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O (des) equilíbrio da dualidade na feminilidade

A possibilidade desta movimentação ou desequilíbrio constante dos desejos da feminilidade (o que no MST parece ocorrer pela sintonia de desequilíbrios semelhantes na feminilidade e nos movimentos sociais) acontece porque há nele um espaço favorável para que a feminilidade consiga dosar ou exercer as duas posturas femininas das quais nos fala Pommier: a ativa, que neste caso pode se utilizar dos discursos relacionados à política, tão presentes no Movimento; e a passiva, que tem o compromisso de trazer o novo. O gozo ativo é facilmente perceptível no Movimento e se exemplifica pela tomada do espaço público, já o gozo passivo - um tanto deslizado da lei, o que Pommier chama de gozo sem limites e Freud de um superego malformado, regido pelo princípio do prazer – ocorre de forma mais sutil. O movimento entre ambos os gozos não ocorre de forma sintonizada e tranqüila; como já frisamos, no movimento social existe a ação. E é justamente aí que está o ganho para a feminilidade, pois não há muito espaço para se fazer construções frente aos conflitos: de antemão, mentalmente - ou pelo imaginário, como ocorre com o sintoma, pensado na psicanálise como advindo de um recalque de desejos -; pelo contrário, vai se fazendo, agindo e vivendo no vazio – como uma relação de amizade -, e conforme os desejos do inconsciente, como Freud nos afirma permitir o coletivo. Uma experiência em meio a uma liberação dos impulsos e desejos do inconsciente e, portanto, passível de ser mais desvinculada de censuras e modelos.

Uma professora de EDA nos fala da importância da participação no Movimento para a mudança de sua feminilidade:

[...] Mas ali eu comecei a me sentir gente, mais e tal, por isso que eu penso assim: eu devo tudo ao Movimento, foi essa mudança de vida, porque senão eu não tinha conseguido mudar, ou pelas forças de onde estava ou mesmo a família me apoiando, eu nunca ia mudar de vida (P. EDA).

Dessa forma, o se sentir “mais gente” está ligado a uma força – que entendemos como amparo ao exercício de sua feminilidade – que o Movimento dá, forçando para que o gozo passivo, do mesmo modo que o ativo, tenha a possibilidade de ser exercido, ou seja, não se perca em meio ao espaço ativo (público, coletivo) que se abre para todos os sujeitos femininos atualmente, e que alguns preconizam, inclusive, como único desejo necessário ao “ser feminino” (o que é muito forte em Movimentos Sociais, os feministas, por exemplo). Se o

sujeito exerce espaço para sua subjetividade, como antes comentamos, os dois gozos do feminino encontram espaço para seu exercício: tanto aquele que cada mulher encontra nas suas atividades ditas “de mulher” - ou nas que são construídas para contemplar o gozo passivo -, quanto o gozo que se liga àquelas atividades que a mulher teve a oportunidade de eleger para a sua vida e que até pouco tempo eram exclusividade masculina. Se a mulher vitoriana (tradicional), após simbolizar, significar e desejar, foi oprimida em seu desejo de exercer o gozo ativo, a mulher “moderna” pode estar oprimida no exercício de seu gozo passivo, ao se perder nas fantasias fálicas, ativas, das quais se veste.16

Diferentemente, entendemos ser possível o exercício da feminilidade no MST: para que ela possa permitir a expressão do coletivo / subjetivo no Movimento, ou seja, para que sejam permitidas mudanças no coletivo e na feminilidade dentro dos coletivos, ela une, na experiência, a dialética da feminilidade. Não seria a própria representação desta dialética a mulher (ou o homem) com seus filhos nos braços e, ao mesmo tempo, acampada em busca de novos lugares sociais e políticos? Ou a mãe na sede do Incra amamentando ao seu filho, ou lavando roupa no banheiro da Assembléia Legislativa, ou como uma “galinha choca” carregando seus filhos e muitas de suas coisas na calada da noite para realizar uma ocupação?17

Na EUr a dualidade no exercício da feminilidade se apresenta de forma diferente. A passividade é facilmente perceptível, como mostramos através das falas destas professoras nos capítulos anteriores, a atividade, por sua vez, é mais sutil. Nas entrevistas através das atitudes relatadas, parece haver dificuldades no exercício da atividade, porém, através dos questionamentos e da própria queixa essa atividade aparece. É um desejo ativo que se manifesta através destes questionamentos e queixas, ainda que de forma inconsciente, pois este desejo parece ainda não se expressar. A professora de EUr parece estar em um momento de “sossego” que, na verdade, é de forte questionamento, e mesmo de sofrimento, como estas relatam.

Também na EDA percebemos, mesmo que de forma diferente, este momento de “sossego”. Em meio à ocupação, ação e experiência no movimento, sabe-se, porém, que há o momento em que esse sujeito feminino continua essa busca de forma mais “tranquila”, pois ele “sossega”, uma vez que já tem sua terra, seu lugar. É essa feminilidade que encontramos

16 Isto hoje aparece na dificuldade dos relacionamentos amorosos: mulheres que não conseguem se relacionar

com o sexo oposto e, muitas vezes, aparentam nem desejar esse relacionamento. Na clínica psicanalítica, esse conflito é muito atual e numeroso.

nas escolas de assentamentos. Apesar de “sossegada”, ela consegue, ainda assim, cultivar subjetivamente o mesmo movimento vivenciado no coletivo? Mesmo sendo o “novo” coletivo mais sossegado? Afinal vemos um questionamento e um sofrimento muito grande em EUr, que aparece amenizado em EDA, e em relação a isso, anteriormente questionamos a intensidade do conflito nesta escola: seria um conflito que possui envolvimento subjetivo ou um conflito dado e tomado como condição de comportamento pelos sujeitos para a participação no Movimento? Essa ligação com a política perdura institucionalizada na escola? Já que falamos de discurso-ação, convém questionar também como ocorre essa movimentação subjetiva na feminilidade no momento em que ela se encontra e nesta escola.

Entendemos que a professora (e neste caso tanto a de EDA como a de EUr) possui espaço para exercer sua dialética paradoxal: a atividade/profissão de educadora e o discurso de passividade demandados a ela pelo discurso educacional podem ser tomados e reconstruídos – personalizados - como estímulo para o exercício dual da feminilidade. Porém, entendemos que essa construção é facilitada em meio ao discurso político, tão presente para a professora de EDA, mas que pode, também, ser construído em EUr.

Perrot (2005, p.381) nos traz o caso de um sujeito feminino na política: George Sand (1804-1876), a qual entendemos que consegue exercer seu gozo ativo e passivo através do mesmo instrumento encontrado nos discursos do MST: a política. Sand, assim como entendemos estar a professora de assentamento, parece estar sossegada (no sentido de participação em movimento), mas, ainda assim, continua seu movimento de dualidade/paradoxo da feminilidade. A autora não ressalta como importante ou necessária (mas podemos dizer que é, sim, pois subjetiva a mulher) a dualidade de Sand e também esta capacidade de continuar em movimento mesmo não estando na ação do Movimento. Diz a autora que, por ser uma mulher na política, Sand é paradoxal por ser pioneira neste campo tão proibido às mulheres:

Aqui acaba a exemplaridade de Sand. Mulher na política, ela é, ao contrário, excepcional e freqüentemente paradoxal. O paradoxo de George Sand reside no

contraste da ousadia da ação pessoal e a timidez e até mesmo a nulidade da reivindicação coletiva referente à igualdade política das mulheres. Sand se

comporta como um indivíduo esquecido de seu sexo e indiferente ao gênero ao qual ela pertence. Este paradoxo é inerente à situação ambivalente que é a sua, as contradições às quais esta pioneira é confrontada. Ela, que subverte as fronteiras, usurpa os domínios masculinos, confunde as pistas e assume identidades múltiplas (Perrot, 2005, p.414-415) (grifo nosso).

Diferentemente do que apresenta Perrot, entendemos que esse paradoxo é o exercício dual em um movimento “sossegado”, justamente, um momento de ousadia da ação pessoal e timidez de reivindicação coletiva, ou seja, no momento em que pode estar a professora de assentamento, o qual entendemos positivo (subjetivante) para a feminilidade e seu exercício dual, ou seja, para a reconstrução do exercício de sua passividade e atividade.

Nesta fala percebemos este movimento sossegado, mas ainda assim dual:

- Eu não fazia isso, eu nunca me vi fazendo isso por mais que tu tenha possibilidade de ir lá dar um curso, ou ir lá ajudar a denunciar. Então esse foi um impedimento, a família me segurou muito nisso, o marido, os filhos [...]. Então acho que esse foi um impedimento, mas não que, assim, que fosse uma frustração pra mim, mas eu sempre tive que me retirar do movimento. Aí sempre me diziam que não, mas que um trabalho na escola também é militância porque tu está ali todo o dia..., agora estão entendendo isso..., agora o Movimento entende mais isso: que tu docente não pode sair daqui e estar lá, sabe? Um tempo se pensou assim, que militante era assim: se te chamassem lá tu ia e se te chamassem lá tu ia. Eu sou, sou defensora do Movimento. Mas o meu lugar, a minha pessoa é diferente, até muitas pessoas deixaram, se desligaram do Movimento porque o pessoal não entendia isso de cada um..., mas como eu me estabilizei na escola, então... como eu te digo... (P. EDA).

Verificamos que essa professora realiza um exercício de atividade na militância, a qual ela afirma realizar na escola. Mas, ao mesmo tempo, limita essa atividade fálica com exercícios de passividade ligados à família e ao marido, realiza essa movimentação dual de forma pessoal, afirma que a sua pessoa é assim e que o Movimento MST acabou entendendo. Isso que afirmamos parcial na luta do feminismo, ou seja, a falta de espaço ao gozo passivo da feminilidade, o qual entendemos encontrar expressão em Sand e na mulher professora de assentamento - não de forma dada, mas com a condição de sua implicação subjetiva e insurgente também frente ao Movimento -, relaciona-se com o que nos coloca Castells quando se questiona sobre o que podemos considerar Movimento feminista:

Assim pois, surge a pergunta: pode existir o feminismo sem uma consciência feminista? Não são na prática feminismo as lutas e organizações das mulheres ao longo de todo o mundo por suas famílias (sobretudo por seus filhos), suas vidas, seu trabalho, seu teto, sua saúde, sua dignidade? Francamente, estou indeciso sobre este ponto [...].

Por uma parte, sustento a norma clássica de que “não há classe sem consciência de

classe” (CASTELLS, 1998, p.226) (tradução nossa).18

18No texto pesquisado: “Así pues, surge la pregunta: puede existir el feminismo sin una conciencia feminista?

No son en la práctica feminismo las luchas y organizaciones de las mujeres a lo largo de todo el mundo por sus

familias (sobre todo por sus hijos), sus vidas, su trabajo, su techo, su salud,su dignidad? Francamente, estoy

indeciso sobre este punto (...).”

A dúvida de Castells nos impõe justamente a questão: “pode existir luta na feminilidade sem que esta considere tudo que pode se relacionar com os desejos desta feminilidade?”. A consciência, da qual nos fala Castells, que estaria sintetizando o gozo do feminino, corresponde à consciência da dialética entre o passivo e o ativo na feminilidade. Isto permite à feminilidade poder negar os modelos para o exercício de passividade que chegam a ela, mas, em contrapartida, construir outras formas de exercer seu gozo passivo. Afinal, como nos fala Castells, a feminilidade é também aquela passiva, que está dentro de casa e mesmo assim está lutando em busca de um gozo no exercício de sua feminilidade, não igual ao que, simultaneamente, ela empreende fora de casa, mas também pertencente a ela.

Entendemos que a construção de um outro espaço é plenamente possível à feminilidade se pensarmos, a partir da psicanálise, em seu “superego malformado”, o qual entendemos que permite, nos coletivos, uma constante participação do subjetivo e individual nas lutas de cada sujeito/ particular /feminino: relativizando as leis. Como Castells nos leva a relativizar o feminismo, com sua dúvida, com as constatações de que a feminilidade também age na luta por sua família, seus filhos, seu trabalho, ou seja, em cada casa, mas em todo o mundo.

Kehl, por sua vez, nos fala da cura dos sujeitos de nossa sociedade de massas pelo resgate daquilo que é singular e irredutível a cada sujeito e, também, ao sujeito feminino (que se iguala à masculinidade ao entender que seu desejo é apenas o ativo, fálico – o qual define o masculino por inteiro, mas não a feminilidade) numa sociedade onde a fundamental “mínima diferença” entre masculino e feminino e dentro dos coletivos está, muitas vezes, apagada:

A prática da psicanálise tem me mostrado que, se existe uma perspectiva de cura para os sujeitos da sociedade de massa, como superação das estruturas neuróticas individuais e da “mais alienação” aos discursos constituídos (o que é quase a mesma coisa), esta cura passa pela afirmação do que, em cada sujeito, é singular e irredutível. [...] Nada poderia parecer mais consoante com a idéia da diferença do que a perspectiva de que cada sujeito possa se dizer um, num contexto em que tudo se massifica, se industrializa, se globaliza. No entanto, quando se fala em diferença, a referência não são as singularidades e sim a produção de identidades. [...] Mas esperar que a marca identitária dê conta da subjetividade, que a pertinência a um grupo defina, por exemplo, para os indivíduos os caminhos a serem percorridos pelo desejo e o objeto de sua satisfação, é a meu ver um dos modos contemporâneos de alienação (KEHL, 1996, p.11-12).

Dessa forma, a alienação pode ocorrer tanto em EDA - dentro e pelo Movimento Social - e em EUr pelo discurso cultural educacional, em ambas escolas isso ocorreria pela produção radical de identidades e falta de implicação subjetiva e insurgente. Nesse sentido é

que reafirmamos a importância do que é possível ocorrer na feminilidade no MST e que associamos ao que Perrot aponta em Sand (uma mulher na política) “confundir as pistas” ou assumir “identidades múltiplas” (2005, p.414), o que entendo ser o exercício do gozo ativo e do passivo femininos. Entende-se que Sand fugia de restringir-se à produção de identidades, pois buscava e tentava viver sua singularidade feminina contemplando sempre os dois desejos: o passivo e o ativo. Estaria nesta condição a professora de assentamento? Sim, se puder exercer esses papéis segundo seus desejos, de modo não fixos nos modelos colocados e naturalizados para ela, numa postura que reconstrói lugares.

Nesse sentido nos diz Perrot: “Mas mesmo nos anos da rebelião romântica, Sand insurge-se por diversas vezes contra as pretensões emancipatórias e a liberdade sexual pregada por certas mulheres saint-simonistas (2005, p.416)”.19 Esta autora entende que Sand parece aderir à divisão sexual dos lugares e à concepção da naturalidade dos papéis de homens e mulheres na esfera pública e privada: “‘A mulher pode, em certo momento, ocupar um papel social e político, mas não uma função que a prive de sua função natural’; e ela zomba frequentemente dos sujeitos femininos que querem desempenhar papéis chamados de masculinos” (p.416). Pensamos que, mesmo que ainda internalizando esta linguagem que dava e ainda coloca um lugar para o feminino, Sand tenta fugir das identidades dos grupos feministas inaugurando uma singularidade: viver sua bissexualidade, do modo que conseguia e se realizava naquele momento, ou seja, no lar e nas relações amorosas homem/ mulher.

Essa construção e reconstrução de um novo espaço para se viver o gozo passivo parece ocorrer na professora de assentamento. Afinal, da mesma forma que Sand, a professora de assentamento se pronuncia frente ao Movimento, mostrando o que a psicanálise nomeia como um superego complacente frente à lei, ou seja, aquilo que ultrapassa esta lei na busca do gozo passivo na feminilidade:

[...] A questão de, pra mim, sair, por exemplo, porque se fosse pelo Movimento Sem Terra, no caso, eu viveria viajando, saindo, porque... tem essa cobrança: “não, tu se formou, tu tem não é...”, tinha muito essa questão de que militante era aquele que saía, viajava. [...] Meu marido não aceitava essa questão de eu estar direto na estrada, ele não aceitava. Mas também não era uma vontade própria minha de estar só saindo porque eu entendi que a escola também era uma coisa importante, a família era uma coisa importante, então eu disse assim: “Eu sou militante mas eu tenho minhas limitações, é isso, eu tenho uma família, eu tenho uma família que eu não posso [dizer, a qualquer tempo] ‘Ah, vou ficar um mês lá para o norte’” [...] (P. EDA).

É, assim, dual (no sentido de ativo - militante - e passivo - mãe e mulher), que entendemos a professora de escola de assentamento quando implicada subjetivamente: um sujeito feminino que lutou ou participou de um discurso de tomada do espaço público, momento em que seus desejos foram construídos na ação e, ao mesmo tempo, ela era mulher e mãe. De igual modo, mais tarde, de uma forma mais “sossegada”, a professora no MST, na escola, ainda continua se tomando do discurso político e mantendo a sua dualidade. Isso lhe permite manter um movimento contínuo, só que agora um tanto mais subjetivo, pois o embate é mais introspectivo e não na ação regida pela ocupação e pelo acampamento; porém ainda segue o “modelo” desta última ação, que continua na escola.

Essa continuidade do conflito, apontado no primeiro capítulo e, portanto, do “movimento”, é uma especificidade da feminilidade no MST (professora de assentamento), “movimento contínuo” este que nem todas as feminilidades conseguem produzir. Talvez nem Sand tenha conseguido, pelo menos não de forma ininterrupta, pois Perrot nos fala do momento em que Sand fala a Flaubert de um desejo de abolir as fronteiras: “Há somente um sexo”, escreve-lhe ela, em 1867 (ela tem sessenta e três anos); “Um homem e uma mulher são tão a mesma coisa, que não se pode compreender as distinções e os raciocínios sutis de que as sociedades se alimentaram, sobre esta questão” (SAND apud PERROT, 2005, p.417).

Mesmo assim, entendemos que Sand conseguiu viver sua bissexualidade de forma dual: exercia seu gozo ativo na política ao mesmo tempo em que fazia constantes intervenções subjetivas e individuais nos coletivos feministas da época com sua maneira de viver também o gozo passivo. Da mesma forma que entendemos que a professora no MST vive seus momentos de ação e seus momentos de “sossego” com e no exercício dual da feminilidade. Nesse sentido, repensamos o que nos afirma Perrot, ao aproximar Sand do sistema francês de democracia individualista:

O conflito que opõe Sand as militantes de 1848 tem, então, um alcance muito mais geral. Ele confronta duas lógicas: uma mais comunitarista (a lógica das feministas), a outra mais universalista (a lógica de Sand) e consequentemente duas concepções da identidade das mulheres (2005, p.423).

De forma um tanto diferente da interpretação que esta autora dá para essas duas lógicas, entendemos que a lógica universalista de Sand, da qual nos fala Perrot, retrata o desejo feminino do qual nos fala Castells, ou seja, que existe não apenas em cada casa, mas em todo o mundo, está em todos os sujeitos femininos do mundo só que em cada um é construído de forma diferente: é universalista, mas também subjetivamente singular. A lógica

de Sand é a “mesma” da qual nos vem falar a professora de assentamento: existe a luta comunitarista, mas ela não assume uma face única, está no embate direto e também na luta “sossegada”, porém, contínua.

Quando falamos na luta “sossegada” também como um exercício dual de feminilidade, não se quer dizer que ela seja realizada sem conflito; pelo contrário, as duas lógicas, como nos aponta Perrot, “brigaram” em Sand e “brigam” na professora de assentamento, porém elas mobilizam-se a partir deste conflito. Podemos dizer que elas “deleitam-se” com todos os conflitos para ir construindo um exercício de feminilidade particular.

Esse olhar sobre a professora de escola de assentamento nos permite pensar em uma professora totalmente diferente daquela que alguns teóricos nos descrevem, ou seja, presas em discursos que limitam sua sexualidade e seu prazer no exercício da profissão, pois são discursos que dificultam a expressão consciente (apesar de haver muito conflito inconsciente) e insurgência ou pronunciamento subjetivo frente ao que é dado. A professora de EDA encontra a possibilidade de “movimentar-se” constantemente entre atividade e passividade, ação (onde o inconsciente emerge) e discurso, “desassossego” do espaço público e “sossego” do lar, ou seja, ora na ação, ora em um discurso que lhe permite “sossegar”.