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O Estado do Rio de Janeiro no fim do século XX

No documento 1996 Limonad Os Lugares da Urbanizacao[1] (páginas 162-168)

4. ORIGENS, OCUPAÇÃO E URBANIZAÇÃO NO RIO DE

5.5 O Estado do Rio de Janeiro no fim do século XX

A industrialização da capital, após o fim do surto cafeeiro do século XIX, impôs uma nova divisão social e territorial do trabalho no início do século XX e simultaneamente: a) estimulou a migração do capital comercial e cafeeiro para empreendimentos

imobiliários e suntuários no Distrito Federal;

b) propiciou a formação e desenvolvimento da região metropolitana desarticulada do interior do antigo estado do Rio de Janeiro, em termos físicos e econômicos;

c) obstacularizou a formação de uma rede de cidades e mercados que sustentasse a economia depauperada do interior fluminense e lhe desse condições de se desenvolver e recuperar.

O interior do estado nestas condições só voltou a se dinamizar graças à ação do governo federal, a partir de 1940, a despeito da formação de uma rede de transportes polarizada pela cidade do Rio de Janeiro, pois muitas estradas federais passavam ao largo das sedes municipais no interior, por haverem sido abertas com a meta de conectar a capital federal a outras áreas do território nacional e ampliar sua área de influência, sobrepassando o território do antigo estado.

O interior, com exceção do Médio Paraíba, se desenvolveu a revelia da metrópole até 1970, com uma total ausência de políticas governamentais de caráter urbano, a não ser pela elaboração a nível municipal dos planos locais de desenvolvimento integrado

E ste r Limon a d - O s Lu g a re s d a Urb a n iza çã o 1 4 7 (PLDI) na década de 60 como meio de obter verbas do governo federal, e pelos planos diretores dada a obrigatoriedade da Constituição de 1988. Pouco se fez no âmbito da criação de pólos de desenvolvimento (Perroux) que inspirou a prática de planejamento em várias partes do território nacional, e apenas Campos no território do atual estado foi objeto do Programa de Cidades Médias do Banco Mundial.

Para desenvolver direta ou indiretamente o território do antigo estado foram de fundamental importância as seguintes iniciativas do governo federal:

nos anos 40:

• a implantação da Siderúrgica Barra Mansa e da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, que contribuíram para desenvolver a economia nacional e para industrializar o Médio Paraíba;

• o programa federal de estradas de rodagem, que abriu, entre outras, a Rio-Bahia e a Rio-São Paulo (BR-116 Via Dutra), e ampliou a área de influência da capital.

nos anos 50 e 60:

• a instalação da Companhia Nacional de Álcalis, em Arraial do Cabo, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Refinaria de Duque de Caxias (REDUC) em Duque de Caxias na região metropolitana.

nos anos 70/80:

• implantação de estradas e ampliação do sistema viário para viabilizar a fusão do antigo estado da Guanabara com o antigo estado do Rio de Janeiro, a saber a: ponte Rio-Niterói, a BR-101 (Santos-Rio-Campos), e o novo traçado da BR-040 (Rio-Juiz de Fora).

durante a década de 80 e 90.

• implantação da usina nuclear em Mambucaba (Angra dos Reis) através de um convênio entre Furnas, a Nuclen e o governo alemão;

• implantação do terminal portuário da Petrobrás em Jacuecanga (Angra dos Reis); • a descoberta de Petróleo na Bacia de Campos e a instalação de uma base de

operações da Petrobrás em Macaé.

O norte Fluminense foi objeto de vários programas federais desde a década de 60 (IAA, Pró-Alcoól, Prodenor) com o objetivo de desenvolvê-lo, porém tais programas contribuíram, conforme diversos analistas, para modernizar a produção, aumentar a

E ste r Limon a d - O s Lu g a re s d a Urb a n iza çã o 1 4 8 concentração fundiária e extinguir a pequena produção, expulsando grandes contingentes de trabalhadores rurais para a periferia das cidades médias da região (Campos, Macaé, Itaperuna, Sto Antônio de Pádua) e para a região metropolitana. A partir dos elementos levantados neste capítulo e no anterior parece-nos que houve sucessivas perdas ou deslocamentos de hegemonias da cidade do Rio de Janeiro, capital do atual estado, ex-estado da Guanabara e ex-Distrito Federal; e não necessariamente um esvaziamento econômico, como vimos no capítulo 2. A cidade do Rio de Janeiro perdeu a hegemonia cafeeira ainda no século XIX com a expansão da fronteira agrícola paulista. No início do século XX perdeu a hegemonia industrial; na década de 50 começou a perder o comando da rede viária e em 1960 perdeu a hegemonia política, ao nível do estado-nação. E paulatinamente, perdeu a hegemonia regional sobre o sul de Minas e Espírito Santo conforme Belo Horizonte se desenvolveu enquanto pólo econômico e industrial.

Torna-se difícil falar em um esvaziamento econômico no interior do atual estado, na medida em que este termo pressupõe um (pre)enchimento prévio, a perda de algo pré- existente. No caso do interior do território do atual estado do Rio de Janeiro o esvaziamento, até certo ponto, pode ser visto nesta perspectiva como uma falsa questão. A não ser pelos espaços ocupados por um breve tempo pelas atividades da cafeicultura durante o século XIX, e pelas áreas do Norte e Noroeste fluminense direcionados mormente para a produção primária. Os espaços onde se implantou alguma atividade industrial concentrada de porte se desenvolveram, como Volta Redonda, Barra Mansa, Resende, Barra do Piraí, no Médio Paraíba; Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis na região Serrana; Três Rios e Valença no Centro Sul Fluminense e Angra dos Reis na Baía da Ilha Grande. Neste sentido, parece-nos mais adequado falar em bolsões de pobreza.

Estes bolsões encontram-se preponderantemente em áreas onde não se desenvolveram ou implantaram novas atividades produtivas, que por cinqüenta anos vicejaram devido ao café e com sua evasão se esvaeceram, onde muitas vezes, por clientelismo político, vilas foram elevadas a cidades sem terem condição para tal. As quais até hoje permanecem estagnadas e tendem ao virtual desaparecimento como Sumidouro, São Sebastião do Alto, Rio das Flores, etc...

As atuais desigualdades entre as regiões fluminenses teriam suas raízes na forma com que se processou o povoamento; como e onde se desenvolveram as atividades produtivas e como a metrópole (cidade do Rio de Janeiro) se articulou com seu

E ste r Limon a d - O s Lu g a re s d a Urb a n iza çã o 1 4 9 hinterland (território do estado-nação) e como ela e o hinterland próximo (território do antigo estado do Rio de Janeiro) não se articularam física e produtivamente.

Relembramos aqui, rapidamente, algumas das causas para tal situação, além dos elementos abordados no capítulo anterior;

1. após a ocupação urbana no século XIX, apenas em 1930, dadas as necessidades da

industrialização, iniciou-se a efetiva ocupação urbana da Baixada Fluminense com a substituição dos laranjais por loteamentos. Esta ocupação foi mais uma expansão da malha urbana da capital direcionada para abrigar a força de trabalho do que uma expansão das atividades produtivas no antigo estado do Rio de Janeiro. No século XX a única cidade fundada no planalto fluminense após o ciclo do café foi Volta Redonda, por iniciativa estatal.

2. após a derrocada da agricultura fluminense, como vimos no capítulo anterior, a

inviabilidade da substituição da lavoura de café por outra de relevância na pauta de exportações, exceto pelo breve ciclo da citricultura na Baixada Fluminense entre 1920 e 1940 e não modernização da agropecuária fluminense, intensificaram não só as disparidades na rede urbana fluminense, mas entre os setores urbano e rural. Agravadas pelo caráter urbano da implantação industrial concentrada em poucas áreas, em particular na cidade do Rio de Janeiro, em razão da estanquização da divisão territorial do trabalho e da inexistência de uma divisão social do trabalho tal qual nos países centrais.

3. a despeito do surto de desenvolvimento industrial, na passagem do século XIX para o

XX, a cidade do Rio de Janeiro perdeu esta hegemonia já em 1920 para São Paulo, em plena fase de crescimento industrial e de transição para a divisão trabalho fabril. Entre os elementos que contribuíram para explicar o desinteresse do capital em se manter na atividade industrial e manufatureira e voltar-se para outras atividades mais lucrativas, especulativas e pouco multiplicativas, como o setor imobiliário público e privado e o setor comercial e financeiro (SZMRECSANYI, 1994 :207), conforme Szmrecsanyi e Egler, temos:

• a inexistência de uma agricultura mercantil, de um cordão de abastecimento próprio de matérias primas e gêneros alimentícios, dada a decadência rural; que persiste até hoje;

• boa parte da produção fluminense era de subsistência dirigida principalmente para o consumo local;

E ste r Limon a d - O s Lu g a re s d a Urb a n iza çã o 1 5 0 • a dependência do Rio de Janeiro da importação de matérias-primas e gêneros

alimentícios, elevava seus custos de produção: pela elevação dos salários, custos de transporte e impostos interestaduais;

• a diversificação industrial carioca em 1919 apesar de maior que em São Paulo (CANO, 1977 :109), concernia à produção em pequena escala de bens de luxo voltada para o consumo das classes abastadas do Distrito Federal;

• a despeito da fundação da Light em 1906 o território do atual estado enfrentava problemas de abastecimento de energia elétrica.

4. a articulação física da cidade do Rio de Janeiro com seu hinterland próximo (antigo

estado do Rio de Janeiro), à exceção da área da baixada fluminense, é recente, sua função de capital implicou em privilegiar ligações com seu hinterland maior em detrimento de seu hinterland menor, como vimos no capítulo anterior. Não se criaram, inclusive, condições para o desenvolvimento da produção agrícola fluminense, dadas as dificuldades para a escoar a produção, as quais se mantém até hoje nas áreas mais afastadas com a desativação de ramais secundários de ferrovias como a E.F. Cantagalo e a E.F. Carangola (CIDE ,1988c :11), não abertura de novas estradas e não pavimentação das estradas estaduais do antigo estado do Rio de Janeiro.

O hinterland da cidade do Rio de Janeiro era em escala territorial o país inteiro, por ser a sede de representação do poder real, imperial e federal do fim do século XVIII até meados do século XX; em escala regional a zona da Mata Mineira, Espírito Santo e sul da Bahia; até Belo Horizonte conseguir se firmar na década de 60 enquanto pólo econômico e industrial; em escala local o território do atual estado até se tornar sede do poder.

A cidade do Rio de Janeiro não contava com hinterland próprio na mesma unidade da federação que a abastecesse, durante o período colonial era abastecida por Minas Gerais. Via de regra isto não consiste em problema nos países avançados como os Estados Unidos, Alemanha, etc. com taxação única, porém no Brasil com a criação da federação e com uma legislação estadual tributária em cada estado isto contribui para o encarecimento dos produtos comercializados entre diferentes unidades administrativas. As desigualdades na rede urbana fluminense foram moldadas por diferentes processos. Desde a fase mercantilista, até a industrialização substitutiva, a grande beneficiada foi a cidade do Rio de Janeiro com um intenso processo de subordinação das cidades circunvizinhas, surgidas na fase primário-exportadora. Entre 1950 e 80 poucas cidades

E ste r Limon a d - O s Lu g a re s d a Urb a n iza çã o 1 5 1 na rede urbana fluminense responderam às estratégias governamentais para o desenvolvimento econômico-social, mesmo após a fusão e o estado apresentava duas áreas de maior dinamismo econômico: a região metropolitana, em posição primaz, seguida pela região do Vale Paraíba. Permanecem as desigualdades na estrutura econômica espacial do estado, mas graças às estradas abertas nas décadas de 70/80, as Regiões Baía da Ilha Grande, Serrana e das Baixadas Fluminenses conseguiram se desenvolver. O resto do estado, devido à gama de fatores econômicos, físicos, políticos e outros - sem condições de gerar ou manter atividades de sustentação econômica, pouco se desenvolveu e permaneceu, em parte, à sombra da Metrópole e, em parte, dela isolado (SECPLAN, 1975 :35).

Como veremos no próximo capítulo a ligação das áreas isoladas do interior fluminense aos fluxos da produção e circulação contribuiu para praticamente aniquilar a agricultura de subsistência fluminense devido às dificuldades de escoamento da produção, pois na década de 80 a rede rodoviária não foi ampliada nem objeto de melhorias e de pavimentação.

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No documento 1996 Limonad Os Lugares da Urbanizacao[1] (páginas 162-168)