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Com a volta da rígida Administrativa Burocrática, através da Constituição de 1988, a Administração Pública passou a sofrer um forte desprestígio, motivado pela conjunção da sua ineficiência característica com os inúmeros benefícios de índole patrimonialista concedidos aos servidores públicos, como a estabilidade rígida e a aposentadoria integral independentemente do tempo de contribuição. Esta situação agravou-se com a Globalização, que passou a exigir um Estado mais ágil, e com a hiperinflação de 1990, restando instalada verdadeira crise.

O primeiro governo que tentou solucionar a questão foi o de Fernando Collor (1989-1992). Baseando-se em uma doutrina neo-liberal, ele promoveu uma desorganizada, apressada e equivocada “reforma”, extinguindo inúmeros órgãos públicos e demitindo cerca de 112 mil funcionários públicos35. Esta medida teve efeito diverso do planejado, por diminuir

a capacidade de administrar e promover intensa desmotivação do servidor público, além de não alterar o problema maior da rigidez estatal.

Não obstante a forma desastrosa com que se deram os atos de Collor, estes tiveram um importante papel em iniciar a abertura econômica e a discussão que culminaria na Reforma Gerencial. Após o governo Itamar Franco (1992-1994), que focou em “recompor os

salários do funcionalismo”36, foi eleito Presidente o sociólogo Fernando Henrique Cardoso,

que tratou de apoiar uma reforma no modelo gerencial, lenta, progressiva e organizada, ao contrário das que a antecederam.

Para tanto, ele criou, em 1995, o Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE e nomeou ministro o Administrativista, seguidor do modelo gerencial, Luiz Carlos Bresser-Pereira, que, no mesmo ano, escreveu o seu Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE37.

Através do PDRAE, foi feito um extenso diagnóstico da Crise Estatal e estabelecidos diversos objetivos específicos, bem como quatro objetivos globais com forte influência gerencial, quais sejam38:

1. Aumentar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos serviços do Estado para o atendimento dos cidadãos;

2. Limitar a ação do Estado àquelas funções que lhe são próprias, reservando, em princípio, os serviços não-exclusivos para a propriedade pública não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado para a iniciativa privada;

3. Transferir da União para os estados e municípios as ações de caráter local: só em casos de emergência cabe a ação direta da União;

4. Transferir parcialmente da União para os estados as ações de caráter regional, de forma a permitir uma maior parceria entre os estados e a União.

Para atingir esses objetivos, foram apresentados diversos projetos de lei, bem como três emendas à Constituição. A primeira dizia respeito ao Capítulo relativo à Administração Pública, trazendo o fim do Regime Jurídico Único e a flexibilização da estabilidade, com a possibilidade de demissão por ineficiência ou por excesso de quadros, bem como diversas medidas de ordem fiscal, sendo exemplos a criação de tetos remuneratórios e limitações nas aposentadorias. Já a segunda tratava do tratamento concedida aos servidores dos três Poderes distintos, enquanto a terceira tinha um viés exclusivamente previdenciário. Esta última proposta deu origem à Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 (cuja análise não tem relevância para o presente trabalho), enquanto que as duas primeiras, as quais tramitaram em separado, mas foram aprovadas em conjunto, deram origem à Emenda Constitucional nº 19, de 04.6.1998.

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Idem. p. 105

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Disponível em http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/plandi.htm. Acesso em 30.9.2010

Em seus 34 artigos, a EC nº 19/98 alterou cerca de 85 dispositivos constitucionais, empreendendo verdadeira reforma. Deles, são relevantes para o presente estudo as modificações nos artigos: 37 caput, inciso V e §§ 3º e 8º; 39 caput e §§ 2º e 7º; 41 caput, e §§ 1º e 4º; 169 caput e §§ 1º e 3º; e 241. Passemos, rapidamente, a eles.

Inicialmente, cabe salientar que as alterações no artigo 37 caput e §8º; que dizem respeito, respectivamente, à inserção da Eficiência no rol de Princípios Constitucionais Administrativos expressos e ao contrato de gestão, serão, em razão de sua grande relevância, objetos de seções específicas, razão pela qual não serão analisados neste momento.

Quanto aos remanescentes, iniciaremos com o art. 37, inciso V e o §3º. O Inciso V39, originariamente, dispunha que os servidores que ocupariam cargos em comissão e e

funções de confiança seriam preferencialmente ocupantes de carreira técnica. Não obstante o mérito da previsão, sua aplicabilidade prática dependia da discricionariedade do administrador, em razão do termo “preferencialmente”, configurando mera recomendação. Com a emenda, suprimiu-se a parte relativa a essa preferência, por inócua, e estabeleceu-se a especificação de que tais cargos e funções só poderiam (caráter vinculante) ser instituídas para atribuições de chefia, direção e assessoramento e nos percentuais estabelecidos em lei, em respeito ao princípio do acesso mediante concurso público.

Já o §3º trouxe uma inovação doutrinária à época. Ao estender o alcance do dispositivo legal originário, que tratava apenas da reclamação pelo serviço público (Consumerismo), à participação popular e acesso aos mais variados dados (sendo exemplo os registros administrativos e a informações sobre atos de governo, previstos no inciso II40 deste

parágrafo), a modificação traz nítida influência da corrente vanguardista da Public Service

Orientation. No entanto, esta alteração restou ineficaz, por enquanto, tendo em vista a

39 V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos

em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

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§3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

II- o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

ausência do diploma regulador, considerando se tratar de norma de eficácia limitada.

A modificação no art. 39 caput suprimiu o Regime Jurídico Único, de modo a possibilitar a contratação de servidores celetistas pelos entes públicos (incluindo autarquias e fundações autárquicas), o que supostamente facilitaria a descentralização em razão da flexibilidade inerente à Consolidação das Leis Trabalhistas. Essa modificação, no entanto, teve seus efeitos suspensos através de decisão do Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar em ADI 2.137/DF de 2007.

Os §§2º41 e 7º42 do mesmo artigo focaram no aprimoramento do servidor e do

próprio serviço público, através, respectivamente, da criação de Escolas de Formação e Aperfeiçoamento e da destinação dos recursos remanescentes decorrentes de economia no órgão para tal fim. Nota-se, como já visto, clara influência do Consumerismo, buscando-se a qualidade (efetividade) através da valorização do servidor público eficiente.

O artigo 41 caput e §§ 1º e 4º43 trataram da flexibilização da estabilidade dos

servidores públicos, passando eles a prever, respectivamente, o prazo de 3 anos para sua obtenção; a possibilidade de demissão por desempenho insuficiente em avaliação periódica e a necessidade de avaliação especial de desempenho como requisito indispensável para obtenção da estabilidade. Através dessas modificações, a estabilidade passou a não estar condicionada, tão-somente, ao requisito impessoal “tempo”, estando, ao menos em teoria, intrinsecamente vinculada à eficiência do servidor, promovendo a qualidade do serviço

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§ 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.

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§ 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.

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Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo: I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade."

público.

Já as alterações no artigo 169, consubstanciadas, em especial, na inclusão dos §§ 2º ao 4º44, complementados pelos §§ 5º ao 7º, trouxeram normas de caráter financeiro,

objetivando a diminuição dos gastos e a responsabilidade fiscal, bem como uma nova possibilidade de demissão de servidor estável, caso impossível a observância dos limites de despesas mesmo após a diminuição dos cargos em comissão/funções de confiança e exoneração de servidores não-estáveis. Nota-se a adoção do Gerencialismo Puro com a prevalência da saúde das finanças públicas em detrimento dos interesses particulares dos servidores públicos. Importante salientar, no entanto, que essa norma configura uma aplicação atenuada daquela sub-teoria, tendo em vista que, ao contrário do que ocorrera em outros momentos, a extinção do cargo com a consequente exoneração do servidor é a última opção de que se pode valer o Administrador Público, e deverá ser feito mediante indenização, não podendo haver a criação de outro cargo igual ou assemelhado pelo período de quatro anos45

(como forma de punir a utilização leviana de tal dispositivo).

Por fim, o art. 24146 passou a prever a possibilidade de criação dos consórcios

públicos, meio de descentralização tanto administrativo quanto política da prestação do serviço público, bem como de cooperação entre os diferentes entes federativos, constituindo um ente administrativo próprio que goza de uma autonomia mais acentuada prevista na

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§ 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites.

§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:

I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não estáveis.

§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

45 § 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.

§ 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.

46 Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios

públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

legislação infraconstitucional47.

Dessa análise, observa-se que a Emenda Constitucional nº 19/98, embora mantendo diversas disposições de caráter burocrático, trouxe alterações de cunho gerencialista, com influência predominante do Gerencialismo Puro e, principalmente, do Consumerismo. Há previsão expressa da possibilidade de flexibilização mediante contrato de gestão entre a Administração Pública e órgãos ou entes públicos ou ainda com entes privados. A Eficiência tornou-se um princípio constitucional expresso, informando toda a atividade administrativa e introduzindo a noção de qualidade no serviço público.

Realmente, não obstante as modificações específicas já estudadas terem grande importância, o cerne gerencialista da reforma encontra-se no Princípio da Eficiência e no seu principal instrumento: o Contrato de Gestão, razão pela qual os estudaremos, mais aprofundadamente, no próximo capítulo.

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Um exemplo encontra-se no artigo 23 §8º da lei 8.666/93, que dispõe que:

Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: (...)

§ 8o No caso de consórcios públicos, aplicar-se-á o dobro dos valores mencionados no caput deste artigo quando formado por até 3 (três) entes da Federação, e o triplo, quando formado por maior número.