• Nenhum resultado encontrado

4. O MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONTROLE DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

4.3. Os Meios de Tutela Ministerial da Eficiência Administrativa

Concluímos, no decorrer desta monografia, que a Eficiência Administrativa tem como pressuposto a existência de um forte controle das escolhas feitas pelo Administrador Público (controle de ou pelos resultados) e dos instrumentos utilizados para esse fim (em especial os específicos: o Contrato de Gestão e as qualificações dele decorrentes). Concluiu- se, igualmente, ser o Ministério Público o órgão mais indicado a realizar esse controle, seja por expressa determinação constitucional, seja na qualidade de defensor dos interesses difusos e coletivos, dentre eles incluído o direito à Eficiência Administrativa.

89 Ensina Paulo Gustavo Guedes Fontes (Ob. Cit. p. 49 e 50) que: “Considerou-se frequentemente que o

Ministério Público Brasileiro, em razão das disposições constitucionais teria se tornado uma espécia de ombudsman, encarregado, em vários países, da defesa de interesses coletivos. De fato, a Assembléia Nacional Constituinte cogitou seriamente sobre a instituição de um ombudsman, que seria denominado “Defensor do Povo” (Mancuso, 2000, p. 218); esse ombudsman coexistiria com o Ministério Público, talvez então reduzido às suas funções tradicionais. Mas a escolha foi, finalmente, a de cumular o Ministério Público, além de suas funções penais, da defesa dos interesses difusos e coletivos.”

Passemos, por fim, à análise de algumas especificidades inerentes aos dois meios principais de controle utilizados pelo parquet: a Ação Civil Pública voltada à atuação administrativa em si90, e a Ação Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa, que

visa responsabilizar o agente público específico91.

4.3.1 A Ação Civil Pública para combate da Ineficiência da Atuação Administrativa

A Ação Civil Pública constitui, em linhas gerais, o meio judicial cabível para a defesa de direitos coletivos lato sensu contra lesão ou ameaça de lesão. Não se exige a presença de pré-requisitos especiais, nem segue ela procedimento especial, sendo aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil92. Em razão disso, focaremos apenas nas

especificidades dessa ação e na forma em que ela poderá tutelar a eficiência administrativa.

Uma das principais peculiaridades da Ação Civil Pública é o fato de ela se centrar na prevenção ou reparação/repressão de um dano a direito coletivo lato sensu. É uma ação de caráter eminentemente condenatório, objetivando uma obrigação de fazer, uma tutela inibitória ou, caso o dano não seja reparável, uma indenização93, cujas especificidades serão

vistas posteriormente.

Sobre isso, importante enfatizar que a Ação Civil Pública tem como principal função a prevenção (em especial nas ações que envolvam o meio ambiente). Os direitos coletivos costumam ser de difícil reparação e de grande importância, sendo verdadeiro contrassenso ter que se esperar que ocorra o dano para que seja possível o manejo desse instrumento. Na verdade, provado o risco de lesão, o ajuizamento da ação, com pedido de 90

Sobre isso, ensina Hugo Nigro Mazzili (MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 23ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133): “A ação civil pública se presta para que o Ministério Público possa questionar políticas públicas, quando do exercício de suas funções no zelo para que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública observem os direitos assegurados na Constituição. (…) sua ação tem inegável caráter político, no sentido técnico da expressão, ou seja, a instituição ministerial pode legitimamente questionar atos de governo, que, entre outras hipóteses, firam o princípio da legalidade, configurem desvio ou abuso de poder, ou divirjam dos princípios da moralidade, eficiência ou razoabilidade, entre outros que devem informar a Administração”

91 Nessa ocasião, é interessante observarmos a adequação dos meios listados à divisão dos destinatários da

Eficiência Administrativa (o agente público e a organização administrativa), trazida por Maria Sylvia Zanella di Pietro e analisada na seção 2.1. desta monografia.

92 Lei. 7.347/85: Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil,

aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições.

93

Lei 7347/85: Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

antecipação de tutela, é medida que se impõe. Somente se não for possível a prevenção é que se busca a reparação/repressão.

O mesmo raciocínio pode ser empregado quando se fala da atuação administrativa. Não se concebe que se tenha de esperar a conclusão de uma medida administrativa qualquer para então avaliar os resultados efetivamente obtidos. É igualmente possível, até recomendável, o controle de eficiência com base nos resultados em potencial e na aptidão do meio escolhido para obtê-los.

Nesse sentido, ensina Emerson Gabardo94 que:

Outro equívoco no tocante à formatação do controle jurisdicional consiste na afirmação de que não é possível o controle de eficiência antes da execução do ato administrativo. Por certo que é possível, principalmente quando se trata de uma medida de cautela a fim de evitar o dano decorrente de um ato ineficiente. Afirmar que somente é possível avaliar a eficiência a posteriori, ou ainda, que 'a eficiência da ação administrativa somente é efetivamente comprovada quando o ato administrativo é material aplicado', além de ser uma temeridade, é uma negação à pretensão normativa da Ciência da Administração, notadamente a partir de sua feição tayloriana.

Essa interpretação não vai de encontro com a doutrina do controle de resultado fortemente preconizado pelo gerencialismo. Houve sim uma mudança de foco dos meios para o fim, mas isso significa, tão-somente, que, em vez de se dar excessiva atenção à regularidade no trâmite do procedimento administrativo (a ponto de inviabilizá-lo), passa-se a enfatizar os resultados tanto reais quanto possíveis da atuação a ser controlada.

Um exemplo do que foi explicitado se dá no controle dos contratos de gestão. Além das irregularidades relativas à desobediência ao princípio da Legalidade (contrato firmado sem os requisitos legais), é possível que existam outras irregularidades relacionadas à Eficiência Administrativa. É o que ocorre quando a linha de atuação estabelecida não é apta a alcançar os interesses da sociedade, as metas são ou impossíveis de se atingir (portanto inviáveis) ou muito facilmente alcançáveis (portanto inócuas), ou ainda quando os paradigmas de controle são por demais subjetivos.

Em todos os casos, têm-se disposições que terão grande probabilidade de culminar em danos por ineficiência, devendo ser, portanto, alteradas ou anuladas preventivamente.

Importante salientar que, apesar de ser, predominantemente, de caráter condenatório, é possível (e no âmbito do controle ministerial da Administração da Pública chega a ser comum) que ela tenha caráter constitutivo, visando criar e, principalmente, terminar uma relação jurídica inconstitucional. Essa possibilidade encontra-se expressa no Art. 25, IV, “b” da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público Estadual) que diz que:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

(...)

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: (...)

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;

Como exemplos podemos citar as ações visando a anulação de um procedimento licitatório, de editais (no todo ou só algumas cláusulas95) instauradores de outros tipos de

certame, de contratos administrativos e até de contratos de gestão (também no todo ou em parte).

Ainda sobre o dano, importante salientar que ele poderá se dar mediante ou ação ou omissão estatal96. Aliás, a omissão estatal, na maior parte dos casos, implica uma violação

do dever de eficiência, pois ele não implica só fazer a escolha “ótima”, mas também (e até antes disso) agir com presteza quando a lei ou o interesse público exigem uma atuação estatal.

95

Como exemplo podemos citar a Ação Civil Pública que instaurou o Processo nº 0007991-49.2010.4.05.8100 , ajuizada pela Procuradoria da República no Estado do Ceará contra a Eletrobrás, com o objetivo de anular cláusula de edital regulador de concurso público nacional que limita o local de provas à cidade do Rio de

Janeiro (inicial acessada em 30.10.2010 e disponível em:

http://www2.prce.mpf.gov.br/prce/pr/institucional/prdc/publicacao/publicacoes_acp )

96 Sobre o controle judicial da omissão estatal, ensina Hugo Nigro Mazzili (ob. Cit. p. 140): “O ato omissivo do

administrador sujeita-se a controle judicial? Ao zelar para que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública se desincumbam de seus misteres, não está impedido o Ministério Público de investigar, em tese, até mesmo a omissão do administrado, principalmente à vista do princípio da reação impositiva. Com acerto anotou Celso Antônio Bandeira de Mello: 'não é logicamente repugnante a hipótese de desvio de poder por omissão. Com efeito, bem o disse Afonso Rodrigues Queiró, não agir é também agir (não autorizar é decidir não autorizar). Ou pelo menos assim o será em inúmeros casos. Tem-se, pois, que o agente administrativo pode decidir abster-se de praticar um ato que deveria expedir para correto atendimento do interesse público, animado por intuitos de perseguição, favoritismo ou, de todo modo, objetivando finalidade alheia à da regra de competência que o habilitava. Nesses casos caberá a ação do Ministério Público.”

A outra peculiaridade que merece ser comentada diz respeito aos efeitos da coisa julgada em Ações Civis Públicas, bem como a liquidação da sentença. Dispõem os artigos 16 da Lei nº 7.347/85 e 97 da Lei nº 8.078/90:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

[...]

Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Em outras palavras, todos aqueles inseridos no âmbito territorial97 de que se refere

o supracitado art. 16, que tiverem sofrido qualquer dano com a atuação estatal impugnada poderão se habilitar no respectivo processo de modo a liquidar a sentença no que se refere a sua parte e executar o Estado nessa quantia. Poderão ainda se habilitar em execução iniciada pelo próprio parquet.

Tudo isso facilita de sobremaneira a reparação do dano causado a toda uma população, sendo, por essa razão, a Ação Civil Pública meio valioso de tutelar os interesses da Sociedade.

Caso o dano não seja individualizado, o seja em parte ou se o número de indivíduos habilitados não for condizente com a magnitude do dano, os artigos 100 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e 13 da Lei nº 7.347/85 trazem a seguinte solução:

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado 97

A doutrina critica muito esse dispositivo, por considerá-lo irrazoável. Dentre todos, podemos citar Fredie Didier e Hermes Zaneti (DIDIER Jr, Fredie; ZANETI Jr, Hermes. Curso de Direito Processual Civil Vol.4 – Processo Coletivo. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2009. p.142) que ensinam que: “Os dispositivos são irrazoáveis, pois impõem exigências absurdas, bem como permitem o ajuizamento simultâneo de tantas ações civis públicas quantas sejam as unidades territoriais em que se divida a respectiva Justiça, mesmo que sejam demandas iguais, envolvendo sujeitos em igualdade de condições, com a possibilidade teórica de decisões diferentes e até conflitantes em cada uma delas.”. No entanto, considerando que essa discussão foge do objetivo desse trabalho, bem como que o Superior Tribunal de Justiça aplica, de forma pacífica, o supracitado dispositivo, nos furtaremos a maiores comentários.

pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

No caso de não ser possível a reparação do dano de forma individualizada, poderá o parquet promover a execução para que a indenização devida seja revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos98, meio eficaz encontrado para possibilitar a reparação em

espécie de danos transindividuais.

A partir do que foi explicitado, a tutela da Eficiência Administrativa pelo parquet segue a seguinte ordem cronológica.

Inicialmente, instaura-se um Procedimento Administrativo, seja de ofício, seja por provocação de terceiros99, com o fim de se obter provas da existência de um dano ou ameaça

de dano provocado por uma ação ou omissão ineficiente do Estado. Para tanto, poderá o

parquet requisitar informações, documentos, certidões ou diligências, ou ainda, caso seja

necessária uma investigação maior, instaurar Inquérito Civil Público.100

Obtida a carga probatória necessária, deverá o parquet ajuizar Ação Civil Pública, objetivando a medida que melhor se adequar ao caso concreto (anulação do procedimento licitatório, do contrato administrativo, do contrato de gestão, concessão de tutela inibitória para evitar uma prática comprovadamente ineficiência, tudo sem prejuízo da indenização cabível). Essa ação deverá tramitar de acordo com os ritos previstos no Código de Processo Civil101.

98

Fundo Regulamentado pelo decreto presidencial nº 1306 de 9 de Novembro de 1994

99

Lei 7.347/85 - Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

100

Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

101

Lei 7347/85 - Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições.

Julgado o pedido procedente, em se tratando de sentença constitutiva, seus efeitos se dão automaticamente. Já na parte que for condenatória, caberá ao Ministério Público ou aos demais legitimados o início da execução coletiva, onde poderão se habilitar todos os que tiverem sofrido qualquer dano com a ineficiência estatal na base territorial específica, a fim de liquidar a indenizar que lhe for devida. Também é possível o cidadão iniciar execução individual, na parte que lhe disser respeito. Concomitantemente, deverá o parquet promover a execução para reparação dos direitos transindividuais, ressaltando que, caso haja concurso de créditos, os relativos aos danos individuais tem preferência sobre os dos danos coletivos102.

Por fim, não se habilitando pessoas em número condizente com o tamanho do dano, caberá também ao parquet (ou outro legitimado ativo) promover a execução e liquidação da sentença, revertendo a indenização remanescente ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Vemos, portanto, que a Ação Civil Pública apresenta diversas peculiaridades que em muito facilitam a defesa do direito à Eficiência Administrativa. Se a atuação administrativa causar danos ao particular, ele poderá provocar o parquet e se habilitar no decorrer da ação. Se o dano for difuso, a provocação ainda é cabível e a indenização obtida, ao final, se reverterá a um Fundo próprio.

Falta, para finalizar, estudarmos a responsabilidade do servidor pela ineficiência administrativa sob o viés trazido pela Lei nº 8.429, a lei de Improbidade Administrativa.

3.4.2 A Responsabilização do Servidor Público Ineficiente por prática de Atos de Improbidade Administrativa

Com a teoria do órgão e a responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos seus agentes, a base normativa para a responsabilização do servidor público em si estava muito

102 Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao fundo criado pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

aquém do que exigia a Administração Pública. Em razão da importância que lhe foi dada, não se concebe a aplicação da mesma teoria de responsabilidade civil do particular ao agente público, exercente de um múnus público de extrema importância103. A proteção ao patrimônio

público exigia um regime especial em âmbito civil, especialmente porque o criminal parte de diferentes pressupostos e não é apto a suprir essa lacuna por completo104.

Por essa razão, as Constituições de 1946 e 1967 disciplinaram medidas de seqüestro e perda de bens para ressarcir o dano, mas a de 1988 deu largo passo adiante, trazendo a noção dos chamados “atos de improbidade administrativa” em seu art. 37, §4º, que prevê que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A disposição acerca do ressarcimento ao erário já era autoaplicável, bem como estava regulada na Lei nº 3.502/1958 (lei Bilac Pinto), compatível com a Constituição, e no Código Civil de 1916. No entanto, a definição do que seja “ato de improbidade” e as punições cabíveis teriam de ser previstas por lei específica, o que ocorreu com a edição da Lei nº 8.429/92.

103 Sobre a Natureza civil das Sanções da Lei de Improbidade Administrativa, ensina José dos Santos Carvalho

Filho (Ob. Cit. p. 1184): “As sanções da Lei de Improbidade Administrativa são de natureza extrapenal e, portanto, têm caráter de sanção civil. Esse é um ponto sobre o qual concordam praticamente todos os especialistas. Assim, o legislador deveria ter evitado o título “Das Penas” atribuído ao Capítulo III da lei, o que poderia dar a falsa impressão de tratar-se de penalidades inerentes à prática de crimes. Não obstante, adiante-se que, em situações específicas, a serem mencionadas adiante, algumas sanções têm sofrido restrição em sua aplicação por terem inegável conteúdo penal. O fato, porém, não lhes retira a natureza civil de que se revestem.”

104

Miguel Seabra Fagundes, citado por Pedro Roberto Decomain (DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade

Administrativa. 1ª ed. São Paulo: Dialética, 2007), observa que: “o controle, exercido através do juízo

criminal, não reveste a importância prática do controle que se exerce na ordem civil. Há muitos casos em que não é cabível, só tendo lugar, a propósito da violação dos direitos subjetivos ou da execução das obrigações públicas, o controle da jurisdição civil. Ainda nas espécies em que tenha cabimento, não resolve, por si só, os interesses postos em jogo pela atividade administrativa. O seu alcance é meramente punitivo. Não cancela nem repara os efeitos resultantes do Procedimento Administrativo ou da Ação individual, o que somente pelo controle de ordem civil se pode obter”.

Antes de analisar suas disposições, cabe esclarecer o conceito de “improbidade administrativa”, já que a Lei nº 8.429/92, apesar de especificar as condutas enquadráveis, não traz essa definição.

O conceito originário de “probidade” sempre se mostrou relacionado com o princípio da moralidade administrativa. No entanto, essa noção mostrou-se insuficiente para efeitos de configuração dos atos de improbidade, já que é possível que uma atuação moralmente aceita seja enquadrada na já referida lei, independentemente de haver danos ao erário.

Por essa razão, adotamos o ensinamento de Pedro Roberto Decomain segundo o qual configura-se como ato de improbidade administrativo toda a atuação que vá de encontro aos princípios administrativos expressos na Constituição105. Considerando que esses

postulados são a base de todo o Direito Administrativo, é somente lógico que sua desobediência acarrete uma responsabilização especial.

Estabelecido esse pressuposto, passemos ao estudo das disposições legais, iniciando com os sujeitos passivo (contra quem é praticado) e ativo (quem pratica) dos atos de improbidade.

Dispõe o art. 1º da supracitada lei, a respeito do sujeito passivo, que:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes