.

São Paulo: Dialética, 2002, p. 86) esclarece esse questão ao afirmar que: “Ainda que a eficiência, a priori, não seja considerada pela doutrina um conceito de origem jurídica, certamente que, após sua constitucionalização, não se restringe a um 'ente' da Ciência da Administração ou da Economia. Sua natureza se altera a partir da vontade da Constituição, quando foi ascendida à categoria de princípio jurídico expresso, ainda que seja difícil a sua observação prática. A interpretação constitucional deve submeter-se ao 'princípio da ótima concretização da norma', que não deve se prender à mera subsunção lógica ou conceitual. Ou seja, a concretização do princípio da eficiência deve levar em conta a realidade na qual se aplica e as outras proposições normativas da Constituição.”

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Importante salientar que, no texto original da Emenda, havia a menção ao princípio da “Qualidade”, não se tratando, pois, de alargamento no conceito real de Eficiência.

direito do particular).

A partir dessas noções, é possível formular um conceito preliminar de eficiência, segundo o qual: há eficiência administrativa quando os resultados obtidos pela administração pública são de qualidade, aptos a atender às demandas da sociedade e obtidos de forma ágil e econômica.

Esse conceito, no entanto, ainda é incompleto. É preciso analisar os dois destinatários deste princípio, quais sejam: o agente público e a organização administrativa51.

O princípio da eficiência enquanto dirigido ao agente público em muito se assemelha ao dever de eficiência já presente implicitamente no ordenamento jurídico brasileiro. Esse dever se subdivide em outros dois: o de agir com presteza e rendimento funcional e com perfeição52. Agir com presteza e rendimento funcional significa agir com

agilidade e economia, apresentar resultados em tempo hábil e com custos moderados. Este aspecto está presente tanto nos atos vinculados quanto discricionários, pois, independentemente do regramento legal e do seu grau de vinculação, ambos dependem de uma atuação administrativa concreta que vai além do procedimento específico estabelecido. A guisa de exemplo, pode-se dizer que tanto a concessão de licença (ato regrado), quanto a de autorização (ato discricionário), necessitam de um agir do servidor que vai além da pura Legalidade Administrativa, orientado, portanto, pelo princípio da Eficiência, para que se efetivem em tempo hábil e sejam úteis aos cidadãos interessados.

Já o dever de perfeição é mais complexo e será analisado com maiores detalhes na

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Maria Sylvia Zanella di Pietro (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2007. p. 75) ensina que: O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

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Termos retirados da célebre definição de Hely Lopes Meireles (apud RODRIGUES, Carlos Gustavo Silva. A reestruturação de carreiras em face dos princípios da eficiência e do concurso público.Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1806, 11 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=11371>. Acesso em: 18 out. 2010), segundo o qual: “O Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”

seção referente ao controle da eficiência. Mas, por ora, pode-se dizer que essa obrigação diz respeito à necessidade de o agente público, em sua atuação discricionária, procurar sempre o resultado não só legal, como também ótimo. Nesse momento pode-se observar a forma como há a conjugação entre os Princípios da Legalidade e da Eficiência: enquanto o primeiro dá ao administrador uma série de opções que se conformam ao regramento legal, o segundo exige que a escolha entre elas se paute por aspectos objetivos de resultado, devendo ser escolhida aquela medida apta a obter um melhor output.

Importante salientar que não necessariamente a opção escolhida pelo controle de

eficiência será a melhor de todas. Basta que o seja na avaliação, devidamente motivada a partir de critérios objetivos53 do administrador.

A Eficiência dirigida à organização administrativa está mais atrelada a modificações legislativas. Trata-se da racionalização dos procedimentos e da burocracia (competências) seguindo os princípios gerenciais já estudados. No entanto, importante ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio dispõe de um instrumento capaz para promover essa Eficiência do aparato estatal sem a necessidade de lei: o Contrato de Gestão. Através dele é possível haver a flexibilização de procedimentos, possibilitando a delegação de competências para órgãos públicos, entidades administrativas ou ainda pessoas jurídicas de direito privado. Em razão da sua importância, este instituto será estudado mais aprofundadamente adiante.

Imprescindível enfatizar que, ao contrário do que defende parte da doutrina brasileira, a Eficiência Administrativa não vem a colidir, necessariamente, e em toda situação, com a Legalidade. Sendo ambos princípios constitucionais (assim como o é a Impessoalidade, a Moralidade e a Publicidade), sua interpretação deve ser feita em conjunto, de modo a efetivar, ao máximo, todos os postulados54. Tratando especificamente da Eficiência, é de se

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Juarez Freitas (FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental a Boa

Administração Pública. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 31/35), esclarece que “o administrador

público, no exercício das escolhas administrativas, está obrigado a trabalhar tendo como meta a melhor atuação. Em outro dizer, tem o compromisso indeclinável de encontrar uma solução ponderada quanto às consequências do seu agir.” e que “O agente não está obrigado a alcançar 'a' única opção correta, mas tem de apresentar motivação aceitável para sua escolha. O erro manifesto, a desproporcionalidade e a transgressão principiológica viciam mortalmente o ato discricionário, ainda que válido prima facie”

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Jesus Leguina Villa, citado por Di Pietro (Ob. Cit. p. 75 e 76), ao comentar o princípio espanhol da Eficácia ensina que: “Não há dúvida de que a eficácia é um princípio que não se deve subestimar na Administração de

notar que ela veio a acrescentar um novo parâmetro de controle da atuação administrativa, para além do que é descrito na lei. Na atuação discricionária, por exemplo, enquanto que a Legalidade limita as opções do Administrador àquelas que se conformam com a lei, a Eficiência exige que se escolha, dentre as alternativas legais, a que melhor possa atingir os objetivos almejados. Da mesma forma, nos atos vinculados, a legalidade estabelece como o ato deve ser feito e a eficiência obriga que a realização desse ato já definido seja ágil e econômica.

Com a junção do conceito preliminar com os apontamentos referentes aos seus destinatários, temos um conteúdo jurídico razoável da “Eficiência Administrativa” enquanto dever e princípio, como planejada quando da elaboração da Emenda Constitucional nº 19. No entanto, a doutrina constitucional brasileira encontra-se em franca evolução e com ela a interpretação de todo o Ordenamento Jurídico. Hoje, não se admite mais a “coisificação” do ser humano, muito menos sua passividade em relação ao Estado. O princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana exige o respeito aos interesses da população, bem como que se disponibilizem meios de que esta possa participar das questões a ela relacionadas.

Esta linha de raciocínio, que fundamenta a idéia daAdministração Participativa, provoca, também, uma nova interpretação da Eficiência Administrativa, já com um olhar na teoria da Public Service Orientation. Deste modo, este princípio aproxima-se, cada vez mais, do postulado de origem italiana do Direito à Boa Administração Pública, que traz em seu bojo não só a eficiência em sentido estrito, mas também a transparência e o controle social55, que

deverão ser implementados na Administração Pública, em respeito à Máxima Efetividade dos Princípios Constitucionais.

um Estado de Direito, pois o que importa aos cidadãos é que os serviços públicos sejam prestados adequadamente. Daí o fato de a Constituição o situar no topo dos princípios que devem conduzir a função administrativa dos interesses gerais. Entretanto, a eficácia que a Constituição exige da administração não deve se confundir com a eficiência das organizações privadas nem é, tampouco, um valor absurdo diante dos demais. Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência”

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Juarez Freitas (ob. Cit. p. 22 e 23), defende que compõem o Direito Fundamental à Boa Administração Pública: o direito à administração pública transparente; o direito à administração pública dialógica, com as garantias do contraditório e da ampla defesa; o direito à administração pública imparcial; o direito à administração pública proba; o direito à administração pública respeitadora da legalidade temperada, ou seja, sem a 'absolutização' irrefletida das regras; e o direito à administração pública preventiva, precavida e eficaz (não apenas eficiente).

Portanto, para que a Administração seja verdadeiramente “eficiente”, passa a não bastar que sua atuação siga os ditames estudados acima. Só haverá eficiência se assim concluir a sociedade, a quem incumbe, precipuamente, o controle dos atos administrativos (controle social). E para isso, deverá a Administração oferecer as informações necessárias (transparência) à comparação entre o que se pretendia fazer e o que foi efetivamente realizado, bem como de quem a responsabilidade de cada ato (accountability)

Partindo deste pressuposto, é importante analisarmos como se dá o controle judicial da eficiência dos atos administrativos.