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O Manifesto da Fundação da Escola Livre de Sociologia e Política (1933)

O Manifesto marcou a inauguração da Escola Livre de Sociologia e Política em 27 de abril de 1933 e foi organizado por Roberto Simonsen. Neste documento, é possível identificar a base do pensamento que permeou a direção da instituição como um todo, desde os critérios de escolha dos docentes, quanto ao olhar dado às pesquisas que nela foram produzidas. Inicialmente, o documento faz referência à necessidade de se analisar a história política e social de maneira objetiva, para então trazer um dos grandes fatores que impedem esta análise na atual conjuntura brasileira:

A análise desapaixonada e honesta46 de nossa história político social revela, sem

dúvida, a cada passo, esforços sinceros para reorganização da vida do país. Em todos os ramos de atividade, múltiplas são as tentativas e concepções tendentes a melhorar as nossas condições de existência. Mas não se pode negar que tem sido pouco animador o resultado. A todo esforço seguem-se geralmente o malogro e a decepção. E sempre continuamos no mesmo ambiente de hesitações, experiências e desequilíbrio.

É evidente que esse estado de coisas, não obstante a ilusão de alguns sonhadores de panacéias, não deriva de um fator único, suscetível de exame e solução tranqüilizadora. Vários e diferentes são os fatores, cada qual de maior ou menor efeito corrosivo. Dentre eles, entretanto, destaca-se naturalmente por seu caráter básico, a falta de uma elite numerosa organizada, instruída sob métodos científicos, ao par das instituições e conquistas do mundo civilizado capaz de compreender antes de agir, o meio social em que vivemos. (KANTOR.; MACIEL & SIMÕES, 2009, p.237-8).

Caberia à elite esta missão de vanguarda, de trazer as conquistas do mundo civilizado a partir de um olhar cientificista sobre o meio social, buscando compreendê-lo antes de agir sobre ele. A política deveria, desta maneira, ser pensada por uma elite científica. E a “falta” deste tipo de classe seria uma demanda da própria sociedade:

46 Importante destacar que a crítica da Escola Livre de Sociologia e Política sobre a postura não científica da

política nacional aproxima-se da crítica dos pioneiros da Escola Nova aos “empirismos” realizados pela política educacional da época.

Está na consciência de todos essa grande falta. Ainda há pouco, na guerra civil desencadeada em nosso Estado47, e também agora, na luta para refazer-se dos efeitos

dessa guerra e das aflições que a antecederam, o povo sente-se mais ou menos às

tontas e vacilante. Quer agir, tem vontade de promover algo de útil, cogita de uma

renovação benéfica, mas não encontra a mola central de uma elite harmoniosa, que

lhe inspire confiança, que lhe ensine passos, firmes e seguros.

Esse mal não pode ser remediado às pressas, nem admite paliativos desalentadores. Urge encará-lo de frente, com pensamento mais para o futuro do que para o presente. (KANTOR.; MACIEL & SIMÕES, 2009, p.238).

A possibilidade de se ter uma elite harmoniosa, representante do apelo por mudança emanada do “povo”, seria uma construção futura, uma missão cuja Escola Livre de Sociologia e Política tomaria como sua, a partir da pesquisa científica sobre a realidade brasileira e da formação dos futuros representantes intelectuais desta realidade:

Os instrumentos e processos de ensino em vigor, se permitem a formação de profissionais distintos, de especialistas notáveis, acoroçoam, por outro lado, especulações individualistas, pesquisas isoladas, e o malsinado autodidatismo,

gerador de planos e concepções de caráter pessoal. Falta em nosso aparelhamento

de estudos superiores, além de organizações universitárias sólidas, um centro de

cultura político-social apto a inspirar interesse pelo bem coletivo, a estabelecer a ligação do homem com o meio, a incentivar pesquisas sobre as condições de existência e os problemas vitais de nossas populações, a formar personalidades capazes de colaborar eficaz e conscientemente na direção da vida social.

A fundação da ESCOLA LIVRE DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO vem preencher essa lacuna evidente. Já aproveitando elementos de valor de nossas classes cultas, já contratando professores de renome fora do país, já promovendo conferências públicas, avulsas e periódicas, e intercâmbio com instituições estrangeiras análogas, já adotando para os cursos uma orientação eminentemente científica, à altura das exigências do meio social contemporâneio – a Escola oferecerá aos estudiosos um campo de cultura e de preparo indispensável para eficiente atuação na vida social (KANTOR.; MACIEL & SIMÕES,

2009, p.238-9).

Por fim, o documento se encerra com o que seria o principal “pressuposto” na construção de uma grande civilização, além do papel de São Paulo naquele momento histórico:

A história universal encerra exemplos de grandes civilizações construídas sem base na instrução popular. Mas não há exemplo de civilização alguma que não tivesse por alicerce elites intelectuais sábia e poderosamente constituídas48.

47

O Manifesto faz referência à Revolução de 1932, motivo pelo qual Roberto Simonsen e Cyro Berlick decidiram fundar a Escola Livre de Sociologia e Política. Os detalhes desta fundação serão debatidos em capítulo futuro.

48 Se no capítulo sobre o entre-guerras foi revelada a fragilidade da democracia representativa, sobretudo, no

conceito de “povo” enquanto unidade de diversos seguimentos naquela época, já, nesta passagem, aparece este tipo de pensamento que esvaziava também a representação do “povo” enquanto categoria política de relevância e legitimidade, dando prioridade da ação e da representação à elite política. Nesse sentido, chama a atenção como esse discurso se desdobrou em apologias anacrônicas na direita brasileira atual, tal como no artigo publicado na coluna de Reinaldo Azevedo em 2006 na Veja, em que o mesmo criticava duramente o “povo” por dar intenção

São Paulo, embora moralmente ferido pelos dissabores dos últimos anos, deixará patente sua considerável força de resistência e dará novo exemplo de sua tradicional energia construtora, se prestar apoio integral ao novo órgão de ensino

(KANTOR.; MACIEL & SIMÕES, 2009, p.239)

Desta maneira, argumenta-se que a construção de uma sociedade civilizada independeria da educação universal, da instrução popular, contanto que fosse garantido o poder de direção às elites, sábias, organizadas e representantes da esfera do trabalho intelectual. Este ponto de vista, defendido em toda a vida por Roberto Simonsen, aparece também em seu texto chamado Rumo à Verdade, que foi lido durante seu discurso de inauguração da Escola Livre de Sociologia e Política.