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3 CONCEPÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO E A UTILIZAÇÃO DA

3.1 O indivíduo criativo e seu processo de criação

A criatividade é bastante discutida nos dias atuais, pois é citada, na maioria das vezes, como um dos fatores para a resolução de problemas (OSTROWER, 1986; GARDNER, 1996) ou – principalmente – para a geração de novos produtos que necessitam ser criados para esse fim, além da “descoberta de uma série de questões ou temas desconhecidos ou negligenciados que requerem uma nova exploração” (GARDNER, 1996, p. 31). Segundo Nachmanovitch (1993),

Aquilo que costumamos chamar de criatividade envolve fatores como inteligência, capacidade de perceber a ligação entre fatos até então desconexos, capacidade de romper com ideias ultrapassadas, destemor, vigor, alegria e até mesmo uma certa capacidade de escandalizar (NACHMANOVITCH, 1993, p. 165).

Pode-se considerar então que a criatividade é de grande relevância dentro da dinâmica do cotidiano, tendo em vista os desafios diários e os acontecimentos que requerem de nós certa disposição para solucioná-los. Ostrower (1986) nos ajuda a compreender essa perspectiva quando ela discorre que a criatividade é uma necessidade humana, a qual é manifestada através da intuição, mas que, ao tornar- se consciente, gera transformações, abordando então a criatividade como uma especificidade de todo ser humano. Além disso, a autora ainda argumenta que, apesar do ato criador ser intuitivo, ele é intencional (OSTROWER, 1986). Me alinho ao pensamento da autora, tomando como base a crença individual de que, sem a criatividade e todos os elementos que a envolvem, a humanidade não teria avançado em vários aspectos, inclusive em conhecimento, levando em consideração que, para sanar necessidades emergentes, foi preciso criar soluções e experimentá- las, a fim de gerar as transformações necessárias.

Se a criatividade é uma necessidade humana e pode ocorrer de forma natural através da intuição, considera-se então que a prática criativa tem grandes possibilidades de estar inserida nos mais diversos contextos. Santos (2010) nos diz que a criatividade tem sido uma ferramenta importante em várias áreas, argumentando que “embora a criatividade esteja tradicionalmente associada às

artes, atualmente ela é considerada como um componente essencial da inovação em vários setores – artes, ciência e tecnologia, entre outros” (SANTOS, 2010, p. 91). Sendo assim, a criatividade tem um papel muito importante no desenvolvimento de avanços, nos mais diversos contextos.

Lowenfeld (1970) define a criatividade como “um comportamento produtivo, construtivo, que se manifesta em ações ou realizações. Não é necessário que seja um fenômeno ímpar no mundo, mas deve ser basicamente uma contribuição do indivíduo” (LOWENFELD, 1970, p.62, grifo nosso). Vigotsky (1982) ainda aborda que a atividade criadora é toda a realização humana que produz algo novo. Desta forma, percebe-se que a criatividade gira em torno, de fato, do novo; algo que seja inédito – mesmo que contenha referências de produtos já existentes.

Os autores trazidos até então foram escolhidos por serem de áreas importantes para a discussão sobre a criatividade (OSTROWER, 1986; GARDNER, 1996; NACHMANOVITCH, 1993; SANTOS, 2010; LOWENFELD, 1970) e a educação (VIGOTSKY, 1982). A ideia foi possibilitar um diálogo entre eles, apresentando pontos que considero complementares, para que fosse possível elencar os aspectos que permeiam o termo “professor criativo”, utilizado no decorrer desta pesquisa, com o intuito de construir uma base sólida a partir dos autores e da literatura publicada. Sendo assim, o professor criativo que menciono nesta investigação é aquele que, a partir da sua intuição e da prática criativa, consegue transformar o contexto em que está inserido, contribuindo para a formação de outros indivíduos, através da produção de algo novo.

Para fundamentar os pontos relativos à criatividade e ao indivíduo criativo, os principais elementos norteadores para a reflexão fazem parte da obra de Gardner (1996) e Nachmanovitch (1993), os quais abordam a criatividade de uma maneira bastante específica, e por isso serviram como fundamentação dos tópicos aqui levantados.

Tomemos como base inicial o triângulo da criatividade proposto por Gardner (1996), que está ligado à “pessoa individual, ou o talento individual; o domínio em que o indivíduo está trabalhando; e o campo de especialistas que avaliam os trabalhos no domínio” (GARDNER, 1996, p. 306, grifo do autor). De acordo com o autor, o que define um indivíduo criativo é a capacidade de aproveitar um aparente desajuste dentro desse triângulo da criatividade. Ele comenta que:

De um ponto de vista analítico, existem seis possíveis áreas de assincronia6: dentro do indivíduo, dentro do domínio, dentro do campo; entre o indivíduo e o domínio; entre o indivíduo e o campo; e entre o domínio e o campo. Os indivíduos que evitam qualquer tipo de assincronia provavelmente podem ser prodígios ou peritos, mas não é provável que se tornem pessoas criativas; aqueles que experenciam assincronia em todos os pontos podem ser esmagados. Minha hipótese é a seguinte: um indivíduo será considerado criativo na extensão em que apresentar várias assincronias e puder suportar a tensão concomitante (GARDNER, 1996, p. 306).

Nesse caso, percebe-se que Gardner (1996) defende a ideia de que é necessário um equilíbrio ao lidar com a criatividade, pois é preciso uma falta de simultaneidade entre os pontos do triângulo, mas que essa assincronia seja dentro de um limite estabelecido conscientemente.

Os aspectos discutidos por Gardner (1996), em seu estudo sobre criatividade, estão diretamente ligados às suas ideias anteriores publicadas no livro “Estruturas

da Mente: a teoria das inteligências múltiplas” (1994), onde o autor defende que o

indivíduo possui múltiplos tipos de inteligência, os quais podem ser desenvolvidos ou enfraquecidos. Consequentemente, essas inteligências podem estar diretamente ligadas ao domínio, um dos pontos do triângulo da criatividade descrito por ele. Se um indivíduo possui um domínio para executar algo, possivelmente ele sentirá autonomia para explorar sua criatividade dentro daquele âmbito dominado, ou daquela inteligência que foi desenvolvida, além de já possuir elementos suficientes para produzir algo novo a partir daquele repertório de saberes específicos de determinada área ou inteligência.

Desta forma, Gardner (1996) investigou sete personalidades importantes da história (Freud, Einstein, Picasso, Stravinsky, Eliot, Graham e Ghandi), os quais possuíam determinadas habilidades, e consequentemente conseguiram criar e inovar dentro de seus respectivos âmbitos. Segundo o autor, “todas as descobertas criativas ocorrem num domínio ou disciplina específicos. No caso de um Picasso ou Stravinsky [ambos artistas], a identificação do domínio é imediata, e também é relativamente fácil identificar os contornos das inovações” (GARDNER, 1996, p. 79). Ou seja, percebe-se que dentre as mentes investigadas, o domínio artístico se torna mais evidente, assim como suas inovações dentro dessa área.

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Assincronia: falta de sincronia e de simultaneidade (Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/assincronia/. Acessado em: 17 de abril de 2017).

Já Nachmanovitch (1993) aborda que a criatividade precisa ser exercitada para que o indivíduo tenha domínio do processo criativo. Aqui estamos tratando do domínio sobre o processo, e não mais sobre os conhecimentos específicos ou disciplinares, como aquele tratado no triângulo da criatividade de Gardner (1996). O autor argumenta que

O conhecimento do processo criativo não substitui a criatividade, mas pode evitar que desistamos dela quando os desafios nos aparecem excessivamente intimidadores e a livre expressão parece bloqueada. Se soubermos que nossos inevitáveis contratempos e frustações são fases do ciclo natural do processo criativo, se soubermos que nossos obstáculos podem se transformar em beleza, poderemos perseverar até a concretização dos nossos desejos (NACHMANOVITCH, 1993, p. 23).

Tomando como base esse pressuposto, percebe-se que a criatividade precisa fazer parte do cotidiano do indivíduo, partindo da forma mais pura da criação – que é a improvisação, a qual nasce de uma inspiração – à parte mais técnica e esquematizada, que é a criação em sua fase final (NACHMANOVITCH, 1993). Segundo o autor, “mesmo quando escreve música o compositor está improvisando (ainda que apenas mentalmente). Só depois ele vai refinar o produto de sua improvisação, aplicando a ele técnica e teoria” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 19). Neste caso, Nachmanovitch (1993) entra em consonância com as ideias de Sloboda (2008), o qual argumenta que o processo de composição musical é composto por dois estágios fundamentais: a inspiração e a elaboração (SLOBODA, 2008), sendo que no primeiro momento as ideias são concebidas, e no segundo, o compositor emprega seu conhecimento para tornar consciente o processo de composição.

No entanto, entre esses dois momentos da criação, o autor comenta que existe uma luta – em qualquer área do conhecimento – que se caracteriza como a dificuldade “para manter a inspiração durante tempo suficiente para transportá-la para o papel ou a tela, para o filme ou a pedra” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 27). Porém, ele argumenta que

A fórmula da criação é muito simples: identificar os obstáculos e atirá-los ao chão, como se atira ao chão uma mala excessivamente pesada que se vem carregando há muito tempo. Se estivermos livres e imperturbáveis, como as nuvens, qualquer criação que brote dentro de nós poderá fluir naturalmente e com simplicidade (NACHMANOVITCH, 1993, p. 173).

Segundo o autor, o processo criativo precisa ser praticado para que esse momento se realize de uma maneira calma e paciente, até chegar ao ponto dos

flashes de inspiração serem alongados e transformados em um fluxo contínuo.

Nachmanovitch (1993) nos diz que, quando esse estágio é alcançado, o indivíduo passa a ter prazer em resolver com suas “próprias mãos” (p. 74) qualquer desafio.

O autor ainda nos fala sobre o que ele chama de “atitude artística” (p. 86), a qual “nos liberta para perceber as possibilidades que estão diante de nós. [...] então poderemos pegar um instrumento comum e torná-lo extraordinário” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 86). No caso desse autor, sua atuação como violinista está sempre emergindo em suas falas, abarcando então a criação na música e na Arte em geral. Mas por que não podemos pensar numa atitude criativa para a resolução de problemas? Essa atitude criativa que coloco aqui, baseada nos autores abordados até então, emergirá no desenvolvimento desta pesquisa e, principalmente, na reflexão proposta pelo tema central. O intuito é promover uma reflexão aos professores de música em relação à criatividade, e como ela pode fazer a diferença na sala de aula nos momentos de resolução de problemas e de inovação artística durante o fazer musical.

Com relação ao processo criativo em si, Nachmanovitch (1993) o aborda de forma mais aprofundada do que Gardner (1996), tendo em vista que o foco do primeiro autor é justamente tratar sobre esse processo – suas características e dificuldades. Nachmanovitch (1993) argumenta que

[...] não se pode falar de um processo criativo, porque as personalidades são diferentes e o processo criativo de uma pessoa não é igual ao de outra. Na luta pela expressão do ser, muitos seres podem ser expressos. Cada um precisa descobrir sua própria maneira de penetrar e atravessar esses mistérios essenciais (NACHMANOVITCH, 1993, p. 22, grifo do autor).

Apesar de tratar sobre essa individualidade em cada processo criativo, o autor aborda aspectos comuns presentes nos vários processos. Um deles é a presença do raciocínio lógico, que sempre tende a estar à tona nas etapas da criação, mas que não é visto com bons olhos pelo autor. Por isso ele aborda o lado não tanto racional, mas ainda mais eficiente no processo, que é o pensamento intuitivo.

O raciocínio lógico se desenrola passo a passo, e as conclusões de um passo podem derrubar, e frequentemente o fazem, as conclusões do passo anterior – daí a existência daqueles momentos em que

pensamos, pensamos e não conseguimos tomar uma decisão. O raciocínio lógico se baseia em informações das quais temos consciência – apenas uma amostra parcial de nosso conhecimento total. O pensamento intuitivo, por outro lado, se baseia em tudo o que sabemos e em tudo o que somos. Num único momento, ocorre a convergência de uma rica pluralidade de fontes e direções – daí a sensação de absoluta certeza que geralmente acompanha o pensamento intuitivo (NACHMANOVITCH, 1993, p. 46).

Nesse caso, pode-se trazer um diálogo entre Nachmanovitch (1993) e Gardner (1996), relacionando os pensamentos sobre o conhecimento adquirido – que faz toda a diferença no desenvolvimento da criação e faz parte do pensamento intuitivo – e o domínio, elemento pertencente ao triângulo da criatividade, tendo em vista que ambos estão relacionados ao conhecimento sobre algo específico, o qual pode dar subsídios para a criação. Sendo assim, é perceptível que os dois autores defendem a presença do conhecimento para o desenvolvimento de algo novo, tornando-se possível entrelaçar as ideias com um terceiro autor, tendo em vista a sua abordagem em relação à criatividade: Vigotsky (1982).

Vigotsky (1982) defende que a criatividade não surge repentinamente, pois trata-se de um processo gradativo que corresponde às diferentes fases da vida. Desta forma, o processo criativo se dá em um nível simples até chegar ao complexo, baseando-se nas experiências adquiridas, o contato e os estímulos diversos, pertencentes ao ambiente social onde o indivíduo se encontra. Com isso, o autor compreende que há uma relação e um mecanismo psicológico entre realidade e atividade criadora, sugerindo quatro formas básicas de ligações entre elas, e uma delas – na qual me aterei neste discurso – está relacionada na dependência entre a criatividade e o resgate de experiências anteriores. Vigotsky (1982) compreende que não é possível criar algo do nada, pois toda forma de criação está relacionada a um conhecimento adquirido ou a uma vivência passada. Sendo assim, toda atividade criadora estará sempre relacionada a algo extraído da realidade e a algo criado pela mente humana. Com isso, o autor pressupõe que, quanto maior for o contato com novas e diferentes experiências, maior será o potencial criativo do sujeito. Desta forma, pressupõe-se que os adultos possuem um potencial maior do que as crianças, justamente porque adquiriram mais conhecimentos e vivenciaram mais experiências ao longo da vida (VIGOTSKY, 1982).

Entre os conceitos e concepções apresentados até então, quero ressaltar aqui os aspectos referentes ao conhecimento adquirido (NACHMANOVICTH, 1993;

VIGOTSKY, 1982), ao domínio (GARDNER, 1996), e ao exercício do processo criativo (NACHMANOVICTH, 1993), por entender que estão de acordo com o plano analítico proposto para esta pesquisa. Sendo assim, a intenção foi trazer um diálogo entre os autores, ressaltando pontos que se complementam e me auxiliam na fundamentação da linha de raciocínio proposta para este trabalho. Tais fundamentos foram utilizados como base para a análise dos dados que será apresentada mais à frente, pois a formação dos educadores investigados, as características, as concepções e as motivações individuais, além das experiências e periodicidade da prática criativa serão analisadas em consonância com os conceitos e concepções aqui levantadas.

Acredito que, quando o indivíduo possui conhecimento suficiente ao ponto de dominar determinada área, ele tem em mãos o material e a autonomia para criar, partindo do que já viu/ouviu/presenciou para algo ainda não produzido, e que é preciso criá-lo por motivos que podem ser os mais diversos possíveis. Além disso, ao se ter domínio e conhecimento, o processo criativo pode tornar-se mais eficaz e prazeroso.

Venhamos e convenhamos que no início da prática criativa, provavelmente, surjam inúmeras dificuldades, tendo em vista que é preciso o exercício desse processo para que a insistência nos momentos difíceis lhe faça chegar ao produto final. Por isso, Nachmanovitch (1993) argumenta que a criação precisa emergir de algo que você tenha prazer e tenha conhecimento suficiente para realizá-lo; ou seja, pode-se considerar que o processo criativo é o ato de brincar com os elementos que já se está familiarizado. O autor discorre que “o trabalho criativo é divertimento; é a livre exploração dos materiais que cada um escolheu. A mente criativa brinca com os objetos que ama. [...] O músico [por exemplo] brinca com o som e o silêncio” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 49).

Ele ainda argumenta que

A improvisação, a composição, a literatura, a pintura, o teatro, a invenção, todos os atos criativos são formas de divertimento, o ponto de partida da criatividade no ciclo de desenvolvimento humano e uma das funções vitais básicas. O divertimento é a raiz de onde brota a arte original; é o material bruto que o artista canaliza e organiza com as ferramentas do conhecimento e da técnica (NACHMANOVITCH, 1993, p. 49, grifo nosso).

Esse divertimento está diretamente ligado ao prazer em desenvolver e produzir algo. Pode-se considerar então, que esse prazer é um dos elementos geradores da criação – e em alguns casos, podemos cogitar ser o principal –, o que nos remete diretamente à motivação que se dá para adentrar num processo criativo, e é nessa motivação que nos aprofundaremos a seguir, trazendo outros autores para dialogarem com Gardner (1996) e Nachmanovitch (1993).