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3.2 – O jornalismo como ciência: a contribuição de Tobias Peucer

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O pesquisador Jorge Pedro Sousa faz uma reflexão sobre o campo cientifico do jornalismo dizendo que não podemos abrir mão dos pensamentos dos filósofos antigos, como Platão, que distingue o discurso e a realidade, Aristóteles, com as técnicas do discurso, e ainda outros pensadores romanos que já abordavam sobre as noticias, os estudos sobre essa ciência se originaram no século XVII, mesmo período em que os primeiros periódicos surgiram.

De acordo com o pesquisador o pioneirismo se dá na Alemanha, que durante a reforma dos protestantes o país desenvolveu alto índice de alfabetização, acompanhando o enriquecimento econômico, e, assim, incentivando o consumo dos periódicos.

Já no Reino Unido, século XVII, passou por uma época de turbulência com desordens políticas e militares, porém essa situação fez gerar um jornalismo noticioso, político, partidário e combatente. E, ainda, foi o primeiro país a utilizar o periódico como defesa política e a basear nos princípios da liberdade de impressa. Este modelo, criado pelos britânicos, serviu de inspiração para muitos outros países, principalmente os Ocidentais.

Sousa (2007) diz que foi na Alemanha, no ano de 1629, que pela primeira vez tentou-se caracterizar o jornalismo e as notícias. O acadêmico Christophorus Besoldus foi quem tentou classificar as notícias com uma visão jurídica, em sua obra Thessaurus

Practicus. Também foi nesta obra que pela primeira vez se usou a expressão “periódico de novidades” ao se referir os jornais (apud CASASÚS E LADEVÉZE, 1991, p. 52). A associação da ideia de jornalismo ao aparecimento periódico de notícias é um contributo relevante para o entendimento do jornalismo, afirma Sousa (2007, p. 3).

Já no ano de 1630, Ahasver Fritsch trata da problemática do estilo e excesso nas notícias. Em 1644, John Milton faz o primeiro discurso sobre a liberdade de imprensa e suas responsabilidades. No ano de 1685, Christian Weise publicou a primeira análise de conteúdo sobre os jornais alemães, que acreditava no valor formativo, informativo, utilitário e pedagógico do jornal (SOUSA, 2007, p. 3).

Foram muitos que surgiram destacando o papel da imprensa perante sociedade, alguns com pequenos ensaios, que muitas vezes nem se referia a imprensa. Outros dizem sobre a importância da impressa e suas funções.

E no ano de 1690, na Universidade de Leipzig, na Alemanha, a primeira tese de doutorado em jornalismo foi apresentada por Tobias Peucer, orientando por Adam Rechenberg (SOUSA, 2007, p. 4). Sua tese inicia, de forma simbólica, a ciência da comunicação e do jornalismo como um campo de estudo. E tinha como objetivo fazer

um esboço sobre as relações e relatos de novidades, ou seja, é como chamamos os jornais e as notícias nos dias de hoje.

O destaque que se dá para os estudos de Tobias Peucer49 é que naquela época não existia jornalistas e o jornalismo propriamente dito, a imprensa estava no processo de iniciação, começava a, então, fazer parte da rotina das pessoas.

É interessante observar, na tese de Peucer, os apontamentos feitos para se estruturar e utilizar a notícia, pois são os principais conceitos dos estudos das Teorias do Jornalismo. Com 29 capítulos interligados, de início ele praticamente iguala o jornalismo com a história, diz que um dos objetivos dos períodos é relatar fatos e acontecimentos importantes para a sociedade.

Para Peucer a causa do nascimento dos “periódicos impressos com tempestiva frequência hoje em dia, são em parte a curiosidade humana e em parte a busca pelo lucro, tanto da parte dos que confeccionam os periódicos, como da parte daqueles que os comerciam, vendem50”

Sua tese segue descrevendo o conceito de notícia, e a define como um texto descrito, com atualidade e informações de úteis para a sociedade. Ressalta que é necessário relatar os acontecimentos até para que possa servir como registros históricos das cidades. Para ele, a notícia precisa passar credibilidade, se prender em fatos verdadeiros, se manter imparcial em todos os registros e trazer novidades.

Também diz que é primordial se ter um agradável texto, boa narrativa, e não um texto técnico e com palavras difíceis, mas sim que envolva o leitor. Para isso, Peucer cita Cícero e Fabio Quintiliano como mestres da arte de escrever e discursar.

Por fim, Tobias Peucer encerra sua dissertação dizendo que após apresentar os conceitos dos periódicos abre um espaço para discutir sobre os variados gêneros. Todavia, o pesquisador apresenta apenas o gênero literário, pois havia periódicos específicos para esta natureza, e que muitas vezes eram traduzidos para diversas línguas. Finaliza dizendo que para não tornar seu trabalho algo tedioso preferiu não aprofundar o assunto, deixando para os próprios leitores escolherem o gênero preferido, e assim escreverem.

49 Todas as referências sobre a tese de doutorado de Tobias Peucer foram retiradas da Revista

Comunicação e Sociedade. In: PEUCER, T. (1690/2000). Os relatos jornalísticos. Comunicação e Sociedade, nº 33, pp. 199-214, 2000. (Tradução de De relationibus novellis, Leipzig: Tese (Doutorado em Periodística) – Universidade de Leipzig, 1690.)

50 PEUCER, T. (1690/2000). Os relatos jornalísticos. Comunicação e Sociedade, nº 33, pp. 199-214,

2000. (Tradução de De relationibus novellis, Leipzig: Tese (Doutorado em Periodística) – Universidade de Leipzig, 1690.)

Entretanto, Marques de Melo (2004, p. 75) diz que as expressões jornalísticas pioneiras ficaram estancadas pelo inevitável elitismo do seu conteúdo, como afirma o próprio o precursor dos estudos jornalísticos o “o prazer encontrado na leitura dos periódicos pelos eruditos”, ou seja, “aqueles que gozam do conhecimento da geografia, da genealogia e dos afazeres cívicos”. (PEUCER, 1690/2000, p.213).

Orlando Tambosi (2004) alega que Tobias Peucer não foi o primeiro teórico do jornalismo:

Na verdade, os pressupostos teóricos e regras técnicas que ele enuncia correspondem à “cultura da notícia” que começava a se consolidar nos principais centros da Europa (principalmente na Holanda) em função da expansão do comércio e da proliferação de periódicos. Peucer remete, portanto, às origens do jornalismo (o próprio termo “jornalista” passou a ser utilizado em francês, inglês e italiano somente por volta de 1703). Filho da modernidade tal como as ciências, o jornalismo seria decisivo, no século XVIII, à difusão das idéias do Iluminismo – só então assumindo características político-ideológicas mais nítidas que desembocariam na formação da chamada “opinião pública” e na Revolução Francesa de 1789 (TAMBOSI, 2004, p. 50).

Jorge Pedro Sousa (2004) descreve que muitas foram as suas contribuições para os estudos das Teorias do Jornalismo: o conceito de notícia; o efeito do jornalismo, hoje conhecido como a agenda-setting; a teoria do efeito de distanciamento social, que faz certo controle sobre os assuntos a serem abordados no jornal; e, ainda, a teoria de usos e gratificações, que Tobias Peucer diz que o leitor precisa encontrar satisfação ao ler o jornal.

O pesquisador relata que Peucer é muito descritivo ao se referir à ética e à técnica que se deve ter ao escrever para jornais “podendo, por isso, pode ser considerado como o autor do primeiro manual de jornalismo do mundo” (SOUSA, 2004, 42), com a técnica jornalística e a cobertura de acontecimentos, e suas formas de atuação. Já sobre a estrutura da notícia, Peucer diz que é necessário conter informações como a pessoa, o objeto, a causa, o modo, o local e o tempo (cap. XXI da tese), ou seja, o que conhecemos, hoje, como o lead da matéria: “quem?”, “o quê?”, “onde?”, “quando?”, “porquê?” e “como?”. “Conforme se disse, esta sugestão de Peucer, importada da retórica clássica, mostra bem que a fórmula dominante para a construção de uma notícia está muito longe de ser uma invenção anglo-saxónica do século XIX” (SOUSA, 2004, p. 42).

Em relação à ética do jornalismo o doutorando Peucer faz uma reflexão da imprensa da época, que a denúncia que muitos publicavam assunto de pouca importância, algumas baseadas em rumores ou informações que prejudicam os outros.

Jorge Pedro Sousa ainda complementa dizendo que quando Tobias Peucer escreveu sua tese as referências na retórica, na filosofia, na história, no jurídico, na ética e na moral já existiam e foram utilizadas para aproveitamento do jornalismo.

Alguns dos autores de que Peucer se serviu eram seus contemporâneos, mas outros remontavam à antiguidade grega e romana. No campo da retórica, Peucer socorreuse dos antigos filósofos e retóricos gregos e romanos, como Fábio Quintiliano ou Cícero, que, entre outros contributos para os estudos jornalísticos, há mais dois mil anos foram fixando para a posteridade a fórmula dos elementa narrationis para contar novidades (circunstâncias de sujeito, objeto, lugar, tempo, causa e maneira, ou seja, “quem?”, “o quê?”, “onde?”, “quando?”, “porquê?” e “como?”), tantas vezes atribuída erroneamente aos americanos do século XIX. Peucer lançou também mão de outros textos clássicos, como os de Luciano de Samosata, autor do século II, sobre historiografia. Este autor, que Peucer subscreve, escreveu a obra Como se Deve Escrever a História, onde adopta um tom positivista, prescrevendo que a historiografia se deve basear em factos e não em interpretações (enquadramentos) (SOUSA, 2004, p.45).

Através do texto de Tobias Peucer observa-se a importância dada ao tratamento do jornalismo produzido já naquela época. A definição do conceito de notícia e a introdução da imprensa informativa, abrindo espaço para novos gêneros. Sua grande contribuição foi o pioneirismo nos estudos da Teoria do Jornalismo, que absorveu as principais características da retórica, como o texto descritivo, o estilo e, ainda, originou discussões sobre a liberdade de imprensa e a ética.

A teoria esboçada por Peucer, como já dito, é encontrada nos principais manais e livros de jornalismo. Marques de Melo (2006), em seu livro Teoria do Jornalismo, faz uma discussão sobre objetividade da notícia e aponta como seus principais critérios a veracidade (circunscrição ao real, factível, comprovável), clareza (identificação dos elementos que permitam ao interlocutor a reconstrução integral do objetivo narrado) e a credibilidade (apresentação de indícios e evidencias suficientes para suscitar a confiança coletiva) (p. 50). O pesquisador acrescenta que no jornalismo de hoje a objetividade implica em pluralidade de observação e relatos. “O que se desdobra em pluralidade de fontes, de canais e de núcleo de receptores” (2006, p.49).

Os conceitos apresentados são, também, os mesmo que Frei Caneca descreve, em seu texto Tratado de Eloquência, sobre as virtudes da narração, são três: A clareza (o texto precisa ser claro e empregar palavras que vão de acordo com o vocabulário do leitor), brevidade (não fugir do assunto principal) e verossimilhança, ou seja, ser verdadeiro e atual com os fatos.

Neste contexto, observa-se a atuação de Frei Caneca como precursor dos estudos da Teoria do Jornalismo no Brasil, pois em sua época, século XIX, nada se discutia sobre os princípios e valores da imprensa, e o, então, carmelita se dedica à retórica aplicando-a em seus discursos e no jornal Typhis Pernambucano, e de uma maneira de conceituá-la em suas atuações. A influência da retórica no jornalismo produzido por Caneca veremos a seguir.

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