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Superar o falo paterno a partir da dimensão da lei “encarnada” na figura do

Quando falamos em uma dimensão da lei que possibilita uma superação desta mesma lei, identificamos, de certa forma, uma autonomia por parte da feminilidade. Afinal, não é isso que podemos pensar que a posição passiva feminina pode também possibilitar? Uma identificação com o pai, só que enfraquecida, limitada pela indeterminação da feminilidade e, por isso, uma superação/autonomia frente à lei? Mas não poderíamos falar de autonomia na feminilidade somente a partir da psicanálise, pois, como já afirmamos, não se pode atribuir a um ser que é definido pela falta qualquer autonomia. A superação que anteriormente afirmamos se dar sobre a lei paterna se constitui na própria falta. Portanto, o que nomeamos como ultrapassamento na feminilidade da professora de EDA em relação à lei de estado e também em relação aos próprios movimentos sociais seria também uma manifestação ou emergência da falta, mas que se diferencia quanto ao falo que irá significar esta falta: parte dele significa esta falta e outra parte não o significa neste momento.

Por isso, já levantamos, neste texto, a hipótese da presença de uma autonomia feminina, a qual não representa nem uma patologia nem uma masculinidade, pois mantém sua falta constituinte. Sua “autonomia” se dá, justamente, no prolongamento desta falta, o que constitui uma encarnação de modelos, mas, além disso, uma construção de exercícios de atividade. Esses dois significados para à falta feminina podem também entrar em conflito, e neste se constituem novas movimentações.

Entendemos que o movimento de constante mudança dos Movimentos Sociais traz novas nuances a esta questão. Ao “encarnar” de forma própria a demanda de constante busca do novo – própria dos Movimentos Sociais - não estaria essa mulher feminina buscando a movimentação? Isso pode ser entendido como autonomia na construção do gozo fálico? Se assim entendermos, a incorporação da demanda do outro, na construção do gozo fálico feminino, fica limitada. Falamos do exercício de um gozo ativo juntamente com um gozo passivo, capaz de permitir que se construa uma maneira autônoma de exercer a atitude fálica. Afinal, o Movimento facilita, para a feminilidade, o exercício de sua indefinição, pois a sustenta por mais tempo: esse “alargamento” do tempo de busca - em meio à presença de desejos do inconsciente - dado pela “encarnação” do movimento/ação dos Movimentos

Sociais, poderia provocar uma construção do falo e não somente a incorporação de uma demanda dada pelo outro?

Se poderia pensar, simplesmente, que a mulher está encarnando um desejo do outro (aqui como o Movimento), como sempre foi atribuído às mulheres. Mas, se a mulher encarna o movimento de construção da novidade de um Movimento como o MST, não estaria ela construindo? E, portanto, sendo uma peça que renova o Movimento, o qual é sempre novidade?

Não estamos afirmando aqui que a mulher deixa de encarnar as demandas do masculino, algo tão importante à sua sexualidade. Acreditamos que ela encarna esse falo, porém estas demandas partem de um “homem” que, muitas vezes, por também participar do Movimento, vivencia uma masculinidade um tanto diferenciada da dada pela cultura, menos permeada pelo recalque, como anteriormente já falamos; portanto, as demandas dele para esta mulher feminina já podem ter sido permeadas pela vivência e movimentação do Movimento social, o que pode auxiliar nas novas posturas desta feminilidade. Porém, não vem a definir inteiramente estas posturas, pois sabe-se que a feminilidade, por seu gozo indefinido, tem mais plasticidade que o masculino para incorporar as novidades, aqui pensadas como uma “encarnação” do movimento do Movimento social.

Então, além da construção fálica advinda dessas demandas do masculino, há também uma construção fálica que vai além destas. Ou seja, se produz uma significação necessária e um espaço para o exercício ativo a partir da identificação com a lei; posteriormente, ocorre a superação desta lei – o que gera o além da mulher, seu gozo indeterminado e, como esse gozo pede sempre um significado, a diferença deste significado que vem é que ele não é tomado inteiramente da demanda do outro, ou seja, é tomado também da movimentação/construção do Movimento social; logo, é possível que, nesse percurso, a mulher esteja construindo seu falo. Isso ocorreria nos momentos de ação em que o coletivo sustenta e permite um alargamento do tempo de indeterminação da feminilidade. Ela então constrói no vazio, como em uma relação de amizade foucaltiana e por estar num coletivo permeada por desejos inconscientes, como nos afirma Freud. Assim, entra aqui a autonomia da qual falamos: a passividade feminina, juntamente com o respaldo que o coletivo e seu constante movimento - ação, novidade - pode dar para a feminilidade, pode permitir a construção de um lugar para a feminilidade e pela feminilidade livre de modelos, ao mesmo tempo em que esta renova os coletivos e as leis destes. Pensa-se aqui uma nova nuance para a incorporação do falo na feminilidade, há uma diferenciação nesta encarnação do falo: a encarnação se divide, em parte

é definida pelas demandas, e em parte não somente pelas demandas já existentes para este feminino.

Nesta fala percebemos a identificação e a superação do falo paterno em meio ao discurso do Movimento:

- Aí meu sogro foi contra: “Não, nós vamos comprar a terra”. Aí eu disse para ele: “Olha, o senhor é tão contra e por causa de uma listrinha o senhor quase perde os filhos. Eu não estou pedindo para o meu marido ir, eu estou dizendo que eu vou. Eu estou indo”. O meu filho pequeno eu levei e o mais velho eu deixei lá na mãe. “Eu estou indo. O marido fica aqui trabalhando, vai lá quando quiser, mas eu vou”. E fui. E foi o que melhor aconteceu na minha vida, porque ali eu comecei a estudar já na primeira etapa, porque era tanta vontade de mudar [...] (P. EDA).

- Você sente que escolheu sua vida, foram tuas escolhas?

- De um momento pra frente foi, eu acho que quando eu escolhi ir, que eu dei um basta na minha vida. [...] Então, depois desse momento, quando eu consegui fazer as escolhas, daí comecei a mudar a minha vida; durante parte do tempo não foram minhas escolhas, depois que eu consegui... (P. EDA).

Percebemos nessa fala uma identificação com os lugares fálicos – pois essa mulher feminina fala com autoridade frente ao sogro e vai para o acampamento no lugar do marido (representantes do lugar de atividade) - e uma posterior superação sustentada pelo Movimento, o que culmina no que esta mulher feminina nomeia como uma escolha sobre sua

própria vida, escolha esta ocorrida após ter dado “um basta em sua vida” e entrado no

Movimento.

Em meio a este raciocínio, poderíamos pensar que a professora que antes nomeamos como “sossegada” esteja mais distante da mudança constante, pois não está lutando (não coletivamente) e, portanto, mais distante politicamente. Porém, esse momento no qual julgamos estar a professora de assentamento na escola, como já afirmamos, só é possível porque ela passou pelo momento de ação inconsciente no Movimento, o qual lhe forçou a operar com a dialética e, agora, vive o momento “sossegado”, que permite e este sujeito feminino estar ainda mais autônomo frente a qualquer lei - até mesmo a dada pelo Movimento Social. Afinal, o Movimento, na fala acima, auxilia a professora em sua postura de

autonomia, mas posteriormente, no momento “sossegado”, essa postura de autonomia aparece

frente ao próprio Movimento – pois anteriormente ela mesma coloca limites na obediência às leis do Movimento e afirma que lhe importa a família e o marido -, ou seja, introduz novamente um gozo passivo alternando-o com o referente à atividade. Continua cultivando a mesma lógica do movimento dual que agora age nesta professora de maneira mais subjetiva, introspectiva, mantendo-se mesmo depois da ação da ocupação, acampamento e protestos.

Então o momento “sossegado” não seria o apogeu para a autonomia? Pois o importante é o jogo: “manter-se em movimento”. Este se manter na movimentação, para as professoras em questão, exige um momento de “sossego”, quando, como já comentamos, pode haver o ápice do ir para além da lei, pois, afinal, até mesmo as próprias leis do Movimento são superadas, e além disso, acontece uma ação pensada, que continua reconstruindo posturas. Como percebemos nas falas anteriormente trazidas: “[...] se fosse pelo Movimento Sem Terra, no caso, eu viveria viajando, saindo, porque... tem essa cobrança [...]. Eu sou defensora do Movimento. Mas o meu lugar, a minha pessoa é diferente [...].” (P. EDA). “[...] Mas também não era uma vontade própria minha de estar só saindo porque eu entendi que a escola também era uma coisa importante, a família era uma coisa importante, então eu disse assim: eu sou militante mas eu tenho minhas limitações, meus impedimentos [...]” ( P. EDA). Algo extremamente importante, já que toda a movimentação pode cessar no engajamento “cego” ao Movimento.

É de autonomia que falamos aqui, de um modelo para o exercício fálico que é tomado do Movimento, ou seja, o próprio movimentar-se, o qual permite essa movimentação em relação ao próprio Movimento e a constituição de uma diferenciação no exercício fálico, ou seja, um exercício de atividade que não toma modelos já existentes.

Assim, percebemos o constante movimento, ou seja, a feminilidade realiza essa diferenciação do gozo fálico ao entrar no Movimento e continua repetindo-a depois de assentada, na profissão de professora.

3.7 A dialética dada pela perda do nome. A “autonomia” a exemplo da feminilidade