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urbanização e espaço social uma primeira localização

No documento 1996 Limonad Os Lugares da Urbanizacao[1] (páginas 44-48)

2. O ESPAÇO, A CIDADE E A URBANIZAÇÃO

2.1.1 urbanização e espaço social uma primeira localização

A negligência com o espaço, enquanto categoria de análise, por parte da teoria social em geral, e pelas ciências sociais em particular, (exceto por raras exceções das contribuições dos leninistas, de Gramsci1; e da Escola de Chicago) e o desinteresse da

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Gramsci, ao questionar o crescente economicismo e produtivismo do partido comunista italiano, em particular em sua análise da questão meridional e em seus cadernos de carcére, contribuiu para uma certa compreensão da dialética sócio-espacial, em particular seus trabalhos sobre o papel do estado na vida cotidiana e na especificidade das formações econômicas e sociais e as relações entre as estruturas ocupacionais e territoriais. GRAMSCI, 1976.

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Geografia para com as relações sociais de produção e com a análise dos fenômenos sociais e econômicos, até a década de 60, deveu-se em boa parte à herança positivista de estanquização do conhecimento em diferentes competências. Portanto, se as ciências sociais, a economia e outros ramos do conhecimento não se preocuparam com a espacialidade das relações sociais de produção; se os geógrafos por sua vez se dedicaram a classificar e descrever minuciosamente o que havia no território sem se incomodar com os determinantes não geográficos de tais disposições, foi porque não fazia parte das atribuições destes campos de conhecimento.

Algumas correntes de análise, todavia, não deixaram o espaço completamente de lado (SOJA, 1993 :49-50). Entre elas a ecologia urbana da Escola de Chicago; as proposições de planejamento urbano e regional que despontaram entre 1930/50; a historiografia regional e a produção dos Annales (Fèbvre, Vidal-Naquet, Vernant, Léveque, Braudel, Mandrou, Le Goff), que deu continuidade às tradições de Vidal de La Blache; as teorias marxistas do imperialismo e os trabalhos de Gramsci sobre a questão regional. Segundo Poulantzas as análises da Ecole des Annales “se situam freqüentemente na linha designada como história das mentalidades. A produção social do espaço e do tempo é apreendida como simples transformação dos ‘quadros mentais’, da ‘visão do mundo’, das ‘estruturas mentais’, e é colocada no mesmo plano que as coordenadas culturais, como por exemplo a religião. Algumas dessas análises aparentam-se assim à corrente culturalista e àquelas, famosas, de M. Weber sobre o capitalismo e a ética protestante” (POULANTZAS, 1978 :111-112, grifo do autor).

As abordagens que tentavam articular as categorias espaço-tempo questionavam as análises historicistas e economicistas vigentes. Como será apresentado mais adiante, estas abordagens encaravam o espaço apenas como um elemento cultural, e portanto integrante da superestrutura de uma sociedade e o urbano enquanto um mero somatório de elementos ou um espaço marginal à produção. Destacam-se entre os articuladores do tempo/espaço Lefèbvre e Mandel, os quais apesar de trabalhar em diferentes escalas de análise entendiam que o espaço não se resumiria a um reflexo das relações sociais de produção.

No âmbito da análise regional, Mandel concluía que “o desenvolvimento desigual entre as regiões e as nações é a própria essência do capitalismo, no mesmo plano da exploração da mão-de-obra pelo capital” (MANDEL, 1976 :43 apud SOJA,1993 :103). Apesar da importância de Mandel para a análise regional, privilegiaremos neste prisma da articulação das categorias espaço-tempo a obra de Lefèbvre, por estar mais voltada

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para a problemática da urbanização. Para Lefèbvre a urbanização, enquanto processo de disseminação do urbano, ampliava-se e generalizava-se em escala mundial. E deveria ser entendida enquanto expressão das relações sociais ao mesmo tempo em que incidiria sobre elas (LEFÈBVRE, 1970 :21).

O significado dos termos urbano e urbanização para Lefèbvre ia além dos limites das cidades. Em seu entender a urbanização seria uma condensação dos processos sociais e espaciais que haviam permitido ao capitalismo se manter e reproduzir suas relações essenciais de produção e a própria sobrevivência do capitalismo estaria baseada na criação de um espaço social crescentemente abrangente, instrumental e mistificado (LEFÈBVRE, 1974 :358 e SOJA, 1993 :65), na compreensão de que

“É neste espaço dialectizado (conflitual) que se realiza a reprodução das relações de produção. É este espaço que produz a reprodução das relações de produção, introduzindo nela contradições múltiplas, vindas ou não do tempo histórico” (LEFÈBVRE, 1973 :19).

Tanto Mandel quanto Lefèbvre colocavam num mesmo plano o espaço social e as relações sociais de produção, e muitos interpretaram isto, principalmente no caso de Lefèbvre, como uma tentativa de se atribuir um papel transformador ao espaço.

Lefèbvre, todavia, não confere ao espaço um papel transformador, mas condicionador, regulador como fica claro na seguinte passagem:

“Spatial practice regulates life - it does not create it. Space has no power ‘in itself’, nor does space as such determine spatial contradictions. These are contradictions of society - contradictions between one thing and another within society, as for example between the forces and relations of production - that simply emerge in space, at the level of space, and so engender the contradictions of space” (LEFÈBVRE, 1974 :358).

Para ele, assim, “La realidad urbana modifica las relaciones de producción, sin, por otra parte, llegar a transformarlas” (LEFÈBVRE, 1970 :21), o espaço socialmente produzido assume um papel interativo com as relações sociais de produção1. E a que relações sociais de produção Lefèbvre se refere?

“se debe tomar como referencia no la producción en el sentido

restringido de los economistas - es decir, el proceso de la

producción de las cosas e de su consumo -, sino la reproducción de

las relaciones de producción. En esta amplia acepción, el espacio

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“Del espacio no se puede decir que sea un producto como cualquier otro, un objeto o una suma de

objetos, una cosa o una colección de cosas, una mercadería o un conjunto de mercaderías. No se puede decir que sea simplemente un instrumento, el más importante de todos los instrumentos, el presupuesto de toda producción e de todo intercambio. estaría esencialmente vinculado con la reproducción de las relaciones (sociales) de producción." LEFÈBVRE, 1972 :34.

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de la producción implicaría, por tanto, y encerraría en su seno la finalidad general, la orientación común a todas las actividades dentro de la sociedad neocapitalista... Se trata de la producción en el más

amplio sentido de la palabra: producción de las relaciones sociales y reproducción de determinadas relaciones (LEFÈBVRE,

1972 :34 - grifo nosso).

Com isso sua proposição conquista uma amplitude maior do que a hipótese que reduziu o urbano a uma ideologização ao nível do consumo, enquanto um espaço marginal à produção1.

A vinculação do espaço em geral e do espaço urbano em particular apenas à produção, segundo Lefèbvre, implicaria apenas na reprodução dos meios de produção concernentes à força de trabalho e seria adequada a uma análise do capitalismo competitivo do século XIX e não à atual etapa. Por outro lado, desde então as condições gerais se transformaram, e hoje o sistema capitalista deve garantir sempre além da reprodução dos meios de produção a reprodução das relações sociais de produção, efetivada através da totalidade do espaço, na medida em que compreendem a reprodução do cotidiano em novos e antigos espaços, perpassados por diferentes tempos históricos - simultaneidades (LEFÈBVRE, 1972 :33).

Para Lefèbvre a reprodução ampliada e as novas condições materiais do capitalismo estariam intimamente relacionadas aos processos pelos quais o sistema capitalista como um todo consegue ampliar sua existência através da manutenção e disseminação sócio-espacial de suas estruturas. Tanto ao nível da reprodução do cotidiano, da reprodução da força de trabalho e dos meios de produção quanto ao nível da reprodução das condições gerais e das relações gerais sociais de produção, onde a organização do espaço passa a desempenhar um papel fundamental. Seria no espaço socialmente produzido, o espaço urbano do capitalismo mesmo no campo, onde se reproduziriam as relações dominantes de produção através de um espaço social

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“En esta hipótesis (la tercera), repitámoslo una vez más, el espacio a la par funcional e instrumental queda vinculado a la reproducción de la fuerza de trabajo a través del consumo... Las ciudades no vendrían a ser más que unidades de consumo correlativas de las grandes unidades de producción... En cualquier caso, en esta hipótesis, el espacio no sería una mera representación inocente, sino que ‘vehicularia’ las normas y los valores de la sociedad burguesa... En el punto límite, ya no es exactamente la ideologia que impera, sino únicamente una suerte de falsa conciencia con los discursos, que ella misma engendra”. LEFEVBRE,

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concretizado, criado, ocupado e fragmentado conforme as necessidades da produção e do capitalismo1.

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