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3 CONCEPÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO E A UTILIZAÇÃO DA

3.2 O processo criativo e a motivação

Todos nós podemos ter uma perspectiva diferente sobre o termo motivação, mas considera-se que, no senso comum, tal termo denota “um sentido de movimento do comportamento, direcionamento da ação, ou até do estado de espírito de uma pessoa” (ARAÚJO, 2015, p. 16). De acordo com Bzuneck (2001), motivação “é aquilo que move uma pessoa ou que a põe em ação ou a faz mudar de curso” (BZUNECK, 2001, p. 9). Já para Reeve (2006), “motivação refere-se aos processos que dão ao comportamento sua energia e direção” (REEVE, 2006, p. 24). Em todas essas colocações, é perceptível a ligação direta com o movimento e a ação, mas nem sempre os conceitos sobre motivação foram ligados ao movimento.

Na primeira metade do século XX, os estudos sobre motivação e as teorias motivacionais consideravam os animais – inclusive o ser humano – como seres naturalmente inativos, o que instituía à motivação o papel de excitá-los, como uma espécie de motor instigante de comportamento, fazendo com que eles passassem a ser ativos. Porém, na segunda metade do século XX, os psicólogos começaram a pensar de maneira bastante diferente, observando que as pessoas são inerentemente ativas, o que demonstra que elas estão sempre motivadas a fazer algo (REEVE, 2006). Na revisão das teorias motivacionais que Charles Cofer e Mortimer Appley (1964) realizaram em meados dos anos 1960, foi perceptível o fato de que o número das teorias de orientação passiva era dez vezes superior aquelas de orientação ativa. Porém, as teorias ativas começaram a se propagar, o que fez com que nos dias atuais o estudo da motivação trate de pessoas inerentemente ativas (REEVE, 2006).

Para que o indivíduo seja impulsionado a realizar algo, é preciso que haja uma motivação interior que lhe faça realizá-lo, ou eventos externos que o levem a realizar determinada ação – em certos casos, motivos internos e eventos externos

estão envolvidos uniformemente entre os fatores motivadores do comportamento (REEVE, 2006). Araújo (2015) apresenta a seguinte compreensão sobre esse tema:

Podemos entender que as motivações do indivíduo podem vir de necessidades intrapessoais ou a partir de demandas externas a ele, isto é, podem surgir dos elementos internos ou externos ao indivíduo. Assim, o construto motivação pode ser compreendido como determinantes ambientais, forças internas, como necessidades e desejos, ou ainda incentivos que movem o indivíduo a realizar uma determinada tarefa (ARAÚJO, 2015, p. 16).

Neste caso, deve-se compreender o que constitui esse processo interno. A autora Amabile (1983) tratou esse fenômeno como motivação intrínseca, que vai além do simples cumprimento de um trabalho. Gardner (1996) ressalta os argumentos de Amabile (1983) com relação à motivação:

Contrariamente à predição das explicações psicológicas clássicas, Amabile mostrou que as soluções criativas dos problemas ocorrem com maior freqüência [sic] nos indivíduos empenhados numa atividade por puro prazer, do que quando eles o fazem por possíveis recompensas externas (GARDNER, 1996, p. 23).

Guimarães (2002) reforça que a motivação intrínseca está diretamente relacionada a uma atividade considerada interessante pelo indivíduo, e que de certa forma é geradora de satisfação e prazer, o que promove então um envolvimento cognitivo considerável. Tal envolvimento nos sugere que o prazer – e porque não citar o divertimento abordado por Nachmanovitch (1993) – nos faz alcançar resultados demasiadamente satisfatórios, tendo em vista o tamanho interesse na atividade. Reeve (2006) ainda ressalta que

Um motivo é um processo interno que energiza e direciona o comportamento. Portanto, trata-se de um termo geral para se identificar o campo comum compartilhado pelas necessidades, cognições e emoções. [...] Necessidades, cognições e emoções são nada mais que tipos específicos de motivos (REEVE, 2006, p. 4).

As necessidades são condições internas do indivíduo, necessárias à manutenção da vida e da promoção do seu crescimento e bem-estar. Já as cognições referem-se aos eventos mentais, e estão relacionadas ao modo de pensar do indivíduo, e as emoções, são fenômenos subjetivos, os quais coordenam a maneira como reagimos aos eventos importantes de nossas vidas (REEVE, 2006).

Os eventos externos são incentivos ambientais que adquirem a capacidade de energizar e direcionar o comportamento, à medida que tal comportamento poderá produzir consequências de recompensa ou punição (REEVE, 2006). Por muitas vezes pensei que, provavelmente, esse tipo de motivação – a qual é chamada de

motivação extrínseca – resultasse numa certa baixa qualidade de desempenho na

execução, pois o importante seria o cumprimento da tarefa, horário ou função, independente da qualidade do serviço, se acomodando a fazer o básico que lhe é pedido, e não o seu melhor. Por outro lado, as necessidades externas e emergentes podem gerar uma motivação de grande porte, fazendo com que o indivíduo se instigue a realizar a criação para sanar tais necessidades.

Para que a motivação de um indivíduo seja analisada, é necessário atentar para três aspectos: o comportamento, a fisiologia e o auto-relato (REEVE, 2006). No comportamento, é importante observar a intensidade do esforço, a persistência e a grande expressividade gestual ou facial, por exemplo. Segundo Reeve (2006), “o termo ‘engajamento’ dá muito bem um senso geral de quão intensa é a motivação da pessoa” (REEVE, 2006, p. 5). Já para a análise da fisiologia, é preciso a realização de exames médicos para que sejam analisadas as substâncias químicas que são liberadas ao realizar diversas atividades, as quais fornecem sustentação biológica para os estados motivacionais e emocionais. A terceira maneira de coletar dados quanto ao processo de motivação, é por meio de perguntas realizadas através de entrevistas ou questionários, contando assim com o auto-relato. Porém, o que as pessoas dizem sobre seus motivos muitas vezes não condiz com suas expressões comportamentais e fisiológicas. Portanto, quem investiga a motivação, geralmente se baseia nas duas primeiras medidas, utilizando o auto-relato apenas para validar os dados coletados de outras formas (REEVE, 2006).

Apesar de ter trazido autores que trabalham diretamente e especificamente sobre motivação, quero ressaltar aqui que os próprios autores que abordam a criatividade e o processo criativo também tratam sobre motivação, mais especificamente aquela que envolve o ato de criar. Nachmanovitch (1993), por exemplo, aborda aquele tipo de motivação que revela-se como impulso criativo – o qual se difere de criatividade. Quando somos impulsionados, somos impelidos por uma força interior a fazer alguma coisa – “independentemente da possibilidade de ela vir a ser popular ou recompensada pela sociedade” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 165). Segundo o autor

Por trás do impulso criativo existe um nível mais profundo de compromisso, um estado de comunhão com um todo que está além de nós. Quando esse elemento de união é injetado em nossas formas de expressão, atingimos algo que ultrapassa a mera criatividade, o simples propósito ou a mera dedicação; atingimos um estado em que agimos por força do amor. O amor está relacionado à perpetuação da vida, e portanto irrevogavelmente ligado a nossos valores mais profundos (NACHMANOVITCH, 1993, p. 166).

Nesse caso, é possível compreender que o autor trata da criação realizada pelo prazer, caracterizando-se a motivação como intrínseca. O ato de criar então se dá pelo simples fator de gostar de produzir algo novo, sem que esse produto inédito tenha de surgir por alguma ocasional necessidade. Podemos aqui refletir que tal impulso pode ser bastante característico do ofício do professor – principalmente aquele que utiliza a criatividade em sua prática pedagógica. No cenário da sala de aula, nas necessidades emergentes e no ritmo de aplicação dos planejamentos, considera-se que flashs podem ocorrer em segundos como respostas aos momentos vividos – ou à continuidade deles. Uma sequência desses impulsos pode então formar um processo criativo.

Outro fator motivador citado pelos autores que abordam a criatividade é o desejo da inovação. Gardner (1996) nos chama atenção para esse fator quando ele nos coloca que

Stravinsky e Schönberg derrubaram [...] as suposições de uma única tonalidade e uma base rítmica simples; Stravinsky abraçou vibrações rítmicas complexas e a politonalidade, enquanto Schönberg criou sua própria abordagem cerebral à composição, uma abordagem de doze tons (GARDNER, 1996, p. 16).

Tais compositores quebraram um padrão que foi construído e utilizado durante anos pelos maiores compositores ocidentais conhecidos até então, mas o desejo de expandir os limites musicais e explorar novas nuances apresentou-se mais relevante durante o processo criativo. Não se pode afirmar, mas talvez imaginar, que o improviso mental desses compositores pode ter proporcionado um divertimento tal, que não temeram o estranhamento que sua obra poderia causar, apenas acreditaram naquilo que estavam em mente e o geraram, tornando público seu trabalho final.

A partir dos autores abordados até então, cabe discutir e investigar mais adiante como os elementos relacionados à motivação revelam-se na prática

pedagógica do professor – elemento-chave desta pesquisa – tomando os aspectos teóricos discutidos neste tópico como base para a análise dos dados.