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O II EMMP, Bolívia

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E finalmente, voltamos a nos encontrar de 7 a 9 de julho em Santa Cruz de La Sierra, Bolívia. O Presidente Evo Morales, havia estado conosco no encontro do Vaticano, não como Presidente mas como militante histórico dos movimentos popu lares da Bolívia. E na ocasião fez o convite ao Papa Francisco para visitar o povo boliviano. Quando se confirmou a visita do Papa a América do Sul, imediatamente começamos trabalhar a possibilidade de realizar um novo, agora de forma massiva, com representantes de toda América (STEDILE, 2015, p.10).

As palavras acima são de um dos colaboradores dos EM M Ps desde o começo, João Pedro Stedile 121 sobre o II Encontro M undial dos M ovimentos Populares, na viagem apostólica do Papa ao Equador, à Bolívia e ao Paraguai, de 5 a 13 de julho de 2015. A escolha destes países parece indicar o desejo do Papa de estar nas e com as periferias para colocá-las no centro das atenções da Igreja. Ele esteve em Santa Cruz da Serra, Bolívia, para a conclusão do II EM M P em 9 de julho de 2015. Foram cerca de 1500 representantes de 40 países que discutiram sobres os três Ts (terra, teto e trabalho) e sobre a soberania dos povos sobre seu território. Do Brasil, segundo Stedile, foram 200 delegados de movimentos populares. Na Carta de Santa Cruz 122, o documento final dos representantes dos movimentos populares, encontramos a confirmação da centralidade dos três Ts como “síntese dos direitos básicos pelos quais os movimentos sociais devem lutar” (Cartilha II EM M P, 2015, p.10). A sintonia com o discurso de Francisco é mantida em diversos temas, mas principalmente no antagonismo em relação ao sistema econômico vigente e opressor das camadas mais pobres da sociedade que tem nos movimentos populares, muitas vezes, seus únicos representantes. Há em todos e sempre o desejo e o projeto de superar o “modelo social, político, econômico e cultural onde mercado e o dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis”; é constante também a “preocupação com a degradação ambiental” (idem). Quanto a este tema, os M ovimentos Populares (M P) são unânimes em afirmar junto com o Papa que as “problemáticas social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda. Um sistema incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz entre as pessoas e ameaça a própria subsistência da M ãe Terra, não pode seguir regendo o destino do planeta” (ibid. 11). O protagonismo dos membros dos M P fica claro quando assumem não que representam os excluídos ou que lhes emprestam a voz, mas que são excluídos também:

121 Membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via

Campesina Brasil.

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Nosso grito, o grito dos mais excluídos e marginalizados, obriga que os poderosos compreendam que não se pode seguir dessa forma. Os pobres do mundo se levantaram contra a exclusão social que sofrem cotidianamente. Não queremos explorar, nem sermos explorados. Não queremos excluir, nem sermos excluídos. Queremos construir um modo de vida no qual a dignidade se alce por cima de todas as coisas (ibid. p.12).

O clima de entusiasmo era parte da atmosfera que se respirava neste encontro, talvez mais que no anterior, dado que este encontro se realizou na América Latina, em um país liderado por um governo com características indígenas, com uma Esquerda popular de resultados políticos e econômicos promissores. Os aplausos ao discurso do Papa foram calorosos por parte dos camponeses, das cooperativas de microcrédito, plantadores de coca, catadores, entre outros. Um clima de superação, ao menos aparente, das contradições entre os povos colonizados/evangelizados e a Igreja; a mesma Igreja que estava do lado dos invasores e dominadores, agora está do lado dos dominados e excluídos e se oferece para, juntos, combater o sistema econômico global, lutar pelos direitos das periferias e proteger “Pachamama” 123. Não é só o Papa que domina as atenções, líderes populares como Evo

M orales, presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, compõem um cenário incomum, de tons messiânico-utópicos que contrasta com o pensamento único e a “globalização da indiferença”, assim chamada por Francisco.

Evo M orales, no salão da “FEXPOCRUZ”124, falou da luta do “movimento social

indígena que se tornou luta política” que reforça o direito de todos; a Bolívia renasce desta luta, disse o líder boliviano, “passando de um Estado mendigo a um estado plurinacional” 125.

Afirmou também que a organização popular é uma possibilidade que se assenta sobre a consciência do povo, mas que sobre recursos econômicos e que as mudanças naquele país foram possíveis graças à força política popular que é capaz de atos poderosos como a “nacionalização dos recursos naturais” e a “socialização da economia”, que o Estado tem a obrigação de proteger o “direito humano” à água, contra a privatização dos “gringos”, pois neste país, “decidem os índios”. Discursos como este refletem anseios populares típicos de contextos utópico-revolucionários aos quais se referia Henri Desroche no primeiro capítulo deste trabalho, e muitos outros, mostrando que as utopias não morreram, se assim fosse, explica M annheim (1972), a sociedade deixaria de existir; ele também lembra que a utopia

123 Mãe Terra segundo a cosmovisão andina.

124 Feira de exposições de Santa Cruz de la Sierra onde aconteceu parte do II EMMP.

125 MOVIMENTOS POPULARES. La larga tarde de Santa Cruz: “el futuro de la humanidad está en su

capacidad de organizarse”. EMMP, 10 julho 2015. Disponível em <http://movimientospopulares.org/la-larga- tarde-de-santa-cruz-los-movimientos-populares-entregaron-el-documento-final-al-papa-y-el-el-futuro-de-la- humanidad-esta-en-sus-manos-en-su-capacidad-de-organizarse/>.

115 não é factível, logo, as experiências como aquelas narradas por Evo M orales não portam perfeição utópica, como também não o fazem os M P; estas experiências trazem, como tudo que é humano, as marcas da imperfeição. O mais importante, porém, é que são experiências que se aproximam daquele horizonte utópico que, ao se movimentar para mais longe a medida que nos aproximamos, leva adiante nossa humanidade consigo.

Uma palavra profética – com roupagem ideológica, é verdade – M orales proferiu ao dizer que “os Estados Unidos tratam de nos dividir para continuar sua dominação. Estou seguro de que se nos unimos, sindicatos, os partidos de Esquerda, os socialistas, podemos vencer esta direita. O problema é que nos dividimos, temos ambições pessoais. Somente juntos podemos vencer!” Estas palavras se inserem no contexto de contradições que envolve qualquer grupo político que de fato chega ao poder, mas podem ser colhidas também como fruto da globalização da esperança de que fala Francisco. M orales concluiu sua fala dizendo: “Pela primeira vez posso dizer que tenho um Papa, Papa Francisco!” 126.

O cardeal Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz que participa da organização dos EM M Ps, em seu discurso neste segundo encontro, em 7 de julho de 2015, salientou que a Igreja quer se unir ao “grito” dos pobres de todo o mundo e encontrar com eles formas de organização e resistência à exclusão social, à desigualdade e degradação da natureza. “Assim, criaram movimentos não só para protestar contra a injustiça, mas também para resolver com suas próprias mãos os problemas de acesso ao Teto, à Terra e ao Trabalho, que nem os Estados, nem o mercado resolvem” (Cartilha II EM M P, 2015, p.37-38). Ele lembra que a política é tarefa de todos que não pode ser deixada nas mãos dos “políticos profissionais”, como a economia não é monopólio dos economistas, nem a ecologia, monopólio dos “acadêmicos e ativistas”, o povo tem seus instrumentos para participar destas atividades, mesmo que rudimentares e frágeis, os M Ps são exemplos disto: “propõem um estilo de vida alternativo [...] rechaçam o consumismo, o desperdício e o paradigma tecnocrático” (ibid. p.38). Eles rejeitam também as formas de colonialismo moderno que rouba os recursos naturais de cada país, são contra a privatização da água, do solo, do mar ou de qualquer parte da natureza necessária à vida humana; são contrários à exploração irresponsável do petróleo, o uso de transgênicos, o exaurimento dos peixes; reafirmam o “destino universal dos bens” (ibid. p.39). Buscam os meios para manter a paz, evitar as

116 drogas, o tráfico humano, a violência. O cardeal lembra que a Igreja apoia estas lutas e se dispõe a colaborar na construção de alternativas.

Neste encontro, as discussões a respeito dos três Ts (terra, teto e trabalho) levantaram as seguintes questões 127:

- Terra: produção agrícola mundial nas mãos de 50 empresas; monopólio das sementes nas mãos de 6 multinacionais; extrativismo multinacional predatório com cumplicidade do governo; defendemos semente natural e somos contra as leis privatizadoras; somos favoráveis à produção autossustentável e pedimos à Igreja que participe deste processo; reforma agrária integral e popular, fim da contaminação da natureza; incentivamos a agro ecologia e a agricultura familiar; fim da criminalização dos povos originários; erradicação dos latifúndios. - Teto: especulação imobiliária impede o acesso à moradia aos trabalhadores; moradia não é mercadoria, é direito; grande quantidade de casas vazias para especular; cerca de 2 bilhões de seres humanos vivem em moradias impróprias; os assentamentos irregulares são 71% das moradias na África, 32% na América Latina, 40% na Ásia e 24% na Oceania; exige-se que o Estado construa casas para os trabalhadores e aprove leis que respaldem o trabalho cooperativo de construção de moradias; regularização de assentamentos informais; fim dos despejos de assentados; inclusão dos movimentos sociais nas políticas públicas de acesso à moradia; cessão de terras das forças armadas e da Igreja para a construção de moradias; reforma urbana e reforma agrária estão conectadas.

- Trabalho: valorização do trabalho sobre os lucros; quase 50% dos trabalhadores do mundo participam da “economia popular”, mas carecem dos direitos básicos; desemprego crescente especialmente para os jovens, imigrantes e mulheres; maior participação dos trabalhadores na construção de políticas públicas de inclusão ao trabalho digno; incentivo à economia popular; fortalecimento das instâncias de capacitação para economia popular; criação de M inistério de Economia Popular; projeto para inclusão de jovens ao trabalho comunitário; proteção social, saúde, educação públicas para todos; fim do trabalho infantil; fim do trabalho escravo e tráfico de pessoas; fim do extermínio dos jovens negros e indígenas; fim da desigualdade entre trabalhadores e trabalhadoras.

127 MOVIMENTOS POPULARES. Terra, moradia, trabalho: as discussões dos participantes EMMP da Carta

de Santa Cruz. 7-8 de Julho de 2015. Acessível em < http://movimientospopulares.org/tierra-techo-trabajo-de- los-debates-de-los-participantes-al-emmp-a-la-carta-de-santa-cruz/>.

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