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J S Bento de Aniane

173 ou numa contínua repressão»

Segundo o conceito monástico antigo, adoptado mesmo por S. Bento, o abade é dentro do mosteiro o senhor de toda a vida espiritual e temporal da comunidade. De facto, é o abade que faz a regra ou determina qual a legislação monástica que deve ser adoptada ou compilada ex nuovo, na medida em que até à alta Idade Média o monaquismo não seguia apenas uma regra, mas um conjunto de regras, ou seja um Codex Regularum, composto de diversos textos de legislação monástica174. No campo espiritual, o abade tem

que cuidar das almas da comunidade e tem que fazer observar a regra. No campo do poder temporal, o abade é o administrador responsável pelos bens do mosteiro; tem que dar contas da sua gestão, várias vezes por ano aos delegados da comunidade; se quiser deixar nas crónicas a lembrança de um grande abade, deve liquidar as dívidas do mosteiro, construir edifícios cómodos para os seus monges, aumentar o tesouro da sacristia, da biblioteca e receber numerosas doações

Segundo a Regra de S. Bento, o abade deve ser escolhido dentre a comunidade. A eleição faz-se tendo em conta os méritos de vida e a prudência de doutrina daquele que vai ser instituído176. Com o tempo, os mosteiros

passaram para a propriedade de senhores, que tinham sobre eles o direito de padroado. Assim, estes senhores tinham o direito de nomear o abade, direito esse que era transmitido aos seus descendentes. Também o bispo, o abade precedente (no caso dos mosteiros livres, ou seja, isentos de qualquer jurisdição real, episcopal ou senhorial) e o rei podiam designar o abade. Por

173 VALOUS. Guy de - Le monachisme clunisien, p.98. 174 PENCO. G. - Storia del monachesimo in Italia, p. 368.

175 SCHM1TZ, Ph. - Bénédictine (Règle), col. 313. Ainda sobre as atribuições do abade ver: LAPORTE, J. (dir) - Millénaire monastique du Mont-Saint-Michel, 1.1, Paris, 1966. pp.597-598.

exemplo, na Regularis Concordia a eleição abacial era feita pelos monges de acordo com a regra, mas com o consentimento do rei177. Já no Ordo

Cluniacensis a eleição do abade era confirmada pelo bispo . Também as

Consuetudines Farfenses179, as Consuetudines Hirsaugienses180, as Antiquiores

Consuetudines de Uldarico181, os Decreta Lantranci182, as Consuetudines

Affligenienses183, as Consuetudines Floriacensis antiquiores18' e as

Consuetudines Floriacensis saeculi tercii decimi185 e todos os costumeiros em

geral se referem ao ofício do abade e à sua eleição. Os Consuetudines de Fruttuaria têm mesmo um capítulo dedicado à eleição do abade de Fruttuaria:

De electione abbatis Fructuariensis .

No Costumeiro de Pombeiro não há propriamente um capítulo dedicado ao abade, assim como também não o há para a comunidade em geral, ou para os seus oficiais. As referências aos membros do mosteiro encontram-se ao longo do texto187. Assim, as referências ao abade são bastante frequentes no

Costumeiro, apesar de ser um abade que se ausenta frequentemente da

comunidade e que facilmente partilha e delega os seus poderes ao prior ou a outros oficiais. Alguns monges substituem-no na função de atender as necessidades dos confrades: os oficiais encarregados dos alimentos e do vestuário, do controlo das rendas dominiais, da guarda dos objectos de valor do mosteiro. É frequente a referência abbas vel prior ou prior si abbas

defuerit188 ou abbas sive ebdomadarius ou ainda abbas vel sacerdos , ou

177 KNOWLES, David - The monastic order in England, p.396.

178 Ordo Cluniacensis, pars I, cap. I in HERRGOTT - Vetus disciplina monástica, pp. 135-138. 179 Consuetudines Farfenses, lib. II, I in ALBERS, Bruno - Consuetudines monasticae, vol. I, p. 141. 180 Consuetudines Hirsaugienses, lib. II, I in PL, t. CL, col. 1037.

181 Antiquiores Consuetudines cluniacensis monasterii, lib. Ill, I, II in PL, t. CXLIX, col. 731-734. 182 Decreta Lanfranci, pars altera, cap. 82, in Corpus consuetudinum monasticarum, t. III. p.61. 183 Consuetudines Affligeniensis, cap. XLV in Corpus consuetudinum monasticarum, t. VI, p. 174.

184 Consuetudines Floriacensis antiquiores, libellus consuetudinarius: De officialibus, cap. 3 in Corpus

consuetudinum monasticarum, t. VII, vol. IIL p. 10.

185 Consuetudines Floriacensis saeculi tercii decimi, pars VI, cap. XXV in Corpus consuetudinum

monasticarum, t. IX, pp.314-316.

186 Consuetudines Fructuariensis, Ordo de oboedientiis I, cap. I in Corpus consuetudinum

monasticarum, t XII, vol. II, pp. 15-25.

187 O índice remissivo que acompanha a edição do Costumeiro facilita a identificação dos membros da comunidade e dos oficiais referidos pelo Costumeiro de Pombeiro.

1SS Costumeiro, ff.34v, 41r, 43r, 44r, etc. 189 Costumeiro, ff.34v, 45r.

abbas vel armarius191, entre outras. Mas, por exemplo, no dia da festa da

Nossa Senhora das Candeias (2 Fev.), é o abade que preside ao ritual da benção das velas192. Por outro lado, na Quarta-feira de Cinzas, já não precisa

de ser o abade a proceder ao ritual da benção das cinzas, ritual esse que pode ser realizado pelo ebdomadarius193. Também já não precisa de ser o abade a

fazer o comentário da Regra e as homilias espirituais, estas funções podem ser feitas por um simples monge194. Apesar de tudo, o abade continua a ser a

figura principal do mosteiro e assim se faz representar: «Stante in claustro in

ordine post abbafe»195. É o abade que preside às cerimónias da Páscoa,

nomeadamente da Quinta-feira Santa196; é também o abade, à imagem de

Cristo, que lava os pés aos seus monges .

Sem dúvida que o abade é o «pai» da comunidade, e a Regra de S.

Bento prevê que o abade viva a sua vida em comum com a dos monges, que

partilhe trabalho, as refeições, o tempo de oração. E assim se manteve até finais do século XI. A partir daqui dá-se a separação.

3.3.2.1. A separação do abade da comunidade

Nos inícios do século XI, o abade participa intimamente na vida da comunidade. Vigora ainda um regime familiar no seio de comunidades ainda pouco numerosas. Mas, com os cluniacenses, este quadro altera-se um pouco. À medida que aumenta o domínio, a posição social do abade torna-se mais

importante, e pouco a pouco vai-se destacando da comunidade. Certamente, vela para que os monges não passem privações, para que sejam obedientes e que para que assegurem a sua salvação; contudo, já não partilha mais a sua

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