• Nenhum resultado encontrado

102 estacas de pereiros, 121 vides e 11 enxertos»

3. O COSTUMEIRO DE POMBEIRO

3.1. Os costumeiros medievais beneditinos

Antes de mais impõe-se aqui uma definição de costumeiro, para uma melhor compreensão do tema a tratar. Sob o título de costumeiro compreende- se os tratados e obras, em geral anónimos, que descrevem cerimónias e ritos dos mosteiros beneditinos e de outras ordens antigas ou congregações religiosas modernas. A sua existência é conhecida desde o século VII, mas a sua redacção data apenas do século X. De um modo geral, têm como título:

Ordo, Ordinaríum, Disciplinae formula, Statutum monasticum, Consuetudines, Caeremoniae, Constitutiones monasticae, Usus, Directorium, etc.

Habitualmente, são designados por: Costumeiros, Usos, Costumes, Decretos, etc

De uma forma esquemática, pode-se estabelecer uma filiação dos costumeiros monásticos desde S. Bento, passando por S. Bento de Aniane, até aos Costumes de Hirsau, da segunda metade do século XI. S. Bento de Aniane elaborou uma síntese das regras monásticas anteriores a S. Bento, de que resultou o seu Liber regularum. Da sua aproximação com os outros costumes monásticos posteriores à Regra de S. Bento, compôs a Concordia regularum127.

No que diz respeito a costumeiros medievais, as grandes abadias tinham os seus próprios, redigidos pelos seus abades e que depois eram transmitidos às abadias e mosteiros dependentes, que os adaptavam aos costumes locais. Philibert Schmitz dá-nos uma panorâmica geral dos costumeiros medievais em algumas das grandes abadias da Europa . Monte Cassino, restaurado em 717, passou a ter os seus próprios costumes desde meados do século VIII. Os costumes casinenses estão consignados no Comentário de Paulo Diácono {Pauli Warnefridi diaconi casinensis in sanctam

regulam commemtarium), provavelmente no Ordo regularis apud eos qui in

126 M.AMO, Mateo - Coutumiers monastiques et religieux in «Dictionnaire de Spiritualité», t. Il, Paris,

Beauchesne. 1953,p.2454.

12 Ver esquema no final deste sub-capítulo.

128 SCHMITZ, Ph. - Bénédictine (Règle), in «Dictionnaire de Droit Canonique», t. II. Paris, Lib.

arce regularis pollent129, e talvez nos Capitula qualiter observationes sacrae ,

no seguimento do Ordo no manuscrito Saint-Gall 914, e em vários outros manuscritos. A redacção destes dois últimos ordines é atribuída a S. Bento de Aniane (t 821). Encontram-se ainda os costumes casinenses desta época na carta de Teodomaro de Monte Cassino (787-797) a Carlos Magno131 e na

súplica dos monges de Fulda ao mesmo Carlos Magno132. Anterior, sem dúvida,

ao abade de Aniane (c.770) é o Ordo in monasterío qualiter a fratribus [...]

militari oportet133, cuja origem se desconhece. A reforma de S. Bento de Aniane

foi rodeada duma série de escritos disciplinares. Além da já citada Concordia

regularum, convém referir os Statuta Murbacensia134, redigidos por Haiton,

abade de Reichenau (806-823), em 816; o importante Capitulare monasticum do sínodo dos abades, em Aix-la-Chapelle, em Julho de 817135; os doze

Capitula monachorum ad Augiam directa, dos monges de Reichenau, Grimald e

Tatton136, e que provavelmente descrevem a observância da abadia de Inde; o

Excertus diversarum modus poenitentiarum137', de S. Bento de Aniane, e os

Capitula qualiter observationes sacrae138, que pertencem talvez ao mesmo

santo reformador. Pela mesma altura, S. Adalardo, abade de Corbie (c.775- 826), estabeleceu os seus estatutos139; S. Augilberto publica um ritual para a

sua abadia de Saint-Riquier140. A disciplina em vigor em Fulda no início do

século IX é descrita na carta dos monges desta abadia a Carlos Magno, em 812141.

Nos séculos X e XI assistimos à elaboração dos grandes costumeiros, cuja influência parece extensa e duradoura. Os grandes centros da reforma monástica geral que caracteriza este período têm os seus próprios costumeiros; e estes apresentam entre si uma semelhança impressionante.

129 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. III, pp.14-18. 130 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. Ill, pp. 112-114. 131 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t III. pp.50-64. 132 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. Ill, pp.71-78. 133 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. III, pp.26-49.

134 ALBERS^ Bruno - Consuetudines monasticae, t. III, pp.343-349; PL, t. XCIX, col.737-746. 135 M.G.H., Concilia, t. II. p.464-466; ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. 01, p.l 15-144.

]36MG.H', Epistolae, t. V, p.305-307; ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. III, pp.104-111.

, 3' P L t. CIILco!. 1412-1420.

138 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, l. III, pp.95-103; M.G.H., Epistolae, t. V. p.302-304. 139 Editados por C. Lévillan, na «Moyen Age», 1900. p.335-386.

140 BISHOP E. - Litúrgica histórica, London, 1918, p.314-332.

Uma primeira redacção dos costumes de Cluny dataria do tempo do abade S. Maiolo (964-994). Esta redacção tem por base as tradições monásticas trazidas de Baume por Bernão. Uma segunda redacção pertence ao abadado de S. Odilão, entre 996 e 1030; a terceira é conhecida impropriamente pelo nome de

Consuetudines Farfanses, e foi redigida cerca de 1042-1049142. Sob o

abadado de S. Hugo, cerca de 1070, o monge Bernardo dava uma nova edição dos costumes do seu mosteiro143. Entre 1079 e 1087, Uldarico de Cluny redige,

por sua vez, os Consuetudines Cluniacenses144. Guilherme de Hirsau adapta-

os aos países germânicos e introduz esses costumes nas abadias da sua reforma145. Os costumes de Fleury e da Lorena foram editados por Jean

Dubois, por Bruno Albers e por Martène146. Aparentados aos costumes de

Cluny, da Lorena e de Fleury, os Consuetudines Sigberti abbatis encontram-se num manuscrito do século XI-XII1 .

Os costumes dos países germânicos inspiram-se nos do movimento reformardor na Lotaríngia. Os Consuetudines monasteriorum Germaniae estão conservados em duas redacções148, as ditas de Trêves e as de Einsiedeln. A

essas é necessário acrescentar o grupo dos costumeiros de Amorbach ou de Fulda: o Ordo Fuldensis, de inícios do século XI, passou para Alsemburg, para Michelsberg de Bamberg e para Abdinghof.

Em Inglaterra, a Regularis Concordia149 é obra de S. Ethelwold, e foi

elaborada sob a influência de S. Dunstan de Cantuária e de S. Owald de Worcester e com a ajuda dos monges de Fleury e de Gand, recebendo ainda influências dos Consuetudines monasteriorum Germaniae e do Ordo qualiter. Os Consuetudines Fructuariensis, ou Costumes de Fruttuaria, obra de

142 ALBERS, Bruno - Consuetudines rnonasticae, t. IL p. 1-30, 31-61; t. I, p. 1-206; VALOUS, Guy de -

Le monachisme clunisien, vol.1, pag 19; sobre o mais antigo costumeiro de Cluny ver: ALBERS, Bruno

- Le plus ancien coutumier de Cluny in «Revue Bénédictine», t. XX, 1903, pp. 174-184. 143 HERRGOTT, M. - Vêtus Disciplina Monástica, Paris, 1726. pp. 134-364.

144 PL, t. CXLIX, col. 635-778.

145 PL, t. CL, col. 927-1446; HERRGOTT, M. - Vêtus Disciplina Monástica, Paris, 1726, pp.375-570. 146 DUBOIS, Jean - Floriacensis vêtus biblioteca benedictina, t. I, Lyon, 1605, pp.390-412; ALBERS, Bruno - Consuetudines rnonasticae, t. V, pp. 137-151 e 113-133; MARTÈNE - De antiquis Ecclesiae

ritibus, t. IV, 1764, pp.297-301; Corpus consuetudinum monasticarum, ed. K. Hallinger, Siegburg, 1963

ss, t. VII, vol. III e t. IX.

,4? Editado por ALBERS, Bruno - Consuetudines rnonasticae, t. II, pp.65-116. 148 ALBERS. Bruno - Consuetudines rnonasticae, t. V, pp. 1-110.

149 PL, t. CXXXVII, col. 475-503; Corpus consuetudinum monasticarum, ed. K. Hallinger, Siegburg 1963 ss, t. VII, vol. III.

Guilherme de Volpiano150, aparentam-se com os Consuetudines antiquiores

Cluniacensis. Expandiram-se para uma série de mosteiros de Itália, Alemanha,

Lorena e França. Há redacções posteriores, dos séculos XII e XIII, dos costumes de Saint-Bénigne de Dijon, onde Guilherme tinha sido abade151. A

abadia de Fécamp, restaurada pelo mesmo abade Guilherme, tinha costumes muito semelhantes aos de Dijon e aos de Fruttuaria. De Fécamp, estes costumes passaram para Inglaterra após a conquista normanda. O

Consuetudinarium secundum normam Becci Herluini foi analisado e

reproduzido em parte152. Um Liber usuum Beccensis, de finais do século XII é

citado por Martène153. Tal como Fécamp, também Bec, Caen e as outras

abadias normandas exportaram os seus usos e costumes para Inglaterra nos séculos XI e seguintes. Os Decreta Lanfranci154, para o mosteiro catedral de

Cantuária, várias vezes revistos, inspiram-se nos costumes de Bec, assim como o Consuetudinaríus officii divini in monasterio Cystrensi, ou ritual de Chester155. Para Inglaterra acrescentemos ainda os seguintes costumeiros:

Officium ecclesiasticum abbatum secundum usum Eveshamensis monasterii ; Consuetudines monasterii sancti Augustini Cantuariae; Consuetudines monasterii sancti Petri Westmonasterii157; A consuetudinary of the XIV century for the refectory of St. Swithun in Winchester158; os costumeiros manuscritos de

Santa Maria de York, de Norwich, etc.

No que diz respeito a França, citemos ainda, entre os principais

Consuetudinária manuscritos, os de Saint-Ouen de Rouen, de Vendôme, de

Saint-Benoît-sur-Loire, de Senones, do Monte de Saint-Michel159, de Saint-

Claude no Franco-Condado, entre outros. Martène utilizou ainda os

150 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. ÏV, pp. 1-191.

151 Editado por CHOMTON - Histoire de l'Eglise de Saint-Bénigne de Dijon, Dijon, 1900, pp.348.441; outra recensão citada por MARTÈNE - De antiquis monachorum ritibus, Lyon, 1690, pp.90-91.

152 PORÉE - Histoire de l'abbaye de Bec, t. II, 1901. pp.296-315, 592-607.

153 MARTÈNE - De antiquis monachorum ritibus, Lyon, 1690, p. 792. Ainda relativo aos costumes de Bec ver Corpus consuetudinum monasticarum, ed. K. Hallinger, Siegburg, 1963 ss, t. IV.

154 PL, t. CL, col. 443-516; Corpus consuetudinum monasticarum, éd. K. Hallinger, Siegburg, 1963 ss, t. UI.

155 ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, t. IV, pp. 195-219. 156 Editado por H. A Wilson. Londres, 1893.

151 Editado por E. Maunde Thompson, Londres, 1902. 1904. 158 Editado por G. W. Kitchin, Londres. 1886.

159 Um fragmento do costumeiro da abadia do Monte de Saint-Michel foi editada por L. Guilloreau, na «Revue Cath. de Normandie», 1915.

costumeiros manuscritos de Lire, de Saint-Denis, de Saint-Pierre-sur-Dîve, de Corbi, de Saint-Corneille de Compiègne, de Saint-Germain-des-Près, de Saint-

160

Vincent-de-Laon .

Para Espanha, Ph. Schmitz cita apenas o costumeiro manuscrito de Ripoll; é possível que outros houvesse, como no célebre mosteiro de Sahagún.

A abadia de Saint-Jacques de Liège possuia, desde o século XIII, um costumeiro que se baseava sobretudo nos costumes de Cluny, nos usos de Cister e no Ordinarius de Prémontré. Este Ordinarius da abadia de Liège serviu de norma em numerosos mosteiros que receberam a reforma por seu

intermédio161. A sua influência é sensível nos estatutos redigidos pelo abade

Jean Rode de Saint-Mathias de Treves (ms. 38, Bibl. du Sém., Treves), e por esta via nos de Bursfeld (impressos já em Marienthal, cerca de 1474). À mesma região pertencem os Consuetudines Affligemenses162, os de Marchiennes, de

Anchin, etc.

Nos países alemães, as colecções mais célebres de costumes são, além das de Bursfeld, as de Kastl, de Melk, de Gorze de Trêves e de Fulda, nos séculos XIV e XV.

Nesta mesma época, os Consuetudines Sublacenses163 usufruem em

- 164

Itália de grande divulgação.

Em Portugal, o único costumeiro medieval beneditino que se conhece até agora é o Costumeiro de Pombeiro, de que nos vamos ocupar.

A fim de clarificarmos um pouco a síntese anterior, apresentamos a «família» dos vários costumeiros segundo os esquemas apresentados por Guy de Valous165.

160 161 162

MARTÈNE - De antiquis Ecclesiae ritibus e De antiquis monachorum ritibus.

Editado por P. Volk - Der «Liber Ordinarius» des Lutticher St. Jakobslosters, Munchen-en W., 1923.

Corpus consuetudinum monasticarum, ed. K. Hallinger, Siegburg, 1963 ss, t.Vl, pp. 123-198.

163 ALBERS. Bruno - Consuetudines monasticae, t. II. pp.l 19-126. 164 SCHMITZ, Ph. - Bénédictine (Règle), col.307-310.

165 VALOUS, Guy de - Le monachisme clunisien des origines au XVe siècle, lie intérieure des

Regula S. Benedict!

(segundo a tradição casinense após a restauração de Monte Cassino por Petronax em 716)

Expositio de

Paulo Diácono

Ordo Regularis

(século VIII)

Ordo das religiosas

(século VIII)

l

Ordo oftici in domo S. Benedicti Ordo qualiter (século IX)

Sínodo de 816: Murbach Sínodo de 817: S. Gall e Reichenau

J